O documento contém vários poemas de diferentes autores portugueses que exploram temas relacionados ao mar, como a beleza do mar, as ondas, a praia, a ligação entre o mar e a identidade portuguesa. Muitos poemas descrevem o mar de uma forma sensorial e lírica.
3. Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves - só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
Eugénio de Andrade,
in Mar de Setembro
4. No quadrado aberto da janela o mar cintila
coberto de escamas e brilhos como na infância. O
mar ergue o seu radioso sorrir de estátua arcaica.
Toda a luz se azula. Reconhecemos nossa inata
alegria: a evidência do lugar sagrado.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Ilhas
5. Vinha do sul ou de um verso de Homero.
Como dormir, depois de ter ouvido
o mar o mar o mar na sua boca?
Eugénio de Andrade, in O outro nome da terra
6. Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.
Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.
Porém nem nas marés, nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.
E devagar tornei-me transparente
Como morte nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.
Sophia de Melo Breyner Andresen,
in No Tempo dividido
7. Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
Sophia de Mello Breyner Andresen
8. Como o rumor do mar dentro de um búzio O divi-
no sussurra no universo Algo emerge: primordial
projeto.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das coisas
10. Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar
senhoras que com tanta dignidade à hora que o
calor mais apertar coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?
Ruy Belo, "Verão", in Todos os Poemas, Assírio & Alvim
11.
12. Atravessara o verão para te ver
dormir, e trazia doutros lugares
um sol de trigo na pupila;
às vezes a luz demora-se
em mãos fatigadas;
não sei em qual
de nós explodiu uma súbita
juventude, ou cantava:
era mais fresco o ar.
Quem canta no verão espera ver o mar.
Eugénio de Andrade, in O Peso da Sombra
13. E no teu rosto aberto sobre o mar cada
palavra era apenas o rumor de um bando
de gaivotas a passar.
Eugénio de Andrade, in Os Amantes do dinheiro
14. Chove. Uma rapariga desce a rua.
Os seus pés descalços são formosos.
São formosos e leves: o corpo alto
parte dali, e nunca se desprende.
A chuva em abril tem o sabor do sol:
cada gota recente canta na folhagem.
O dia é um jogo inocente de luzes,
de crianças ou beijos, de fragatas.
Uma gaivota passa nos meus olhos.
E a rapariga – os seus formosos pés –
canta, corre, voa, é brisa, ao ver
o mar tão próximo e tão branco.
Eugénio de Andrade
15. Não tenho mãos para o azul. Sonho com o mar
que não está longe mas não vejo arder. Só a
sombra parece estar em casa debaixo dos meus
ramos: canta baixinho enquanto se descalça.
Eugénio de Andrade, in Com o sol em cada sílaba
16. Mar sonoro, mar sem fundo,
mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando
estamos sós
E tão fundo intimamente a tua
voz
Segue o mais secreto bailar do
meu sonho,
Que momentos há em que eu
suponho
Seres um milagre criado só
para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Dia do Mar
17.
18. Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela
Ao olhar sem fim o sucessivo
Inchar e desabar da vaga
A bela curva luzidia do seu dorso
O longo espraiar das mãos de espuma
Por isso nos museus da Grécia antiga
Olhando estátuas frisos e colunas
Sempre me aclaro mais leve e mais viva
E respiro melhor como na praia
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Búzio de Cós e outros poemas
19. Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios
As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços
A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia
E para trás fica o murmúrio Das ondas enroladas como búzios.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in No Tempo Dividido (1954)
20. Estou deitado sobre a minha ausência,
como poderia estar deitado se existisse.
Amanhã as ondas imitar-me-ão na praia.
José Luís Peixoto, in A Criança em Ruínas
21. Tal como nós temos coração, intestinos, rins, fígado…
…o mar tem peixes.
Afonso Cruz, “2 de Julho”, in O livro do ano, Alfaguara