[1] A autora estava vivendo um momento feliz até que seu pai faleceu inesperadamente em uma sexta-feira. [2] Apesar da tristeza, ela decidiu se apresentar no teatro naquela noite para honrar seu pai e superar o momento difícil. [3] Com o tempo, a autora aprendeu a lidar com a saudade focando no amor que recebeu de seu pai e nas coisas positivas da vida.
Divulgação sobre superar a perda do pai com arte e seguir em frente
1. Divulgação
O
30 • REVISTA O GLOBO• 26 DE FEVEREIRO DE 2012
convidado
Colunista
Samantha Schmutz*
‘‘
‘Tudo na vida é passageiro’
Estava tudo bem, a vida seguia seu curso personagens, que nada tinham a ver com a
normal. Minha vida era quase perfeita. De tão minha perda. Era o momento deles viverem, era
feliz, parecia usar óculos cor-de-rosa. Era minha hora de viver, de fazer rir mesmo que-
assim que eu enxergava a vida, à la pink rendo chorar. Foi uma prova de fogo. Se con-
Era uma sexta- panther. Até que certo dia o pior aconteceu. seguisse me apresentar naquele dia, conseguiria
Meu melhor amigo, meu defensor, meu herói fazer em qualquer outro momento da vida. Foi
feira, e eu tinha resolveu voar tão alto que nem minha visão
cor-de-rosa pode alcançar.
uma maneira de ultrapassar meus próprios
limites, controlar minhas emoções e separar as
acabado de Era uma sexta-feira, sete horas da manhã, e
eu tinha acabado de voltar da missa, onde fui
coisas. E saber que a vida continua, como no
velho clichê: “The show must go on...” (O show
voltar da missa, me ajoelhar aos pés de todos os santos para
pedir que entendessem meu sofrimento e não
tem que continuar.)
O “xamanismo” do palco me manteve em pé
levassem meu pai para longe de mim. Não sei e recarregou minhas energias durante o es-
onde fui me se eles não entenderam, não ouviram ou petáculo. Claro que, no exato segundo que
realmente tinham mais o que fazer, só sei que, voltei a ser eu, desabei em lágrimas e con-
ajoelhar aos pés ao chegar à portaria do meu prédio, um amigo
estava lá me esperando. Já imaginei o pior,
tinuei chorando pelo restante do ano. Era
como se meus olhos fossem nuvens car-
‘‘
de todos os
santos para pedir
que entendessem
meu sofrimento
e não levassem
meu pai para
longe de mim
mas não quis acreditar quando ele veio em
minha direção e disparou:
— Ele não resistiu.
Nesse exato segundo, o mundo parou à
minha volta. E minha visão cor-de-rosa deu
lugar a um efeito transition. Escureceu e passei
a ver tudo cinza.
O funeral foi na mesma sexta-feira, no final da
tarde. Às sete da noite, fui para o teatro fazer
minha peça. Na época, estava em turnê pelo
Brasil. Coincidentemente, neste dia, o espe-
táculo estava sendo apresentado em Niterói,
minha cidade natal. Algumas pessoas pensaram
que eu estava louca por fazer a peça mesmo com
o acontecido naquele dia. Mas, por respeito ao
público, ao teatro, ao meu pai, seu incomparável
regadas de chuva, que molhavam meu rosto
sem cessar e, com elas, muita dor, revolta e
saudade de um tempo que não volta mais. Um
tempo que está eternizado nas fotos da minha
estante e tatuado dentro de mim.
Precisava encontrar uma maneira de mudar
este filtro cinza que teimava em ofuscar meus
olhos. E foi na família, nos amigos, nos dias
ensolarados, nas cigarras cantando, no car-
naval e no amor que me agarrei. Fiz uma obra
na casa, doei suas roupas e objetos, quase
todos. Me agarrei no que ele mais quis em sua
existência... me ver feliz !
Percebi que a saudade é eterna, mas o
amor também é. Hoje, tento usar a cada dia
um filtro mais alegre no meu olhar e apro-
senso de humor e a mim mesma, resolvi me veitar o que a vida tem de melhor. E sempre
apresentar naquela noite e superar o pior dia da tenho em mente a mesma frase que tinha no
minha vida com a minha arte. cartão de visita do táxi do meu pai: “Tudo
A cortina se abriu e dei vida aos meus na vida é passageiro.”
*SamanthaSchmutzéatrizecomediante