1. O LEIGO ENQUANTO CRISTÃO
O presente capítulo apresenta o leigo em sua condição de cristão. Este, pelo
batismo, foi incorporado a Cristo41 e, com isso, torna-se co-responsável na realização da
missão da Igreja, que Jesus Cristo confiou a seus apóstolos e a seus sucessores junto
com todos os fiéis cristãos leigos.
Enquanto cristão, o leigo é, sim, um membro integrante da Igreja, com função
definida e de capital importância para a vida da mesma Igreja. Para entender isso, João
Paulo II analisa o significado do mistério da vinha:
A Bíblia emprega a imagem da vinha de muitas maneiras e com
diversos significados: ela serve particularmente para exprimir o mistério
do povo de Deus. Nesta perspectiva mais interior, os fiéis leigos não são
simplesmente os agricultores que trabalham na vinha, mas são parte
dessa mesma vinha: ‘Eu sou a videira, vós os ramos’, diz Jesus (Jo
15,5) 42.
Assim, o leigo pertence à Igreja por efeito do batismo. Participa da tríplice
missão: sacerdotal, profética e régia. Há formas de participação do leigo como membro
de Cristo, definidas e entendidas pela Igreja: no múnus sacerdotal, no múnus profético e
no múnus real.
O tema indicado no título requer a apresentação dos seguintes aspectos: a noção
teológica de cristão; a noção teológica de leigo; o leigo e o chamado universal à
santidade; o sacerdócio comum dos cristãos; da secularidade da Igreja à secularidade do
leigo (secularidade: dimensão e índole); a diversidade da vocação laical (criança,
41
Cf. LG 31.
42
CfL 8.
2. 20
mulher, ancião); a família lugar teológico do cultivo da vocação laical; o apostolado do
leigo; a formação do leigo.
2.1 A noção teológica de cristão
João Paulo II lembra que “o batismo, como sacramento, ou seja, como sinal
visível da graça invisível, é a através da qual Deus atua na alma, para unir em Cristo e
na Igreja43”. É verdade que o batismo faz entrar na Igreja, corpo de Cristo. Este
sacramento faz com que o ser humano viva da mesma vida de Cristo. Para uma
compreensão do que é ser cristão, é importante dizer que, para se configurar essa
característica no ser humano, é necessário que se viva a vida de Cristo, ou seja, em
conformidade com o compromisso recebido no batismo.
João Paulo II recorda que “da santificação batismal derivam, nos cristãos,
indivíduos e comunidades, a possibilidade e a obrigação de uma vida santa”44. Essa deve
ser a meta que identifica o cristão, sua conduta de vida.
Na verdade, somos filhos de Deus pelo batismo. Regenerados como “filhos no
Filho’, os batizados são inseparavelmente ‘membros de Cristo e membros do corpo da
Igreja’, como ensina João Paulo II”45.
O batismo ‘imprime’ no fiel cristão a índole da responsabilidade, o
comprometimento com a causa do Evangelho. Ele deve tornar-se um anunciador feliz,
pois a maravilha operada nele o torna vivo e forte para anunciar.
João Paulo II lembra:
Regenerados como ‘filhos no Filho’, os batizados são inseparavelmente
‘membros de Cristo e membros do corpo da Igreja’ 46. Recordamos nas
palavras de Paulo o eco fiel da doutrina do próprio Jesus, que revelou a
unidade misteriosa dos seus discípulos com ele e entre si, apresentando-
a como imagem e prolongamento daquela arcana comunhão que une o
Pai ao Filho e o Filho ao Pai no vínculo amoroso do Espírito Santo47.
43
JOÃO PAULO II. A Igreja – 51 catequeses do Papa sobre a Igreja. São Paulo: Cléofas, 2001, p. 105.
44
Id., ibid., p. 107.
45
CfL 12.
46
Id., ibid., 12.
47
Id., ibid., 12.
3. 21
João Paulo II apresenta seu pensamento acerca da ação do Espírito Santo:
Uma outra forma de ver essa imagem é na comparação dos batizados
como pessoas vivas. Todos são importantes para a edificação do
edifício espiritual, e essa vida vem da força do Espírito Santo, que dá
vida nova e vigor. O Espírito Santo imprime a marca indelével, a
própria marca do Espírito. Por essa razão, o batismo torna o novo
membro de Cristo um ser de coragem e disponibilidade para a missão48.
A Igreja crê e ensina o verdadeiro significado do batismo e o que ele passa a
significar na vida do batizado. Sua inserção no corpo de Cristo o torna membro idêntico
com seu Senhor, ele passa a ser como membro fiel de Cristo. “E essa pertença é
definitiva, é o caráter indelével”49. Com isso, o batizado torna-se participante do real
mistério de Jesus Cristo, morre junto e ressuscita junto, ambos tornam-se um só corpo:
Através do Sacramento do Batismo, tornamo-nos parte integrante do
corpo de Cristo, tanto na morte como na ressurreição50. Há uma
modificação do homem, ele é transformado numa nova criatura. Os que
são batizados ficam revestidos de Cristo. Os muitos que eram, agora,
com a ação do Batismo, tornam-se um só, em Cristo, como na imagem
da videira. Como apóstolos de Cristo, todos vivemos D’ele51.
Todo batizado é missionário, e, portanto, anunciador da boa noticia, não
importando se é clérigo ou se é leigo. A verdade é que seu estado leigo não o isenta da
responsabilidade, do compromisso com a missão redentora de Jesus. Ele deve ir pelo
mundo anunciar o que viu ou o que crê.
Conclui-se que, de ‘posse’ do batismo e da crisma, cada cristão torna-se
responsável, não só por si, mas também por seu irmão, no cuidado com ele, na ajuda, na
caridade, na compreensão, no amor fraterno, na disponibilidade, etc. Assim estará
contribuindo para seu crescimento e o crescimento do outro, e juntos poderão ser vistos
como cristãos que verdadeiramente se amam. O amor é o maior dos mandamentos.
48
Id., ibid.,13.
49
“Incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado a Cristo. O Batismo sela o cristão com
um sinal espiritual indelével (‘character’) da sua pertença a Cristo. Pecado algum apaga esta marca”
(Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 1272).
50
Rm 6, 3-5.
51
CfL 12.
4. 22
A responsabilidade da missão se dá na compreensão de que todo batizado é
missionário. O envio é para todos, ninguém está dispensado dessa tarefa. Essa é uma
obra, um serviço assumido pela Igreja, a partir do mandato de Cristo. Ele foi quem
primeiro anunciou a salvação, ele operou milagres, dentre os mais fracos, curando
doentes e perdoando pecados, sinais da presença do Reino. Mas, ser cristão não
envolve apenas o aspecto da missão:
Pelo Batismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus, que
antecipa no seu Batismo a sua Morte e a sua Ressurreição; deve entrar
neste mistério de rebaixamento humilde e de arrependimento, descer à
água com Jesus, para subir novamente com ele, renascer da água e do
Espírito para tornar-se no Filho bem-amado do Pai e viver em uma vida
nova52.
“Quem é imerso com Cristo, quem desce ao túmulo, morre ao pecado e tem vida
nova, em Cristo. Quem aceita morrer com Cristo, também gozará da sua vida em
plenitude”53.
Pelo batismo é que se alcança essa condição. Portanto, é justo que se diga que
todo batizado é um cristão. Segundo o Catecismo da Igreja Católica,
o sacramento do Batismo é conferido ‘em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo’ (Mt 28,19). No Batismo, o nome do Senhor santifica o
homem, e o cristão recebe seu próprio nome na Igreja. Este pode ser o
de um santo, isto é, de um discípulo que viveu uma vida de fidelidade
exemplar a seu Senhor. O nome de Batismo pode também exprimir um
mistério cristão ou uma virtude cristã. Cuidem os pais e padrinhos e
pároco que não se imponham nomes alheios ao senso cristão 54.
Essa é, sem dúvida, a condição necessária para o reconhecimento da identidade
do cristão, no serviço do anúncio da boa nova, da vida que vem de Jesus Cristo, do seu
sangue derramado na cruz e da salvação que daí brotou. Por fim, o cristão é aquele que
se identifica com a obra de Jesus Cristo, é aquele que se mantém fiel ao seu Senhor,
pois, no Batismo, se recebe a ‘marca’ desse Senhor, e essa marca se identifica com a
vontade do Pai: que todos conheçam a salvação oferecida por Jesus Cristo. O cristão é o
52
Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 537.
53
Id., ibid., 628.
54
Id., ibid., 2156.
5. 23
filho fiel a seu Deus, que reconhece e aceita o amor do Pai, revelado pelo Filho, com a
luz e o poder do Espírito Santo.
2.2 A noção teológica de leigo
João Paulo II lembra que a figura do fiel leigo tem seu fundamento no Batismo o
qual nos regenera para a vida dos filhos de Deus, nos une a Jesus Cristo e ao seu corpo,
que é a Igreja, unge-nos no Espírito Santo, constituindo-nos templos espirituais55.
O Concílio Vaticano II elenca as atividades dos leigos na Igreja:
Existe na Igreja diversidade de serviços, mas unidade de missão. Aos
apóstolos e a seus sucessores foi por Cristo conferido o múnus de, em
nome e com o poder d’Ele, ensinar, santificar e reger. Os leigos, por sua
vez, participam do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo,
compartilham a missão de todo o povo de Deus na Igreja e no mundo.
Realizam verdadeiramente apostolado, quando se dedicam a evangelizar
e santificar os homens e animar e aperfeiçoar a ordem temporal com
espírito do Evangelho, de maneira a dar, com sua ação neste campo,
claro testemunho de Cristo e a ajudar à salvação dos homens 56.
Bruno Forte assevera:
A relação fontal, constitutiva do ser e do agir do leigo, é a relação com
o Cristo: por meio do batismo ele foi incorporado a Cristo, ungido pelo
Espírito Santo e por isso constituído povo de Deus. Todas as riquezas
de sua condição estão enraizadas no fato de que ele é o homo
christianus (homem cristão)57.
Manoel Santos faz referência à reflexão do Concílio Vaticano II, no tocante ao
papel do leigo na Igreja e no mundo:
O Concílio Vaticano II considerou de uma maneira ativa o papel do
leigo na Igreja e no mundo, como participante da consciência de missão
e de responsabilidade que tem todo o povo de Deus. Junto com isso, o
Concílio recuperou a distinção entre o conceito de ‘fiel’ (que expressa
um modo de todo batizado) e o conceito de leigo (que expressa um
55
Cf. CfL 10.
56
AA 2.
57
FORTE, B. A missão dos leigos. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 39.
6. 24
modo de ser cristão, com uma vocação e missão próprias). O Concílio
Vaticano II recolheu o núcleo central do esforço teológico e das
realidades apostólicas e espirituais que o haviam precedido, também no
que se refere à definição, descrição ou tipificação do leigo. Havia a
distinção tradicional, recolhida no Código de Direito Canônico: leigo é
todo aquele que não é clérigo. O Concílio Vaticano II preferiu outro
caminho: são os membros do povo de Deus que não pertencem ao clero
nem estão consagrados no estado religioso ou na profissão dos
conselhos evangélicos58.
O leigo participa do múnus sacerdotal, dando testemunho de Cristo ressuscitado,
anunciando a salvação de Deus, para glorificar seu nome59.
“Pelo múnus profético, por sua condição de missionário, o leigo é um membro
de Cristo, que atua no seu meio dando testemunho de sua fé, torna conhecida a salvação
de Deus e alimenta a esperança do povo, evangelizando e mostrando o Cristo
salvador”60.
“Pelo múnus real, deve o leigo tornar-se um comunicador do poder de Deus e
do amor por seu Filho Jesus Cristo, ao qual sujeitou todas as coisas, ser o espelho, onde
se possa ver em suas ações o rosto amoroso de Deus”61.
58
SANTOS, M. Leigos: Nos Ministérios ou no Mundo? Teocomunicação, Porto Alegre, v. 31, n. 134, p.
736, dez. 2001.
59
“O supremo e eterno Sacerdote Jesus Cristo quer continuar seu testemunho e seu serviço também
através dos leigos. Vivifica-os por isso com seu Espírito e incessantemente os impele para toda obra boa e
perfeita. Aqueles, pois, que une intimamente à Sua vida e missão, também concede parte de Seu múnus
sacerdotal no exercício do culto espiritual para que Deus seja glorificado e os homens salvos. Por isso,
consagrados a Cristo e ungidos pelo Espírito Santo, os leigos são admiravelmente chamados e munidos
para que neles se produzam sempre mais abundantes os frutos do Espírito” (LG 34).
60
“Cristo, o grande profeta que proclamou o Reino do Pai, quer pelo testemunho da vida, quer pela força
da palavra, continuamente exerce seu múnus profético até à plena manifestação da glória. Ele o faz, não
só através da hierarquia que ensina em Seu nome e com Seu poder, mas também através dos leigos. (...)
‘Assim como os sacramentos da nova Lei, que alimentam a vida e o apostolado dos fiéis, prefiguram o
novo céu e a nova terra’ (cf. ap 21,1), assim também os leigos tornam-se valiosos pregoeiros da fé nas
coisas a serem esperadas (cf. Hb 11,1). (...) Por conseguinte, mesmo quando se ocupam com as tarefas
temporais, os leigos podem e devem exercer preciosa ação para evangelizar o mundo” (id., ibid., 35).
61
“Cristo, feito obediente até à morte e por isso exaltado pelo Pai ‘(cf. Fl 2,8-9)’, entrou na glória do seu
reino. A Ele todas as coisas estão sujeitas, até que submeta todas as criaturas ao Pai, para que Deus seja
tudo em todos ‘(cf. 1 Cor 15,27-28)’. Comunicou esse poder aos discípulos, para que também eles sejam
constituídos na liberdade régia e por sua abnegação e vida santa vençam em si mesmos o reino do pecado
‘(cf. Rm 6,12)’. (...) Também através dos fiéis leigos o Senhor quer dilatar seu reino de ‘verdade e vida,
reino de santidade e graça, reino de justiça, amor e paz’. Neste reino a própria criatura será libertada do
jugo da corrupção para a liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (cf. Rm 8,21)’ (id., ibid.,36).
7. 25
Manoel Santos lembra que, “na Igreja primitiva, o leigo possuía uma função
claramente valorizada. Contudo, não se sublinhava tanto a distinção entre sacerdotes e
leigos”62. Nessa linha, F. Alexandre explica:
Indo às origens, o cristão logo percebe que de leigo nada se fala no
Novo Testamento: não há nenhum indício do termo, nem traço algum
de qualquer realidade que se pudesse transpor e fazer corresponder ao
fato leigo contemporâneo; pelo contrário, os elementos, com que
definimos atualmente os leigos como uma categoria específica, na
maior parte está ausente dos escritos neotestamentários, quando não são
neles explicitamente contestados63.
Uma teologia do leigo se faz necessária, para dirimir a dúvida quanto ao seu
lugar na Igreja. Ora, se, em nossos estudos, constatamos que ele é deveras importante
para a cooperação da construção do Reino de Deus, então não é mais tempo de
considerá-lo apenas com o conceito de que ‘o leigo é um fiel que não é clérigo’, como
afirma Mascarello, mas que “o leigo participa do múnus sacerdotal, régio e profético de
Cristo e, com isso, o leigo é missionário e realiza o apostolado de Cristo, por direito e
por dever”64.
A reflexão acerca da identidade do leigo é de suma relevância. Segundo Illanes,
o Sínodo de 1987 e a Christifideles Laici, desenrolaram, tornaram claro
o que o Concílio Vaticano II, precisamente em um de seus pontos
essenciais propunha. A proclamação da plena participação de todo
cristão na vida e missão da Igreja, com que esteve e está intimamente
relacionada à afirmação do valor e a consistência da vocação ou
condição laical. Merece pois a atenção sobre a problemática 65.
Assim, o Concílio Vaticano II esclarece:“Aqui são compreendidos todos os
cristãos, exceto os membros de ordem sacra e do estado religioso aprovado na Igreja” 66.
O leigo é um cristão no ambiente, no mundo, e digno de ser reconhecido como tal,
devido ao seu testemunho de vida em Cristo:
62
SANTOS, M. Leigos: nos ministérios..., loc. cit., p. 732.
63
F. ALEXANDRE. Os leigos nas origens da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 17.
64
Cf. LG 34, 35, 36; AA 2.
65
Cf. ILLANES, op. cit., p.143.
66
LG 31.
8. 26
Por instituição divina, a santa Igreja é estruturada e regida com
admirável variedade. Pois, como em um só corpo temos muitos
membros, mas todos os membros não têm a mesma função, assim nós,
embora sejamos muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um de
nós somos membros de outros67.
Na vida da Igreja, o leigo tem sua importância distinta, e isso requer empenho e
dedicação de todos no anúncio da boa nova. No papel de santificação da Igreja, o leigo
ocupa um lugar de suma importância, pois é chamado a servir e dar testemunho através
das suas obras:
Os leigos são congregados no povo de Deus e constituídos num só
Corpo de Cristo sob uma só cabeça. Quem quer que seja, todos são
chamados a empregar todas as forças recebidas por bondade do Criador
e graça do Redentor, como membros vivos, para o incremento e perene
santificação da Igreja68.
A missão deve envolver o leigo. A atividade missionária há que tornar-se parte
integrante de sua vida. Não se pode conceber um leigo inativo, no que se refere às
coisas de Deus. Há tantos ambientes, dentro e fora da Igreja, onde cada um pode
executar suas tarefas, de acordo com cada carisma específico e, assim, ajudar na
construção e divulgação do Reino de Deus que é meta de salvação.
Está na origem da Igreja esse reconhecimento, talvez não com tanto acento, pois
os tempos eram outros, e as urgências também. Portanto, ainda que as realidades fossem
outras, nem por isso eram menos importantes do que as que a Igreja vive hoje. Manoel
Santos recorda como era visto o leigo na Igreja primitiva:
Na Igreja primitiva, o leigo possuía uma função claramente valorizada.
No início, não se sublinhava tanto a distinção entre sacerdotes e leigos.
A Igreja vivia no meio do mundo pagão, submetida muitas vezes à
perseguição, mantendo vivo o sentimento de esperança do céu, graças
ao sangue dos mártires. Não é que, no interior da Igreja, não se desse
uma articulação entre a hierarquia e o laicato, mas se sublinhava mais a
unidade e se mantinha viva a consciência dos diferentes carismas dos
leigos. De qualquer forma, é a partir do século II que se difunde ‘leigo’
como termo de contraste, dando lugar a uma perspectiva bipartida:
67
Id., ibid., 32.
68
Id., ibid., 33.
9. 27
clérigos-leigos. Desde o século III, e mais claramente no século V,
adiciona-se uma distinção tripartida: clérigos-leigos-monges 69.
Também encontramos a presença marcante dos fiéis cristãos leigos, aludidos nas
Sagradas Eascrituras:
Se, nas Sagradas Escrituras, há sobejas provas de quão espontânea e
fecunda foi a atividade dos leigos, nos primeiros tempos da Igreja,
presentes, atuantes, integrantes, participativos, fatos tão manifestos nos
textos já aludidos, nos Atos dos Apóstolos, na Carta aos Romanos, aos
Filipenses, se nos Santos Padres, pelo menos até ao redor do século IV,
a perspectiva teológica é amplamente unitária e comunitária, na
dispensação dos ministérios, tanto quanto na recepção frutuosa dos
mesmos, dentro da visão comunicante do ‘Corpo de Cristo’ e do Cristo
‘tudo em todos’; se, nos últimos tempos, já desde Pio XI, retoma-se
pouco a pouco o vigor do laicato na Igreja, através dos documentos do
Magistério e dos Movimentos concomitantes, então, por que, em nosso
tempo, se põe de maneira tão candente, e até inovadora, a questão dos
leigo na Igreja, se esta questão seria um aspecto tão normal, tão da
essência e da existência da Igreja, tão absolutamente necessária? Por
que a redescoberta do leigo tem a feição de uma descoberta? 70.
Contudo, o termo leigo não aparece no Novo Testamento. Segundo F.
Alexandre, “é inútil procurar o termo leigo no Novo Testamento ao que parece; o termo
laikós também era desconhecido dos tradutores da Septuaginta”71. No decorrer da
história, vai aparecer como termo usual o ‘leigo’.Lembra F.Alexandre:
Somente no final do século I, graças a um texto cristão, esse termo
aparece no plano religioso. Essa data pode parecer tardia, para quem vê
no laicato uma realidade primordial do cristianismo e por isso é tentado
a ir buscar seu aparecimento nas origens72.
Está claro que, mesmo nos tempos mais remotos, sempre houve a presença dos
leigos na Igreja.
A atividade do leigo como missionário perpassa os tempos, se constrói na
história do povo de Deus e se faz sempre atual e necessária. Segundo Illanes, “ser e
69
SANTOS, M. Leigos: nos ministérios..., loc. cit., p. 732.
70
QUADROS, O. A redescoberta do leigo: uma descoberta e a progressiva consciência do leigo-Igreja.
Teocomunicação, Porto Alegre, n. 70, p. 30, 1985/4.
71
Versão grega do Antigo Testamento.
72
F. ALEXANDRE. Os leigos..., op. cit., p. 29.
10. 28
missão formam, na Igreja, uma coisa só, e devem sê-lo também na consciência de todo
cristão”73. Porém cabe ressaltar aqui que nem sempre as coisas foram muito
satisfatórias e aceitas por todos; e foi justamente no período conhecido como sendo o
“período das sombras” que se deu uma fase não tão boa para os leigos. Suas
perspectivas são nesse período degradadas. M. Bingemer lembra:
É mais no período da Idade Média que começa a haver certa
depreciação do leigo, identificado como iletrado, quando passa a
vigorar a imposição do monge como ideal de pessoa ‘espiritual’ e
‘perfeita’, baseando-se essa espiritualidade e perfeição no desapego aos
bens terrestres, inclusive o casamento e a vida conjugal. Nos meios
monásticos, o leigo passa a ser visto, não como um membro de pleno
direito do povo de Deus, mas como alguém assimilado aos carnais, aos
mundanos e aos que se ocupam do século. Há que se ter em conta que a
própria sacerdotalização do monacato, muito clara nos séculos VIII e
IX, contribui para esse processo74.
Como se pode observar, é árduo e difícil o reconhecimento do leigo dentro da
Igreja. Hoje, há uma tentativa muito forte, por parte de João Paulo II, no sentido desse
reconhecimento. O que a Igreja busca, na verdade, é encontrar uma forma de definir
com clareza qual mesmo seja a identidade do leigo. Muito já se falou aqui sobre esse
aspecto; porém, é preciso lembrar que, no ambiente da Igreja, ainda há uma forte
clericalização, restando assim pouco espaço para a ação missionária leiga.
Muito se deve também, no tocante às dificuldades, ao fator cultura, pois, mesmo
reconhecendo que a atividade laical vem desde as origens, há muito pouco tempo o
leigo começou a se identificar com a missão. Vejamos como se deu na história o
reconhecimento do leigo em busca da sua identidade:
A alta Idade Média traz o reconhecimento da possibilidade da
santidade, não apenas no mundo, mas também pelo exercício cristão das
atividades seculares.
Na Idade moderna, a Reforma que trouxe de volta a espiritualidade
leiga ao cristianismo puro e simples assim como a conseqüente Contra-
reforma católica vão dar lugar a uma divulgação maior das práticas
espirituais e da doutrina cristã com os catecismos que colocam os
73
Cf. ILLANES, op. cit., p. 110.
74
BINGEMER, Maria Clara. A identidade crística – sobre a identidade, e a vocação e a missão dos
leigos. São Paulo: Loyola, 1998, p. 55.
11. 29
elementos da doutrina e da espiritualidade ao alcance de todo o povo
cristão.
Em nossos dias, o Concílio Vaticano II apresenta uma visão eclesial,
marcada não só pela concepção da Igreja como comunhão de relações
entre pastores e fiéis, pela diversidade de carismas e ministérios (LG 4,
7, 12, 13, 18, 33), mas também pela valorização do terrestre e do
temporal, onde seria, a rigor, o lugar do leigo. Além disso, procura
oferecer uma visão positiva do leigo. Definindo-o, não pelo negativo
(aquele que não é clérigo nem religioso), mas positivamente, como
membro pleno e integrante do povo de Deus75.
Nessa busca da identidade, o leigo não pode manter-se à margem das discussões
sobre a sua vocação, pois é no âmbito da Igreja que persiste ainda sempre a opinião
segundo a qual os leigos são enviados ao mundo, às suas estruturas, em suas tarefas
seculares.
A identidade do leigo no mundo é na verdade, a identidade de Cristo, pois a
missão é dele, de Cristo. O leigo e o clérigo são enviados para essa missão, são
operários de Cristo. E aqui há que se distinguir a vocação leiga da vocação clerical, para
que se possa, então, chegar ao conhecimento da identidade de cada um.
2.3 O leigo e o chamado universal à santidade
O Papa Wojtyla destaca que “o santo é o testemunho mais esplêndido da
dignidade conferida ao discípulo de Cristo”. Explicita que à vocação universal à
santidade, são chamados os fiéis leigos. Todos os fiéis, de qualquer ordem ou estado,
são chamados à plenitude da vida cristã. “A vocação à santidade deverá ser
compreendida e vivida pelos fiéis leigos”76. “A Igreja é santa e todos os seus membros
estão chamados à santidade. Os leigos participam na santidade da Igreja, ao serem
membros com pleno direito da comunidade cristã”77.
A Igreja toda é chamada à santidade. Na sua origem está seu fundador que é
santo por excelência. Cada cristão, portanto, é chamado a essa santidade. Incorporado a
Cristo, ele torna-se membro importante para a vida da Igreja:
75
Id., ibid., p. 56.
76
CfL 16-17.
77
JOÃO PAULO II. Creo en la Iglesia. Catequesis sobre el credo. Madrid: Palabra, 1997, p.414.
12. 30
O Senhor Jesus, Mestre e modelo divino de toda perfeição, a todos e a
cada um dos discípulos de qualquer condição pregou a santidade de
vida da qual Ele mesmo é o autor e o consumador, dizendo: ‘Sede
portanto, perfeitos, assim como também vosso Pai celeste é perfeito’.
Pois sobre todos enviou o Espírito Santo para interiormente os mover a
amarem a Deus com todo o coração, toda a alma, toda a mente e toda a
sua força, e para que se amassem mutuamente como Cristo os amou 78.
A missão que leva a santidade a todos é possível:
Todos na Igreja, precisamente porque são seus membros, recebem e,
por conseguinte, partilham a comum vocação à santidade. A título
pleno, sem diferença alguma dos outros membros da Igreja, a essa
vocação são chamados os fiéis leigos: ‘Todos os fiéis, de qualquer
estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição
da caridade’; ‘todos os fiéis são convidados e têm por obrigação tender
à santidade e à perfeição do próprio estado79.
Se toda a Igreja é chamada à santidade, os fiéis cristãos leigos, que a ela
pertencem, também recebem esse chamado. Todos na Igreja, precisamente porque são
seus membros, recebem e, por conseguinte, partilham a comum vocação à santidade. “A
título pleno, sem diferença alguma dos outros membros da Igreja, a essa vocação são
chamados os fiéis leigos”80.
Toda dignidade de que pode gozar o leigo, e todos os cristãos, é considerada em
plenitude, se for fruto daquela que vêm de Deus, aquela que Deus dá a cada um, “a
vocação à santidade, a plenitude da caridade”81. “Todos na Igreja, precisamente porque
são seus membros, recebem e, por conseguinte, partilham a comum vocação à
santidade”82.
João Paulo II esclarece:
78
LG 40.
79
Cf. CfL 15 e cf. LG 40.
80
CfL 16.
81
Id., ibid.,16.
82
Id., ibid.,16.
13. 31
A vocação à santidade deverá ser compreendida e vivida pelos fiéis
leigos, antes de mais, como sendo uma obrigação exigente a que não se
pode renunciar, como um sinal luminoso do infinito amor do Pai que os
regenerou para a vida de santidade. Tal vocação aparece então como
componente essencial e inseparável de nova vida batismal e, por
conseguinte, elemento constitutivo da sua dignidade. Ao mesmo tempo,
a vocação à santidade anda intimamente ligada à missão e à
responsabilidade confiadas aos fiéis leigos na Igreja e no mundo 83.
Os desafios do dia-a-dia são os fatores determinantes para a realização da missão
e da santidade. Por isso, o cristão leigo viverá essa santidade, inserido no mundo
juntamente com os problemas comuns a cada situação. “A vocação dos fiéis leigos à
santidade comporta que a vida segundo o Espírito se exprima de forma peculiar na sua
inserção nas realidades temporais e na sua participação nas atividades terrenas”84.
2.4 O sacerdócio comum dos cristãos
Acerca do sacerdócio comum dos cristãos o Concílio Vaticano II declara:“O
sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico ordenam-se um ao
outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau”85.
Na LG encontra-se a seguinte afirmação:
Cristo Senhor, pontífice tomado dentre os homens, fez do novo povo
‘um Reino e sacerdotes para Deus Pai’, pois os batizados, pela
regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados como casa
espiritual e sacerdócio santo, para que por todas as obras do homem
cristão ofereçam sacrifícios espirituais e anunciem os poderes d’Aquele
que das trevas os chamou à sua admirável luz86.
O sacerdócio comum refere-se àquele que é exercido por todo o cristão batizado:
O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico
ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não
apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único
sacerdócio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que
goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na
83
Id., ibid.,17.
84
Id., ibid.,17.
85
LG 10.
86
Id., ibid., 10.
14. 32
pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo. Os fiéis,
no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na oblação
da Eucaristia e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na
abnegação e na caridade ativa87.
Diferente do sacerdócio ministerial, o sacerdócio comum dos fiéis acontece, se
torna possível, à medida que as necessidades do dia-a-dia vão surgindo, nas realidades
vividas pelas pessoas. O cristão, que participa do único sacerdócio de Cristo, presta seus
serviços àqueles que precisam dele e assim louva a Deus, por essa dádiva. Incorporados
à Igreja pelo batismo, os fiéis são delegados ao culto da religião cristã, em virtude do
caráter, e, regenerados para serem filhos de Deus, são obrigados a professar diante dos
homens a fé que receberam de Deus pela Igreja.
Não é possível contabilizar os serviços em que podem realizar-se efetivamente
os trabalhos próprios desse sacerdócio. M. Santos afirma que “o sacerdócio comum
coloca em destaque a profunda unidade entre o culto litúrgico e o culto espiritual e
concreto da vida quotidiana. Todos os fiéis estão chamados a entrar no dinamismo da
oferenda de Cristo, mas somente Cristo é o mediador. Portanto, todo fiel tem que aderir-
se à mediação de Cristo, que é o sacerdócio ministerial”88.
O sacerdócio comum dos fiéis realiza-se concretamente na vida
quotidiana do fiel, quando a sua própria existência se torna oblação de
si mesma inserindo-se no ministério pascal de Cristo. É a participação
no dinamismo da oferenda de Cristo, participação existencial 89.
M. Santos lembra que
o sacerdócio ministerial tem sua raiz na sucessão apostólica, é recebido
pelo sacramento da ordem e é dotado de um poder sagrado, que consiste
na faculdade e na responsabilidade de agir na pessoa de Cristo cabeça e
pastor. Enquanto que o sacerdócio comum do povo de Deus é
determinante de sua identidade pelo batismo 90.
2.5 Da secularidade da Igreja à secularidade do leigo (Secularidade: dimensão e índole)
87
Id., ibid., 10.
88
SANTOS, M. Novos caminhos para os ministérios – reformular o Motu proprio ministeria quaedam?
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 32, n. 135, p. 29, mar. 2002.
89
Id., ibid., p. 29.
90
Id., ibid., p . 30.
15. 33
Afirma o Papa Wojtyla que “todos os membros da Igreja participam da sua
dimensão secular”91. A existência humana está cercada pelas realidades do mundo e,
com isso, Igreja e homens tornam-se próprios dessa condição. É a partir do mundo,
onde se realiza toda condição secular, que os leigos tornam concretas as possibilidades
de trabalho pela Igreja.
João Paulo II lembra que a índole dos fiéis leigos é a de procurar o Reino de
Deus, tratando das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus92.
Toda a Igreja é secular, pois ela, embora de caráter divino, está também no
mundo. O próprio Verbo encarnado quis participar da vida social dos homens(...) 93. A
Igreja, com efeito, vive no mundo, embora não seja do mundo94.
João Paulo II afirma: “Precisamente para se entender de forma completa,
adequada e específica, a condição eclesial do fiel leigo, é preciso aprofundar o alcance
teológico da índole secular, à luz do plano de Deus e do mistério da Igreja”95.
Assim,
a dimensão secular é própria da Igreja inteira e, portanto, de todos e
cada um dos seus membros; quaisquer que sejam a vocação e a
condição dos membros, essas dizem relação com o mundo, contribuem
à santificação do mundo. A dimensão secular da Igreja é inerente à sua
íntima natureza e missão. Impede a Igreja de desinteressar-se das
realidades temporais, da história, da vida concreta e diária, das
circunstâncias que integram a normal existência humana, onde deve
manifestar a realidade desse amor divino que lhe foi comunicado e que
deve anunciar96.
91
CfL 15.
92
Cf. JOÃO PAULO II. Palavra de João Paulo II aos Bispos do Brasil. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 42.
93
Id., ibid., 15.
94
Id., ibid., 15.
95
Id., Ibid., 15.
96
SANTOS, M. Novos caminhos..., loc. cit., p. 33.
16. 34
Illanes recorda que “o leigo é uma das formas ou concretização possível da
vocação cristã, aquela precisamente cuja fisionomia resulta configurada pela
secularidade, pela plena dedicação às ocupações seculares ou temporais”97.
A nota definitória do laicato está na secularidade, na presença e ação no mundo,
vistas, não como mera situação sociológica, mas como dimensão do existir cristão e
como forma de participação na obra redentora98. Pois, mesmo os que receberam a ordem
sacra, e ainda que dediquem seu tempo ou parte dele às tarefas seculares, por sua
natureza pertencem à ordem sacra. Com isso, diferenciam-se dos leigos. O mesmo
afirma Manoel G. Gómez sobre o que é essencialmente característico do leigo: “a
secularidade, a consecratio mundi das realidades terrenas ou seculares”99.
A índole secular caracteriza especialmente os leigos. Pois os que
receberam a ordem sacra, embora algumas vezes possam ocupar-se em
assuntos seculares, exercendo até profissão secular, em razão de sua
vocação particular destinam-se principalmente e ex-professo ao sagrado
ministério100.
“A relação entre leigos e século está ligada por razões próprias de ser do
leigo”101, “pois este encontra-se no mundo, entre as coisas temporais” 102, onde as coisas
seculares existem e acontecem, como exercício da vida comum do dia-a-dia, e que não
pertencem às coisas das ordens sagradas.
Tratando-se do assunto em torno da índole secular, é bom elucidar que essa
expressão está carregada de significado das coisas do século. Segundo Illanes, “por
secularidade se entende, como sendo realidade de presença e ação no mundo,
certamente, a Igreja inteira está presente no mundo, e mais concretamente, nas
estruturas da sociedade humana e secular”103. Ou seja, ser secular é índole humana,
dentro das estruturas do mundo, e é por isso que a Igreja tem que estar atuante nesse
meio. Como afirma M. Santos, “a segunda interpretação do processo de secularização
97
Cf. ILLANES, op. cit., p. 97.
98
Cf. Id., ibid., p. 113.
99
GÓMES, M. Sacerdotes y laicos en la Iglesia primitiva y en los cultos paganos. Pamplona:
Universidad de Navarra, 2002 p. 34.
100
LG 31.
101
Cf. ILLANES, op. cit., p. 102.
102
Id., ibid., p.102.
103
Id., ibid., p.192.
17. 35
implica compreender esse processo como uma ‘desdivinização’ do mundo”104. Aqui,
melhor entendendo, pode-se optar pela proposta de uma interpretação de um mundo que
não é puramente divino, embora as coisas de Deus estejam nele.
Illanes explica: “A conseqüência, a condição laical, a condição do cristão, cuja
vida está dedicada às ocupações seculares, aparecerá como uma condição cuja
fisionomia cristã se edifica na margem dessas ocupações e tarefas, entrelaçando-se com
elas”105. O trabalho no mundo distingue com clareza a missão do leigo. Na reflexão de
M. Santos,
ao apresentar uma das possíveis vocações cristãs como definidas
precisamente pela conexão com o mundo, não se corre porventura o
risco de propugnar uma divisão de funções demasiado rígida e
deformadora da realidade: o mundo para os leigos, a Igreja para os
sacerdotes e religiosos, ou, em outras palavras, o problema de fundo
está em manter o equilíbrio entre os dois pólos da relação Igreja-mundo,
evitando posições extremas de ‘eclesialização ‘ do mundo e
‘mundalização’ da Igreja, ou, ainda, de ‘clericalização’ dos leigos e
‘secularização’ dos clérigos106.
Illanes lembra que, “nos estudos e discussões em torno do processo de
secularização, a secularidade é entendida como uma propriedade da cultura, em virtude
da qual pode ser afirmada como dotada de valor ou consistência, porém não fechada em
si mesma, senão aberta ao absoluto, quer dizer, a Deus” 107. “Na verdade, o sentido da
secularidade do leigo é sua própria identidade, pois ele vive no mundo e está para as
coisas dele e essa é a sua dimensão de secularidade, como recorda Illanes”108.
Se, por sua vez, o leigo tem em si o caráter da secularidade, também a Igreja é
assim, pois ambos estão no mundo. Passando pela secularidade do leigo, chega-se à
secularidade da Igreja. Ambos, Igreja e leigo, têm em si implícita essa condição, essa
secularidade. Contudo, nem sempre houve essa compreensão com tanta clareza. M.
Santos lembra que “um dos grandes problemas que teve de enfrentar a teologia do
laicato foi a própria terminologia. A própria etimologia proporcionou interpretações
104
SANTOS, M. Igreja x mundo..., loc. cit., p. 494.
105
ILLANES, op. cit., p.125.
106
SANTOS, M. Igreja x mundo..., loc. cit., p. 501.
107
ILLANES, op. cit., p.118.
108
Id., ibid., p. 118.
18. 36
diversas”109. Na descrição do leigo, segundo Illanes, “o caráter secular é próprio e
peculiar dos leigos. (...) aos leigos corresponde, por própria vocação, tratar de obter o
Reino de Deus cuidando dos assuntos temporais e ordenando-os segundo Deus”110.
Illanes recorda que “a dimensão secular, assim entendida, é própria da Igreja
inteira e, por tanto, de todos e cada um de seus membros” 111. E o leigo, pelo seu modo
próprio de ser constituído e chamado por Deus, é secular e participa da vida da Igreja e
do povo de Deus.
2.6 A diversidade da vocação laical e situações especiais
A família, como lugar teológico de cultivo de vocação laical expressa o que é
dito com relação a qualquer tipo de vocação, pois, de fato, é no seio da família que
podem e devem ser cultivadas todas as possibilidades necessárias. Daí geralmente
deriva o sucesso ou o fracasso humano de alguém. A família é, sem dúvida, a célula
mais importante da sociedade, como afirma o Papa Wojtyla:
Uma vez que os valores dos quais estamos a falar aqui são transmitidos
em primeiro lugar na família e sucessivamente são consolidados na
escola, tanto a família como a educação deveriam ser objeto da vossa
constante solicitude pastoral. A própria família deve ser salvaguardada
e promovida, dado que permanece como «a célula básica da sociedade»
(...)112.
Como importante célula formadora, a família ocupa um lugar de destaque, pois
dela é que derivam as várias vocações, as várias possibilidades de pessoas para se
engajarem no serviço do Reino. Ela é o seio do cultivo da vocação cristã leiga, o berço
da educação, onde tudo começa, onde acontece o primeiro sinal vocacional. É nesse
ambiente que Deus se manifesta, é aí que ele se revela com sua ação educadora:
Também a família cristã, enquanto ‘Igreja doméstica’, constitui uma
escola nativa e fundamental para a formação da fé: o pai e a mãe
recebem do sacramento do Matrimônio a graça e o ministério da
109
SANTOS, M. A teologia brasileira e os ministérios não-ordenados. In: Excerpta e dissertationibus in
sacra Theologia. Pamplona: Universidade de Navarra, 2002, p. 185.
110
ILLANES, op. cit., p.119.
111
Id., ibid., p.157.
112
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio. São Paulo: Paulinas, 1981. 46.
19. 37
educação cristã relativamente aos filhos, aos quais testemunham e
transmitem, simultaneamente, valores humanos e valores religiosos113.
João Paulo II, em suas considerações acerca da família cristã, afirma:
Se a família cristã é comunidade, cujos laços são renovados por Cristo
através da fé e dos sacramentos, a sua participação na missão da Igreja
deve processar-se segundo uma modalidade comunitária: juntos,
portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e os filhos enquanto
família devem prestar serviço à Igreja e ao mundo 114.
João Paulo II fala das várias vocações laicais, como se dá essa possibilidade de
manifestação e como se pode zelar por elas115. Augusto Sarmiento lembra que “a
universalidade da missão se desprende da própria natureza da Igreja, a universalidade da
missão em nossos dias se mostra com renovada urgência como conseqüência do mundo
em que vivemos”116. Assim, da universalidade da missão, nasce a necessidade de uma
ampla variedade de vocações.
113
CfL 62.
114
Id., ibid., 52.
115
“A rica variedade da Igreja encontra uma sua ulterior manifestação no seio de cada estado de vida.
Assim, dentro do estado de vida laical, há lugar para várias ‘vocações’, isto é, diversos caminhos
espirituais e apostólicos que dizem respeito a cada fiel leigo.(...) Neste âmbito podemos lembrar também
a experiência espiritual que recentemente amadureceu na Igreja com o desabrochar de diversas formas de
institutos seculares: aos fiéis leigos(...) abre-se a possibilidade de professar os conselhos evangélicos de
pobreza, castidade e obediência, por meio de votos ou das promessas, conservando plenamente a própria
condição laical e clerical. Como observam os padres sinodais, ‘o Espírito Santo suscita também outras
formas de doação de si mesmos,a que se entregam pessoas que permanecem inteiramente na vida laical.
Podemos concluir, relendo uma linda página de São Francisco de Sales, o qual promoveu tanto a
espiritualidade dos leigos. Falando da ‘devoção’, ou seja, da perfeição cristã ou ‘vida segundo o espírito’,
ele apresenta de uma forma simples e esplêndida a vocação de todos os cristãos à santidade e, ao mesmo
tempo, a forma específica com que cada cristão a realiza: ‘Na criação Deus ordenou às plantas que
produzissem os seus frutos, cada uma ‘segundo a própria espécie’. A mesma ordem dá aos cristãos, que
são as plantas vivas da sua Igreja, para produzirem frutos de devoção, cada um segundo o seu estado e a
sua condição. A devoção deve ser praticada de forma diferente pelo cavalheiro, pelo operário, pelo
doméstico, pelo príncipe, pela viúva, pela mulher solteira e pela casada. Isso não basta, é preciso também
conciliar a prática da devoção com as forças. Os empenhos e os deveres de cada pessoa...É um erro, uma
heresia mesmo, excluir do ambiente militar, da oficina dos operários, da corte dos príncipes, das casas dos
cônjuges, a prática da devoção. (...) Colocando-se na mesma linha, o Concílio Vaticano II escreve: ‘Esta
espiritualidade dos leigos deverá assumir características especiais, conforme o estado de matrimônio e
familiar, de celibato ou viuvez, situação de enfermidade, atividade profissional e social. Não deixem, por
isso, de cultivar assiduamente as qualidades e dotes condizentes com essas situações, e utilizar os dons
por cada um recebidos do Espírito Santo” (id., ibid., 56).
116
SARMIENTO, Tomás Rincon; YANGUAS, José Maria; QUIROS, Antonio. La Misión del laico en la
Iglesia y en el mundo. Pamplona: Universidad de Navarra, p. 50.
20. 38
A família, formada a partir do matrimônio, é fundamental para a existência
humana, para sua continuidade. E é no batismo que a vida nova de Cristo começa a
produzir frutos no homem, como afirma Illanes:
O batismo implica um novo nascimento, um ato em que Cristo,
fazendo-se presente em sua Igreja, infunde vida nova num homem
vindo, nascido no seio de uma família, de uma nação, de um mundo,
que resulta regenerado todo esse conjunto de realidades 117.
É na família onde tudo começa, desde o propósito de se realizar o matrimônio
com planos de se gerar filhos, que deve ser o principal fim do matrimônio 118, juntamente
com o bem dos cônjuges. “O matrimônio é, em suma, um estado de vida pertencente à
condição secular”119. Muitas das realidades vividas no sociedade têm sua origem na
família, condições postas a partir da formação da mesma na realização do matrimônio.
O matrimônio e a família, que dele deriva, são realidades humanas,
ordenadas uma a outra, igual que outras muitas, que são incorporadas
no interior cristão (...), pelo vínculo matrimonial humano que, em
virtude da graça, é elevado, ontológica e naturalmente, por assim dizer,
a condição de sacramento120.
Daí pode-se caracterizar a família como um bem de Deus, pois goza da sua graça
e é constituído com a mesma graça recebida no matrimônio. E por isso, e devido a sua
condição de estar e pertencer ao mundo, seu serviço será sempre necessário para a
edificação e santificação de todos aqueles que querem e desejam. Segundo H. Giordani,
O matrimônio natural tinha e tem ainda um caráter sagrado, porque
desempenha uma tarefa naturalmente sagrada qual é a de expandir o
Reino de Deus nas criaturas racionais. A intervenção de Cristo sublima
essa missão, fazendo da união dos cônjuges batizados uma participação
da união sua com a Igreja. Não apenas imagem, mas órgão da mesma.
Se, pois, o grande sacramento do amor de que é ministro o sacerdote é a
Eucaristia, o grande sacramento do amor de que é ministro o leigo é o
matrimônio121.
117
Cf. ILLANES, op. cit., p. 139.
118
“Sobre os fins do matrimônio e sua relação e ordem, têm aparecido nestes últimos anos alguns escritos
que afirmam que o fim principal do matrimônio não é a procriação dos filhos, que os fins secundários
não estão subordinados ao principal, senão que são independentes do mesmo” DENZINGER, Enrique. El
Magisterio de la Iglesia – Manual de los símbolos, definiciones de la Iglesia em materia de fé y
costumbres. Barcelona: Herder, 1963 (Decreto del Santo Oficio, de 1º de abril de 1944).
119
ILLANES, op. cit., p. 140.
120
Id., ibid., p. 140.
121
GIORDANI, Higino. Laicato e sacerdócio. São Paulo: Paulinas, 1967, p. 157.
21. 39
O chamado de Cristo à vocação não é feito apenas àqueles que pertencem a um
instituto de vida consagrada. Estes gozam de um chamado especial, pois passarão a
dedicar suas vidas, com exclusividade, aos serviços da Igreja. O chamado também se
dirige aos leigos, e de várias formas, pois todos têm possibilidades para desenvolver
diversos tipos de tarefas.
A vocação, segundo Veremundo Tóth, não é privilégio de poucos chamados à
vida sacerdotal e religiosa, mas todos os batizados têm a vocação de se tornarem ‘sal da
terra’ e ‘luz do mundo’122.
Convém analisar algumas situações especiais dos cristãos leigos:
Em primeiro lugar, a situação da mulher.
Nela é gerada a vida. Ela é parte integrante e fundamental, desde os primeiros
passos de um bebê até ao amadurecimento de um adulto. Dentro de uma família, muitas
vezes encontram-se quase que todos os membros com certa dependência de uma
mulher.
Sua presença também é de fundamental importância na missão da Igreja. Na
grande maioria das vezes, ela é encontrada em setores da Igreja. São aqueles que
fornecem a primeira educação da fé, que é a catequese. João Paulo II recorda que
os Padres sinodais dedicaram uma atenção especial à condição e ao
papel da mulher, num dúplice objetivo: reconhecer e convidar todos a
que mais uma vez reconheçam o indispensável contributo da mulher na
edificação da Igreja e no progresso da sociedade; e elaborar, além disso,
uma análise mais específica da participação da mulher na vida e na
missão da Igreja123.
Apesar da grande contribuição da mulher na realização da sociedade, ainda não é
reconhecida, em muitos casos, com igualdade de direitos em relação ao homem Ainda
existem grandes distorções, no tocante aos tratos domésticos, no âmbito profissional e
no reconhecimento social de modo geral.
122
TÓTH, Veremundo. A comunhão dos santos – a tarefa do leigo na Igreja. São Paulo: Loyola, 1989, p.
38.
123
CfL 49.
22. 40
Contudo, a importância de sua contribuição na realização das tarefas na Igreja
não merece menos consideração. Sua presença é fundamental para a evangelização,
sendo necessária nos diversos setores onde acontece a educação da fé. Na Exortação
Apostólica sobre a missão da família cristã, no mundo de hoje, João Paulo II confirma
a necessidade de se reconhecer a igualdade de dignidade da mulher com relação ao
homem:
Convém ressaltar, antes de tudo, a igual dignidade e responsabilidade
da mulher em relação ao homem: tal igualdade encontra uma forma
singular de realização na doação recíproca de si ao outro e de ambos aos
filhos, doação que é específica do matrimônio e da família 124.
Ainda, o Papa Wojtyla afirma que só o claro reconhecimento da dignidade
pessoal da mulher constitui o primeiro passo a dar-se para promover a sua plena
participação, tanto na vida eclesial como na social e pública125.
Em segundo lugar, a situação das crianças.
João Paulo II dirige sua palavra às crianças, no ano da família, depositando nelas
todo o crédito para quem deseja entrar no Reino de Deus, sendo como imitador de uma
criança para poder alcançar essa dádiva. Afirma ele:
Na criança, há algo que nunca poderá faltar em quem deseja entrar no
Reino dos Céus. Ao céu estão destinados aqueles que são simples como
as crianças, aqueles que são cheios de confiança e abandono, ricos de
bondade e puros como elas. Só esses podem encontrar em Deus um Pai,
e tornar-se, por sua vez e graças a Jesus, igualmente filhos de Deus 126.
São membros iniciantes no apostolado da Igreja, na visão de João Paulo II. Ele
não se furtou em dirigir sua atenção também para elas, como o fez com relação às
mulheres, aos idosos, aos jovens, enfim, a cada grupo de diferentes faixas etárias. “A
importância da criança aos olhos de Jesus pode-se observar no Evangelho” 127. Jesus tem
124
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio. São Paulo: Paulinas, 1981. 22.
125
CfL 49.
126
JOÃO PAULO II. Carta do Papa às crianças no ano da família. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 9.
127
Id., ibid., p. 8.
23. 41
uma preferência especial pelas crianças, pois se dirige a elas como portadoras do Reino:
“Deixai vir a mim as criancinhas, não as afasteis, pois delas é o Reino de Deus”128.
As crianças iniciam seu apostolado conhecendo Jesus na Eucaristia, após terem
trilhado o período próprio de preparação. É importante ressaltar que o exemplo da
família se torna indispensável para que perseverem na vida de fé.
O Concílio Vaticano II confirmou essa posição das crianças como membros do
apostolado, sem descuidar das suas possibilidades e capacidades, como iniciantes na fé.
Também as crianças têm sua atividade apostólica própria. Segundo a capacidade, são
verdadeiras testemunhas vivas de Cristo junto aos colegas 129. Essa capacidade depende
das condições próprias de ser criança. Ora, essa fase é a mesma em que está
acontecendo a maioria das novidades em suas vidas. Seu aprendizado básico está se
desenvolvendo nesse período. Portanto, cabe a seus educadores tratar de educá-las
também na fé. Segundo AA, a formação para o apostolado deve iniciar-se desde a
educação das crianças. De modo especial, no entanto, iniciem-se no apostolado os
adolescentes e jovens, imbuindo-os desse espírito apostólico130.
João Paulo II deposita sua esperança nas crianças e conclama-as, para que
louvem o nome do Senhor, pois elas são verdadeiras testemunhas do Reino. Na verdade,
delas é o Reino de céus. Assim o Papa Wojtyla dirige-se às crianças:
Permiti, meninos e meninas, que, no final desta Carta, recorde as
palavras de um Salmo que sempre me tocaram: Laudate pueri
Dominum! Louvai, crianças, louvai o nome do Senhor! Bendito seja o
nome do Senhor agora e para sempre! Desde o nascer ao pôr-do-sol,
seja louvado o nome do Senhor131.
Porém, dependendo da educação recebida, no que diz respeito à fé, e de como
seja o exemplo da sua família, principalmente dos pais, a criança poderá, desde cedo,
almejar o caminho a ser seguido e tornar-se uma verdadeira porta-voz do Reino de
Deus.
128
Id., ibid., p. 8.
129
AA 12.
130
Id., ibid., 30.
131
JOÃO PAULO II. Carta do Papa às crianças no ano da Família. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 13.
24. 42
Em terceiro lugar, a situação do ancião.
Na carta aos anciãos, João Paulo II escreve:
O Salmo 92 (91), como querendo sintetizar os brilhantes testemunhos
dos anciãos que encontramos na Bíblia, proclama: ‘O justo florescerá
como a palmeira, erguer-se-á como os cedros do Líbano. (...) Na velhice
darão frutos, conservarão a sua seiva e seu frescor, para anunciar quão é
justo o Senhor’ (13 15,16). O apóstolo Paulo, fazendo-se eco do
Salmista, escreve na carta a Tito: ‘Os anciãos devem ser sóbrios,
graves, prudentes, firmes na fé, na caridade e na paciência’. (...) A
velhice, portanto, à luz do ensinamento e no léxico próprio da Bíblia,
apresenta-se como ‘tempo favorável’132.
O Papa Wojtyla, na sua reflexão, tenta resgatar a figura e o verdadeiro valor do
ancião, antes cultivado no seio das famílias. Hoje, num mundo altamente competitivo,
onde o que importa é a habilidade, o mais rápido e o mais forte, não restou lugar para o
idoso. Ele está quase que totalmente esquecido em muitos lares. Parece que a inutilidade
total tomou conta de sua vida; já não serve para mais nada. Quem sabe, agora só lhe
resta ir para um canto e esperar o seu fim.
João Paulo II tenta mostrar o valor e a utilidade do idoso. Descreve vários
exemplos de cultivo, na tradição, onde o velho tem sua dignidade e respeito resgatados:
A juventude e a adolescência são passageiras, observa o Eclesiastes
(11,10).” A Bíblia não deixa de chamar a atenção, por vezes com
grande realismo, sobre a caducidade da vida e sobre o tempo que passa
inexoravelmente: ‘Vaidade das vaidades, vaidade das vaidades! Tudo é
vaidade’ (Ecl 1,2): quem não conhece a severa advertência do antigo
Sábio? Entendemo-lo especialmente nós anciãos, pela experiência 133.
A Igreja aponta o idoso como um importante agente da missão de Cristo e dono
de uma vida que é dom de Deus. João Paulo II lembra que “A vida é um dom feito por
132
JOÃO PAULO II. Carta aos anciãos. São Paulo: Paulinas, 1999, 8.
133
Id., ibid.,6.
25. 43
Deus aos homens, criados por amor, à sua imagem e semelhança’ ‘Esta compreensão da
dignidade sagrada da pessoa humana leva a dar valor a todas as etapas da vida”134.
Nesse sentido, o documento do Conselho Pontifício para os Leigos, ao referir-se
à questão do idoso, põe em alta a perspectiva da utilidade do ancião, dando-lhe o crédito
e reconhecimento vividos pela experiência: “O contributo de experiência que os anciãos
podem dar ao processo de humanização de nossa sociedade e da nossa cultura é mais do
que nunca precioso e necessário, valorizando aqueles aspectos que poderemos definir
como carismas próprios da velhice”135. O documento chama a atenção para alguns
aspectos importantes, para que a sociedade não perca de vista valores que hoje ficam
obscuros diante das correrias e dos grandes progressos:
A gratuidade (o ancião que vive o tempo da disponibilidade pode
chamar a atenção de uma sociedade demasiado ocupada para a
necessidade urgente de derrubar as barreiras de uma indiferença
aviltante, que desanima e irrompe o fluxo dos impulsos altruístas); a
memória (o idoso pode estabelecer um dialogo entre as gerações,
impedindo, assim, que se perca a memória); a experiência (a técnica
hoje é avançada, porém sua rapidez não deve desencorajar as pessoas da
terceira idade, pois estas têm muito a dizer às gerações mais novas, têm
muito a partilhar com elas136.
“Honrarás a pessoa do ancião”137 , Nas Escrituras, a estima pelo ancião
transformou-se em lei: ‘Levantar-te-á, diante de uma cabeça encanecida (...) e temerás o
teu Deus’. E ainda: ‘Honra teu Pai e tua mãe’ 138. Uma delicadíssima exortação em favor
dos pais, sobretudo na idade senil...”139.
Lembra-nos o documento que Deus pode revelar-se na idade senil, mesmo
quando marcada por limitações e dificuldades. ‘Deus escolheu o que é fraco no mundo,
para confundir os fortes’140, e ainda: ‘Mesmo na velhice dará os seus frutos’ 141. Assim, a
134
Conselho Pontifício para os Leigos. A dignidade do ancião e sua missão na Igreja e no mundo. São
Paulo: Paulinas, 1999, p. 11.
135
Id., ibid., p. 11-12 .
136
Id., ibid., p. 12.
137
Lv 19,32.
138
Dt 5,16.
139
Conselho Pontifício para os Leigos. A dignidade do ancião e sua missão na Igreja e no mundo. São
Paulo: Paulinas, 1999, p. 15.
140
1Cor 1,27-28.
141
Sl 91 (92), 15).
26. 44
Igreja espera e confia na habilidade e na experiência dos idosos, para trazerem a este
mundo de controvérsia a sua contribuição na missão salvadora de Cristo, ajudando na
conversão de pessoas.
Numa sociedade moderna, cheia de divergências, onde os valores mais
tradicionais cada vez mais sofrem depreciação, o ancião pode contribuir com sua
presença e sua experiência adquirida ao longo da vida.
2.7 O apostolado do leigo
João Paulo II, ao referir-se à missão do homem e da mulher no mundo e na
Igreja, acentua que, “por força do Batismo e da Crisma, a mulher, como o homem,
torna-se participante no tríplice múnus de Jesus Sacerdote, Profeta e Rei e, portanto, é
habilitada e vocacionada para o apostolado fundamental da Igreja-a Evangelização”142.
O leigo, no apostolado, é um colaborador importante. Seu empenho é vital para a
Igreja. Por isso, seu testemunho se torna indispensável. João Paulo II reconhece e
afirma essa importância. Sua contribuição para a propagação do Reino de Deus sempre
é bem-vinda.
“O apostolado dos leigos é a participação na própria missão salvífica da
Igreja”143. João Paulo II confirma que a missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se,
não só pelos ministros, que são em virtude do sacramento da ordem, mas também por
todos os fiéis leigos: estes, com efeito, por força da sua condição batismal e da sua
142
CfL 51.
143
LG 33.
27. 45
vocação específica, na medida própria de cada um, participam do múnus sacerdotal 144,
profético145 e real146 de Cristo147.
Bruno Forte, citando a Apostolicam Actuositatem, comenta a relação da missão
do leigo com a de Cristo na Igreja e no mundo:
Assim como Cristo recebe e dá o Espírito, assim também o cristão
incorporado em Cristo, mediante a economia sacramental, é ungido de
Espírito Santo, e torna-se comunicador dele na participação na função
profética, sacerdotal e real de Cristo. A missão funda-se na
consagração, e o dar o Espírito, no tê-lo recebido e no recebê-lo a todo
instante. Em outras palavras: a vocação ao apostolado, como a vocação
para o todo das atividades ordinárias, para tornar participantes todos os
homens na redenção operada por Cristo, identifica-se com a vocação
cristã148.
O apostolado do leigo não está restrito apenas a uma ou outra atividade.
Segundo Illanes, “a missão cristã não é uma mera função ou encargo, e sim expansão de
um ministério de comunicação de vida divina” 149. Ele pode ter, em seu campo, muitas
possibilidades de aplicação, ou seja, seu fim está direcionado, tanto para a Igreja, quanto
para o mundo. O Concílio Vaticano II assegura:
Como participantes do múnus de Cristo sacerdote, profeta e rei, os
leigos participam ativamente na vida e na ação da Igreja. No interior das
comunidades da Igreja, sua ação é tão necessária que sem ela o próprio
144
“O supremo e eterno Sacerdote Jesus Cristo quer continuar seu testemunho e seu serviço também
através dos leigos” (id., ibid., 34).
145
“Cristo, o grande profeta que proclamou o Reino do Pai, quer pelo testemunho da vida, quer pela força
da palavra, continuamente exerce seu múnus profético até à plena manifestação da Glória. Ele o faz, não
só através da hierarquia que ensina em seu nome e com seu poder, mas também através dos leigos” ( id.,
ibid., 34).
146
“Cristo feito obediente até à morte, e por isso exaltado pelo Pai, entrou na glória do seu Reino. A Ele
todas as coisas estão sujeitas, até que submeta todas as criaturas ao Pai, para que Deus seja tudo em todos.
Comunicou esse poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos na liberdade régia e por
sua abnegação e vida santa vençam em si mesmos o Reino do pecado. Mais ainda, servindo a Cristo
também nos outros, com paciência e humildade, conduzam seus irmãos ao Rei, ao qual servir é reinar.
Também através dos fiéis leigos o Senhor quer dilatar seu Reino, Reino de verdade e vida, Reino de
santidade e graça, Reino de justiça, amor e paz” (id., ibid., 36).
147
CfL 23.
148
FORTE, B. op. cit., p. 47.
149
ILLANES, op. cit., p.181.
28. 46
apostolado dos pastores não poderia, muitas vezes, alcançar o seu pleno
efeito150.
Outro lugar da atuação do apostolado leigo é na família, onde, como auxiliares
de Deus, na promoção do Reino, educam seus filhos na fé, tornando-os cidadãos de
bem, para a construção de uma sociedade capaz de se tornar cada vez mais fraterna e
justa. É nesse sentido que o bom resultado da educação faz efeito no mundo. Os
cônjuges cristãos constituem um para o outro, para os filhos e demais familiares,
cooperadores da graça e testemunhas da fé. Para os filhos, são eles os primeiros
anunciadores e educadores da fé. Formam-nos para a vida cristã e apostólica pela
palavra e pelo exemplo151.
“A chamada não diz respeito apenas aos pastores, aos sacerdotes, aos religiosos
e religiosas, mas estende-se aos fies leigos: também os fiéis leigos são pessoalmente
chamados pelo Senhor, de quem recebem uma missão para a Igreja e para o mundo”152.
O fim último do apostolado leigo no mundo não pode ser o de substituição aos
sacerdotes, mas o de auxílio aos sacerdotes e à Igreja, um compromisso com o
Evangelho. O Batismo nos torna missionários. Isso quer dizer que a missão não está
reservada a nenhum grupo especial. É, sim, compromisso de todos, e as necessidades,
que o mundo oferece, têm que ser vistas por todos; e ninguém está dispensado dessas
tarefas. São palavras de João Paulo II:
As imagens evangélicas do sal, da luz e do fermento, embora se refiram
indistintamente a todos os discípulos de Jesus, têm uma específica
aplicação nos fiéis leigos. São imagens maravilhosamente
significativas, porque falam, não só da inserção profunda e da
participação plena dos fiéis leigos na terra, no mundo, na comunidade
humana, mas também, e sobretudo, da novidade e da originalidade de
uma inserção e de uma participação destinadas à difusão do Evangelho
que salva153.
150
AA 10.
151
Id., ibid., 11.
152
CfL 2.
153
CfL 15.
29. 47
Tendo a compreensão clara do papel que cada um tem de desempenhar diante do
que o mundo oferece, fica mais explícito que o leigo não é alguém que vive fora da
realidade vivida dentro da sociedade. É alguém que pertence ao grupo que deve
trabalhar pelo bem comum, e deve ter consciência da sua participação como membro de
Cristo. Por isso, deve trabalhar para que o Reino de Deus possa ser construído e
percebido por todos.
É bom destacar que o leigo sempre esteve ligado de alguma forma à ação
evangelizadora da Igreja. No decorrer da história, as funções vão se definindo, e sua
tarefa vai se tornando cada vez mais clara. Nos tempos atuais, o vasto campo social urge
a necessidade e a presença dele. A Igreja não pode dar-se ao luxo de dispensar esse
serviço, pois isso a levaria a conseqüências trágicas, por falta de pessoas para ajudar na
obra da redenção. Afirma Illanes: “A secularidade da Igreja, sua responsabilidade ou
missão no mundo, não consiste, pois, em contribuir a umas finalidades do mundo,
alheias às que a ela mesma são próprias, senão em manifestar aos homens a dimensão
profunda do valor radical”154.
É preciso qualificar a ação laical como essencial para o dinamismo da Igreja.
Não é possível apenas o clero dar conta das incontáveis tarefas que envolvem o dia-a-
dia das comunidades eclesiais. O povo de Deus é sedento do Evangelho, e há ainda
muitos que nem o conhecem. Portanto, o mundo é um excelente lugar para a realização
da missão. Para especificar a ligação do fiel leigo à Igreja, Urbano Zilles considera o
seguinte:
Reparar só na missão específica dos leigos, esquecendo a sua
simultânea condição de fiéis, seria tão absurdo como imaginar um ramo
verde e florido que não pertencesse a nenhuma árvore. Esquecer-se do
que é específico, próprio e peculiar dos leigos, ou não compreender
suficientemente as características destas atividades apostólicas seculares
e o seu valor eclesial seria como reduzir a frondosa árvore da Igreja à
monstruosa condição de puro tronco155.
Mesmo reconhecendo a necessidade dessa ligação, conforme vimos na citação
anterior, entre o fiel leigo e a sua Igreja e Cristo, aludida pelo autor, ao referir-se ao
154
ILLANES, op. cit., p.132.
155
ZILLES, U. Quem é o leigo na Igreja? qual sua missão? Teocomunicação, Porto Alegre, n. 72, p. 25,
1986/2, p. 25.
30. 48
puro tronco, ao invés de uma árvore com seus ramos, não podemos deixar de lembrar
que nem sempre foi assim.
Assim, sobre essa matéria o documento de Puebla afirma:
É no mundo que o leigo encontra seu campo específico de ação. Pelo
testemunho de sua vida, por sua palavra oportuna e sua ação concreta, o
leigo tem a responsabilidade de ordenar as realidades temporais para
pô-las a serviço da instauração do Reino de Deus156.
E no Documento de Santo Domingo, expondo sobre a importância e o lugar do
leigo, lemos:
Que todos os leigos sejam protagonistas da Nova Evangelização, da
Promoção Humana e da Cultura Cristã. É necessária a constante
promoção do laicato, livre de todo clericalismo e sem redução ao intra-
eclesial. Que os batizados não-Evangelizados sejam os principais
destinatários da Nova Evangelização. Esta só será efetivamente levada a
cabo, se os leigos, conscientes de seu batismo, responderem ao
chamado de Cristo a quem se convertem em protagonistas da Nova
Evangelização. No marco da comunhão eclesial, urge um esforço de
favorecer a busca de santidade dos leigos e o exercício de sua missão 157.
Mesmo diante das dificuldades, o leigo não pode furtar-se à sua
responsabilidade. É urgente que no mundo desempenhe seu papel como evangelizador.
A Igreja o chama para essa missão, e bem se sabe que de fato seu papel é de capital
importância.
Sobre a finalidade do apostolado leigo, para Raimondo Spiazzi, há dois tipos de
concepções. Em primeiro lugar, as concepções falsas:
Do quanto se tem dito até aqui, pode-se também deduzir quais são os fins e os trabalhos
essenciais do apostolado dos seculares na Igreja. É uma concepção falsa a que os
converte simplesmente em substitutos dos sacerdotes, onde e porque estes faltam. A
ocasião para o desdobramento e para a organização do apostolado dos seculares pode ter
se dado, em tempos modernos, o feito da carência de sacerdotes, ou mais, a
impossibilidade de estes atuar em muitos ambientes impossíveis de se penetrar; porém,
156
DP 789.
157
DSD 97.
31. 49
uma coisa é a ocasião de um movimento ou uma instituição, e outra é sua razão formal
158
.
Em segundo lugar, as concepções verdadeiras:
Pode-se talvez dizer que é nota específica da ação dos seculares, no plano propriamente
apostólico, no que atuam como auxiliares da hierarquia, ex officio, levar a verdade e a
vida da Igreja àqueles afastados material e espiritualmente, que não são acessíveis ao
sacerdote. Em se tratando de indivíduos ou famílias, ou de ambientes ou setores da
cultura, da vida social, profissional, política, etc., os seculares podem falar aqui melhor
que os sacerdotes, porque estão em seu próprio campo, onde vivem diariamente em
contato com os homens que, sendo vizinhos seus nesses campos, não o são na fé, e na
vida cristã, a eles toca trazê-los para os caminhos de Cristo, seja com o testemunho de
sua vida, seja com a palavra e a obra posta no momento oportuno 159.
Enviado no meio do mundo, impulsionado pela força do Espírito Santo, o cristão
leigo vive sua própria identidade, não dividida em termos de contraposições como clero
versus laicato.
Tal serviço prestado pelo leigo à Igreja e ao mundo é, na verdade, uma
necessidade para si mesmo. Afinal, importa que ele possa merecer ser contado entre os
colaboradores de Jesus na missão160, no trabalho, na dedicação, e assim colher os frutos
da salvação.
2.8 A formação do leigo
No pensamento de João Paulo II, fica evidente que a formação do fiel cristão
leigo é algo primordial, não só no sentido permanente, mas também em sua
integralidade. Somente dessa forma é possível viver uma vida na unidade com Deus e
com a Igreja, na vida de fé. Igreja requer muito mais do que simples informações.
Requer adesão e conhecimento. É o lugar onde se gera vida, com a própria vida:
Ao descobrir e viver a própria vocação e missão, os fiéis leigos devem
ser formados para aquela unidade, de que está assinalada a sua própria
situação de membros da Igreja e de cidadãos da sociedade humana. Não
pode haver na sua existência duas vidas paralelas: por um lado, a vida
158
SPIAZZI, R. El laicado en la Iglesia. Barcelona: Herder, 1961, p. 88.
159
Id., ibid., p. 89.
160
“E ninguém contradiga que Jesus Cristo é conservador da Igreja dos homens. Por que não por falta de
força, senão pela grandeza de sua bondade, quer ele que também da nossa parte coloquemos algum
trabalho para obter e alcançar os frutos da salvação que ele por seu mérito adquiriu” (DENZINGER, op.
cit., n. 1936c).
32. 50
chamada ‘espiritual’, com os seus valores e exigências. E por outro, a
chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida da família, do trabalho, das
relações sociais, do empenho político e da cultura. A vida, incorporada
na videira que é Cristo, dá os seus frutos em todos os ramos da
atividade e da existência. Pois os vários campos da vida laical entram
todos no desígnio de Deus, que os quer como o ‘lugar histórico’, em
que se realiza a caridade de Jesus Cristo para glória do Pai e a serviço
dos irmãos161.
João Paulo II adverte para a importância da formação dos fiéis leigos Esta é,
sem dúvida, uma forma, não só de dar frutos, mas de dar bons frutos. Uma vocação
leiga que não amadurece na formação terá que contar apenas com o que a vida oferecer,
como sobra do que já não serve mais. Ademais, também é notório que, em todas as
atividades, em todas as áreas de atuação da humanidade, cada dia é necessário mais e
mais conhecimento, num progressivo processo de amadurecimento e aperfeiçoamento.
Na reflexão de João Paulo II,
a imagem evangélica da videira e dos ramos mostra-nos um outro
aspeto fundamental da vida e da missão dos fiéis leigos: a chamada para
crescer, amadurecer continuamente, dar cada vez mais fruto. Como
diligente agricultor, o Pai cuida da sua vinha. A presença carinhosa de
Deus é ardentemente invocada por Israel, que assim reza: ‘Voltai, Deus
dos exércitos, olhai do Céu e vede e visitai esta vinha, protegei a cepa
que a vossa mão direita plantou, o rebento que cultivastes’(Sl 80,15-16).
O próprio Jesus fala da obra do Pai: ‘Eu sou a verdadeira videira e o
meu Pai é o agricultor’162.
João Paulo II diz:: “Como a ação educativa humana está intimamente ligada à
paternidade e à maternidade, assim a formação cristã encontra a sua raiz e força em
Deus, o Pai que ama e que educa os seus filhos. Sim, Deus é o primeiro e o grande
educador do seu povo”163.
Ao analisar os aspectos da formação, João Paulo II especifica-os:
161
CfL 59.
162
Id., ibid., 57.
163
Id., ibid., 61.
33. 51
Em primeiro lugar, a formação espiritual164: neste ponto, é abordado o assunto de
modo a considerar a importância dada à formação espiritual daqueles que são chamados
a fazerem parte da missão de Cristo. Isso porque a vida espiritual bem desenvolvida de
cada um se torna indispensável para a caminhada missionária.
Em segundo lugar, a formação doutrinal 165: não diferente da formação espiritual,
a doutrinal também se faz urgente, pois o conhecimento e a clareza no anúncio tornam
mais compreensíveis os conteúdos da fé.
Em terceiro lugar, a formação integral 166: aqui, é onde se torna possível que o
indivíduo adquira a consciência de ser um membro especial de Cristo, ele é um filho de
Deus, que deve ter uma boa consciência social, imbuída de valores éticos e morais.
Há uma constante preocupação, por parte da Igreja, no tocante à promoção do
leigo no seu seio. Contam muito as inúmeras tarefas num contexto de gigantescas
demografias, em que anunciar a boa noticia, propagar o reino, é, sem dúvida, um
164
“Não há dúvida de que a formação espiritual deve ocupar um lugar privilegiado na vida de cada um,
chamado a crescer incessantemente na intimidade com Jesus Cristo, na conformidade com a vontade do
Pai, na dedicação aos irmãos, na caridade e na justiça. Escreve o Concílio: ‘Esta vida de íntima união com
Cristo alimenta-se na Igreja com as ajudas espirituais que são comuns a todos os fiéis, sobretudo a
participação ativa na sagrada liturgia, e os leigos devem socorrer-se dessas ajudas, de modo que, ao
cumprir com retidão os próprios deveres do mundo, nas condições normais da vida, não separem da
própria vida a união com Cristo, mas, desempenhando a própria atividade segundo a vontade de Deus,
cresçam nela” (id., ibid., 60).
165
“A formação doutrinal dos fiéis leigos mostra-se hoje cada vez mais urgente, não só pelo natural
dinamismo de aprofundar a sua fé, mas também pela exigência de ‘racionalizar a esperança’ que está
dentro deles, perante o mundo e os seus problemas graves e complexos. Tornam-se, desse modo,
absolutamente necessárias uma sistemática ação de catequese, a dar-se gratuitamente, conforme a idade e
as várias situações da vida, e uma mais decidida promoção cristã da cultura, como resposta às eternas
interrogações que atormentam o homem e a sociedade de hoje. Em particular, sobretudo para os fiéis
leigos, de várias formas empenhados no campo social e político, é absolutamente indispensável uma
consciência mais exata da doutrina social da Igreja, como repetidamente os Padres sinodais
recomendaram nas suas intervenções. Falando da participação política dos fiéis leigos, assim se
exprimiam: ‘Para que os leigos possam realizar ativamente este nobre propósito na política (isto é,
propósito de fazer reconhecer e estimar os valores humanos e cristãos), não são suficientes as exortações;
é preciso dar-lhes a devida formação da consciência social, sobretudo acerca da doutrina social da Igreja,
a qual contém os princípios de reflexão, os critérios de julgar e as diretivas práticas” (cf. Congregação
para a Doutrina da Fé, Instrução sobre liberdade cristã e libertação, 72) (id., ibid., 60).
166
“No contexto da formação integral e unitária dos fiéis leigos, é particularmente significativo, para a
sua ação missionária e apostólica, o crescimento pessoal no campo dos valores humanos. Precisamente
nesse sentido, o Concílio escreveu: ‘(os leigos) tenham também em grande conta a competência
profissional, o sentido da família, o sentido cívico e as virtudes próprias da convivência social, como a
honradez, o espírito de justiça, a sinceridade, a amabilidade, a fortaleza de ânimo, sem as quais nem
sequer se pode dar uma vida cristã autêntica’, Ao amadurecer a síntese orgânica da sua vida, que,
simultaneamente, é expressão da unidade do seu ser e condição para o cumprimento eficaz da sua missão,
os fiéis leigos serão interiormente conduzidos e animados pelo Espírito Santo, que é Espírito de unidade e
de plenitude de vida” (id., ibid., 60).
34. 52
trabalho que exige dedicação e fidelidade e, mais ainda, um número muito grande de
pessoas. O número limitado de ministros ordenados não seria suficiente para atender as
necessidades do povo de Deus.
No âmbito da pastoral, para atingir, com eficiência, o povo de Deus, é necessária
uma formação de qualidade dos agentes. E nos dias atuais, muitos leigos exercem
importantes funções para a vida da Igreja. Eles necessitam formação especial.
Os desafios modernos trazem consigo exigências profundas no campo pastoral.
Como os leigos não têm, de modo geral, uma formação teológica específica, cabe então
à Igreja tomar a iniciativa de orientação, nesse sentido, e encaminhar os novos trabalhos
de pastorais exercidos por leigos, com novas perspectivas e novos horizontes. Eis como
se expressa a CNBB:
As ‘coisas novas’ do complicado mundo atual foram analisadas
sucessivamente pelo Magistério da Igreja, com rica reflexão doutrinal.
Da mesma forma, a vocação e missão dos cristãos leigos na sociedade
receberam lúcidos ensinamentos teológicos. Mas tais análises, reflexões
e ensinamentos não são suficientes. Fazem-se necessárias novas
posturas pastorais167.
167
Diretrizes gerais da ação pastoral da Igreja no Brasil. – Doc. n. 45. CNBB, 266 – 272:
a) “Partir da problemática dos leigos, trazida de seu próprio ambiente temporal, com maior aproximação à
sua real situação, em diálogo franco e adulto com ele”.
b) “Socorrer-se do indispensável trabalho de especialistas, sobretudo leigos, na reflexão teológica sobre
questões como ‘fé e modernidade’, ‘fé e ciência’, ‘fé e o mundo da tecnologia’, ‘ética social e princípios
cristãos’ para uma presença no mundo contemporâneo”.
c) “Criar adequados organismos de reflexão e participação. Nossos conselhos e assembléias pastorais,
pensados até agora prevalentemente em função daqueles que atuam no interior da comunidade eclesial,
devem estender seu alcance à missão dos leigos na sociedade”.
d) “Realizar maiores investimentos, inclusive financeiros, na formação de lideranças, quer entre os
‘construtores da sociedade’, quer nos meios populares, sem os quais as estruturas temporais não serão
permeáveis aos valores evangélicos”.
e) “Retomar, com novo vigor de formação, a pastoral da juventude, seja dos meios populares, seja dos
meios colegiais e universitários, indispensável para a renovação da sociedade”.
f) “Em síntese, cabe-nos acolher o apelo e a orientação de João Paulo II aos Bispos do Brasil, no sentido
de que ‘uma prioridade importante e inadiável seja a de formar leigos’. Formar leigos significa favorecer-
lhes a aquisição de verdadeira competência e habilitação no campo em que devem atuar; mas significa,
sobretudo, educá-los na fé e no conhecimento da doutrina da Igreja naquele campo”.
35. 53
Quando se fala em formação, logo vem a idéia da tradicional formação
intelectual. E, de certo, é correto pensar assim, pois o fiel leigo deve oferecer o que há
de melhor; e, para isso, deve estar em constante processo de formação, não uma simples
e qualquer formação, mas, sim, que seja integral, que brote do espírito. Por isso, não se
deve ter uma idéia de um leigo por compartimentos, mas de um ser humano todo, um
indivíduo integral.
A formação do leigo se faz necessária, pois é constante e crescente, cada vez
mais, a participação ativa deste na missão da Igreja. E, diante de tantos desafios, torna-
se primordial que a Igreja disponha de agentes competentes e com sólida formação,
tanto espiritual como doutrinal. Cresce também a preocupação, por parte da Igreja,
quanto ao tipo de atenção que vem sendo dedicada ao leigo. O Documento de Puebla
lembra:
À medida que cresce a participação dos leigos na vida da Igreja e na
missão desta no mundo, torna-se também mais urgente a necessidade de
sua sólida formação humana em geral, formação doutrinal, social,
apostólica. Os leigos têm o direito de recebê-la primordialmente em
seus próprios movimentos e associações, mas também em institutos
adequados e no contato com seus pastores168.
Manter um compromisso com a formação dos leigos é um dos grandes
propósitos da Igreja, e tem sido assunto de pauta nos grandes Encontros de Bispos,
demonstrando que de fato a linha a ser seguida é a mesma da orientação do Papa João
Paulo II. As grandes Conferências deram acento a esse tema, confirmando o
pensamento do Papa, como mostra Santo Domingo:
Incentivar uma formação integral, gradual e permanente dos leigos
mediante organismos que facilitem ‘a formação de formadores’’ e
programem cursos e escolas diocesanas e nacionais, dispensando
particular atenção à formação dos pobres (cf. ChL 63). Os pastores
procuraremos, como objetivo pastoral imediato, fomentar a preparação
de leigos que se sobressaiam no campo da educação, da política, dos
meios de comunicação social, da cultura e do trabalho. Estimularemos
uma pastoral específica para cada um destes campos, de maneira que os
que neles estiverem presentes sintam todo o respaldo de seus pastores.
(...) Tendo presente que a santidade é um chamado a todos os cristãos,
os pastores procurarão os meios adequados que favoreçam aos leigos
uma autêntica experiência de Deus. Incentivarão também publicações
específicas de espiritualidade laical 169.
168
DP 794.
169
DSD 99.