1. Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.3, n.3, p.5-22 2015
SILVA, MARIA RITA; BRIGHENTI, AGENOR. UMA IGREJA EM ALEGRE SAÍDA MISSIONÁRIA. CADERNO
TEOLÓGICO DA PUCPR, CURITIBA, V.3, N.3, P.5-22, 2015.
UMA IGREJA EM ALEGRE SAÍDA MISSIONÁRIA
SILVA, Maria Rita 1
BRIGHENTI, Agenor
2
Resumo: O presente artigo aborda a categoria “Igreja em Saída”, na Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium, do Papa Francisco. Desde o início de seu pontificado, o novo Bispo de
Roma vem convocando a Igreja toda a sair de si mesma, rompendo a espiral de uma Igreja
autorreferencial. Sair de si mesma, em “saída alegre”, porquanto ela é depositária da Boa Nova
do Reino, que faz de sua missão uma “doce e confortadora alegria de evangelizar”. Sair de si
mesma em direção “periferias existenciais”, não só geográficas, mas também existenciais, como
as periferias do pecado, da dor, da injustiça, da ignorância e da prescindência religiosa, do
pensamento, de toda miséria. Enfim, sair de si mesma, em saída alegre às periferias existenciais,
“para tornar presente o Reino de Deus”, sendo uma Igreja samaritana e profética.
Palavras-chave: Reino de Deus. Igreja. Missão. Periferias existenciais. Igreja samaritana. Igreja
profética.
1
Maria Rita da Silva, Bacharel em Teologia pela PUCPR, e-mail: mritamad@yahoo.com.br
2
Agenor Brighenti, Professor do Curso de Teologia da PUCPR, e-mail: agenor.brighenti@pucpr.br
Licenciado sob uma Licença
Creative Commons
Caderno Teológico da PUCPR
ISSN:2318-8065
2. Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.3, n.3, p.5-22 2015
Introdução
A primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco - Evangelii Gaudium - (A Alegria do
Evangelho) foi gestada a partir da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos,
realizado no ano de 2012, cujo tema era “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”.
Em sua exortação, o Papa não expõe um resumo do XIII Sínodo, antes escreve um texto próprio,
ainda que a partir Sínodo. Basicamente, Evangelii Gaudium convoca a Igreja toda para uma nova
postura em seu agir missionário, marcada pela saída de si mesma. Para isso, se faz necessário ser
portadora da alegria do encontro do Cristo Ressuscitado, característica de todo batizado e motor
para sua saída missionária.
Evangelii Gaudium traz consigo o jeito do Papa Francisco de ser. Ela é considerada como
que um programa para seu pontificado, em estilo pastoral, coloquial, como que “uma espécie de
conversa entre pai e os filhos” (AMADO, 2014, p. 27). É um documento em continuidade com
os anteriores do magistério pontifício, dado que é ”uma exortação na linha do que tem sido a
preocupação da Igreja desde o final do século XX” a importância do anúncio do Evangelho no
mundo atual (Id., p. 29).
Francisco não propõe nada de novo, dado que ele se insere no mesmo movimento que o
Concílio Vaticano II expôs há 50 anos, ou seja, de voltar às fontes bíblicas e patrísticas para
retornar o caminho proposto pelo próprio Jesus Cristo. Prova disso, é que a eclesiologia da
Evangelii Gaudium é eclesiologia do Concílio Vaticano II, com um diferencial: a acolhida da
missiologia do Documento de Aparecida, do qual o então Cardeal Bergoglio foi o Presidente da
Equipe de Redação, por ocasião da realização da V Conferência Geral dos Bispos da América
Latina e do Caribe, em 2007.
Enfim, “depois de um papa comunicador e do papa teólogo, agora temos um papa com
um DNA missionário” (SUESS, 2015, p. 9). Um Papa “que veio do fim do mundo”, convocando
a Igreja toda superar a “autorreferencialidade” e “sair de si mesma’, em direção às “periferias
existenciais”. Ele frisa que todos os batizados são discípulos-missionários por excelência,
convidados a “primeiriar” pelo mundo, levando a Boa-Nova de Jesus Cristo e desta alegria
ninguém é excluído, tendo presente que os pobres são “os destinatários privilegiados do
Evangelho”. Para o Papa Francisco, esta Igreja “em saída” precisa ser “a mãe de coração aberto”
e o “pai do filho pródigo”, a “casa aberta do pai”, para que assim ousemos a “sair e oferecer a
todos a vida de Jesus Cristo”, pois dele “renasce sem cessar a alegria”.
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O que pretendemos neste artigo é caracterizar a dimensão missionária da Igreja segundo a
Evangelii Gaudium, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo e da alegria decorrente deste
encontro, que se traduz em saída para o anúncio e a realização da Boa Nova do Reino.
1. Uma “Igreja em saída”
A “Igreja em saída” tão frisada na Evangelii Gaudium remete a duas atitudes necessárias
para a Nova Evangelização, que é compreensão de que a mesma missão que Jesus realizou em
sua vida terrena é a nossa, pois, a partir de seu mandato missionário somos agora nós os
anunciadores da Boa Notícia de seu Reino.
A outra atitude que se espera da Igreja é a saída de si mesma, ou seja, o “primeirar”,
tomar a iniciativa, como nos recorda o Papa Francisco. Esta saída não se refere apenas a Igreja,
mas também a nossa saída, deixarmos de lado o nosso comodismo e assumirmos a nossa
responsabilidade de batizados e anunciadores da Boa Nova de Jesus.
1.1. A missão da Igreja como continuação da obra de Jesus
A missão da Igreja nasce da mesma missão de Jesus, que é enviado pelo Pai ao mundo
para comunicar o amor de Deus por nós e instaurar o Reino pela pregação da Boa Nova. Ele é o
modelo a ser seguido, como nos afirma Francisco “Jesus é o primeiro e o maior evangelizador.
[...] Em toda a vida da Igreja, deve sempre manifestar-se que a iniciativa pertence a Deus,
‘porque Ele nos amou primeiro’ (1 Jo 4,19) e é ‘só Deus que faz crescer’ (1Cor 3,7) ” (EG 12).
Jesus assume em sua vida a missão que o Pai lhe confia, a começar pela sua encarnação e
toda a sua vida pública será marcada por ela:
Pela encarnação, o Verbo Divino, entrando na história humana como ser humano, revela
Deus e a sua face de amor. O ser de Deus é revelado pelo seu agir na história e, em
particular, pela forma como assumiu a natureza humana, fazendo-se próximo ao ser
humano tanto pela situação como pela linguagem humana com a qual comunica o seu
amor. Pela evangelização que inaugurou e realizou Jesus Cristo, na unção do Espírito
Santo, a sua missão foi dirigida, não aos justos ou aos que se consideravam justos, mas
aos pecadores e aos que necessitavam de médico (Cf. Mt 9, 13; Mc 2, 17; Lc 5, 32).
Jesus Cristo, com missionário do Pai, tornou-se o primeiro evangelizador do Reino de
Deus que veio inaugurar, como salvação libertadora, anunciada na força da sua palavra
e dos seus atos (Cf. Lc 4, 14-21) (FERNANDES, 2014, p. 283).
Por meio da pregação, dos gestos, da paixão, morte e ressurreição de Jesus, os primeiros
discípulos recebem o mandato missionário do Ressuscitado, pois serão eles as testemunhas e os
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missionários a Boa Nova do Reino de Deus, como nos recorda Francisco “a evangelização
obedece ao mandato missionário de Jesus: ‘Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações,
batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo – Ensinai-os a observar tudo o que vos
tenho ordenado (Mt 28,19-20)’” (EG 19).
Após este envio missionário do Ressuscitado, a sua missão agora passa a ser a nossa; dela
ninguém pode ficar de fora e se fazer de indiferente, pois ela tem sua ratificação plena em nosso
batismo:
Em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo
missionário (cf. Mt 28, 19). Cada um dos batizados, independentemente da própria
função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e
seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes
qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações. A nova
evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados. Esta
convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie
ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa experimentou
verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação
para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas
instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de
Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos “discípulos” e “missionários”, mas
sempre que somos “discípulos missionários” (EG 120).
Francisco, ainda, completa que, “naquele ‘Ide’ de Jesus, estão presentes os cenários e os
desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta
nova ‘saída’ missionária” (EG 20). Portanto, para nós batizados “a missão é um estimulo
constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer” (EG 121).
Um dos passos para a concretização da Igreja em saída é reconhecimento da força, do
protagonismo e da importância dos leigos na atividade missionária. Eles são o fermento no meio
da massa que é a nossa sociedade:
Reconhecer os leigos e leigas como “verdadeiros sujeitos eclesiais”, interlocutores
competentes entre Igreja e a sociedade (DAp 497 a), reconhecendo que os bispos devam
“abrir para eles espaços de participação e confiar-lhes ministérios e responsabilidades”
(DAp 211). Dotados de uma formação adequada (DAp 212), devem os fiéis leigos (as)
“ser parte ativa e criativa na elaboração e execução de projetos pastorais a favor da
comunidade” (DAp 213), participando “do discernimento, da tomada de decisões, do
planejamento adverte para a necessidade de uma mudança de mentalidade de toda a
Igreja, especialmente da hierarquia (DAp 213) (MIRANDA, 2014, p. 189).
1.2. Uma Igreja que “priemeirie”
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Eis aí o grande apelo e o desejo de nosso Papa Francisco, uma Igreja que saia, que tome a
iniciativa e “priemeirie”:
A Igreja “em saída” é a comunidade de discípulos missionários que “primeireiam”, que
se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam –, tomam a
iniciativa! A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa,
precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa
sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos
para convidar os excluídos. [...]. Ousemos um pouco mais no tomar a iniciativa! [...]
Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta
as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana,
tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o
“cheiro de ovelha”, e estas escutam a sua voz (EG 24).
A Igreja precisa tomar a iniciativa de sair, de ir ao encontro de nossos irmãos e não ficar
parada a espera que estes venham até ela. Por este motivo ela se fará presente no meio da
sociedade e irá contrair o cheiro do povo e não o cheiro mofado de nossas sacristias.
Em sequência Francisco expõe o seu desejo:
[...] espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para
avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as
coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’.
Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da terra” (EG
25).
A Igreja “em saída” é aquela que entende a importância de ir aos ”novos areópagos e
desvendar o contexto onde estamos situados, com todas as suas variantes e interrogações que o
tempo hodierno nos traz” (KUSMA, 2014, p. 200-201). Esta é a nova evangelização no mundo
atual, porque “é a saída que caracteriza a Igreja em sua essência, que a faz missionária” (Id., p.
201).
Uma das características mais ricas que Francisco coloca da “Igreja em Saída” é que ela é
a “uma mãe de coração aberto” (EG 46):
A Igreja “em saída” também será uma Igreja mãe de portas abertas (EG 46). Uma casa
paterna/materna, ao modo da casa do “filho pródigo” (Lc 15, 11-32), que está aberta
para acolher a todos e, na abertura, coloca-se em sinal de espera, de atenção a tudo o
que circunda o seu existir. Não se trata de uma espera passiva, mas ativa, inquieta, que
se antecipa ao encontro e vai em direção dos que mais precisam e estão fadigados pelo
cansaço da vida (Cf. Mt 11, 28). É a mãe que sai e se dispõe a enxugar as lágrimas, a
curar as feridas, a dar consolo e abrigo, fazendo da sua casa a casa de todos. A Igreja
entendida como mãe não julgará aqueles que dela se aproximam, pois não é a este fim
que ela foi enviada, mas para acolher no mesmo amor que a impulsiona, que regenera e
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que faz novas as coisas (Cf. Ap 21, 5). A Igreja “não é uma alfândega, mas a casa
paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fatigosa” (KUSMA, 2014, p. 203-
204).
Quem dera se nossas Igrejas e o nosso agir missionário fossem como esta Mãe e este Pai,
e mais, ainda, com as portas abertas para acolher a todos e de modo essencial os pobres, aqueles
que estão afastados sem nenhum julgamento moral. Não tenhamos medo de sair para anunciar o
Evangelho de Jesus Cristo aos nossos irmãos que estão longe, ou com medo de ferir nossos pés
ou de cometer algum erro em nosso agir pastoral:
Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! [...] Prefiro uma Igreja
acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo
fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja
preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e
procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa
consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação
da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um
horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o
medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas
que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos
tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar:
“Dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6, 37)” (EG 49).
A “Igreja em saída” não é a proprietária do Evangelho de Jesus Cristo, mas é seu dever
“estar a serviço da implantação do Reino de Deus; ela não é fim, ela é meio, instrumento de
Deus, sinal e sacramento de salvação, pois deve visibilizar pela vida de seus membros que este
Reino não é uma utopia, mas uma realidade no interior da história da humanidade pelo
testemunho de vida dos cristãos” (MIRANDA, 2015, p. 185).
Mas não é só a “Igreja em Saída” que deve estar em atitude de saída. Francisco nos exorta
que é preciso que também nós saiamos de nós mesmos “como seria bom, salutar, libertador,
esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros faz
bem. Fechar-se em si mesmo é provar o veneno amargo da imanência” (EG 87), deste modo,
“todos nós somos convidados aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem
de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20).
A saída do discípulo missionário é o “êxodo e do dom, de sair de si mesmo, de caminhar
e semear sempre de novo, sempre mais além” (EG 21), de levar a Boa Nova a exemplo do Cristo
“pois foi para isto que eu ‘saí’ (Mc 1, 38). Ele, depois de lançar a semente num lugar, não se
demora lá a explicar o melhor lugar ou a cumprir novos sinais, mas o Espírito leva-O a partir
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para outras aldeias” (EG 21). O Evangelho é dinâmico, não pode estacionar se há outros lugares
esperando pela sua alegria, “Alegria do Evangelho”.
2. Uma Igreja “em saída alegre”
A Igreja em saída missionária tem uma marca especial em seu anúncio que é a alegria.
Ela se faz presente desde a espera do Messias libertador, onde toda a história da salvação passa a
ser permeada por esta alegria, e quando o Messias já se faz presente e em nosso meio, ela se
transforma em realidade e resplandece por meio de sua Ressurreição.
Por este detalhe que Francisco nos recorda a não vivermos eternamente com cara de
quaresma, mas, com a alegria da Boa Nova do Ressuscitado. Quem de fato se encontra como o
Ressuscitado e o experimenta em sua vida, encontrará a mola propulsora para uma alegre saída
missionária da Igreja.
2.1. A alegria do Evangelho
Esta Igreja que “Sai” não vai de qualquer jeito e nem com qualquer fisionomia. Francisco
convida a alegria, ao “Gaudium”, e esta por sinal deve ser a característica de nós cristãos, pois
ela nasce do encontro com Cristo: “a alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira
daqueles que se encontram com Jesus” (EG 1), por isso que “quando alegria deixa a desejar, é
indicativo que algo está falhando na nossa vida de encontro pessoal com o Senhor!” (COSTA,
2014, p. 148).
Parece que nossas paróquias, comunidades e lideranças esqueceram-se da alegria que
vem do Evangelho, “parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (EG 06).
Francisco chamará a falta de alegria como uma das tentações do discípulo missionário, “umas
das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos
transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre” (EG 85),
esforcemo-nos para não evangelizarmos deste modo.
Toda a história da salvação é permeada pela alegria. Alegria esta, que vem da espera do
Messias “Os livros do Antigo Testamento prenunciaram a alegria da salvação, que havia de
tornar-se superabundante nos tempos messiânicos” (EG 4). E no Novo Testamento “o
Evangelho, em que resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria”
(EG 5), e “a nossa alegria cristã brota da fonte do seu coração transbordante” (Id., 5), ela se faz
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presente no testemunho dos primeiros discípulos, ‘que logo que saíram proclamaram cheios de
alegria encontramos o Cristo (Jo 1, 41)’” (EG 120), também “os primeiros cristãos e tantos
irmãos e irmãs se mantiveram transbordantes de alegria, cheios de coragem, incansáveis no
anúncio e capazes de uma grande resistência ativa” (EG 263).
A Igreja “em saída” traz em si algo que marca o tríplice múnus conferido a nós no
batismo por meio da Ressurreição de Cristo, “a alegria é a fonte energética da pastoral
missionária que tem a sua origem na proximidade do Senhor Ressuscitado. Ela impulsiona as
forças criativas dos discípulos missionários em todas as dimensões pastorais e vivenciais: na
dimensão espiritual, diaconal e litúrgica” (SUESS, 2014, p. 15).
2.2. Alegria que encoraja e coloca em marcha
É a alegria que brota do Evangelho a mola propulsora para a saída missionária da Igreja.
“Alegria nos deixa leves e abertos ao que está sendo proposto. Ela nos desarma e nos encoraja,
coloca-nos em marcha, para frente” (KUSMA, 2015, p. 207), “nada e ninguém poderá tirá-la de
nós” (EG 84).
Não podemos deixar que a alegria emanada do Evangelho ceda lugar à burocratização do
sagrado afastando os fiéis de nossas comunidades, sem contar que na hora em que estes mais
necessitam do cuidado da Igreja, ela deixa a desejar:
[...] É necessário reconhecer que, se uma parte do nosso povo batizado não sente a sua
pertença à Igreja, isso se deve também à existência de estruturas com clima pouco
acolhedor em algumas das nossas paróquias e comunidades, ou à atitude burocrática
com que se dá resposta aos problemas, simples ou complexos, da vida dos nossos
povos. Em muitas partes, predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem
como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização (EG 63).
É preciso compreender que “a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração” (EG
14) e todos têm direito de receber o evangelho. “Os cristãos têm o dever de anunciá-lo, sem
excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma
alegria” (EG 14). Longe de nós tornarmos “profetas das desgraças” (EG 84) e “prisioneiros da
negatividade” (EG 159).
A alegria do Evangelho de Francisco nos remete a “alegria com que João XXIII, no dia
11 de outubro de 1962, abriu o Concilio Vaticano II ‘Alegra-se a Santa Mãe Igreja, porque [...]
amanheceu o dia tão ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio
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Ecumênico Vaticano II’” (SUESS, 2015, p. 13). O que une estes dois papas é que “Ambos
acreditam na possibilidade da ‘conversão eclesial’ e na necessidade da ‘reforma perene da Igreja’
(Cf. EG 26)” (Id., p. 13).
Quem verdadeiramente se encontra com Cristo não consegue guardar para si a alegria do
seu Evangelho, mas corre para espalhá-la. Foi o que fizeram os dois discípulos de Emaús, que
após reconhecerem Jesus ao partir do Pão, voltaram apressados a Jerusalém e testemunharam aos
onze a presença do Ressuscitado (Cf. Lc 24, 13-35). Portanto, “essa alegria é missionária, nos
converte ao Evangelho e nos leva no Espírito Santo a outras aldeias” (EG 21).
Maria é a nossa intercessora e modelo para a plenitude de uma Igreja em alegre saída
missionária. Sua atitude missionária é explicitada na visita que realiza a sua parenta Isabel, ela
sai de sua comodidade e parte apressadamente para ajudar a quem mais precisava dela (Cf. Lc 1,
39-45). Ela ainda é o ícone da alegria do Evangelho ao cantar o Magnificat, por que reconheceu
que o Poderoso fez nela maravilhas e que Ele é fiel as promessas que fizera ao seu povo eleito
(Cf. Lc 1, 46-55).
3. Em saída “às periferias existenciais”
Francisco insiste no fato de sairmos às “periferias existenciais” de nossa realidade. Mas
para que haja esta saída, se faz importante a nossa conversão pastoral e a conversão estrutural da
Igreja toda, a começar pela cúria romana, até chegar as nossas paróquias e comunidades.
Outro grande grito que soa de nossas “periferias existenciais” é a causa do pobre. Ainda
hoje eles são a sobra da sociedade, e por este motivo continuam sendo os preferidos de Deus e a
categoria teológica da Igreja. Somente haverá uma verdadeira acolhida ao pobre quando a Igreja
for desapegada e também pobre, e este é o sonho de Francisco: “uma Igreja pobre e para os
pobres”.
3.1 O imperativo de uma conversão pastoral
Já refletimos que para uma nova evangelização é necessário que todos os batizados
assumam em si sua missão de evangelizadores da Boa Nova do Reino de Deus, por meio do
envio de Jesus Cristo que se concretiza em nosso batismo. Esta atitude não parte apenas dos
batizados, mas de todos nós como Igreja e dela como instituição.
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Igreja tende a converter a uma nova postura que “abandone qualquer tentativa de
retrocesso ou engessamento no passado, ou ainda que queira ser ou que se entenda ela mesma
como autorreferencial (KUZMA, 2014, p. 202). Esta autorreferencialidade da Igreja “substitui o
Sol de Cristo pela lua da Igreja”, este foi um dos discursos do então Cardeal Bergoglio em sua
mensagem aos colegas no Pré-conclave em março de 2013 (SUESS, 2015, p. 11 e 12).
Francisco nos propõe uma Igreja descentralizada do poder, das velhas estruturas, que se
deixa renovar, começando pelas estruturas romanas: “a descentralização da Igreja se remete,
sobretudo à cúria romana, justamente por onde o Papa Francisco começou a reforma da Igreja
(BRIGHENTI, 2014, p. 23), “também o papado e as estruturas da Igreja Universal precisam
ouvir a este apelo a uma conversão pastoral” (EG 32).
Em nossas paróquias também devem ocorrer à mudança de uma “paróquia caduca” a uma
paróquia “comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem
a caminhar, e centro constante de envio missionário” (EG 28).
Esta Igreja em alegre saída missionária irá realizar a mudança de mentalidade de uma
pastoral de conservação “fez-se sempre assim” (EG 33) a uma pastoral em “chave missionária” e
em “estado em permanente de missão” (EG 25).
Não é de hoje que sentimos a necessidade de uma descentralização da Igreja, não só da
cúria romana, mas, “também a certo episcopalismo presente em muitas dioceses, bem como uma
paroquialismo, seja em relação à Igreja local, seja da Igreja- Matriz em relação às demais
comunidades de paróquia (BRIGHENTI, 2014, p. 23).
Esta essencial mudança e renovação, “é ainda, a razão de fundo para os pronunciamentos
e decisões deste atual Papa. Palavras como participação, descentralização, diálogo, espírito de
serviço, sensibilidade humana, proximidade aos pobres e marginalizados, brotam de sua
preocupação central do Reino de Deus. (MIRANDA, 2014, p. 185), ele ainda nos estimula “Não
tenhamos medo de revê-los” (EG 43).
3.2 Uma Igreja Pobre e para os Pobres
Não há como separar os pobres da Igreja. Eles são os destinatários privilegiados do
Evangelho, das atitudes e do cuidado de Jesus. Francisco exige a nossa presença junto deles “há
que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre nossa fé e os pobres. Não os
deixemos jamais sozinhos” (EG 48).
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Numa de suas falas, o Papa Francisco expressou seu sonho “como eu gostaria de uma
Igreja pobre, para os pobres!” (Cf. EG 198). E de imediato ele começou por ele mesmo, “pagou
suas contas no dia seguinte à sua eleição, simplificou seus trajes, trocando o trono por uma
cadeira, conservando a cruz peitoral e seus sapatos pretos, utilizando carro modesto”
(BRIGHENTI, 2014, p. 17), para este Papa vindo do fim do mundo a “sua preocupação não é a
sua autoridade ou imagem pública, nem a doutrina da Igreja ou discursos bem arquitetados, mas
o sofrimento e a causa dos pobres no mundo, que são a causa de Deus” (Id., p. 18).
Deus nunca se esqueceu dos pobres, sempre viu e ouviu seu clamor (Cf. Ex 3, 7), e seu
próprio Filho experimentou na forma encarnada a vida do pobre:
No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo “se
fez pobre” (2 Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres.
Esta salvação veio a nós através do “sim” duma jovem humilde, de uma pequena
povoação perdida na periferia de um grande império. O Salvador nasceu num presépio,
entre animais, como sucedia com os filhos dos mais pobres; foi apresentado no Templo,
juntamente com duas pombinhas, a oferta de quem não podia permitir-se pagar um
cordeiro (cf. Lc 2,24; Lv 5,7); cresceu num lar de simples trabalhadores e trabalhou com
as suas mãos para ganhar o pão. Quando começou a anunciar o Reino, seguiam-no
multidões de deserdados, pondo assim em evidência o que Ele mesmo dissera: “O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos
pobres” (Lc 4,18). Aos que sentiam o peso do sofrimento, acabrunhados pela pobreza,
assegurou que Deus os tinha no âmago do seu coração: “Felizes vós, os pobres, porque
vosso é o Reino de Deus” (Lc 6,20); e com eles se identificou: “Tive fome e destes-me
de comer” (cf. Mt 25, 34-40), ensinando que a misericórdia para com eles é a chave do
Céu (EG 197).
É salutar que a Igreja em saída missionária volte seus cuidados e atenção aos pobres, aos
excluídos, aos rejeitados e aos abandonados nas periferias existenciais de nossa sociedade:
Dado que esta exortação se dirige aos membros da Igreja católica, desejo afirmar, com
dor, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A
imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e
não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua benção, a sua Palavra, a
celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e
amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se,
principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária (EG 200).
“Oxalá se nossas comunidades paróquias, religiosas, pastorais e movimentos nunca se esqueçam
dos pobres, amados de Deus e “critério-chave” no seguimento de Cristo e na pertença à Igreja”
(GONZAGA, 2014, p 92).
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A Igreja em alegre saída missionária não que ser assistencialista, o Papa a convida ao
cuidado e a atenção “o nosso compromisso não consiste em exclusivamente em ações ou em
programas de promoção e assistência” (EG 199), mas, “primeiramente uma atenção prestada ao
outro ‘considerando-o como um só consigo mesmo’. Esta atenção amiga é o início de uma
verdadeira preocupação pela pessoa” (EG 199), “nisto está à essência do Evangelho, pois recolhe
o modo de relação de Jesus com o sofrimento dos doentes, dos pobres, dos desprezados, sejam
eles pecadores ou publicanos, crianças silenciadas ou mulheres desprezadas” (BRIGHENTI,
2014, p. 18).
Francisco não quer um pobrismo na Igreja de Jesus Cristo e nos leva a encarar e a tocar
nesta “carne sofredora de Cristo”, que é uma categoria “teológica” e por este motivo não se pode
aceitar apenas uma “teologia de Gabinete” (EG 133):
Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural,
sociológica, política ou filosófica. Deus “manifesta a sua misericórdia antes de mais” a
eles. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos,
chamados a possuírem “os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” (Fl 2,5).
Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma
“forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a
Tradição da Igreja”. Como ensinava Bento XVI, esta opção “está implícita na fé
cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua
pobreza”. Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos
ensinar. Além de participar do sensus fidei, nas suas próprias dores conhecem Cristo
sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova
evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas e a colocá-los
no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a
emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los,
a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar
através deles (EG 198).
Esta é a exigência da Alegria do Evangelho, “[...] uma Igreja que sabe encontrar os
pobres, apresentar-lhes a dignidade e direito de filhos de Deus. Esse encontro com os pobres
acontece quando a Igreja é despojada, simples, pobre” (STEINER, 2014, p. 142).
4. Uma Igreja em saída “para tornar presente o Reino de Deus”
A saída missionária da Igreja tornará a presença do Reino de Deus no mundo, por meio
da atitude de uma Igreja samaritana e uma Igreja profética. Samaritana no sentido de curar as
feridas de seu povo, sejam eles os próximos ou os afastados. Por este cuidado a Igreja não deverá
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ter medo de se envolver e irá se esforçar para realizar a revolução da ternura que o Papa
Francisco nos exorta.
A Igreja Profética será atenta aos sinais de cada tempo, e por este motivo se pronunciará
contra toda a espécie de injustiça, perseguição, sofrimento que a pessoa humana enfrenta à luz do
Evangelho de Jesus Cristo. E assim como seu Mestre não temerá em anunciar e a denunciar.
4.1 A presença do Reino em uma “Igreja Samaritana”
Para tornar presente o Reino de Deus pela missão evangelizadora, o Papa Francisco,
antes de tudo, coloca em evidência o imperativo de uma “Igreja samaritana”:
Em comunhão com Paulo VI, em entrevista à Revista Civiltà Cattolica, advoga por uma
‘Igreja samaritana’: vejo com clareza que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a
capacidade de curar as suas feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade.
Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar
a um ferido grave se tem o colesterol ou o nível de açúcar alto. Primeiro, deve-se curar
as suas feridas. Depois podemos nos ocupar do restante. Curar as feridas... E é
necessário começar de baixo (BRIGHENTI, 2014, p. 16).
Se “enquanto no mundo, especialmente em alguns países, se reacendem várias formas de
guerras e conflitos, nós cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as
feridas, de construir pontes, de estreitar laços e do ajudarmos a carregar ‘os fardos uns dos
outros’ (Gl 6, 2)” (EG 67). É urgente que apressemos a arte do cuidado, e assim aprendamos “a
descalçar sempre as sandálias diante da terra santa do outro (Cf. Ex 3, 5). Devemos dar nosso
caminhar um ritmo salutar de proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas
que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã” (EG 169).
Esta é a atitude que os feridos das periferias existenciais aguardam dos discípulos
missionários. Francisco insiste que “precisamos todos a aprender a abraçar, como fez São
Francisco”, esta foi uma de suas frases mais marcantes em sua visita ao Hospital São Francisco
de Assis, durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013 e que Evangelii Gaudium reportará a
“revolução da ternura” (EG 88).
A Igreja samaritana é aquela que acolhe e que não julga os que dela se distanciam ou os
que ainda não experimentaram da Boa Nova do Cristo que ela proclama:
A vocação e a missão da Igreja começam, segundo o papa, “pelo exercício da
maternidade da Igreja, que se dá pelo exercício da misericórdia”. Só a misericórdia
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“gera, amamenta, faz crescer e corrige, alimenta, conduz pela mão [...]. Por isso, faz
falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a
misericórdia, temos hoje poucas possibilidades de nos inserir em um mundo de
‘feridos’, que tem necessidade de compreensão, de perdão, de amor” (BRIGHENTI,
2014, p. 16).
4.2 A presença do Reino em uma Igreja Profética
Outro imperativo para tornar presente o Reino de Deus pela missão evangelizadora é o de
uma Igreja, que além de samaritana também seja profética, alicerçada em sua “capacidade
sempre vigilante de estudar os sinais dos tempos” (EG 51).
Em tempos onde vivemos uma economia excludente, que fere e maltrata a pessoa
humana a partir da “cultura do descartável”. “O ser humano é considerado, em si mesmo, como
um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início à cultura do
‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. [...] Os excluídos não são ‘explorados’, mas
resíduos, ‘sobras’” (EG 53). Diante desta realidade a Igreja não pode se calar.
Não podemos deixar que a “cultura do bem-estar” entorpeça a nossa ação de discípulos
missionários perante a nossa realidade atual:
[...] Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os
clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos
por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos
incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o
mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas
por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de
forma alguma (EG 54).
A Igreja “em saída” não é desvinculada do mundo e por este motivo não pode ficar alheia
as situações que geram morte e a exclusão:
A economia não deve funcionar como os agrotóxicos: aplicar veneno para aumentar a
produção e os lucros envenenados. A EG poderá: ‘a economia não pode mais recorrer a
remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade
reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos’ (204). A partir do
Evangelho e de outros referenciais da humanidade, precisa-se ‘formar uma nova
mentalidade política e econômica’ que ajude a ‘superar a dicotomia absoluta entre
economia e o bem comum social’ (205). O trem dessa nova mentalidade tem dois
trilhos: a ética da solidariedade universal e a luta pela justiça, que é a luta pelo pão de
cada dia para todos. ‘Se realmente queremos alcançar uma economia global saudável,
precisamos, neste momento da história, de um modo mais eficiente de interação que,
sem prejuízo da soberania das nações, assegure o bem-estar econômico a todos os países
e não apenas alguns’ (206). [...] A Igreja ‘não pode nem deve ficar a margem na luta
pela justiça’ (183) (SUESS, 2015, p. 62).
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A Igreja em alegre saída missionária exercerá com todo o seu vigor o exercício da
profecia a exemplo do Mestre Jesus, que não se calou diante de qualquer injustiça, maldade ou
opressão que atingia a vida de seu povo (Cf. Jo 2, 13-22; 5, 19-30;8, 1-11).
Considerações finais
A Alegria do Evangelho proposta pelo Papa Francisco é encantadora, e muito mais do
que se encantar é preciso tomar a iniciativa para que ela se torne realidade para toda a Igreja a
partir de nosso agir pastoral de discípulos missionários.
Uma Igreja em alegre saída missionária é consciente de que toda a sua ação é ministerial,
pois pelo batismo somos todos responsáveis pelo anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo em vista
da concretização do Reino de Deus. Por isso, ela não é centralizadora da Palavra de Deus e nem
autorreferencial, mas a serva de Jesus Cristo. Esta Igreja está convicta que para a sua saída, é
preciso abertura para um diálogo com o mundo ao seu redor, sabe reconhecer suas falhas e está
disposta a trabalhar para uma mudança. A Igreja em alegre saída missionária manterá as portas e
seu coração aberto para acolher a todos sem nenhuma distinção e curar as feridas de cada um.
Esta Igreja em saída não tem medo de primeirar, pois tomar a iniciativa muitas vezes
implica ao erro e se acidentar no caminho, mas é preferível ter a atitude de ir às periferias
existenciais da pessoa humana, a ficar fechada em si mesma e olhando para o próprio umbigo de
nossos templos.
A Igreja em alegre saída missionária não tem medo de abraçar, de se envolver, pois a
verdadeira evangelização se dá pela atração de Jesus Cristo e não pelo nosso proselitismo. Traz
em sua face a alegria de quem encontrou com o Ressuscitado e não pode guardar para si está boa
notícia, mas corre para espalhá-la não com uma fisionomia triste ou vivência de uma eterna
quaresma, mas aspirando os ares da Alegria do Evangelho.
Ainda é capaz de ver no pobre a imagem da carne sofredora do Cristo, e não um mero
assistencialismo, mas como a categoria teológica de toda a ação da Igreja e os preferidos do
Reino de Deus. Não podemos excluí-los da alegria do Evangelho e tão pouco deixá-los sozinhos.
A Igreja missionária que desejamos não deixará suas portas fechadas, mas abertas, para
que todos possam se achegar, e ali não haverá julgamentos ou condenações e sim a recuperação
de suas feridas e o cuidado pastoral. Estes são os gestos e a face de uma Igreja samaritana. A
profecia será outra vertente da Igreja em saída missionária. A profecia não consiste apenas ao
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anúncio da Boa Nova do Cristo Ressuscitado, mas na denúncia de práticas que não condizem ao
projeto do Reino de Deus e tão pouco como o Evangelho de Jesus Cristo.
Enfim, a Igreja em alegre saída missionária que almejamos, depende do nosso empenho
de batizados e não podemos delegar aos outros. A maneira, o método e o exemplo já temos:
Jesus Cristo, seu Evangelho, os santos e as santas de ontem e de hoje, e tantos exemplos de
homens e mulheres que não se cansam em levar a Alegria do Evangelho.
Portanto sigamos os passos de Francisco à luz do Cristo Ressuscitado, e convictos de uma
Igreja em alegre saída missionária. E quando as nossas forças estiverem acabando ou estivermos
desanimando roguemos a Maria como fez Francisco ao final de sua Exortação:
Estrela da nova evangelização, ajudai-nos a refulgir com o testemunho da comunhão, do
serviço, da fé ardente e generosa, da justiça e do amor aos pobres, para que a alegria do
Evangelho chegue até os confins da terra e nenhuma periferia fique privada da luz. Mãe
do Evangelho vivente, manancial de alegria dos pequeninos, rogai por nós. Amém
Aleluia! (EG 288).
Referências
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Submetido em 30 de setembro de 2015
Aprovado em 27 de outubro de 2015