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UMA POBREZA DIFERENTE?

                                         Mudanças no padrão de consumo da população de baixa renda

                                                           Haroldo da Gama Torres
                                                           Renata Mirandola Bichir
                                                           Thais Pavez Carpim


                                                           RESUMO
                                                         A partir dos dados da PNAD 2004, este artigo aponta altera-
ções no consumo entre a população pobre das regiões metropolitanas brasileiras. Sugere-se que a discrepância entre o
aumento do número de pobres e a melhora dos padrões de consumo relaciona-se a um conjunto de transformações
estruturais profundas, associadas ao papel das políticas públicas, a variações na estrutura de preços, a mudanças no
tamanho da família, à transformação do papel da mulher e a maior oferta de crédito.
                                                         PALAVRAS-CHAVE: PNAD 2004; pobreza; desigualdade social;
                                                         políticas públicas.

                                                           SUMMARY
                                                             This article points out changes in consumption among poor
people in Brazil. It is suggested that the discrepancy between the increasing amount of poor people and the improve-
ment in consumption standarts is related to a wide variety of structural changes, among which public policies, varia-
tion in price structure, smaller size of families, new role played by women and increasing credit supply.
                                                             PALAVRAS-CHAVE: PNAD 2004; poverty; social inequality;
                                                             public policy.




                                              Os últimos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-
                                         cílios (PNAD),realizada em 2004,têm trazido importantes evidências
                                         relativas à queda da desigualdade de renda no Brasil.Por exemplo,a desi-
                                         gualdade medida pelo índice de Gini,embora ainda muito elevada,caiu
                                         para os níveis mais baixos na última década, conforme apontado pelo
                                         IBGE. Infelizmente, nem sempre essa queda na desigualdade se traduz
                                         na redução da proporção de pobres, pois pode estar relacionada à piora
                                         da situação dos estratos de renda mais elevados e/ou pode estar concen-
                                         trada em regiões específicas do território nacional.

                                         NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006                                                  17
Os resultados aqui apresentados indicam que, nas dez principais
  regiões metropolitanas do Brasil, a proporção de pobres cresceu subs-
  tancialmente na comparação entre 1995 e 2004. Em outras palavras, a
  pobreza metropolitana continua aumentando. Contraditoriamente, os
  dados disponíveis também sugerem que o consumo de bens e serviços
  por parte dos mais pobres apresentou aumento significativo, o que
  sugere um quadro relativamente inesperado de transformação dos con-
  teúdos associados à pobreza.Detalhamos esses argumentos abaixo.

       EVOLUÇÃO DA POBREZA


      A despeito da melhora do índice de Gini em escala nacional,os dados
  disponíveis mostram que a proporção de pobres na última década
  aumentou de modo significativo nas principais regiões metropolitanas
  do país.Houve aumento no número de domicílios abaixo da linha oficial
  de pobreza entre 1995 e 2003 em nove das dez metrópoles consideradas
  na PNAD. Quando consideramos especificamente a comparação entre
  2003 e 2004, as variações observadas são mais discretas, não suge-
  rindo,porém,uma mudança significativa na tendência observada ante-
  riormente (Tabela 1).

  TABELA 1
  Proporção dos domicílios com renda per capita de até 1/2 salário mínimo.
  10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004.




  Fonte:PNADs 1995,2003 e 2004.
  Nota:Os dados foram ajustados conforme o valor do salário mínimo de 2003,a partir do IPCA/Brasil,IBGE.



      De fato,houve um aumento significativo na proporção de pobres em
  quase todas as regiões consideradas entre 1995 e 2003,sendo que a pre-
  sença de domicílios com renda per capita inferior a meio salário mínimo
  no conjunto das regiões passou de 12,6 para 15,5%.Esse aumento se deu
  de forma mais intensa em São Paulo e Belém,e em proporção menor em

18 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim
Brasília e Curitiba.Nas regiões de Fortaleza,Recife,Salvador,Belo Hori-
                                         zonte e Porto Alegre, a situação permaneceu praticamente inalterada e,
                                         no Rio de Janeiro,foi verificada uma pequena queda.
                                             Entre 2003 e 2004, houve uma ligeira redução na proporção de
                                         domicílios pobres no conjunto das regiões metropolitanas — de 15,5
                                         para 15% –,com destaque para Belém,Salvador,Belo Horizonte e Curi-
                                         tiba, com reduções mais acentuadas. Nas demais regiões, foi verificada
                                         uma relativa estabilidade na participação dos domicílios mais pobres,
                                         não caracterizando em conjunto uma nova tendência.

                                              CONTEÚDOS ASSOCIADOS À POBREZA


                                             Apesar desses resultados,alguns conteúdos associados à pobreza —
                                         representados, por exemplo, pelo acesso a bens e serviços — também
                                         vêm se alterando de modo importante entre a população de renda mais
                                         baixa. Na verdade, observa-se, entre 1995 e 2004, que o acesso a bens
                                         aumentou entre as famílias com renda familiar per capita inferior a meio
                                         salário mínimo. Destaca-se o maior acesso à telefonia e a outros bens
                                         domésticos,como máquinas de lavar e geladeiras (Gráfico 1).

                                         GRÁFICO 1
                                         Evolução no consumo de bens entre as famílias com renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo.
                                         10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004




                                         Fonte:IBGE,PNADs 1995,2003 e 2004.


                                             Esses resultados não podem ser atribuídos somente aos primeiros
                                         efeitos gerados pelo Plano Real,que teve impactos significativos sobre a
[1] Rocha,S.Pobreza no Brasil: afinal,   pobreza.1 O acesso a bens ampliou-se mesmo em períodos posteriores,
de que se trata? Rio de Janeiro: FGV     marcados por inflação mais elevada e declínio da renda média. No caso
Editora,2003.
                                         específico do período 2003-2004,a maioria dos dados manteve-se está-
                                         vel,com exceção do acesso à telefonia,que também se elevou.

                                         NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006                                                                           19
Por outro lado, analisando os dados relativos ao acesso a serviços
   públicos (Gráfico 2), também é possível observar um expressivo
   aumento das coberturas entre os domicílios mais pobres,especialmente
   entre 1995 e 2003,com estabilidade no período 2003-2004.No caso do
   acesso a esses serviços, cabe destacar a importância do papel do Estado
   nos últimos anos, que vem buscando a universalização dos serviços
   mesmo entre as camadas mais pobres da população.2                                                          [2] Marques, E. Estado e redes sociais:
                                                                                                              permeabilidade e coesão nas políticas
                                                                                                              urbanas no Rio de Janeiro. Rio de Ja-
   GRÁFICO 2                                                                                                  neiro:Revan/Fapesp,2000.
   Evolução no acesso a serviços entre as famílias com renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo.
   10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004




   Fonte:IBGE,PNADs 1995,2003 e 2004.


        Em síntese,observam-se,apesar do aumento da proporção de domi-
   cílios pobres nas regiões metropolitanas, expressivas melhoras em ter-
   mos de maior acesso a bens e serviços, indicando a complexidade dos
   padrões recentes de pobreza urbana. Esses resultados sugerem que se
   evidencia uma pobreza “diferente” em termos dos conteúdos a ela asso-
   ciados. Essa pobreza diferente é agora caracterizada — ao menos nas
   áreas metropolitanas — pelo maior acesso ao consumo de bens e servi-
   ços.Vale a pena refletir um pouco sobre esse fenômeno.

        DISCUSSÃO
                                                                                                              [3] Os rendimentos médios indivi-
                                                                                                              duais derivados do trabalho caíram
       Alguns autores têm buscado explicar o aumento do acesso a serviços                                     aproximadamente 25% entre 1997 e
   públicos em um contexto de deterioração da renda a partir do recente                                       2005,segundo a PME.
   fortalecimento do papel do Estado.3 Políticas como as de educação,
                                                                                                              [4] Ver, por exemplo, Faria, Vilmar.
   saúde e transferência de renda,que tiveram sua abrangência substancial-                                    “A Conjuntura Social Brasileira:Dile-
   mente aumentada nos últimos dez anos,teriam o potencial de funcionar                                       mas e Perspectivas”. In: Novos Estudos,
                                                                                                              nº 33. Ver também, Tavares, M.H. “A
                                                                                                               -
   como redes de proteção social, proporcionando melhoria de condições                                        política social no governo Lula”. In:
   sociais mesmo no contexto de relativa deterioração econômica.4                                             Novos Estudos,nº 70.
                                                                                                                               -



20 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim
Nesse sentido, estaríamos frente a um novo elemento — a melhora
                                             de indicadores sociais com a deterioração do cenário econômico das
                                             famílias. No caso específico do aumento das coberturas de serviços
                                             públicos,tanto o papel do Estado quanto a ação de movimentos sociais
[5] Ver, por exemplo, Marques, E.            poderiam ser responsáveis pela melhora das condições.5
(2003). Redes sociais, atores políticos e
instituições no governo da cidade de São
                                                  Cabe destacar ainda que o aumento do consumo dos pobres urbanos
Paulo.São Paulo:Annablume/Fapesp.            — em um contexto de aumento da pobreza — deve ser abordado a par-
Ver, também, Jacobi, P. Movimentos           tir de um conjunto mais diversificado de elementos, ligados à estrutura
sociais e Políticas Públicas: demandas por
saneamento básico e saúde: São Paulo         de preços relativos,a mudanças comportamentais no âmbito da família
1978-84.São Paulo:Ed Cortez,1989.            e ao aumento da oferta de crédito ao consumidor.
                                                  Ao longo dos últimos dez anos, tem se verificado uma significativa
                                             mudança nos preços relativos, ainda despercebida para muitos analis-
                                             tas. Por um lado, existe uma queda importante dos preços médios dos
                                             alimentos em relação à inflação observada no período, implicando —
                                             dada a disponibilidade de renda real — maior acesso a bens não-alimen-
                                             tícios e serviços de diferentes naturezas.Por exemplo,enquanto a infla-
                                             ção medida pelo INPC cresceu 147% em 11 regiões metropolitanas, os
                                             alimentos consumidos no domicílio tinham avançado apenas 92%
[6] A queda no preço dos alimentos           entre janeiro de 1995 e agosto de 2005.6 Observa-se também uma sig-
pode ser atribuída, em grande me-            nificativa queda no preço do vestuário e dos bens duráveis,implicando a
dida, às transformações em curso no
campo brasileiro.                            possibilidade de domicílios mais bem aparelhados, mesmo sem cresci-
                                             mento da renda.
                                                  Mais recentemente,é possível verificar um importante crescimento
                                             na oferta de crédito,relacionada ao aumento do crédito direto ao consu-
                                             midor, ao forte crescimento do crédito consignado em conta corrente
                                             (inclusive para aposentados e pensionistas), a maior proporção da
                                             população com acesso a contas bancárias (através da chamada conta
                                             simplificada) e o crescimento do microcrédito. Nesse caso, o papel do
                                             governo é mais evidente, sendo essa política mais fortemente imple-
                                             mentada a partir do governo Lula.
                                                  Verifica-se ainda uma significativa queda da fecundidade em curso
                                             no país, implicando, mesmo entre os grupos de renda mais baixa, um
                                             menor número de pessoas por domicílio e maior disponibilidade de
[7] Goldani, A. What will happen to          recursos para o consumo de bens e serviços.7 O menor número de pes-
Brazilian Fertility? Los Angeles: Latin
American Studies Center UCLA (mi-
                                             soas por domicílio não necessariamente retira a família de uma situação
meo),2003.                                   de pobreza,mas certamente modifica a estrutura de gastos domésticos,
                                             implicando, por exemplo, uma menor proporção dos gastos dedicados
                                             ao consumo de alimentos.
                                                  Além disso, está em curso um processo de aumento de participa-
                                             ção feminina no mercado de trabalho,implicando mudanças do papel
                                             da mulher na tomada de decisão sobre o consumo doméstico, antes
                                             fortemente condicionada pelas escolhas do marido. Por exemplo,
                                             segundo os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED
                                             Seade/Dieese), a proporção de mulheres que participavam do mer-
                                             cado de trabalho passou de 43% em 1990 para 55% em 2005. Esse
                                             fenômeno não necessariamente sugere saída da situação de pobreza,

                                             NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006                                            21
mas sinaliza mudanças importantes no processo de decisão sobre o
   consumo no interior do domicílio.
       Cabe ainda destacar que é possível que muitos desses elementos
   estejam indiretamente associados ao papel do Estado,sobretudo se con-
   siderarmos uma perspectiva de longo prazo.Não se trata,no entanto,de
   efeitos intencionais e explicitamente formulados tendo por objetivo o
   aumento do consumo entre os mais pobres. A única exceção significa-
   tiva é dada pela política de crédito,que teve o claro intuito de expandir o
   consumo popular no período recente.
       Em suma,verificamos que o consumo entre a população mais pobre
   alterou-se substancialmente.Sugerimos que essa aparente discrepância
   relaciona-se com um conjunto de transformações estruturais mais pro-
   fundas, associadas ao papel das políticas públicas, a variações na estru-
   tura de preços, a mudanças no tamanho da família, à transformação do
   papel da mulher, e a maior oferta de crédito. Apenas uma análise mais
   detida desses elementos permitirá uma melhor compreensão das trans-
   formações em curso no universo dos domicílios urbanos de baixa renda                      Recebido para publicação
   e seu significado para as políticas sociais no Brasil.                                    em 25 de março de 2006.
                                                                                             NOVOS ESTUDOS
                                                                                             CEBRAP
   Haroldo da Gama Torres,Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim são                   74,março 2006
   pesquisadores do CEM/Cebrap.                                                              pp. 17-22




22 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim
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  • 1. UMA POBREZA DIFERENTE? Mudanças no padrão de consumo da população de baixa renda Haroldo da Gama Torres Renata Mirandola Bichir Thais Pavez Carpim RESUMO A partir dos dados da PNAD 2004, este artigo aponta altera- ções no consumo entre a população pobre das regiões metropolitanas brasileiras. Sugere-se que a discrepância entre o aumento do número de pobres e a melhora dos padrões de consumo relaciona-se a um conjunto de transformações estruturais profundas, associadas ao papel das políticas públicas, a variações na estrutura de preços, a mudanças no tamanho da família, à transformação do papel da mulher e a maior oferta de crédito. PALAVRAS-CHAVE: PNAD 2004; pobreza; desigualdade social; políticas públicas. SUMMARY This article points out changes in consumption among poor people in Brazil. It is suggested that the discrepancy between the increasing amount of poor people and the improve- ment in consumption standarts is related to a wide variety of structural changes, among which public policies, varia- tion in price structure, smaller size of families, new role played by women and increasing credit supply. PALAVRAS-CHAVE: PNAD 2004; poverty; social inequality; public policy. Os últimos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- cílios (PNAD),realizada em 2004,têm trazido importantes evidências relativas à queda da desigualdade de renda no Brasil.Por exemplo,a desi- gualdade medida pelo índice de Gini,embora ainda muito elevada,caiu para os níveis mais baixos na última década, conforme apontado pelo IBGE. Infelizmente, nem sempre essa queda na desigualdade se traduz na redução da proporção de pobres, pois pode estar relacionada à piora da situação dos estratos de renda mais elevados e/ou pode estar concen- trada em regiões específicas do território nacional. NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006 17
  • 2. Os resultados aqui apresentados indicam que, nas dez principais regiões metropolitanas do Brasil, a proporção de pobres cresceu subs- tancialmente na comparação entre 1995 e 2004. Em outras palavras, a pobreza metropolitana continua aumentando. Contraditoriamente, os dados disponíveis também sugerem que o consumo de bens e serviços por parte dos mais pobres apresentou aumento significativo, o que sugere um quadro relativamente inesperado de transformação dos con- teúdos associados à pobreza.Detalhamos esses argumentos abaixo. EVOLUÇÃO DA POBREZA A despeito da melhora do índice de Gini em escala nacional,os dados disponíveis mostram que a proporção de pobres na última década aumentou de modo significativo nas principais regiões metropolitanas do país.Houve aumento no número de domicílios abaixo da linha oficial de pobreza entre 1995 e 2003 em nove das dez metrópoles consideradas na PNAD. Quando consideramos especificamente a comparação entre 2003 e 2004, as variações observadas são mais discretas, não suge- rindo,porém,uma mudança significativa na tendência observada ante- riormente (Tabela 1). TABELA 1 Proporção dos domicílios com renda per capita de até 1/2 salário mínimo. 10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004. Fonte:PNADs 1995,2003 e 2004. Nota:Os dados foram ajustados conforme o valor do salário mínimo de 2003,a partir do IPCA/Brasil,IBGE. De fato,houve um aumento significativo na proporção de pobres em quase todas as regiões consideradas entre 1995 e 2003,sendo que a pre- sença de domicílios com renda per capita inferior a meio salário mínimo no conjunto das regiões passou de 12,6 para 15,5%.Esse aumento se deu de forma mais intensa em São Paulo e Belém,e em proporção menor em 18 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim
  • 3. Brasília e Curitiba.Nas regiões de Fortaleza,Recife,Salvador,Belo Hori- zonte e Porto Alegre, a situação permaneceu praticamente inalterada e, no Rio de Janeiro,foi verificada uma pequena queda. Entre 2003 e 2004, houve uma ligeira redução na proporção de domicílios pobres no conjunto das regiões metropolitanas — de 15,5 para 15% –,com destaque para Belém,Salvador,Belo Horizonte e Curi- tiba, com reduções mais acentuadas. Nas demais regiões, foi verificada uma relativa estabilidade na participação dos domicílios mais pobres, não caracterizando em conjunto uma nova tendência. CONTEÚDOS ASSOCIADOS À POBREZA Apesar desses resultados,alguns conteúdos associados à pobreza — representados, por exemplo, pelo acesso a bens e serviços — também vêm se alterando de modo importante entre a população de renda mais baixa. Na verdade, observa-se, entre 1995 e 2004, que o acesso a bens aumentou entre as famílias com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo. Destaca-se o maior acesso à telefonia e a outros bens domésticos,como máquinas de lavar e geladeiras (Gráfico 1). GRÁFICO 1 Evolução no consumo de bens entre as famílias com renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo. 10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004 Fonte:IBGE,PNADs 1995,2003 e 2004. Esses resultados não podem ser atribuídos somente aos primeiros efeitos gerados pelo Plano Real,que teve impactos significativos sobre a [1] Rocha,S.Pobreza no Brasil: afinal, pobreza.1 O acesso a bens ampliou-se mesmo em períodos posteriores, de que se trata? Rio de Janeiro: FGV marcados por inflação mais elevada e declínio da renda média. No caso Editora,2003. específico do período 2003-2004,a maioria dos dados manteve-se está- vel,com exceção do acesso à telefonia,que também se elevou. NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006 19
  • 4. Por outro lado, analisando os dados relativos ao acesso a serviços públicos (Gráfico 2), também é possível observar um expressivo aumento das coberturas entre os domicílios mais pobres,especialmente entre 1995 e 2003,com estabilidade no período 2003-2004.No caso do acesso a esses serviços, cabe destacar a importância do papel do Estado nos últimos anos, que vem buscando a universalização dos serviços mesmo entre as camadas mais pobres da população.2 [2] Marques, E. Estado e redes sociais: permeabilidade e coesão nas políticas urbanas no Rio de Janeiro. Rio de Ja- GRÁFICO 2 neiro:Revan/Fapesp,2000. Evolução no acesso a serviços entre as famílias com renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo. 10 Regiões Metropolitanas, 1995, 2003 e 2004 Fonte:IBGE,PNADs 1995,2003 e 2004. Em síntese,observam-se,apesar do aumento da proporção de domi- cílios pobres nas regiões metropolitanas, expressivas melhoras em ter- mos de maior acesso a bens e serviços, indicando a complexidade dos padrões recentes de pobreza urbana. Esses resultados sugerem que se evidencia uma pobreza “diferente” em termos dos conteúdos a ela asso- ciados. Essa pobreza diferente é agora caracterizada — ao menos nas áreas metropolitanas — pelo maior acesso ao consumo de bens e servi- ços.Vale a pena refletir um pouco sobre esse fenômeno. DISCUSSÃO [3] Os rendimentos médios indivi- duais derivados do trabalho caíram Alguns autores têm buscado explicar o aumento do acesso a serviços aproximadamente 25% entre 1997 e públicos em um contexto de deterioração da renda a partir do recente 2005,segundo a PME. fortalecimento do papel do Estado.3 Políticas como as de educação, [4] Ver, por exemplo, Faria, Vilmar. saúde e transferência de renda,que tiveram sua abrangência substancial- “A Conjuntura Social Brasileira:Dile- mente aumentada nos últimos dez anos,teriam o potencial de funcionar mas e Perspectivas”. In: Novos Estudos, nº 33. Ver também, Tavares, M.H. “A - como redes de proteção social, proporcionando melhoria de condições política social no governo Lula”. In: sociais mesmo no contexto de relativa deterioração econômica.4 Novos Estudos,nº 70. - 20 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim
  • 5. Nesse sentido, estaríamos frente a um novo elemento — a melhora de indicadores sociais com a deterioração do cenário econômico das famílias. No caso específico do aumento das coberturas de serviços públicos,tanto o papel do Estado quanto a ação de movimentos sociais [5] Ver, por exemplo, Marques, E. poderiam ser responsáveis pela melhora das condições.5 (2003). Redes sociais, atores políticos e instituições no governo da cidade de São Cabe destacar ainda que o aumento do consumo dos pobres urbanos Paulo.São Paulo:Annablume/Fapesp. — em um contexto de aumento da pobreza — deve ser abordado a par- Ver, também, Jacobi, P. Movimentos tir de um conjunto mais diversificado de elementos, ligados à estrutura sociais e Políticas Públicas: demandas por saneamento básico e saúde: São Paulo de preços relativos,a mudanças comportamentais no âmbito da família 1978-84.São Paulo:Ed Cortez,1989. e ao aumento da oferta de crédito ao consumidor. Ao longo dos últimos dez anos, tem se verificado uma significativa mudança nos preços relativos, ainda despercebida para muitos analis- tas. Por um lado, existe uma queda importante dos preços médios dos alimentos em relação à inflação observada no período, implicando — dada a disponibilidade de renda real — maior acesso a bens não-alimen- tícios e serviços de diferentes naturezas.Por exemplo,enquanto a infla- ção medida pelo INPC cresceu 147% em 11 regiões metropolitanas, os alimentos consumidos no domicílio tinham avançado apenas 92% [6] A queda no preço dos alimentos entre janeiro de 1995 e agosto de 2005.6 Observa-se também uma sig- pode ser atribuída, em grande me- nificativa queda no preço do vestuário e dos bens duráveis,implicando a dida, às transformações em curso no campo brasileiro. possibilidade de domicílios mais bem aparelhados, mesmo sem cresci- mento da renda. Mais recentemente,é possível verificar um importante crescimento na oferta de crédito,relacionada ao aumento do crédito direto ao consu- midor, ao forte crescimento do crédito consignado em conta corrente (inclusive para aposentados e pensionistas), a maior proporção da população com acesso a contas bancárias (através da chamada conta simplificada) e o crescimento do microcrédito. Nesse caso, o papel do governo é mais evidente, sendo essa política mais fortemente imple- mentada a partir do governo Lula. Verifica-se ainda uma significativa queda da fecundidade em curso no país, implicando, mesmo entre os grupos de renda mais baixa, um menor número de pessoas por domicílio e maior disponibilidade de [7] Goldani, A. What will happen to recursos para o consumo de bens e serviços.7 O menor número de pes- Brazilian Fertility? Los Angeles: Latin American Studies Center UCLA (mi- soas por domicílio não necessariamente retira a família de uma situação meo),2003. de pobreza,mas certamente modifica a estrutura de gastos domésticos, implicando, por exemplo, uma menor proporção dos gastos dedicados ao consumo de alimentos. Além disso, está em curso um processo de aumento de participa- ção feminina no mercado de trabalho,implicando mudanças do papel da mulher na tomada de decisão sobre o consumo doméstico, antes fortemente condicionada pelas escolhas do marido. Por exemplo, segundo os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED Seade/Dieese), a proporção de mulheres que participavam do mer- cado de trabalho passou de 43% em 1990 para 55% em 2005. Esse fenômeno não necessariamente sugere saída da situação de pobreza, NOVOS ESTUDOS 74 ❙❙ MARÇO 2006 21
  • 6. mas sinaliza mudanças importantes no processo de decisão sobre o consumo no interior do domicílio. Cabe ainda destacar que é possível que muitos desses elementos estejam indiretamente associados ao papel do Estado,sobretudo se con- siderarmos uma perspectiva de longo prazo.Não se trata,no entanto,de efeitos intencionais e explicitamente formulados tendo por objetivo o aumento do consumo entre os mais pobres. A única exceção significa- tiva é dada pela política de crédito,que teve o claro intuito de expandir o consumo popular no período recente. Em suma,verificamos que o consumo entre a população mais pobre alterou-se substancialmente.Sugerimos que essa aparente discrepância relaciona-se com um conjunto de transformações estruturais mais pro- fundas, associadas ao papel das políticas públicas, a variações na estru- tura de preços, a mudanças no tamanho da família, à transformação do papel da mulher, e a maior oferta de crédito. Apenas uma análise mais detida desses elementos permitirá uma melhor compreensão das trans- formações em curso no universo dos domicílios urbanos de baixa renda Recebido para publicação e seu significado para as políticas sociais no Brasil. em 25 de março de 2006. NOVOS ESTUDOS CEBRAP Haroldo da Gama Torres,Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim são 74,março 2006 pesquisadores do CEM/Cebrap. pp. 17-22 22 UMA POBREZA DIFERENTE? ❙❙ Haroldo da Gama Torres, Renata Mirandola Bichir e Thais Pavez Carpim