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Poema[4]
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada in “Geografia”,1962
Biografia
Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar, no vento.
in“NoMarNovo”, 1958
Inicial
O mar azul e branco e as luzidias
Pedras: O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida
in“Dual”,1972
Mar
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
in “Poesia”,1944
Meio-Dia
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.
in “Poesia”,1944
Lusitânia
Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.
in“NoMarNovo”, 1958
Inscrição
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
in“LivroSexto”, 1962
TuDormes
Tu dormes embalado nos rochedos
E aos meus ouvidos vem falar o vento
Escuto, busco, chamo e não respondes,
E todo o mundo se tornou fantasma.
Estou fechada, suspensa, prisioneira
Queria voltar para fora, para o dia
Ressurgir, respirar, tornar a ver,
Mas todo o mundo se tornou fantasma.
E a voz do mar encheu o céu e a terra
Uma voz que está cheia e que se quebra
E nunca mais acaba.
Pássaros brancos cortam as janelas,
Anémonas cintilam nos rochedos:
Terror de estar sozinha e de escutar
Com este tempo morto entre os meus dedos.
in “Coral”,1950
No Mar Passa
No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente.
in “NoTempoDividido”, 1954
Mar Sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
in “Diado Mar”,1947
Mar
I
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
in“Poesia”,1944
Barco
Margens inertes abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.
Um grande barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.
Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto
in“Coral”,1950
Mandei parao Largo
Mandei para o largo o barco atrás do vento
Sem saber se era eu o que partia.
Humilhei-me e exaltei-me contra o vento
Mas não houve terror nem sofrimento
Que à praia não trouxesse,
Morto o vento.
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As Minhas Mãos
As minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.
in“Coral”, 1950
Barcos[2]
Um por um para o mar passam os barcos
Passam em frente de promontórios e de terraços
Cortando as águas lisas como um chão
E todos os deuses são de novo nomeados
Para além das ruínas de seus templos
in “Livrosexto”, 1962
Fundodo Mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
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Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
in “Poesia”, 1944
Espera [2]
Dei-te a solidão do dia inteiro.
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro.
in “Diado Mar”,1947
Cais
Para um nocturno mar partem navios,
Para um nocturno mar intenso e azul
Como um coração de medusa
Como um interior de anémona.
Naturalmente
Simplesmente
Sem destruição e sem poemas,
Para um nocturno mar roxo de peixes
Sem destruição e sem poemas
Assombrados por miríades de luzes
Para um nocturno mar vão os navios.
Vão
O seu rouco grito é de quem fica
No cais dividido e mutilado
E destruído entre poemas pasma.
in “NoMarNovo”,1958
Pirata
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.
Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
in “Coral”,1950
HáMuito
Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
in“Dual”,1972
Diado Mar no Ar
Diado marno ar, construído
Comsombrasde cavalose de plumas.
Diado marno meuquarto - cubo
Ondeos meusgestossonâmbulosdeslizam
Entreo animale a florcomomedusas.
Diado marno ar, diaalto
Ondeos meusgestossãogaivotasquese perdem
Rolandosobreasondas, sobreas nuvens.
in“Coral”,1950
NavioNaufragado
Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
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Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
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E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
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Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
in “Diado Mar”, 1947
No AltoMar
No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.
O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.
Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.
São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.
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Eu me Perdi
Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Polícia, agiota, fariseu
Ou cocote
Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra
Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
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Sem me levar
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Madrugada
Um leve tremor precede a madrugada
Quando mar e céu na mesma cor se azulam
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A nossa vida se vê extasiada
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Liberdade [2]
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
in“NoMarNovo”, 1958
Uma das mais importantes poetisas
portuguesas do século XX. Foi a primeira
mulher portuguesa a receber o mais
importante galardão literário da língua
portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.
O Mar dos meus Olhos
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
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in “ObraPoética”,2010
Fernanda Botelho, uma das maiores poetisas portuguesas do século XX

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  • 2.
  • 3. Poema[4] A minha vida é o mar o Abril a rua O meu interior é uma atenção voltada para fora O meu viver escuta A frase que de coisa em coisa silabada Grava no espaço e no tempo a sua escrita Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará Não tenho explicações Olho e confronto E por método é nu meu pensamento A terra o sol o vento o mar São a minha biografia e são meu rosto Por isso não me peçam cartão de identidade Pois nenhum outro senão o mundo tenho Não me peçam opiniões nem entrevistas Não me perguntem datas nem moradas De tudo quanto vejo me acrescento E a hora da minha morte aflora lentamente Cada dia preparada in “Geografia”,1962
  • 4. Biografia Tive amigos que morriam, amigos que partiam Outros quebravam o seu rosto contra o tempo. Odiei o que era fácil Procurei-te na luz, no mar, no vento. in“NoMarNovo”, 1958
  • 5. Inicial O mar azul e branco e as luzidias Pedras: O arfado espaço Onde o que está lavado se relava Para o rito do espanto e do começo Onde sou a mim mesma devolvida Em sal espuma e concha regressada À praia inicial da minha vida in“Dual”,1972
  • 6. Mar Mar, metade da minha alma é feita de maresia Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez. E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia Mais fortes se levantam outra vez, Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida. E se vou dizendo aos astros o meu mal É porque também tu revoltado e teatral Fazes soar a tua dor pelas alturas. E se antes de tudo odeio e fujo O que é impuro, profano e sujo, É só porque as tuas ondas são puras. in “Poesia”,1944
  • 7. Meio-Dia Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém. O sol no alto, fundo, enorme, aberto, Tornou o céu de todo o deus deserto. A luz cai implacável como um castigo. Não há fantasmas nem almas, E o mar imenso solitário e antigo Parece bater palmas. in “Poesia”,1944
  • 8. Lusitânia Os que avançam de frente para o mar E nele enterram como uma aguda faca A proa negra dos seus barcos Vivem de pouco pão e de luar. in“NoMarNovo”, 1958
  • 9. Inscrição Quando eu morrer voltarei para buscar Os instantes que não vivi junto do mar in“LivroSexto”, 1962
  • 10. TuDormes Tu dormes embalado nos rochedos E aos meus ouvidos vem falar o vento Escuto, busco, chamo e não respondes, E todo o mundo se tornou fantasma. Estou fechada, suspensa, prisioneira Queria voltar para fora, para o dia Ressurgir, respirar, tornar a ver, Mas todo o mundo se tornou fantasma. E a voz do mar encheu o céu e a terra Uma voz que está cheia e que se quebra E nunca mais acaba. Pássaros brancos cortam as janelas, Anémonas cintilam nos rochedos: Terror de estar sozinha e de escutar Com este tempo morto entre os meus dedos. in “Coral”,1950
  • 11. No Mar Passa No mar passa de onda em onda repetido O meu nome fantástico e secreto Que só os anjos do vento reconhecem Quando os encontro e perco de repente. in “NoTempoDividido”, 1954
  • 12. Mar Sonoro Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. A tua beleza aumenta quando estamos sós E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho. Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim. in “Diado Mar”,1947
  • 13. Mar I De todos os cantos do mundo Amo com um amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua, Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. II Cheiro a terra as árvores e o vento Que a Primavera enche de perfumes Mas neles só quero e só procuro A selvagem exalação das ondas Subindo para os astros como um grito puro. in“Poesia”,1944
  • 14. Barco Margens inertes abrem os seus braços Um grande barco no silêncio parte. Altas gaivotas nos ângulos a pique, Recém-nascidas à luz, perfeita a morte. Um grande barco parte abandonando As colunas de um cais ausente e branco. E o seu rosto busca-se emergindo Do corpo sem cabeça da cidade. Um grande barco desligado parte Esculpindo de frente o vento norte. Perfeito azul do mar, perfeita a morte Formas claras e nítidas de espanto in“Coral”,1950
  • 15. Mandei parao Largo Mandei para o largo o barco atrás do vento Sem saber se era eu o que partia. Humilhei-me e exaltei-me contra o vento Mas não houve terror nem sofrimento Que à praia não trouxesse, Morto o vento. in“Coral”,1950
  • 16. As Minhas Mãos As minhas mãos mantêm as estrelas, Seguro a minha alma para que se não quebre A melodia que vai de flor em flor, Arranco o mar do mar e ponho-o em mim E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas. in“Coral”, 1950
  • 17. Barcos[2] Um por um para o mar passam os barcos Passam em frente de promontórios e de terraços Cortando as águas lisas como um chão E todos os deuses são de novo nomeados Para além das ruínas de seus templos in “Livrosexto”, 1962
  • 18. Fundodo Mar No fundo do mar há brancos pavores, Onde as plantas são animais E os animais são flores. Mundo silencioso que não atinge A agitação das ondas. Abrem-se rindo conchas redondas, Baloiça o cavalo-marinho. Um polvo avança No desalinho Dos seus mil braços, Uma flor dança, Sem ruído vibram os espaços. Sobre a areia o tempo poisa Leve como um lenço. Mas por mais bela que seja cada coisa Tem um monstro em si suspenso. in “Poesia”, 1944
  • 19. Espera [2] Dei-te a solidão do dia inteiro. Na praia deserta, brincando com a areia, No silêncio que apenas quebrava a maré cheia A gritar o seu eterno insulto, Longamente esperei que o teu vulto Rompesse o nevoeiro. in “Diado Mar”,1947
  • 20. Cais Para um nocturno mar partem navios, Para um nocturno mar intenso e azul Como um coração de medusa Como um interior de anémona. Naturalmente Simplesmente Sem destruição e sem poemas, Para um nocturno mar roxo de peixes Sem destruição e sem poemas Assombrados por miríades de luzes Para um nocturno mar vão os navios. Vão O seu rouco grito é de quem fica No cais dividido e mutilado E destruído entre poemas pasma. in “NoMarNovo”,1958
  • 21. Pirata Sou o único homem a bordo do meu barco. Os outros são monstros que não falam, Tigres e ursos que amarrei aos remos, E o meu desprezo reina sobre o mar. Gosto de uivar no vento com os mastros E de me abrir na brisa com as velas, E há momentos que são quase esquecimento Numa doçura imensa de regresso. A minha pátria é onde o vento passa, A minha amada é onde os roseirais dão flor, O meu desejo é o rastro que ficou das aves, E nunca acordo deste sonho e nunca durmo. in “Coral”,1950
  • 22. HáMuito Há muito que deixei aquela praia De grandes areais e grandes vagas Mas sou eu ainda quem na brisa respira E é por mim que espera cintilando a maré vasa in“Dual”,1972
  • 23. Diado Mar no Ar Diado marno ar, construído Comsombrasde cavalose de plumas. Diado marno meuquarto - cubo Ondeos meusgestossonâmbulosdeslizam Entreo animale a florcomomedusas. Diado marno ar, diaalto Ondeos meusgestossãogaivotasquese perdem Rolandosobreasondas, sobreas nuvens. in“Coral”,1950
  • 24. NavioNaufragado Vinha de um mundo Sonoro, nítido e denso. E agora o mar o guarda no seu fundo Silencioso e suspenso. É um esqueleto branco o capitão, Branco como as areias, Tem duas conchas na mão Tem algas em vez de veias E uma medusa em vez de coração. Em seu redor as grutas de mil cores Tomam formas incertas quase ausentes E a cor das águas toma a cor das flores E os animais são mudos, transparentes. E os corpos espalhados nas areias Tremem à passagem das sereias, As sereias leves dos cabelos roxos Que têm olhos vagos e ausentes E verdes como os olhos de videntes. in “Diado Mar”, 1947
  • 25. No AltoMar No alto mar A luz escorre Lisa sobre a água. Planície infinita Que ninguém habita. O Sol brilha enorme Sem que ninguém forme Gestos na sua luz. Livre e verde a água ondula Graça que não modula O sonho de ninguém. São claros e vastos os espaços Onde baloiça o vento E ninguém nunca de delícia ou de tormento Abre neles os seus braços. in “Poesia”, 1944
  • 26. Eu me Perdi Eu me perdi na sordidez de um mundo Onde era preciso ser Polícia, agiota, fariseu Ou cocote Eu me perdi na sordidez do mundo Eu me salvei na limpidez da terra Eu me busquei no vento e me encontrei no mar E nunca Um navio da costa se afastou Sem me levar in“ Geografia”, 1962
  • 27. Madrugada Um leve tremor precede a madrugada Quando mar e céu na mesma cor se azulam E são mais claras as luzes dos barcos pescadores E para além de insânias e rumores A nossa vida se vê extasiada in“Ilhas”, 1989
  • 28. Liberdade [2] Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade. in“NoMarNovo”, 1958
  • 29. Uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.
  • 30. O Mar dos meus Olhos Há mulheres que trazem o mar nos olhos Não pela cor Mas pela vastidão da alma E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos Ficam para além do tempo Como se a maré nunca as levasse Da praia onde foram felizes Há mulheres que trazem o mar nos olhos pela grandeza da imensidão da alma pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens... Há mulheres que são maré em noites de tardes e calma in “ObraPoética”,2010