SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 1
Baixar para ler offline
CLASSIFICADOS                           PAR A AN U NCIAR LIGU E (31) 3228-1661 ● WWW.MELHORPR AVEN DER.COM.B R                                                                           2.409 OFERTAS




                                                   VEÍCULOS                                  ESTADO DE MINAS
                                                                                       D O M I N G O ,        8   D E    O U T U B R O        D E    2 0 0 6
                                                                                                                                                                                                             c
                                                                                                                                                                                                             m
                                                                                                                                                                                                             y
                                                             ● EDITOR: B o r i s F e l d m a n ● E-MAIL: v e i c u l o s . e m @ u a i . c o m . b r ● TELEFONE: ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 7 8
                                                                                                                                                                                                             k


                                                                                              LITERATURA
 Cinco décadas de produção de automóveis
  no país não são suficientes para fazer do
 carro protagonista na ficção brasileira, mas
     crônicas e contos cumprem o papel




                                                                                                                                                                                                             CYAN MAGENTA AMARELO PRETO




Caronade estilo
    cheia
           DANIEL CAMARGOS

    Pouco antes da indústria automo-
bilística brasileira nascer, o poeta Car-
los Drummond de Andrade escreveu
artigo para a Revista de Automóveis
discutindo o papel do carro na literatu-      “Stop. / A vida Parou / ou foi o automó-            produzem nenhum efeito aerodinâ-
ra nacional. Era janeiro de 1955, e só em     vel?”, emparelhado na obra ao lado de               mico, isso quando não atrapalham.
setembro do ano seguinte o primeiro           clássicos como Poema de sete faces,                 Aliás, algumas das crônicas publica-
veículo totalmente brasileiro deixaria        Quadrilha e No meio do caminho.                     das na Revista de Automóveis podem
a linha de montagem, mas a importân-              Se não há um romance que consa-                 ser entendidas como previsões para
cia do produto já moldava as cidades e        gre o automóvel, ele conquista suas                 os tempos atuais. Na publicação de ju-
afligia o espírito do poeta: “Os persona-     epifanias em crônicas como as que                   nho de 1954, Orígenes Lessa falava do
gens da nossa ficção usam automóveis          eram publicadas nas Revistas de Auto-               que pode ser considerada a avó da
para ir a seu destino ou sucumbem             móveis, parte da coleção que o leitor               atual Maria-Gasolina, na crônica Ma-
sob suas rodas, mas não sei de alguém         Gilberto Soutto Mayor doou ao Veícu-                riazinha, o automóvel e o amor. Lessa
que haja atribuído a esse veículo, em         los. Em março de 1955, quem ocupava                 conta a história de Mariazinha, que ti-
página literária, a importância que ele       a primeira página interna da revista                nha o “melhor corpo da rua inteira” e
realmente tem no quadro da vida de            era Rubem Braga, com uma crônica                    que via a felicidade na vizinha Ritinha,
hoje. Vida que transcorre entre dois          que havia sido publicada em janeiro                 esposa de velho Dodge, “de mil baru-
carros: o que nos traz da maternidade e       de 1951 e reproduzida no espaço após                lhos por minuto”, que “levava o cora-
o que nos leva ao repouso final, haven-       constar no livro A borboleta amarela.               ção, o corpo e o melhor de seus lábios
do de permeio uma porção de outros                                                                para o aconchego precário do calham-
destinados a casamento, viagens, tra-         FAIXA BRANCA Com o título Banda                     beque quase sempre afogado, possi-
balho e vadiação”.                            branca, Braga discorria sobre o absur-              velmente de emoção”.
    Mais de meio século se passou,            do do excesso de carros de luxo no Rio                  Mariazinha rejeita o galanteio dos
Drummond morreu, a Romi-Isetta –              de Janeiro e atentava para o detalhe da             homens que ousam cortejá-la sem
que foi o primeiro veículo nacional – é       faixa branca nos pneus: “Explique vo-               um volante nas mãos até que encon-
apenas um retrato na parede e o auto-         cê, como quiser, meu amigo, esse                    tra o amor a bordo de um “Chevrolet
móvel continua estacionado em um              prestígio das bandas brancas. A mim                 risonho, de liberdades insólitas, de ma-
papel secundário na ficção. A profes-         elas me fazem pensar em polainas.                   neiras chocantes”. Mariazinha se casa
sora do departamento de Letras da             Depois de tanto tempo voltam os ri-                 com o proprietário do Chevrolet, mas
UFMG Vera Casa Nova acredita que o            cos a usar polainas, como para signi-               não resiste à tentação de um Oldsmo-
automóvel não é um assunto princi-            ficar que a lama do chão os não macu-               bile e é flagrada no Bairro da Tijuca, no
pal, pois a literatura é centrada no su-      la jamais. Como nunca andam a pé,                   Rio de Janeiro. Persistente, a moça re-
jeito e isso faz com que objetos – como       usam polainas nos carros. Ao pobre                  começou a vida com o Oldsmobile até
o carro – circulem em torno do cerne          que espera uma hora, ao sol ou à chu-               o dia em que o Oldsmobile “pisou na
da questão. “Em um conto ou outro,            va, sua condução, o esguicho de lama                estrada e nunca mais voltou”. O final
em uma crônica ou poesia, o automó-           que lhe envia às pernas um desses                   da crônica é uma lição para qualquer                                                                       c
vel sempre aparece, mas não como as-          monstros luzidios e buzinadores (que                Maria-Gasolina: “Mariazinha acabou                                                                         m
sunto principal. Ele é mais para ser vis-     nunca têm um segundo a perder, na                   voltando a um Chevrolet, mas lotação,                                                                      y
to, por isso, é mais comum vê-lo em           urgência terrível de chegar a qualquer              que reside numa garagem de seu ve-
artes visuais, como o cinema e as artes       parte onde vão fazer coisa nenhuma)                 lho bairro. E como sofre Mariazinha,                                                                       k
plásticas”, entende Casa Nova.                deve ser um consolo reparar que pelo                humilhada em sua carne, com tanta
    A professora ressalta que Drum-           menos o carro tinha banda branca”.                  mulher entrando e ainda pagando”.
mond já se preocupava com o automó-               A banda branca é passado, mas dei-
vel desde sua primeira publicação (Al-


                                                                                                  ❚                                           ❚
                                              xou herdeiros superficialmente esté-
guma Poesia, 1930). A aflição do poeta        ticos nos carros atuais, como os este-                      LEIA MAIS SOBRE CRÔNICAS
pode ser percebida no pequeno poema           pes exibidos na traseira, aerofólios,                             AUTOMOTIVAS
com influência modernista Cota Zero:          spoilers e estribos laterais que não                                 PÁGINA 2




                                                                           CYAN MAGENTA AMARELO PRETO

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Cássia Eller: Malandragem
Cássia Eller: MalandragemCássia Eller: Malandragem
Cássia Eller: MalandragemNatalia Alves
 
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdf
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdfAmeopoema outubro 2013 especial a3 pdf
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdfCarolisb
 
Maias Episódio Corrida no Hipódromo
Maias Episódio Corrida no HipódromoMaias Episódio Corrida no Hipódromo
Maias Episódio Corrida no HipódromoPedro Oliveira
 
Corrida De Cavalos - Os Maias
Corrida De Cavalos - Os MaiasCorrida De Cavalos - Os Maias
Corrida De Cavalos - Os Maiasmauro dinis
 
Manoel de Oliveira - Pesquisa de Autor
Manoel de Oliveira - Pesquisa de AutorManoel de Oliveira - Pesquisa de Autor
Manoel de Oliveira - Pesquisa de AutorASL93
 
Sarau 2007 Dois IrmãOs
Sarau 2007 Dois IrmãOsSarau 2007 Dois IrmãOs
Sarau 2007 Dois IrmãOsEdir Alonso
 
Bruno.seabra.tipos.burlescos
Bruno.seabra.tipos.burlescosBruno.seabra.tipos.burlescos
Bruno.seabra.tipos.burlescosAriane Mafra
 
Biografia De CamõEs
Biografia De CamõEsBiografia De CamõEs
Biografia De CamõEsspidi_pt
 
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textual
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textualSegunda aplicação do enem 2014, Compreensão textual
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textualma.no.el.ne.ves
 

Mais procurados (16)

Atividade modernismo
Atividade modernismo Atividade modernismo
Atividade modernismo
 
Eve2210 P01 0001
Eve2210 P01 0001Eve2210 P01 0001
Eve2210 P01 0001
 
Cássia Eller: Malandragem
Cássia Eller: MalandragemCássia Eller: Malandragem
Cássia Eller: Malandragem
 
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdf
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdfAmeopoema outubro 2013 especial a3 pdf
Ameopoema outubro 2013 especial a3 pdf
 
Salão de Humor
Salão de HumorSalão de Humor
Salão de Humor
 
Literatura Piauiense
Literatura PiauienseLiteratura Piauiense
Literatura Piauiense
 
Rolima 55
Rolima 55Rolima 55
Rolima 55
 
Maias Episódio Corrida no Hipódromo
Maias Episódio Corrida no HipódromoMaias Episódio Corrida no Hipódromo
Maias Episódio Corrida no Hipódromo
 
Corrida De Cavalos - Os Maias
Corrida De Cavalos - Os MaiasCorrida De Cavalos - Os Maias
Corrida De Cavalos - Os Maias
 
Lisboa-Casablanca
Lisboa-CasablancaLisboa-Casablanca
Lisboa-Casablanca
 
Manoel de Oliveira - Pesquisa de Autor
Manoel de Oliveira - Pesquisa de AutorManoel de Oliveira - Pesquisa de Autor
Manoel de Oliveira - Pesquisa de Autor
 
Alvares de Azevedo - Macário
Alvares de Azevedo - MacárioAlvares de Azevedo - Macário
Alvares de Azevedo - Macário
 
Sarau 2007 Dois IrmãOs
Sarau 2007 Dois IrmãOsSarau 2007 Dois IrmãOs
Sarau 2007 Dois IrmãOs
 
Bruno.seabra.tipos.burlescos
Bruno.seabra.tipos.burlescosBruno.seabra.tipos.burlescos
Bruno.seabra.tipos.burlescos
 
Biografia De CamõEs
Biografia De CamõEsBiografia De CamõEs
Biografia De CamõEs
 
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textual
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textualSegunda aplicação do enem 2014, Compreensão textual
Segunda aplicação do enem 2014, Compreensão textual
 

Destaque (6)

Rolima 101
Rolima 101Rolima 101
Rolima 101
 
Literatura Ii
Literatura IiLiteratura Ii
Literatura Ii
 
Rolimã 102 7/02/2010
Rolimã 102 7/02/2010Rolimã 102 7/02/2010
Rolimã 102 7/02/2010
 
Eve0810p0000
Eve0810p0000Eve0810p0000
Eve0810p0000
 
Rolimã 105 kombi
Rolimã 105 kombiRolimã 105 kombi
Rolimã 105 kombi
 
Ept2506p0003
Ept2506p0003Ept2506p0003
Ept2506p0003
 

Semelhante a Literatura I (20)

Eve1803p01
Eve1803p01Eve1803p01
Eve1803p01
 
Literatura Ii
Literatura IiLiteratura Ii
Literatura Ii
 
Eve0810p02
Eve0810p02Eve0810p02
Eve0810p02
 
Rolima 15
Rolima 15Rolima 15
Rolima 15
 
03i1pdf
03i1pdf03i1pdf
03i1pdf
 
Eve1207 P08
Eve1207 P08Eve1207 P08
Eve1207 P08
 
Embargo jose saramago
Embargo jose saramagoEmbargo jose saramago
Embargo jose saramago
 
Me põem asas II
Me põem asas IIMe põem asas II
Me põem asas II
 
Avaliação de literatura1
Avaliação de literatura1Avaliação de literatura1
Avaliação de literatura1
 
Modernismo de 30
Modernismo de 30Modernismo de 30
Modernismo de 30
 
Modernismo de 30
Modernismo de 30Modernismo de 30
Modernismo de 30
 
Modernismo de 30
Modernismo de 30Modernismo de 30
Modernismo de 30
 
Rolima 18
Rolima 18Rolima 18
Rolima 18
 
Poesia11
Poesia11Poesia11
Poesia11
 
Jose j. veiga
Jose j. veigaJose j. veiga
Jose j. veiga
 
Rolima 96b
Rolima 96bRolima 96b
Rolima 96b
 
Poesia do século XX- 4
Poesia do século XX- 4Poesia do século XX- 4
Poesia do século XX- 4
 
Alguma poesia
Alguma poesia Alguma poesia
Alguma poesia
 
Alguma poesia carlos drummond de andrade --ww-w.livrosgratis.net--_
Alguma poesia   carlos drummond de andrade --ww-w.livrosgratis.net--_Alguma poesia   carlos drummond de andrade --ww-w.livrosgratis.net--_
Alguma poesia carlos drummond de andrade --ww-w.livrosgratis.net--_
 
Os bruzundangas
Os bruzundangasOs bruzundangas
Os bruzundangas
 

Mais de Daniel Camargos (20)

Efi2506p0001
Efi2506p0001Efi2506p0001
Efi2506p0001
 
Ept2406p0005
Ept2406p0005Ept2406p0005
Ept2406p0005
 
Ept2406p0004
Ept2406p0004Ept2406p0004
Ept2406p0004
 
Ept2406p0003
Ept2406p0003Ept2406p0003
Ept2406p0003
 
Efi2406p0001
Efi2406p0001Efi2406p0001
Efi2406p0001
 
Ept2306p0004
Ept2306p0004Ept2306p0004
Ept2306p0004
 
Ept2306p0003
Ept2306p0003Ept2306p0003
Ept2306p0003
 
Efi2306p0001 2ed
Efi2306p0001 2edEfi2306p0001 2ed
Efi2306p0001 2ed
 
Ept2206p0004
Ept2206p0004Ept2206p0004
Ept2206p0004
 
Ept2206p0003
Ept2206p0003Ept2206p0003
Ept2206p0003
 
Efi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2edEfi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2ed
 
Ept2206p0004
Ept2206p0004Ept2206p0004
Ept2206p0004
 
Ept2206p0003
Ept2206p0003Ept2206p0003
Ept2206p0003
 
Efi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2edEfi2206p0001 2ed
Efi2206p0001 2ed
 
Ept2106p0004
Ept2106p0004Ept2106p0004
Ept2106p0004
 
Ept2106p0003
Ept2106p0003Ept2106p0003
Ept2106p0003
 
Efi2106p0001 2ed
Efi2106p0001 2edEfi2106p0001 2ed
Efi2106p0001 2ed
 
Ept2006p0004
Ept2006p0004Ept2006p0004
Ept2006p0004
 
Ept2006p0003
Ept2006p0003Ept2006p0003
Ept2006p0003
 
Efi2006p0001 2ed
Efi2006p0001 2edEfi2006p0001 2ed
Efi2006p0001 2ed
 

Literatura I

  • 1. CLASSIFICADOS PAR A AN U NCIAR LIGU E (31) 3228-1661 ● WWW.MELHORPR AVEN DER.COM.B R 2.409 OFERTAS VEÍCULOS ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 8 D E O U T U B R O D E 2 0 0 6 c m y ● EDITOR: B o r i s F e l d m a n ● E-MAIL: v e i c u l o s . e m @ u a i . c o m . b r ● TELEFONE: ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 0 7 8 k LITERATURA Cinco décadas de produção de automóveis no país não são suficientes para fazer do carro protagonista na ficção brasileira, mas crônicas e contos cumprem o papel CYAN MAGENTA AMARELO PRETO Caronade estilo cheia DANIEL CAMARGOS Pouco antes da indústria automo- bilística brasileira nascer, o poeta Car- los Drummond de Andrade escreveu artigo para a Revista de Automóveis discutindo o papel do carro na literatu- “Stop. / A vida Parou / ou foi o automó- produzem nenhum efeito aerodinâ- ra nacional. Era janeiro de 1955, e só em vel?”, emparelhado na obra ao lado de mico, isso quando não atrapalham. setembro do ano seguinte o primeiro clássicos como Poema de sete faces, Aliás, algumas das crônicas publica- veículo totalmente brasileiro deixaria Quadrilha e No meio do caminho. das na Revista de Automóveis podem a linha de montagem, mas a importân- Se não há um romance que consa- ser entendidas como previsões para cia do produto já moldava as cidades e gre o automóvel, ele conquista suas os tempos atuais. Na publicação de ju- afligia o espírito do poeta: “Os persona- epifanias em crônicas como as que nho de 1954, Orígenes Lessa falava do gens da nossa ficção usam automóveis eram publicadas nas Revistas de Auto- que pode ser considerada a avó da para ir a seu destino ou sucumbem móveis, parte da coleção que o leitor atual Maria-Gasolina, na crônica Ma- sob suas rodas, mas não sei de alguém Gilberto Soutto Mayor doou ao Veícu- riazinha, o automóvel e o amor. Lessa que haja atribuído a esse veículo, em los. Em março de 1955, quem ocupava conta a história de Mariazinha, que ti- página literária, a importância que ele a primeira página interna da revista nha o “melhor corpo da rua inteira” e realmente tem no quadro da vida de era Rubem Braga, com uma crônica que via a felicidade na vizinha Ritinha, hoje. Vida que transcorre entre dois que havia sido publicada em janeiro esposa de velho Dodge, “de mil baru- carros: o que nos traz da maternidade e de 1951 e reproduzida no espaço após lhos por minuto”, que “levava o cora- o que nos leva ao repouso final, haven- constar no livro A borboleta amarela. ção, o corpo e o melhor de seus lábios do de permeio uma porção de outros para o aconchego precário do calham- destinados a casamento, viagens, tra- FAIXA BRANCA Com o título Banda beque quase sempre afogado, possi- balho e vadiação”. branca, Braga discorria sobre o absur- velmente de emoção”. Mais de meio século se passou, do do excesso de carros de luxo no Rio Mariazinha rejeita o galanteio dos Drummond morreu, a Romi-Isetta – de Janeiro e atentava para o detalhe da homens que ousam cortejá-la sem que foi o primeiro veículo nacional – é faixa branca nos pneus: “Explique vo- um volante nas mãos até que encon- apenas um retrato na parede e o auto- cê, como quiser, meu amigo, esse tra o amor a bordo de um “Chevrolet móvel continua estacionado em um prestígio das bandas brancas. A mim risonho, de liberdades insólitas, de ma- papel secundário na ficção. A profes- elas me fazem pensar em polainas. neiras chocantes”. Mariazinha se casa sora do departamento de Letras da Depois de tanto tempo voltam os ri- com o proprietário do Chevrolet, mas UFMG Vera Casa Nova acredita que o cos a usar polainas, como para signi- não resiste à tentação de um Oldsmo- automóvel não é um assunto princi- ficar que a lama do chão os não macu- bile e é flagrada no Bairro da Tijuca, no pal, pois a literatura é centrada no su- la jamais. Como nunca andam a pé, Rio de Janeiro. Persistente, a moça re- jeito e isso faz com que objetos – como usam polainas nos carros. Ao pobre começou a vida com o Oldsmobile até o carro – circulem em torno do cerne que espera uma hora, ao sol ou à chu- o dia em que o Oldsmobile “pisou na da questão. “Em um conto ou outro, va, sua condução, o esguicho de lama estrada e nunca mais voltou”. O final em uma crônica ou poesia, o automó- que lhe envia às pernas um desses da crônica é uma lição para qualquer c vel sempre aparece, mas não como as- monstros luzidios e buzinadores (que Maria-Gasolina: “Mariazinha acabou m sunto principal. Ele é mais para ser vis- nunca têm um segundo a perder, na voltando a um Chevrolet, mas lotação, y to, por isso, é mais comum vê-lo em urgência terrível de chegar a qualquer que reside numa garagem de seu ve- artes visuais, como o cinema e as artes parte onde vão fazer coisa nenhuma) lho bairro. E como sofre Mariazinha, k plásticas”, entende Casa Nova. deve ser um consolo reparar que pelo humilhada em sua carne, com tanta A professora ressalta que Drum- menos o carro tinha banda branca”. mulher entrando e ainda pagando”. mond já se preocupava com o automó- A banda branca é passado, mas dei- vel desde sua primeira publicação (Al- ❚ ❚ xou herdeiros superficialmente esté- guma Poesia, 1930). A aflição do poeta ticos nos carros atuais, como os este- LEIA MAIS SOBRE CRÔNICAS pode ser percebida no pequeno poema pes exibidos na traseira, aerofólios, AUTOMOTIVAS com influência modernista Cota Zero: spoilers e estribos laterais que não PÁGINA 2 CYAN MAGENTA AMARELO PRETO