O documento conta a história de um homem com um enorme nariz do tamanho de um chouriço. Inicialmente rejeitado pela aldeia, ele acaba se tornando um herói ao usar seu poderoso olfato para ajudar os aldeões, cheirando incêndios e detectando a presença de marcianos. Anos depois, ele encontra a fada responsável por seu nariz gigante e passa a cuidar dela, selando assim seu destino.
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O senhor do seu nariz
de Álvaro Magalhães
Adaptação teatral
de Constantino Mendes Alves
Senhor do seu nariz – Custou-me muito nascer. Estava tão bem desnascido,
aconchegado. Foi então que apareceu uma fada…
Fada – A vida deste rapaz vai dar para o torto.
Mãe – Não diga isso, não me desgrace o rapaz.
Fada – Digo, digo. Quando crescer vai ter um nariz do tamanho de um chouriço. Por
isso…
Mãe – Mas que raio de fada me saiu. Não te preocupes filho.
Narrador 1 – E foi isso mesmo que aconteceu. O tempo ia passando e o seu nariz
crescia mais depressa que ele. Quando parou de crescer tinha um nariz a perder de
vista, mas continuava otimista. Um nariz do tamanho de um chouriço?
Senhor do seu nariz – Podia ser pior, e se fosse do tamanho de um presunto?
Narrador 2 – Era desagradável ser tão diferente do resto da gente.
Vizinho 1 – Que raio de nariz!
Vizinho 2 – Nunca vi coisa assim…
Vizinho 3 – Donde é que isto saiu?
Senhor do seu nariz -É o meu destino, o que hei de fazer eu? Por ser tão grande às
vezes doem-me as costas.
Vizinho 1 – Devia ter um aparelho.
Vizinho 2 – Ou um pássaro segurando o nariz.
Vizinho 3 – Que nariz!
Senhor do seu nariz – O problema é que em certos lugares não cabemos os dois.
Narrador 2 – Havia sítios onde só o nariz ia, ele esperava cá fora. Ou vice-versa. Tanta
vez isso aconteceu: ou entrava o nariz ou entrava ele.
Narrador 1- Aliás, também havia coisas que corriam bem e chegavam para o fazer feliz.
Nas corridas, por exemplo, ganhava sempre por um nariz.
Narrador 2 – E, claro, cheirava como ninguém, pois então.
Narrador 1 – As pessoas cheiravam o mar, os bosques e as flores…
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Senhor do seu nariz – Eu cheirava o mar, os bosques e as flores, como nem o mar, os
bosques e as flores sabem que são.
Mãe – Filho! Vem jantar, tenho aqui uma refeição que te vai regalar…
Senhor do seu nariz – Eu sei mãe, já me cheirou a um excelente assado que acabaste
de cozinhar.
Mãe – Sabes sempre o que é o jantar.
Senhor do seu nariz - Claro! E quando estou esfomeado, basta fechar os olhos e ficar
ali a saborear aquilo que mais gosto. Chego a ficar enfartado.
Narrador 2 – Porém nem tudo corria bem. Com um nariz tão grosso e comprido, nunca
parrava despercebido.
Vizinho 4 – Olha para ele, parece que está sempre a apontar para mim
Criança 1– O homem do nariz enorme!
Criança 2 - Que feio!
Criança 3 – Deve ser mau.
Crianças todas – Vamos fugir dele!
Vizinho 5 – Está-se a armar em importante.
Vizinho 6 – Lá por ter um nariz importante não quer dizer dizer que seja mais que nós.
Vizinho 7 – Vê lá por onde andas, estás sempre a bater-nos com esse raio desse nariz.
Vizinho 8 – Não se pode estar ao pé dele.
Narrador 1 – Onde chegava ficava logo tudo deserto.
Senhor do seu nariz – Porque fogem? Eu não faço mal nenhum.
Vizinho 4 – Mete o nariz em todo o lado.
Vizinho 5 – É muito desagradável, sabe sempre quem toma ou não toma banho.
Vizinho 6 – Ou se alguém não muda de roupa.
Vizinho 7 – Que desenvergonhado!
Vizinho 8 – Sabe o que almoçamos.
Vizinho 9 – Ou por onde andamos.
Vizinho 10 – Você não tem vergonha?
Senhor do seu nariz – Que hei de fazer?
Vizinho 4 – É muito metediço.
Vizinho 5 – Até chega a cheirar o que estamos a pensar.
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Vizinho 6 - É um sem vergonha.
Vizinho 7 – E quando está constipado?
Vizinho 8 – É cada fungadela!
Senhor do seu nariz – Eu é eu tenho de o carregar. Olha aqui está um pássaro que
pousou no meu nariz, só me faltava essa!
Narrador 2 – Estava visto que o mundo não era feito para gente com um nariz assim,
do tamanho de um chouriço.
Narrador 2 – Por isso, foi-se afastando e acabou vivendo sozinho no cimo da serra,
numa casa abandonada. Mas era pequena e a ponta do nariz ficava fora da janela.
Passava o inverno coberta de neve.
Narrador 1 – Até que, certa manhã, apareceu lá em cima o carteiro da cidade. Ia levar-
lhe uma carta.
Senhor do seu nariz – Como vai a vida lá em baixo?
Carteiro -Vamos andando. Tudo normal.
Senhor do seu nariz – Eu sei. Perguntei por perguntar. Porque isso sei eu. Olhe agora
mesmo, sabe o que está a acontecer?
Carteiro – Como posso saber?
Senhor do seu nariz – Está um bolo de mel e nozes a queimar no forno, ali para os
lados da Praça das Flores.
Carteiro – Como é que sabe?
Senhor do seu nariz – Cheira-me a queimado para esse lado.
Carteiro -Às tantas é a minha mulher. Não tem cuidado. Vou já acudi-la.
Senhor do seu nariz - Espere, na mata da Pedra Encantada também há uma fogueira
que não foi bem apagada. Pode provocar um incêndio.
Carteiro – Não é possível.
Senhor do seu nariz – E também… Olhe o tempo está mudar e a meio da madrugada
chegará um temporal vindo do mar. É preciso avisar toda a gente.
Narrador 2 – Lá em baixo, o carteiro deu as notícias do Senhor do seu nariz e tudo
aquilo se confirmou.
Narrador 1 – Todos os males foram assim evitados, menos o bolo da mulher do
carteiro que efetivamente estava esturrado.
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Aldeão 1 – Afinal aquele nariz…
Aldeão 2 – …tem alguma utilidade.
Aldeão 3 – Mas que senhor nariz!
Aldeão 4 – Temos que reconhecer que esse nariz nos salvou.
Aldeão 5 – Esse nariz tem um poder.
Aldeão 6 – Afinal não é um defeito.
Narrador 2 – O senhor do seu nariz passou a viver na cidade, na praça principal, num
palácio muito espaçoso de paredes acolchoadas (por causa das narigadas).
Narrador 1 – Passou a ser o senhor Cheirador, era requisitado por todos para os mais
diversos assuntos.
Narrador 2 – Tudo corria às mil maravilhas, até que um dia…
Narrador 1 - …a meio da primavera, chegou à cidade um aroma desconhecido. Podia
ser uma coisa boa..
Narrador 2 - …ou uma coisa má. Era preciso saber o que aquilo era.
Narrador 1 – E o desconhecido é um monstro temido…
Governador – Estamos perdidos. Vêm aí os marcianos! Vão invadir a Terra.
Senhor do seu nariz – Terei e investigar…
Marciano 1 – Tlem tu baq.
Marciano 2 -Baq tu tlem.
Marciano 1 – Tlim tlim tlom, tlam.
Marciano 2 -Tlam, tlom, tlim,tlim.
Governador - É um casal de marcianos.
Senhor do seu nariz - E estão a fazer um piquenique.
Aldeão 1 – Vai lá tu falar com eles.
Aldeão 2 – E se estiverem armados?
Senhor do seu nariz – Eu vou lá. Olá senhores marcianos!
Marciano 1 -Tof tof, taf, taf.
Marciano 2 – Taf, taf, tof, tof.
E fogem.
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Aldeão 4 – Tiveram medo do nariz dele.
Aldeão 5 – Formidável!
Aldeão 6 – Pudera é uma arma temível.
Aldeões, todos – És o nosso herói, viva o senhor do seu nariz!
Senhor do seu nariz – Ficou aqui um queijo.
Narrador 2 – O queijo cheirava mal, mas era delicioso. Pelo menos foi o que disse o
senhor Veloso, o único que teve coragem de o provar. Comeu até ficar cheio.
Narrador 1– Toda a população ovacionou o novo herói e o Governador até o
condecorou com uma medalha o seu nariz.
Governador – Este é um dia verdadeiramente feliz. Graça ao nosso herói livrámo-nos
dos poderosos inimigos marcianos. Viva o senhor do seu nariz!
Entrega-lhe uma medalha no nariz. Levam-no aos ombros.
Narrador 2 – O tempo foi passando, ora depressa, ora devagar, sem que nada de
especial acontecesse. Até que um dia…
Senhor do seu nariz - …e cheira-me a lenha, o sr Moreira está a acender a sua lareira.
Agora é a velha Otília a fazer pão para a sua aldeia. Daqui cheira-me que a galinha da
Maria está a pôr um ovo. Agora cheira-me…cheira-me, esta é boa, cheira-me a uma
coisa que já não me cheirava há muito tempo.
Narrador 1 – Mais exatamente, desde o dia do seu nascimento.
Senhor do seu nariz – Cheira-me a pó de fada. Vou seguir-lhe rasto.
Fada – Ai, ai, que estou toda partidinha, ai que me dói as cruzes, as pernas, o corpo
todo.
Senhor do seu nariz – Olhem lá quem é! Você é a fada do ar, mas está em muito mau
estado. O que lhe aconteceu? Não se lembra de mim?
Fada – (envergonhada) – Sim, claro, desculpa lá no que te fadei, ter-te dado esse
enorme nariz como um chouriço.
Senhor do seu nariz – Deixa lá isso!
Fada – Não consigo regressar e o meu corpo de fada está a definhar. Acho que vou
morrer.
Senhor do seu nariz – Vou levar-te para casa. Cuidarei de ti.
Narrador 2 – E assim foi. Em casa do senhor do seu nariz a fada comeu uma excelente
sopa de ervilhas, comeu pão acabado de cozer e leite fresco. Achou tudo novo e
bonito. Começou a sentir-se melhor.
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Fada – Vou fazer-te excelentes cozinhados com pozinhos mágicos, que dão à comida
excelente gosto.
Senhor do seu nariz -A comida é ótima. Pena é que ninguém te possa ver.
Fada – Não, isso seria o meu fim.
Narrador 1 – Mas um dia um rapazinho, que passava ali por perto, sentiu um cheiro
muito bom a comida e não era preciso ter um enorme nariz para sentir isso.
Rapaz – Há ali uma fada, o senhor do seu nariz tem em casa uma fada!
Aldeão 1 – Como é possível?
Aldeão 2 – Uma fada?
Aldeão 3 – As fadas não são das histórias?
Rapaz – Eu sei o que vi!
Aldeões, todos – Se calhar fazemos parte de uma história
Aldeão 4 - Magnífico.
Aldeão 5 – Formidável.
Aldeão 6 – Fantástico.
Fada – Tenho de partir esta noite. Mas já não sei onde são as portas no ar.
Senhor do seu nariz – Vou levar-te à montanha, um sítio onde às vezes me cheirava a
pó de fada. Às vezes lembrava-me de ti
Fada – E não me dizias…
Senhor do seu nariz – Não queria que te fosses embora. A porta do ar, é aqui.
Fada -Devo-te a vida. Esse nariz foi a minha salvação.
Senhor do seu nariz – E a minha, não?
Fada – Agora sei porque te fadei assim. Era para o meu próprio bem, às vezes as fadas
também pensam nelas próprias.
Senhor do seu nariz - Temos que nos despedir, o meu nariz já está fungar.
Fada – Eu hei de voltar. Todos os domingos virei fazer um almoço especial.
Narrador 2 – Quando se abriram as portas do ar, saíram de lá intensos perfumes.
O sr do seu nariz começou a tossir. A fada riu-se, deu duas voltas e desapareceu no ar.
Fada – Até domingo!
Senhor do seu nariz -Mal posso esperar.