1) O poema "Anelo" de Goethe fala sobre uma alma que anseia pela morte e transmutação para escapar da escuridão da terra.
2) O poeta reflete sobre como esqueceu de cumprimentar o rio Tejo ao entrar na sala, assim como as pessoas ignoram Fernando Pessoa.
3) Ele expressa a sensação de ausência no mundo, onde as pessoas vivem suas vidas de forma indiferente e sem propósito, como condenados.
1. Anelo
Só aos sábios o reveles
Pois o vulgo zomba logo:
Quero louvar o vivente
Que aspira à morte no fogo
Na noite – em que te geraram,
Em que geraste – sentiste,
Se calma a luz que alumiava,
Um desconforto bem triste.
Não sofres ficar nas trevas
Onde a sombra se condensa.
E te fascina o desejo
De comunhão mais intensa.
Não te detêm as distâncias,
Ó mariposa! E nas tardes,
Ávida de luz e chama,
Voa para a luz em que ardes.
“Morre e transmuta-te”: enquanto
Não cumpres esse destino,
És sobre a terra sombria
Qual sombrio peregrino.
Como vem da cana o sumo
Que os paladares adoça,
Flua assim da minha pena,
Flua o amor o quanto possa.
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
Tradução de Manuel Bandeira
2. Ode ao Tejo e à Memória de Álvaro de Campos À Memória de Fernando Pessoa
Se eu pudesse fazer com que viesses
E aqui estou eu,
Todos os dias, como antigamente,
ausente diante desta mesa -
Falar-me nessa lúcida visão
e ali fora o Tejo.
— Estranha, sensualíssima, mordente;
Entrei sem lhe dar um só olhar.
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça,
O que tem sido a vida — esta boémia
e saudá-lo deste canto da praça:
Coberta de farrapos e de estrelas
quot;Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!quot;
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Não, não olhei.
Desde que estes meus olhos numa névoa
Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado
De lágrimas te viram num caixão;
me lembrei que estavas aí, Tejo.
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Passei e não te vi.
Voltávamos à mesma:
Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em
Noivam na luz eterna de um sorriso;
que Fernando Pessoa se sentava,
E eu, por aqui, vadio da descrença
contigo e os outros invisíveis à sua volta,
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
inventando vidas que não queria ter.
Isto por cá vai indo como dantes;
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
— Autênticos patifes bem falantes. . .
tudo indiferença e falta de resposta.
E a mesma intriga; as horas, os minutos,
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Tejo que não és da minha infância,
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável,
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
majestade sem par nos monumentos dos homens,
De condenados, hirtos, a viver
imagem muito minha do eterno,
— Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
porque és real e tens forma, vida, ímpeto,
porque tens vida, sobretudo, Poetas, escutai-me: transformemos
meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado... A nossa natural angústia de pensar
Eu que me esqueci de te olhar! — Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) Fiquemos uns momentos a cantar!
António Botto (1897-1959)