Racib, o filho do mercador Abdul-Ben-Fari, não gostava do negócio de tapetes do pai. Abdul deu dinheiro a Racib para tentar a sorte noutra cidade. Racib tentou vender gotas de água e grãos de areia sem sucesso, ganhando o apelido de "Mercador de Coisa Nenhuma". Finalmente, Racib teve êxito ao vender sonhos às pessoas.
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O Mercador de coisa nenhuma
de António Torrado
adaptação teatral de Constantino Mendes Alves
Narrador 1 – Há muito, muito tempo, para Leste, em terras das Arábias, vivia um
comerciante famoso de tapetes de seu nome Abdul-Ben-Fari, tinha a sua loja no centro
da cidade de Abjul.
Abdul – Aqui, em Abjul, vivo tranquilamente dos meus negócios que enchem os meus
cofres e o meu coração de alegria.
Comprador 1- É mesmo bonito este tapete.
Abdul -Não encontra em toda a Arábia tapete como este.
Comprador 2 – Quanto custa este tapete?
Abdul - Por ser para si, 150 Ryais. Já com desconto.
Comprador 1 – E este enquanto fica?
Abdul – Deixe-me acabar este negócio primeiro, por favor.
Comprador 2 – Ofereço-lhe 100 Ryais, certo?
Abdul – Digamos 120 Ryais e faz-se o negócio.
Comprador 2 – Combinado.
Abdul – Para si, como o tapete é maior, 200 Ryais.
Comprador 1 – Noventa!
Abdul – Só, assim perco tanto, 150 Ryais?
Comprador 1 – E 130? Não dou nem mais um Ryal.
Abdul – Negócio fechado.
Narrador 2 – Mas, num dos recantos do seu coração alegre, alojara-se um espinho de
tristeza, que crescia e doía, às vezes.
Narrador 1 – Abdul-ben-Fari tinha um filho, Racib, quase um homem feito. Muito o
preocupava, Racib. Preocupava-o e afligia-o.
Racib – Tenho de levar estes tapetes (boceja e encosta-se, boceja várias vezes)
Comprador 3 – Hei! Quanto custa este tapete?
Racib – Tapete? (boceja) Deve haver um preço por aí…
Comprador 3 – Bom, virei noutra altura.
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Racib – Terei de limpar este tapete, não será melhor para a semana?
Narrador 1 – Abdul que era filho, neto, bisneto, trineto de mercadores de tapetes não
compreendia porque o filho agia assim.
Abdul – Mal fecha a loja vai logo a correr, como se fugisse, correr, como se tivesse
acabado de ganhar liberdade. Para quê?
Vai atrás de Racib.
Abdul – Que está ele a fazer?
Racib escuta o chão ao pé de uma árvore.
Abdul – Que fazes?
Racib – Escuto o lento progredir das raízes através da terra ou o erguer dos caules.
Abdul – Mas isso é absurdo.
Racib – Agora conto as formigas de um carreiro, para ver se nenhuma está perdida.
Abdul – Que disparate!
Racib – Agora diverte-me falar para o fundo de um poço onde posso ouvir o eco das
minhas palavras. Quer ver?
Abdul – Brincadeira idiota! Alá deu-me um filho de cabeça ao vento. Que hei de eu
fazer?
Professor – Olhe que eu fui professor dele e reconheço-o como inteligente.
Vizinho 1 – E como ele é bondoso!
Comprador 4 – E como vendedor é muito amável!
Comprador 5 – Talvez não seja muito dotado para o negócio de tapetes…
Comprador 6 e 7 – Isso que importância tem?
Abdul – Tem, tem muita importância. Se eu não estiver atento é capaz de vender um
belo tapete de Cari- Chab como se fosse um trapo de esfregar candeias.
Vizinho 2 – Isso, pois, daria muito prejuízo!
Vizinho 3 – Seria a sua ruína Abdul.
Narrador 2 – Um dia, o mercador, depois de muito meditar, chamou o filho.
Abdul – Racib, como me parece que não gostas deste negócio de tapetes, toma este
dinheiro para aplicares no negócio que preferires. Vai para outra cidade, faz o que te
aprouver. Voltarás daqui a um ano, sempre quero saber se saberás fazer fortuna.
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Narrador 1 – Lá foi Racib para outra cidade. Como é que se iria arranjar? Que fazer
com aquela pequena fortuna? A bolsa com o dinheiro do pai pesava-lhe muito, mas ele
não se decidia.
Racib - E se eu… talvez…talvez…talvez…
Narrador 2 – No dia seguinte encheu duas vasilhas de água pura, transportou-as para
uma das ruas mais movimentadas da cidade e começou a apregoar…
Racib – Quem quer gotas de água? Quem quer gotas de água?
Comprador 8 – Gotas de água? Eu quero encher é uma bilha de água.
Comprador 9 – Encha-me este balde.
Racib – Só vendo gotas. Já viram a maravilha de uma gota de água, como brilha…
Comprador 10 – Só vende gotas?
Racib - …E como são belas ao cair!
Comprador 8 – Este rapaz está louco!
Comprador 9 -É um sonhador!
Comprador 10 – Este rapaz não tem a cabeça no lugar.
Narrador 1 – Nesse dia, Racib não fez negócio, nem no dia seguinte, nem nos outros
dias. Talvez fosse mais feliz noutra cidade.
Narrador 2 – E Racib correu muitas terras, tentando vender as gotas de água que
ninguém queria comprar.
Racib – Vou mudar de negócio. Vou vender grãos de areia.
Narrador 1 – Carregou duas grandes caixas de areia fina para as portas de uma cidade
e começou a apregoar…
Racib – Quem quer grãos de areia? Quem quer grãos de areia?
Comprador 1 – Quanto pedes pelas duas caixas?
Racib – Só vendo um grão de cada vez, senhor.
Comprador 2 – Grão a grão?
Racib – Sim cada grão é diferente do outro. Uns são azuis, outros verdes, outros
brancos, outros pretos…
Comprador 3 – Mas isso não tem jeito nenhum…
Racib – De que cor quer, senhor?
Comprador 1 – Eu vou-me já embora.
Comprador 2 – Nunca vi uma coisa assim.
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Comprador 3 - É um mercador de coisa nenhuma!
Narrador 2 – E assim ficou conhecido: “Mercador de Coisa Nenhuma”
Narrador 1 – Que valor tinham gotas de água e grãos de areia? Para que serviam?
Ninguém gastava o seu rico tempo e o seu rico dinheiro a comprar tão insignificantes
artigos.
Narrador 2 – E a voz de Racib perdia-se como gota de água no meio do mar ou grão de
areia no deserto.
Racib – Vou mudar mais uma vez de mercadoria.
Narrador 1 – Instalou-se numa cidade, onde não era conhecido, e passou a vender,
sabem o quê? Nem mais nem menos do que sonhos. Só sonhos…
Grande senhor -Como fazes para ter sonhos à venda?
Racib – Durmo, grande senhor.
Grande senhor – Há tanto tempo que não consigo dormir e tanta falta me fazem os
sonhos. Conta-me um sonho.
Narrador 2 – Racib contou um lindo sonho, uma longa história que começava no meio,
voltava ao princípio e não tinha fim.
Grande senhor - Conta-me outro.
Narrador 1 – Muitas pessoas se tinham juntado à volta. Também elas queriam ter um
sonho só para elas, um belo sonho contado por Racib.
Narrador 2 – Teve sempre a casa cheia durante muitos meses. E, quando chegou o dia
de voltar para casa do pai, montou um camelo e, segurando firmemente uma pesada
bolsa cheia de dinheiro, tomou o caminho de casa.
Narrador 1 – Só não chegou a casa do pai, rico como o mais rico comerciante do
Oriente, porque durante o caminho, embalado pelo andar pausado do camelo,
adormeceu e sonhou.
Narrador 2 – No meio do sonho, abriu as mãos e a bolsa com o dinheiro perdeu-se no
deserto.