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Sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
SEGUNDOCADERNO
Por um cinema mais crítico
Aos 48 anos, Nicolas Cage, que volta às telas hoje no novo ‘Motoqueiro Fantasma’, diz buscar papéis com consciência social
Markus Schreiber/AP
Rodrigo Fonseca NICOLAS CAGE:
rodrigo.fonseca@oglobo.com.br “Muitas vezes as
D
epois de dois divórcios, um Oscar por “Despedida em Las pessoas caem
Vegas” (1995), muitos sucessos de bilheteria e vários filmes
naufragados pela aposta numa ousadia nem sempre bem numa percepção
vista em Hollywood, Nicolas Cage confessa estar cansado equivocada
de ver o cinema reproduzir a realidade sem reflexão. Hoje, ele volta às
telas em “Motoqueiro Fantasma: espírito de vingança”, que estreia do que faço.
em busca de milhões. Mas o ator californiano de 48 anos exigiu que Sempre alternei
o filme mudasse o tom do original, lançado em 2007 e contemplado
com uma arrecadação de US$ 237 milhões. A primeira aventura do filmes
herói flamejante dava espaço a uma ingenuidade que Cage hoje re- independentes
jeita. E, no dia 9 de março, chega ao Brasil outro trabalho do astro: o
thriller “O pacto”, sucesso na Europa. Antes de embarcar na saga de e grandes
um homem em busca de revanche, porém, ele também cobrou cons- produções”
ciência social do diretor Roger Donaldson, fazendo do filme uma dis-
cussão sobre vigilantismo.
Sobrinho do diretor Francis Ford Coppola, com quem filmou “O
selvagem da motocicleta” (1983), “Cotton Club” (1984) e “Peggy Sue,
seu passado a espera” (1986), Cage explicou por telefone ao GLOBO
seu interesse por filmes em que a fantasia disfarce uma centelha crí-
tica. Paralelamente, faz um balanço do que mudou em sua carreira.
O GLOBO: Desde sua estreia nas mais caracterização. Estou em
telas em “Picardias estudantis” busca de papéis com espírito crí-
(1982), de Amy Heckerling, o se- tico em relação à realidade.
nhor trabalhou com cineastas co-
mo David Lynch, Martin Scorsese, ● O que há de crítico em Johnny
Brian De Palma, os irmãos Coen e Blaze, o Motoqueiro Fantasma?
Francis Ford Coppola. O que Ele é um caminho para que eu
aprendeu durante essa trajetória? exercite o cinismo. No primeiro
NICOLAS CAGE: Ao longo dos filme, Blaze lutava para manter
anos, fui aprendendo a explorar seu monstro interior preso em
universos marginais e a buscar o sua alma. Ele buscava leveza. Fotos de divulgação/Imagem Filmes
que pode existir de cult neles, Agora, muito tempo se passou, e motivação de querer me expres-
sem me ater às expectativas dos esse tempo é medido em perdas. sar para além da interpretação.
críticos. Atuando, você cria abs- Ele substituiu a leveza pela iro- Normalmente, um ator tem que
trações que são mais verdadei- nia. Assumiu a atitude cínica de se preocupar em criar uma linha
ras quanto mais próximas estive- um velho policial que passou dramática e fazer dela algo ve-
rem do contexto que deseja ex- anos às voltas com a violência e rossímil. Dirigindo, você tem que
plorar. Quanto mais honesto vo- precisa de distanciamento para multiplicar esse processo pelo
cê for na criação desse espaço, não se deixar abalar por ela. número de atores que tem em
mais íntegro será seu trabalho. E, cada cena, com a diferença de
na integridade com suas expec- ● É fácil entender seu apreço que nenhum interpreta do mes-
tativas, você cria um estilo. por tramas críticas quando o se- mo jeito que você. Estou à espe-
nhor estrela um libelo antibélico ra da motivação que me faça en-
● Avi Arad, produtor da Mar- como “O senhor das armas” carar o desafio de manter o con-
vel Studios, declarou que o Ni- (2005) ou uma discussão sobre O ATOR como o “Motoqueiro Fantasma” (à esquerda) e no “thriller” “O pacto”, que estreia em março no Brasil trole sobre um elenco no set. Se
colas Cage do novo “Motoquei- segurança como “O pacto”. Mas um projeto surgir com força para
ro Fantasma” tem o mesmo es- como explicar sua aposta em fil- fazê-la despertar, eu filmo. Mas
pírito agressivo de “Feitiço da mes como “O aprendiz de feiti- em instabilidade. Desde “A ro- ginal é Nicholas Kim Coppola — ca dos quadrinhos? ainda não apareceu nada.
lua” (1987). Aquele Cage con- ceiro” (2010) ou “Fúria sobre ro- cha” (1996), o senhor é encara- foi tirado do super-herói Luke O cinema ajudou a fazer dos qua-
sagrado em filmes autorais das” (2011), que sequer empla- do também como herói de ação. Cage. O senhor ainda lê HQs? drinhos uma mitologia além das ● É famosa sua disposição para
ainda sobrevive na selva dos caram nas bilheterias? O que o Como interpreta o heroísmo? Cresci sob a influência dos qua- páginas. Mas veja... tenho 48 desafios. Neste “Motoqueiro
blockbusters? atrai no cinema fantástico? Herói é quem se sacrifica pelo drinhos porque seu colorido me anos. Ainda leio gibis, só que Fantasma”, ao filmar perto da
Muitas vezes as pessoas caem Justamente pelo esgotamento do outro, ainda que fora das formas convidava ao escapismo. Por ocasionalmente. Tenho outras Transilvânia, o senhor encarou
numa percepção equivocada do naturalismo nas telas, passei a clássicas. O Motoqueiro Fantas- anos, eles alimentaram minha inclinações na leitura, de Arthur um lugar folclórico: os bosques
que faço. Sempre alternei filmes me interessar por tramas que me ma, por exemplo, faz o que pode imaginação como mitologia gre- C. Clarke a Herman Hesse. Mas de Hoia-Baciu, considerados o
independentes e grande produ- aproximem de um olhar mais para impedir que um menino ga, numa releitura pop do con- sou leal às minhas influências. Triângulo das Bermudas das flo-
ções. Filmei “A rocha” pouco de- surrealista para a vida. Sinto que caia nas garras da corrupção. ceito de yin versus yang, ou seja, restas. Como foi a experiência?
pois de “Despedida em Las Ve- a ficção científica é o gênero que Mas nem por isso ele deixa de de opostos que se completam. ● Há dez anos, o senhor estreou As filmagens foram em Bucares-
gas”, quando ninguém acredita- mais me permite expressar as ter um monstro dentro de si. na direção com “Sonny”, um te, mas visitei Hoia-Baciu porque
va que eu ganharia um Oscar. O instabilidades do mundo hoje, ● E o que recentes adaptações drama com James Franco. Des- gosto de locais que estimulem a
que mudou é o fato de eu estar por driblar as amarras do real. ● É antiga a sua ligação com os de HQs para as telas, como “Ki- de então, não filmou mais. Tem porção mais assustadora da mi-
cansado do naturalismo, da re- quadrinhos. Nos anos 1990, ha- ck-Ass — Quebrando tudo” planos para dirigir de novo? nha imaginação, proporcionan-
produção do real nos meus ges- ● É curioso ouvir um ator asso- via uma lenda, já derrubada, de (2010), em que o senhor é coad- Minha relação com a direção é do imagens úteis ao meu traba-
tos. Quero trabalhos que exijam ciado à imagem de herói falar que seu nome artístico — o ori- juvante, acrescentaram à estéti- instintiva. Ela obedece a uma lho. Foi uma experiência rica. ■
o
62- FESTIVAL DE BERLIM
Política e História da Europa aquecem a competição
Ciganos na Hungria, realeza na Dinamarca e relações familiares na Noruega prometem dar trabalho aos jurados
Divulgação
André Miranda sobre mentiras e culpas. “A royal affair”, por sua vez, aos poucos os erros de uma fa-
A coletiva de imprensa de volta ao passado para compre- mília, e também seus arrependi-
andre.miranda@oglobo.com.br
“Just the wind” reuniu os atores ender como a Dinamarca obteve mentos. O mais grave de todos é
Enviado especial • BERLIM do filme, a maioria sem expe- suas conquistas. O filme acom- o atropelamento de uma menina
M
ais dois filmes ba- riência anterior e recrutada en- panha a luta do médico alemão de 16 anos, cuja mãe é atormen-
seados em fatos his- tre os ciganos, e o diretor. Flie- Johann Friedrich Struensee para tada pelas dúvidas sobre sua
tóricos esquenta- gauf contou que quatro homens influenciar as decisões de Cris- culpa no incidente.
ram a competição estão em processo de julgamen- tiano VII, um rei que sofria de — Alguns anos atrás, visitei
do Festival de Berlim ontem, au- to em Budapeste por ataques transtornos neurológicos, com cidades na Noruega e vi como
mentando o tom político de um contra nove vilas ciganas em o intuito de aproximar a Dina- havia locais hostis ao ser hu-
festival com uma seleção coesa, 2008 e 2009, em que seis pessoas marca de ideias iluministas. mano. Só que, ao mesmo tem-
em que fica difícil apostar em morreram, inclusive um menino Struensee ficou famoso, ainda, po, tinha gente morando lá.
quem vai receber o Urso de Ou- de 5 anos. O filme acompanha por se envolver com a rainha Então quis imaginar como é
ro. O primeiro foi o húngaro “Just uma família cigana que tenta Carolina Matilde, provocando possível viver num lugar como
the wind”, de Bence Fliegauf, so- emigrar para o Canadá com me- intrigas no palácio e dando a “A esse — disse o cineasta ale-
bre as consequências de um do da violência na Hungria. royal affair” uma cara de cine- mão Matthias Glasner.
massacre de ciganos para uma — É claro que eu espero que mão comercial, com romance, Hoje, será exibido na Berlina-
família; o segundo foi o dinamar- este filme faça alguma diferen- aventura, suspense e uma pro- le o último filme da mostra com-
quês “A royal affair”, de Nikolaj ça — disse o diretor. — Os pre- dução cuidadosa. petitiva, totalizando 18: o cana-
Arcel, épico passado no século conceitos e estereótipos são dense “War witch”, de Kim
XVIII sobre como um caso extra- os responsáveis pela existên- Último filme será exibido hoje Nguyen, sobre como uma ado-
conjugal ajudou a transição da cia do racismo. Os ciganos vi- Já “Mercy” destoou um pouco lescente é recrutada para a
Dinamarca feudal rumo à moder- vem marginalizados. Desde a da quinta-feira sangrenta de Ber- guerra civil do Congo. Ou seja,
nidade. Além desses, também foi entrada da Hungria na União lim para abordar questões mais mais um filme político para em-
exibido pela competição o longa Europeia, foram feitos esfor- interiores do ser humano: sua baralhar a cabeça do júri, cuja
alemão “Mercy”, uma observa- ços para integrá-los, mas ain- trama, passada numa cidade gé- decisão será anunciada numa
CENA DE “JUST the wind”: casos de violência contra povos ciganos ção do diretor Matthias Glasner da há muito para conquistar. lida da Noruega, vai mostrando cerimônia amanhã à noite. ■
● ARTHUR DAPIEVE: a coluna volta a ser publicada no dia 9 de março