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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA
ENTRE O TAMBOR EAAPARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS
NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE
EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)
BRAGANÇA-PARÁ
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA
ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS
NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE
EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)
Trabalho de Conclusão de Curso– TCC,
apresentado à Faculdade de História da
Universidade Federal do Pará- UFPA, como
requisito para obtenção do Grau de
Licenciatura Plena em História, sob
orientação do professor Dr. Cleodir Moraes.
BRAGANÇA-PARÁ
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA
ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS
NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE
EM VISEU NA (DÉCADA DE 80)
Trabalho de Conclusão de Curso - TCC
apresentado à Faculdade de História da
Universidade Federal do Pará– UFPA, como
requisito para obtenção do Grau de
Licenciatura Plena em História sob
orientação do professor Dr. Cleodir Moraes.
Aprovada em: _______ de _______________ 2014
BANCA EXIMINADORA
Professor Dr. Cleodir Moraes – Orientador.
Universidade Federal do Pará
___________________________________________________________________
Universidade Federal do Pará
___________________________________________________________________
Universidade Federal do Pará
___________________________________________________________________
Universidade Federal do Pará
Nota:_______________
BRAGANÇA- PARÁ
2014
Dedico este trabalho a minha mãe, Raimunda Gonçalves
da Silva, in memoriam, ao meu padrasto, Raimundo
Fernandes Braga, a minha esposa, Daiana Alves,
companheira de todas as horas, e aos meus filhos
amados, Ártemis Karol e Apollo, cuja força de suas
existências sempre me motivou na busca deste sonho.
AGRADECIMENTO
Agradeço Deus por ter operado em mim o milagre do conhecimento
através do meu estudo sendo algo importante em minha vida.
Agradeço aos moradores da comunidade de João Grande, por terem me
recebido de braços abertos e se mostrarem dispostos em me ajudar no momento da
pesquisa de campo, prestando informações importantes para a construção deste
trabalho. Em especial, Manoel Lopes, João Cardoso, Adelmo Pereira, Creusa
Pereira, Tereza Lopes, seu Zacarias, Luiz Martins, conhecido como Luiz Preto
(morador em Viseu) e o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos, que muito
contribuíram para a produção das fontes orais aqui estudadas.
Agradeço ainda aos meus professores, que com seus ensinamentos me
ajudaram incutindo em mim a vontade de vencer pela força do conhecimento, em
particular ao meu orientador o professor Dr. Cleodir Moraes, pelos bons
ensinamentos, incentivos e paciência nas horas difíceis do trabalho.
Aquele todo complexo que compreende o
saber, a crença, a arte, a moral, o direito,
o costume e quaisquer outras qualidades
e hábitos adquiridos pelo homem em
sociedade é cultura (Tylor).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................08
CAPITILO I: Festividade de São Benedito em João Grande................................12
1. A festividade..........................................................................................................12
1.1. A entrega da bandeira.......................................................................................13
1.2. A esmolação.......................................................................................................14
1.3. A procura da árvore e enfeite.............................................................................15
1.5. O momento da ladainha .....................................................................................17
1.6. A matança ..........................................................................................................17
1.7. A ceia .................................................................................................................18
1.8. A derrubada do mastro.......................................................................................19
1.9. Mordomos de promessa e juízes .......................................................................20
CAPITULO II: A importância dos anfitriões: As rezadeiras e tamboreiros.........24
2.1. O tambor e sua importância nas celebrações ....................................................24
2. 2. A ladainha ........................................................................................................28
2.3. As rezadeiras .....................................................................................................30
CAPITULO III: A presença da aparelhagem e seus impactos na festividade.....33
3.1. Os primeiros sinais de mudanças ......................................................................33
3.2. Ao som da vitrola e eletrola................................................................................34
3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos..............................................36
3.4. Mudanças Sonoras: Conflitos e tensões no interior da festa..............................37
3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias.....................40
Considerações Finais .............................................................................................45
Fontes orais...............................................................................................................48
Fontes escritas consultadas......................................................................................48
Fontes iconográficas .................................................................................................48
Local de pesquisa .....................................................................................................48
Referência Bibliográfica .........................................................................................49
Anexos .....................................................................................................................50
RESUMO
A pesquisa focaliza a festividade de São Benedito na comunidade de João Grande.
Nela, analiso mais precisamente as mudanças sonoras evidenciadas nesse evento,
motivadas pela introdução da música eletrônica de aparelhagem. O trabalho se
pautou em observações e em entrevistas com os moradores e participantes da festa,
que fundamentaram as hipóteses e reflexões apresentadas aqui. Busquei mostrar as
rupturas e mudanças no contexto religioso que homenageia o santo padroeiro.
Desse modo esta investigação. Se propõe a contribuir para uma melhor
compreensão dos rituais, a presença de instrumentos, como o tambor, e seus
diferentes ritmos, que comentam os vários momentos da celebração, como a
entrega da bandeira, a esmolação, a procura da árvore, o levantamento, a ladainha,
a matança, a ceia e a derruba, e das possíveis tensões, conflitos e negociações
processadas no interior da festa com a presença das aparelhagens, a partir da
década de 1980. O objetivo foi demonstrar que tradição e modernidade sonora,
concorrem, cada um a seu modo, para garantir a permanência à festa e reforçar a
sua importância para a comunidade.
Palavras-Chaves: Festividade. Tambor. Música. Tradição.
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar algumas transformações
ocorridas na festividade de São Benedito em João Grande, no município de Viseu
nos anos 80, especialmente no aspecto musical da festa do barracão, buscando
compreender suas formas, expressões, representações e significados.
Como observador-participante da festividade, percebo que o tambor
continua sendo importante símbolo tradicional da festa. Instrumento usado desde os
primeiros bailes organizados pelos antigos moradores de João Grande, ele vem
dividindo cada vez mais espaço com a música eletrônica, introduzida pelas
aparelhagens nos últimos anos. Essas transformações, como não poderiam deixar
de ser, têm provocado opiniões diversas, na medida em que os sujeitos envolvidos
reafirmam ou atribuem formas, funções e características diferentes à festa.
Para embasar o este estudo. O método usado foi à pesquisa de campo,
fazendo uso de entrevistas junto aos moradores do lugar, de faixas etárias
diferentes, a quem expresso meus agradecimentos pelas informações a mim
conferidas, entre eles o senhor Manoel Lopes, D. Tereza Lopes, Adelmo Pereira,
João Cardoso, Socorro Lopes, Iracilda Pereira, Creusa Pereira.
A investigação também se pautou em fontes impressas, como os jornais
Folha do Gurupi, Tribuna do Caeté e o Informativo da Prefeitura Municipal e revista
Ver- o- Pará. Nele, lancei mão ainda de fotos, CD e DVD coletados dos arquivos
pessoais dos participantes.
Foram feitas visitas em locais públicos para coletar informações em
relação ao objeto estudado. Como o Arquivo da Câmara Municipal, o Arquivo
Público Municipal de Viseu, a Biblioteca “Professora Odete Ferreira”,Rádio
Comunitária Santa Terezinha FM situada na sede do município e o Arquivo da
Assessoria Municipal de Comunicação da prefeitura de Viseu.
Para reforçar minha análise, as fontes teóricas usadas foram: Dedival da
Silva Brandão, Benedita Celeste de Moraes Pinto, Joaquin Justino Moura dos
Santos, Janaina Amado e Marieta de Moraes Ferreira, Maria Cecilia Amaral de Rosa
e Eric Hobsbawn. Esses autores serviram de suporte teórico, ajudando-me a
compreender e dialogar sobre as práticas rituais celebradas em homenagem a São
Benedito na comunidade de João Grande em Viseu.
Dedival fala sobre aspectos da festa de São Benedito em Bragança
9
quem e permitiram, a partir da comparação, compreender os rituais da festividade
realizada em João Grande. Janaina Amado e Marieta Ferreira contribuíram para o
debate em torno do uso da história oral como método de pesquisa importante na
busca dos sentidos e significados que os sujeitos entrevistados atribuem as suas
experiências e as mudanças sonoras da festividade. As reflexões apresentadas por
elas me possibilitaram perceber a riqueza e as dificuldades da construção e análise
das fontes orais.
Benedita Celeste fala sobre a festa do Bambaê que homenageia Nossa
Senhora do Rosário na região do Tocantins no antigo quilombo do Mola, o que me
ajudou a refletir sobre as semelhanças e diferenças estabelecidas em relação à
festa do “glorioso” São Benedito, em João grande, no que diz respeito a sua forma
de organização e devoção.
Joaquim dos Santos, referindo-se a historia do lugar no subúrbio do Rio
de Janeiro. Discute sobre os valores culturais, das experiências vividas pelos idosos
e das transformações sofridas a partir da introdução da tecnologia, como processo
histórico, ajudaram-me a entender melhor as mudanças ocorridas em João grande
com inclusão da aparelhagem na festa.
Maria Cecilia Amaral de Rosa destaca o símbolo como representação e
dinâmica de comunicação, crenças religiosas das muitas culturas existentes, como o
elo que liga o homem a um ser superior. A leitura foi importante para eu entender os
elementos simbólicos presentes nos rituais da festividade, por meio dos quais os
devotos buscam estabelecer contato com o santo celebrado.
Eric Hobsbawn ajuda pensar a tradição como um processo que pode ser
mutável e adequado de acordo com novas condições e funções estabelecidas.
Trata-se de uma construção social que diz muito sobre o presente dos indivíduos
envolvidos.
Tanto os documentos escritos como os locais visitados foram de
fundamental importância para que eu pudesse refletir sobre a minha temática, meu
objeto de estudo e minha problemática.
Para que o leitor tenha melhor compreensão do objeto aqui abordado.
Esta narrativa está dividida didaticamente em três capítulos, nos quais serão
trabalhados os significados da festa, a importância dos tamboreiros e o lugar por
eles ocupado na hierarquia das celebrações, a relevância do tambor, a introdução
10
da música eletrônica, seus impactos e o papel das rezadeiras.1
Tenho com esse propósito a preocupação de colocar em movimento
aspecto dos conflitos, das tensões, das negociações estabelecidas, consciente ou
inconscientemente entre os diferentes sujeitos envolvidos, como organizadores e
participantes que compartilham o mesmo espaço sociocultural.
No primeiro capitulo faço uma descrição da festividade, destacando
diversos momentos dos rituais que a envolvem, como a entrega da bandeira, a
esmolação 2
,a procura, o enfeite, o levantamento e a derrubada do mastro, a
ladainha, a matança e a ceia. Enfatizo, aqui, o uso do tambor como componente
fundamental no conjunto ritual ou na festa propriamente dita, já que o ponto de
abordagem é o toque de aparelhagem que vai implantar transformações dentro da
festividade. O objetivo é proporcionar ao leitor uma melhor compreensão das
mudanças ocorridas dentro do evento diante das renovações sofridas com a
introdução de um e a permanência do outro, ou seja, a música eletrônica e o toque
do tambor.
No segundo capitulo, analiso a reza da ladainha que é outro aspecto de
grande relevância na celebração, destacando a figura de D. Tereza Lopes que
desempenha papel extraordinário como rezadeira. Também ressalto os tamboreiros,
principalmente a posição que ocupam ou função que desempenham como tocadores
em outras comunidades próximas ou mais distantes que celebram a festividade de
São Benedito na região de Viseu. O objetivo de estudar esses sujeitos é demonstrar
que apesar das mudanças ocorridas, eles continuam a serem personagens
importantes, mantendo a ligação com aspectos vistos como tradicionais da festa.
No terceiro capitulo, abordo o impacto causado pela introdução das
aparelhagens de grande porte e shows de música ao vivo na festa a partir da
década de 80, mais precisamente em 1985. Discuto, aqui, os motivos que levaram a
incorporação de um novo aparato sonoro que, desde então, figura como parte
integrante da festividade em homenagem ao “glorioso” santo preto3
,procurando
analisar as implicações econômicas, sociais e políticas dessa inovação.
Trabalhar esse tema é destacar sua importância, tendo em vista que ele
1
Rezadeira: mulher integrante da festividade com grande destaque que tem a responsabilidade de
conduzir a reza da ladainha nas celebrações.
2
Esmolação: ato de esmolar.
3
Glorioso: forma respeitosa com que os devotos tratam o Santo São Benedito relacionando esse
sentimento as graças e bênçãos alcançadas.
11
apresenta seus aspectos peculiares, como tocar tambor entoando em louvor a São
Benedito de maneira simples, mas diversa de outros locais que festejam o santo.
Cito aqui a festividade de Bragança que tem maior expressividade no cenário
regional devido sua organização política, econômica e social.
A proposta é despertar o gosto e o interesse pela cultura local. Estimular
a comunidade em geral a valorizar práticas culturais, costumes e hábitos que
compõem o processo histórico do lugar onde vivem, mesmo que essas práticas
sofram alterações pela inclusão de outros elementos, mas que certamente não
destroem o sentido histórico da festa.
Apresentar aos leitores ritos que compõem a festividade e personagens
organizadores entre eles juízes, tamboreiros e rezadeiras que desempenham
destacadas funções na festa e na comunidade. Quero ainda através da temática
demostrar que a festa de São Benedito de João Grande é um exemplo da presença
de negros na região de Viseu.
12
CAPITILO I: FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO EM JOÃO GRANDE.
1. A FESTIVIDADE.
Neste capítulo enfatizarei os ritos e sua organização e a importância que
representam como atos que celebram e homenageiam São Benedito, além de
destacar os personagens que atuam como referência no processo de
desenvolvimento da festividade.
A pesar do destaque dos indivíduos mais velhos, crianças e jovens
também contribuem para a realização do evento, visto que direta ou indiretamente
estão presentes nos diversos momentos rituais que o envolvem. É minha
preocupação compreender as variadas formas de experiências vivenciadas pelos
devotos do santo preto.
A vila de João Grande é composta de 65 famílias e está localizada
aproximadamente 2 km da BR 308 pelo lado direito e a 6 km da sede do município
de Viseu situado à margem do Rio Gurupi fazendo fronteira com o Estado do
Maranhão, onde todos os anos, no mês de dezembro, os moradores da comunidade
promovem a festividade de São Benedito, despertando atenção de pessoas de
lugares vizinhos e dos mais distantes.
Não se sabe ao certo quando esta festividade se iniciou, mas de acordo
com depoimento de moradores antigos, ela tem mais de dois séculos. Não há
registros escritos sobre a festa, porém existem pessoas no lugar com mais de 80
anos que recordam que, quando crianças, viram seus pais participarem das
celebrações, praticando os rituais que ainda hoje são celebrados:
Tio Paulo Preto como era chamado, contava que viu meu avô ainda
velhinho dizer que a festa aqui é muito antiga do tempo dos escravos
do bisavô de Mercedes, que foi dono dessas terras. Aqui tinha muito
negro que gostava de dançar e faz muito tempo que faz festa por
aqui. Eu tô nessa idade de 82 anos e quando era criança eu via fazer
essa festa.4
A entrevistada narra sobre os primeiros organizadores da festa, fazendo
uma referência aos negros escravos que existiam por aqui e que já manifestavam
suas homenagens a São Benedito nos primórdios da vila de João Grande.
É provável que durante o período de existência a festa tenha passado por
4
LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Nov. 2013.
13
um conjunto de mudanças estruturais, mas, irei descrever alguns aspectos que me
parecem mais duradouros. Será feito neste capitulo a descrição dos rituais da
festa,visando proporcionar ao leitor uma melhor compreensão de sua
organização.Entre eles estão, a entrega da bandeira, a esmolação, a procura da
árvore,o enfeite, o erguimento e a derrubada do mastro, a ladainha, a matança e a
ceia. Como se verá cada um deles possui função específica integrada aos festejos a
São Benedito.
Também serão abordados certos personagens que se destacam nesse
processo, como os juízes, os mordomos, procurando explicar a importância de cada
um dentro da celebração e o papel que exercem na estruturação da festa,
conferindo a ela significados e sentidos próprios.
1.1. A entrega da bandeira.
Este rito inicia a celebração de São Benedito. A cada ano um juiz
diferente fica encarregado da organização da festa. Por esse motivo, a entrega
desse símbolo representa a retomada de um novo ciclo festivo, que se renova no
final de cada festividade. É quando tudo recomeça com a perspectiva de se
melhorar o que foi entendido como negativo, principalmente no que diz respeito ao
baile dançante no barracão.
Essa prática se assemelha ao que ocorre em outras festas religiosas no estado,
como o círio de Nazaré, em que os organizadores já se debruçam em rever o que
não deu certo para melhorar no ano próximo, logo ao final das celebrações.
O novo juiz encarregado da festividade começa a pensar sobre o novo
ciclo com a responsabilidade de avaliar a última festa e projetar a do ano seguinte
com melhorias. O objetivo é organizar os eventos religiosos, fazendo distribuição
dos atos celebrativos entre os devotos participantes das homenagens. A procura e
enfeite da árvore, erguimento do mastro, matança, coleta da esmola e louvação feita
por grupos de outras comunidades.
Esses compromissos não se resumem apenas à dimensão religiosa. Ele
o juiz, também é encarregado de cuidar da parte “econômica e social” da festa,
mantendo contato para a contratação de um novo aparelho que seja mais atrativo
pesquisando preços e qualidade sonora, organiza piquenique, torneio de futebol,
divulgação por meio da rádio comunitária localizada na sede do município, elabora
14
convites às comunidades mais distantes.
A escolha do juiz e a entrega da bandeira são garantias da execução do
calendário festivo, começando assim todo o processo do evento como o rito de
esmolar onde é feito a arrecadação de bens durante o ano que servirá de ajuda em
prol da realização da festa.
1.2. A esmolação.
Este rito é o primeiro compromisso de cada devoto. Por meio dele são
apresentados os bens doados a São Benedito durante o ano. Os moradores
expressam sua devoção ao santo realizando a criação de animais, pato, galinha,
porco, a produção de farinha, a colheita de bananas e outros frutos, e a arrecadação
de dinheiro para serem doados à festa.
Não existe um dia certo para a entrega da esmola. Ela é feita de acordo
com a condição do promesseiro. Este faz de tudo para honrar seu compromisso,
pois há, no entanto, a exigência de que a sua entrega deve ser feita antes do início
da festa, no dia 20 de dezembro.
Quem recebe as esmolas é o organizador do evento em sua residência
que, em nome do “santo”, compra os acessórios da celebração, como velas, fitas e
bandeiras, para enfeitar o barracão onde é realizado o baile dançante e o jantar dos
mordomos.
Não existe um valor estipulado a ser entregue, mas, de acordo com as
entrevistas as ofertas, as doações geram um bom resultado financeiro para o
evento. Este valor é muito variável, ficando em torno de R$2.000,00 a R$3.000,00
ou até mais, segundo Dona Socorro moradora há trinta anos na comunidade, devota
e também rezadeira.5
Esses recursos também servem para ajudar nas despesas da festa
dançante, como o pagamento da aparelhagem, da equipe de segurança, da licença
junto aos órgãos competentes, da compra do porco, do boi, do arroz, e tudo mais
que será consumido no almoço dos mordomos.
De acordo com Dedival Brandão, pesquisador da festividade de São
Benedito em Bragança, a esmolação se expande por todo interior da região
5
Dona Socorro. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Out. 2014.
15
bragantina, arrecadando donativos em preparação ao grande momento festivo em
homenagem ao santo glorioso, encerrando com a tradicional marujada de Bragança.
No período que antecede a festa a imagem de São Benedito é conduzida
por todo percurso de visitações, seja nas cidades, nas praias ou nas colônias e
existe ainda a preocupação do promesseiro em alimentar os foliões6
.Na comunidade
de João Grande, verifica-se uma prática diferente daquela descrita por Dedival
Brandão.
No ato de esmolar, a imagem não circula de casa em casa e nem sai do
lugar, permanecendo no altar dentro da capela do santo, onde acontecem as
celebrações, localizada em frente o barracão, na sede da comunidade. O devoto é
quem se compromete em levar sua ajuda à casa do juiz da festa quando dispuser da
esmola e agindo assim, ele fica isento em dar conta de alimentação aos foliões. É,
pois, um ato voluntário que se estende durante esse período.
1.3. A procura da árvore e enfeite.
Passado o período de esmolação e ao chegar os dias que antecedem a
festa, os moradores se preparam ansiosos para prestarem sua homenagem a São
Benedito. Um dos grandes momentos festivos é a procura, enfeite e erguimento do
mastro. É designado um responsável para isso, que se ocupa em procurar a árvore
que vai ser enfeitada e servir de anunciante da folia na comunidade, iniciando-se
assim o primeiro passo do rito do enfeite desencadeando outros atos que se
desenvolvem nas celebrações.
No dia 20 de Dezembro, a comunidade de João Grande dá início aos
acontecimentos que celebram e exaltam o “glorioso”, com uma alvorada com fogos e
cânticos de louvação, à base do toque de tambores. Nesse dia, moradores, homens,
mulheres e crianças, se deslocam para o mato para o corte da árvore, escolhida
cerca de um mês antes.
Ao chegar ao local, o grupo avisa a comunidade com estouro de fogos de
artifício, quando, então, o chefe de cantoria, acompanhado pelos tamboreiros, vai
até a floresta para trazer a árvore que servirá de mastro, a ser erguido no terreiro da
6
BRANDÃO, Dedival da Silva. Os tambores da esperança: um estudo sobre cultura, religião,
simbolismo e ritual na festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falangola, 1997, p. 38,
62,78.
16
igreja em frente o salão de festa.
A ida para o mato é sempre um momento de euforia, embalado pelo
toque frenético do tambor e toadas animadas, que cessam somente à noite, no
momento da realização da ladainha dentro da capela. A árvore derrubada é
enfeitada com ramos e cipós. Ela tem a função de anunciar que a celebração já
começou. Depois, ela é conduzida em procissão pelos moradores. Algumas crianças
participam sentadas nesse tronco, simbolizando o menino Deus que aparece no
braço do santo.
Nesse momento, percebe-se o destaque dos tocadores que alternam de
posição na frente ou atrás do cortejo, mostrando, pelos sons que emitem que cada
seguidor deve estar em comunhão com o santo negro. A chegada do mastro é
recebida com fogos por um números o grupo de pessoas, que o espera com
variados frutos regionais cultivados no lugar para concluir o enfeite em frente da
igreja.
Os frutos pendurados simbolizam uma forma de agradecimento dos
moradores pelas boas colheitas ou representam pedidos de uns para que próximo o
ano seja melhor. Tudo se relaciona a fé, graças alcançadas e a devoção.
Após o enfeite, o mastro é erguido com euforia. Os cânticos, as palmas,
os fogos e as batidas de tambor animam os participantes. Assim, a festa em si vai se
materializando. Como diz uma das canções entoadas por eles, “São Benedito é
santo, ninguém queira duvidar, ô ôô!!! O mastro já tá de pé pra louvar São Benedito,
ô ôô!!! Aê cantador!”.
7
Entendo que essa prática é significativa, pois expressa exaltação, a
glorificação do santo. As palavras impressionam pela força de profundidade,
mostrando total confiança ao santo padroeiro objeto de devoção e fé.
Nesse ritual, o mastro é erguido, levando na extremidade superior uma
bandeira com a imagem de São Benedito. Em seguida, o organizador do evento faz
a distribuição de doces ao redor de uma mesa disposta no terreiro, onde o juiz
chama nominalmente os mordomos para que eles possam renovar seus
compromissos com o santo padroeiro.
O restante é entregue aos demais participantes, devotos ou não,
7
PREIRA, Adelmo. CARDOSO, João. LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande.
Viseu. 10 jun. 2013.
17
completando-se assim a prática de “levantação”8
do mastro para começar outro rito,
que descreverei a seguir.
1.5. O momento da ladainha.
Ao terminar o rito anterior, os devotos se dirigem para o interior da capela,
fazendo reverência à imagem do santo quê se encontra no altar. Os tamboreiros
primeiro fazem louvação com um toque suave do tambor, depois silenciam para que
a rezadeira, posicionada em um ponto de destaque, possa iniciar a ladainha, que
representa momento de intima relação com São Benedito.
A emoção é contagiante. Todos rezam e agradecem ao santo. Esse ato
religioso leva aproximadamente duas horas. Terminada a reza, novamente os
percussionistas entram em ação, louvando ao som do tambor que soa de maneira
calma fazendo com que todos os presentes entrem em concentração, estabelecendo
diálogo profundo com seu protetor. Após o louvor, os participantes vão deixando a
igreja e os tocadores aos poucos vão silenciando o som e a cantoria, pondo fim aos
atos rituais do primeiro dia da festividade.
1.6. A matança.
Ao amanhecer do novo dia, faça sol ou chuva, tem inicio outro momento
ritual. Ele é praticado como símbolo de bonança, de fartura e também de sacrifício,
quando animais são abatidos para serem degustados como forma de agradecimento
ao santo pelas graças alcançadas e a proteção das oferendas.
O rito da matança acontece na manhã dos dias 24 e 25. Representa mais
uma ocasião marcada pela alegria, que se inicia com o soar do tambor, em ritmo
acelerado, com presença de bebidas alcoólicas, como vinho, na casa do juiz da
festa. Ele tem a responsabilidade de fornecer o almoço e o jantar aos visitantes, que
prestigiam a festividade de São Benedito.
Não há um local específico destinado a essa refeição, podendo ser
realizada em qualquer lugar dentro da comunidade – debaixo de uma árvore, por
8
LEVANTAÇÂO. Mesmo que erguimento do mastro
18
exemplo – e a qualquer hora, basta querer comer que será atendido. As toadas
também são em geral, pedidos de bênçãos e proteção, como se evidencia nesses
versos: “Quem não me conhece chora/quem dirá quem me quer bem/aê cantador/
meu senhor São Benedito, padroeiro protetor, abençoa São Benedito, na hora da
matança. Aê cantador!”.9
As palavras expressas na cantoria demonstram respeito e súplica de
benção na hora do sacrifício do animal. Percebo, assim, que a prática da matança
não está desatrelada de uma preparação espiritual da comunidade embora, à
primeira vista, sua performance possa se manifestar em atos “pecaminosos”que
resultarão em jantar abençoado e especial. Práticas como essa, que podem ser
vistas como “profanas”, não são desvios ou externas à festa. Como diz Heraldo
Maués:
O “sagrado” e o “profano”, se bem que separados na mentalidade
popular, não estão em oposição, durante a festa religiosa, mas são
complementares, embora entre eles possa haver uma hierarquia que
valorize o primeiro. Não obstante, elementos que seriam viste os
como profanos guardam também alguma coisa de “sagrado” no
momento em que se integram no contexto da festa de santo. Um
jogo de futebol como parte das comemorações da festa de Santo
Antônio não é, certamente, um jogo comum. E o mesmo se pode
dizer das brincadeiras de arraial, das comidas, dos leilões, da bebida
e da própria festa dançante.10
.
O jantar do dia 25 passa a ser um momento especial, de vida mente
integrado à festa. Ele é servido inicialmente somente aos mordomos, promesseiros
definitivos para honrar seus compromissos, tendo em troca a bonança simbolizado
pelo jantar, que acontece no interior do barracão. Este local de festa dançante
passa a ser neste momento um espaço sagrado de reza, degustação, canto e
louvor, eles são acompanhados de perto pela presença do tambor e da rezadeira,
além dos participantes que compartilham esta experiência religiosa. Esse rito
mantém estreita relação com o que vem a seguir.
1.7. A ceia.
A ceia é uma das ocasiões mais esperadas pela maioria dos participantes
9
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 10 jun. 2013
10
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Outra Amazônia: os santos e o catolicismo popular. Norte Ciência, v.
2, n. 1, Belém, 2011. Disponível em <http://aparaciencias.org/vol-2.1/01_artigoHeraldo.pdf>.
Acessado em 15 jan. 2015.
19
da festividade, que se aglomeram com intuito de terem lugar no jantar dos
mordomos. Ela se inicia às três horas e encerra às cinco horas da tarde do dia 25.
Apesar de parecer estranho esse horário, é costume tradicional do evento. Nesse
dia alguns mordomos não costumam almoçar esperando a janta, como forma de
aproveitar a degustação na hora da ceia.
A mesa é posta com 10 ou 15 pratos, os mordomos são chamados para
sentarem à mesa, enquanto a rezadeira evoca a oração do Bendito, agradecendo a
aquela alimentação. Nesse instante, o tambor silencia e ela dá inicio a oração
cantada com o acompanhamento de todos. “Bendito é louvado o santíssimo
sacramento do altar, seja puríssima conceição da virgem Maria mãe, senhora nossa,
concebida sem pecado original para sempre amém.”11
No final do Bendito há o grito de louvor: “viva são Benedito!”. A partir daí,
o tambor entra em ação, em ritmo acelerado e breve, enquanto os mordomos
degustam a comida servida. Toda vez que acontece uma rodada, como é chamado
o momento em que a comida é servida, isso se repete até que a última mesa seja
posta. Em seguida, depois dos promesseiros, chega à vez do povo que os assistia
também degustara alimentação, sendo finalizada essa etapa da celebração com a
ladainha ao toque do tambor.
1.8. A derrubada do mastro.
A derrubada do mastro inicia-se na manhã do dia 27, com os moradores e
convidados reunidos no terreiro, sob o rufar dos tambores. O juiz da festa chama
alguém do meio do povo, sendo criança, jovem ou adulto, para subir no mastro com
um paneiro12
amarrado em uma corda para a retirada dos frutos e para desprender a
bandeira.
Ela será entregue ao organizador que a conduz para dentro da igreja,
onde o novo juiz da festividade a recebe no altar em frente à imagem de São
Benedito. Esse ato simboliza a renovação da devoção e o reinício do ciclo de
eventos e ações religiosas, políticas, sociais e econômicas referentes às
homenagens a São Benedito, acabando com a curiosidade daqueles que desejavam
11
Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes,
rezadeira oficial da comunidade.
12
Paneiro: Produto artesanal usado como utensílio no cotidiano dos trabalhadores rurais, moradores
da comunidade.
20
conhecer o organizador da celebração do ano seguinte.
Depois todos voltam para derrubar o mastro ao corte de machado e fazer
a distribuição dos frutos entre os mordomos que se encontram presentes, sendo que
assim como o tambor símbolo marcante que dá ritmos do começo ao fim do ritual a
bandeira também estar presente para dar continuidade à festividade.
1.9. Mordomos de promessa e juízes.
Os mordomos de promessa são aqueles que cumprem o acordo feito com
São Benedito e depois de realizado o ato podem escolher com liberdade sua saída
ou não por tempo indeterminado das celebrações, mas podem fazer suas doações
quando quiserem.
Juiz da festa é aquele que se compromete em realizar o evento, que pode
ser um mordomo definitivo ou não. Se vitalício, ele não pode desfazer o elo criado
entre santo e promesseiro, compromisso que carrega até a morte para não correr o
risco de ser castigado segundo a crença.
A ausência da responsabilidade ou realização da promessa feita pelo
mordomo, em pagamento de alguma graça alcançada por intermédio de São
Benedito, pode causar, de acordo com a crença, sérios problemas ao devoto, como
atrasos em seus negócios ou outros contratempos em sua vida cotidiana.
Isso porque o santo parece ser exigente com os seus seguidores quando
estes não cumprem o que prometeram, sendo esse um dos motivos que levam o
mordomo definitivo a não abandonar suas atividades na festividade. O santo que
realiza milagres é, assim, o mesmo que castiga que gera sofrimento a quem lhe
jurou fidelidade e deixou de cumprir com promessas feitas em nome de curas
realizadas.
Essa crença relaciona-se com outros cultos praticados no Brasil em que
homenageiam a diversos santos católicos, que fortalecem o sincretismo religioso
arraigado no catolicismo popular desde o período colonial. Como diz Ronaldo
Vainfas (2014 p.37-38).
Na prática, as misturas foram extraordinárias. Um dos primeiros a
enxergar o sincretismo afro-brasileiro foi Nina Rodrigues. Sugeriu,
no início do século XX que os africanos cultuavam seus deuses
tradicionais misturados aos santos católicos. [...] Na colônia, foi
invenção construída por africanos de várias origens, para lidar com o
21
sobrenatural em uma situação de diáspora. 13
Vainfas aborda o sincretismo afro-brasileiro em suas variadas formas,
mostrando que os negros descendentes atribuíram valores e crenças aos seus
deuses protetores relacionando-os aos muitos santos venerados no catolicismo. É
importante observar que essas misturas da qual fala o autor é heterogênea com
fortes indícios também da cultura indígena.
João José Reis também notou esse caráter sincrético do catolicismo
popular, em especial o praticado pelas irmandades religiosas de negros até, pelo
menos, o século XIX. Elas eram organizadas em torno da devoção a um
determinado santo ou santa, que, em troca de proteção, recebiam homenagem com
festas. Segundo esse autor, era “conhecida à relação de barganha, de troca
simbólica, embutida na prática da ‘promessa ao santo’, que Laura de Mello e Souza
chamou ‘economia do toma-lá-dá-cá’”14
, tanto na religião católica como naquelas de
matrizes africanas.
No caso dos devotos que festejam são Benedito em João Grande, eles
acreditam que o compromisso firmado entre o promesseiro e o santo é aliança que
consolida a reciprocidade entre ambos. De um lado,está aquele que exalta,
agradece e glorifica do outro lado, a santidade que abençoa e protege. Pode-se
perceber essa confiança nas palavras proferidas pelos tocadores: “São Benedito é
santo e ninguém queira duvidar”.
Muitas vezes o “Glorioso” é evocado nas horas de aflições, tratando-se de
perigo ou doenças, para que este interceda junto a Deus pelo seu protegido. Nesse
caso, São Benedito ocupa lugar de destaque na vida daquele que lhe prestou votos
de devoção. Nesse particular, a festividade do “Glorioso” em João Grande tem muita
semelhança com a festa do Banbaê na região do Tocantins. Sobre ela, Benedita
Celeste Pinto (2007, p.102) afirma que:
Nossa Senhora do Rosário é festejada com danças e músicas que
compõe a ritualização do Banbaê quando dançam e cantam ao pé da
santa prestando-lhe reverências e homenagens, onde ela, a santa
passa a ser o centro de tudo para os componentes da festa, que
cantam, dançam e choram diante da imagem extasiados de emoção
e fé, os rito é a expressão da cultura africana vivida pelos escravos
13
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. ed. nº 100. Jan. 2014. VAINFAS, Ronaldo.
Sincretismo nosso de cada dia.
14
Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 59.
22
desde o período colonial.15
De acordo com a autora, as celebrações que homenageiam os santos
católicos, realizadas por descendentes de escravos, mostram como os negros
associaram os cultos a eles como forma de resistir à discriminação, proibição de
suas práticas religiosas. Por meio delas, eles procuravam manter vivos fragmentos
de sua cultura, costumes e crenças, que receberam de seus ancestrais.
Penso, porém, que assim como encontramos semelhanças entre práticas
culturais afros, encontra-se também diferenças, visto que os escravos que chegaram
ao Brasil no período colonial não trouxeram uma cultura homogênea, pois partiram
de vários pontos da África.
Neste aspecto a festa do Banbaê que homenageia nossa senhora do
Rosário em Tocantins e a de São Benedito em João Grande apresentam estreita
semelhança entre si quando tocam, dançam ou rezam emocionados ao pé da
imagem. Por outro lado, aparecem certas diferenças entre as duas manifestações,
visto que na festividade em João Grande o santo é homenageado com o
levantamento e derrubada do mastro, matança e ladainha.
Na região do Tocantins, precisamente na Vila de Juaba, em Cametá, a
santa é festejada com cantos e danças, procissões atingindo o ápice da festa com a
coroação do rei e rainha, seguido de um cortejo. No entanto, no que diz respeito ao
seu conjunto de práticas religiosas esses devotos expressam fervorosa crença em
seus santos protetores e, para reforçá-la, o rito de tambor e as rezas ganham
destaque especial.
Verifica-seque na festividade de João Grande os ritos seguem
organizados pelos próprios moradores que dividem entre si diversas funções como
visto linhas a cima, isso porque é diferente de que ocorre, por exemplo, na festa de
São Benedito em Bragança, na qual a organização das celebrações fica a cargo da
irmandade ligada “a paróquia” Nossa senhora do Rosário, na comunidade que tem o
nome do santo, onde acontece o evento com intensa participação de autoridades
eclesiásticas, observa-se que estas são ausentes em João grande. Como diz a
Senhora Zenir Lopes:
Os padres vinham celebrar aqui na época da festa, mais deixaram de
vir por conta das bebidas e da festa do barracão que atrapalhava
com muito barulho então eles nunca mais vieram e mesmo assim a
15
PINTO, Benedita Celeste Moraes. Memória, oralidade, danças, rituais e cantorias em um povoado
amazônico. Cametá: BCPM, 2007, p.102.
23
comunidade se organiza e faz a tudo sozinha sem a presença da
igreja.16
Esse fato vem de muitos anos. Segundo os moradores do lugar o ultimo
padre designado para ministrar a liturgia da festa foi o Pe. Luís Guerinny em 2000.
No entanto esse clérigo diocesano entrou em choque com os tradicionais
organizadores das homenagens ao santo preto ao não aceitar praticas como futebol
e festa no barracão de danças e bebidas vistas por ele como “profana”. Desde então
nenhum outro padre veio substituir.
O importante é compreender que mesmo sem a presença da autoridade
religiosa na festividade, os tamboreiros e rezadeiras são os que mantêm os traços
tradicionais da comunidade e a força da religiosidade da festa, mostrando liderança
e destaque entre os mais novos. Como será abordado no próximo capitulo.
16
LOPES, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 15 Out. 2014.
24
CAPITULO II: A IMPORTANCIA DOS ANFITRIÕES: AS REZADEIRAS E
TAMBOREIROS.
Neste capítulo serão destacados os anfitriões da festividade de São
Benedito em João Grande: tamboreiros e rezadeiras. Mostrarei suas importantes
funções na organização do evento, enfatizando a figura de D. Tereza Lopes. Esses
sujeitos atuam como lideranças comunitárias e peças fundamentais nas
celebrações, porque além de assumirem posições hierárquicas na reza e na cantoria
estão presentes direcionando nos ritos, de forma a serem vistos com respeito e
admiração por todos que participam das homenagens prestadas ao santo.
São esses homens e mulheres devotos convictos do “Glorioso” que, por
meio de suas tarefas nas celebrações, garantem a permanência dos aspectos
tradicionais na festividade em um tempo marcado pela presença da aparelhagem e
shows ao vivo.
2.1. O tambor e sua importância nas celebrações.
Como se viu, o toque do tambor é um recurso sonoro de louvação
indispensável na festa em homenagem a São Benedito, em João Grande. Por isso,
nesta seção, abordo a importância do tambor nas celebrações referentes à
festividade de são Benedito, buscando compreender o porquê de sua presença na
maioria dos ritos e o significado que tem este instrumento para os participantes e
devotos do santo.
Segundo informações de moradores do lugar, a parte musical do evento
ficava a cargo de uma orquestra composta por um clarinetista, um violonista, um
tocador de banjo, um rabequeiro, um pandeirista e um tamboreiro. Pessoas simples
da roça ou da pesca que compõem o grupo de percussionistas são conhecidos
como homens do tambor, sem fazer distinção entre eles, num raro momento em que
a hierarquia se oculta no grupo.
Esses personagens da festividade dedicam a maior parte do seu tempo
em prestar homenagem a São Benedito, cantando e tocando para louvar ao
padroeiro, que muito fez por seus devotos agraciando-os com boas colheitas, boas
pescarias e boas criações.
É o momento de agradecer não só com a voz, mas, sobretudo com as
25
mãos que fazem soar variados sons de tambor para dar sentido aos diversos rituais
que celebram o homenageado. Esses homens se sentem honrados em praticar
cantoria e toque em louvor a este que serve de intermediário entre devoto e Deus.
Tocar, cantar, entoar pode ser um privilégio, mas acima de tudo
responsabilidade, comprometimento que muito significa na vida desses indivíduos
que no período festivo deixam em segundo plano as tarefas do dia a dia e se
dedicam quase que exclusivamente às celebrações, disponibilizando grande parte
do tempo possível ao “glorioso”.
Todos podem tocar e entoar desde que saibam manusear o instrumento,
uma prática repassada de geração a geração. Portanto, o envolvimento que se tem
com o tambor é voluntário e mesmo quando existe incentivo dos tocadores mais
experientes, o ingresso dos interessados a comporem o grupo dos tamboreiros é
livre.
O que se observa, no entanto, é que esse grupo acaba sendo formado
predominantemente por pessoas com uma média de idade de sessenta anos. É
provável que a ausência dos mais jovens se dê pelo fato de não se sentirem
preparados para assumirem um papel de grande relevância na comunidade e
principalmente nas celebrações. Como diz um jovem entrevistado.
Às vezes não somos entendidos pelos mais velhos. Dizem que
agente não quer nada. Não vejo assim! Só não tocamos tambor,
mais ajudamos, participando de outros momentos, ajudamos a
levantar o mastro, ir buscar no mato e até mesmo matar os animais.
Tem muito jovem que é promesseiro. Acho que vamos tocar quando
eles não puderem. Vejo dizer que quando tinham outros tocadores
eles também não tocavam. Eles são da frente, são sempre
procurados na comunidade e nós não, mas gostamos da festa assim
como todos aqui17
.
Observa-se que os “homens do tambor.” Se destacam, assumindo papel
decisivo no que diz respeito aos interesses do lugar, logo os mais jovens não se
vêem tão maduros o suficiente para desempenhar a função de tocador, mas também
não é descartada a possibilidade deles se tornarem tocadores como diz o
entrevistado. O que se nota ainda é o fato dos mais velhos serem uma referência na
comunidade, o que talvez impossibilite a presença dos mais jovens no grupo.
Por outro lado, existe certa hierarquia de funções dentro do grupo dos
tamboreiros, no que diz respeito, por exemplo, às mudanças de batidas. Quem puxa
17
PEREIRA, Roozevel. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 08 Set. 2013.
26
as toadas, quem faz tal mudança é o instrumento principal, o tambor, e quem o
conduz ou toca é o chefe de cantoria, mesmo que a orquestra seja formada por
outros instrumentos ou apareçam aí vários tambores. Assim, segue-se uma
hierarquia interna de acordo com o instrumento tocado nas celebrações, como a
onça, o pandeiro o reco-reco, na qual o tambor é o que mais se destaca, porque dá
ritmos diferenciados às toadas que são cantadas e entoadas pelos componentes da
banda.
É importante frisar que esse recurso percussivo está presente do começo
ao fim das homenagens a São Benedito. Mostrando seu valor, seu significado de
integração atribuindo companheirismo aos participantes dos momentos celebrativos,
entre os quais, crianças, jovens, idosos de ambos os sexos que comungam do
sentimento de amor e fé na hora que louvam o santo de sua devoção.
Suas batidas, seus sons, também ensejam concentração, momento de
louvor, conversa intima do devoto com o santo, que se faz presente por meio da
imagem que o representa. O tambor é ainda responsável por este encontro, muitas
vezes acompanhado de choro, expressando a emoção de alguém que se prostrou
ao pé do glorioso São Benedito.
Um exemplo da presença do tambor é o momento da procura da arvore,
da levantação do mastro, da ladainha e da derrubada. Ele estar ali percutindo de
forma acelerada ou mais cadenciada como é na hora da ladainha. Sua musicalidade
contagia, faz vibrar, emociona e consola.
As palavras usadas na cantoria também traduzem significados que
podem ser entendidos como agradecimento, esperança de uma graça ou a
renovação de compromisso, quando os tocadores as entoam: “ô meu São Benedito,
eu quero te agradecer aêêêêôô!/ Pelas graças alcançadas e pra sempre te louvar aê
cantador!!!/ Vou renovar minha fé o meu São Benedito aôôôô.”18
O canto, as palavras e o som do tambor são símbolo de força capaz de
produzir sentimento de amor pelo santo que protege e abençoa, fortalecendo a fé e
a crença do seu devoto. O tambor atribui sentido ao processo religioso da festa, pois
além de incluir religião apresenta ainda um sinal de respeito e moral para os mais
velhos, por mais que estes muitas vezes reclamem dos mais novos por não tocarem
algum instrumento no grupo dos tamboreiros.
18
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 6 jun.2013.
27
Para os integrantes da comunidade, o instrumento usado nas celebrações
é concebido, em geral, como elemento de identidade do grupo. Serve como forma
de compreensão de suas origens culturais e objeto de comunicação com um ser
superior, como afirma Maria Cecilia Amaral de Rosa (2009, p.06).
O homem só pode se comunicar por meio dos símbolos, seja moral,
filosófica, cientifica, artística ou espiritualmente Eles servem para
representar ideias, sentimentos, emoções ou descrição de
fenômenos da natureza ou das coisas que os circunda.19
Portanto, o tambor é visto como o elemento da tradição que garante a
coesão social, espiritual e cultural do grupo. Representa veneração a São Benedito
expressando as variadas formas de informações, troca de experiências e
pensamentos que os conduzem em profunda comunhão para junto do sobrenatural,
mantendo crença e tradição.
Meu pai me ensinou a ser devoto e tocador, porque ele foi ensinado
pelo meu avo, que foi ensinado pelo pai dele, assim eu pretendo
ensinar aos meus filhos e netos para manter viva a nossa cultura que
recebemos como herança de nossos familiares que já morreram.20
As palavras externadas pelo tamboreiro são envolvidas por um
sentimento que de mostra não só compromisso e fidelidade ao seu protetor, mas
também com a continuidade de suas práticas culturais, representado pela intenção
de passar aos filhos sua experiência e ensinamentos recebidos de seus
antepassados.
Embora os jovens participem das celebrações, percebo que há muitas
reclamações dos mais idosos, considerando que deveriam rezar cantar e tocar
tambor como eles, para manter viva essa prática em homenagem ao santo negro.
Eles se queixam que os novos estão agora envolvidos por outras
manifestações inovadoras da festividade, mas, o importante é perceber que a
história se faz com mudanças e que cada um vive o seu tempo. Dessa maneira a
festa de São Benedito em João Grande jamais será igual toda vez a que esta vier
acontecer. Existe um processo tenso de renovação e consequentemente de seleção
de elementos do passado, pois, como afirma Reymond Williams:
A tradição não é a sobrevivência do passado. É a expressão mais
evidente das pressões e elementos dominantes e hegemônicos. É o
meio prático de incorporação mais poderoso. A tradição é seletiva,
uma versão intencionalmente de um passado modelador e de um
19
ROSA, Maria Cecilia Amaral de. Dicionário de Símbolos: o alfabeto da linguagem interior. São
Paulo: Ed. Escala 2009,p. 6.
20
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu. 14. Ago. 2013.
28
presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa na
pressão de definição e identificação social e cultural.21
Para o autor, a noção de tradição processa uma seletividade de
elementos que estão ligados aos interesses do grupo de maneira intencional
mantendo a permanência do passado no presente.
É importante frisar que essa seletividade se dá por meio de negociações
entre os membros participantes da festa e que a homogeneidade não representa a
aceitação do todo, mas, de alguma maneira se sobrepõe fazendo com que as
decisões tomadas sejam aceitas como parte da tradição.
Pode-se analisar que os elementos que passaram a fazer parte dos ritos
ou da festa podem representar a seleção feita pelos participantes organizadores das
homenagens, revelando as transformações no contexto festivo no decorrer dos anos
80 onde as mudanças passaram a ser constante atingindo os anos seguintes.
Os documentos analisados, como CD’s e DVD’s dos anos 1990 revelam
momentos da matança coordenada pelo juiz com presença de mulheres e crianças
tomando parte do rito, ajudando os homens que cortam o animal sacrificado, prática
que acontecia somente com a presença masculina e de maior idade. Também as
fotos dos anos 98 e 99 indicam os organizadores da festa no barracão fazendo
distribuição de presentes entre as crianças, essa ação iniciou-se em 90, tornando-
se mais um elemento característico que diferenciou as festas recentes dos anos 80.
Como se observa as mudanças se constrói aos poucos e vão se firmando
como particularidade sem perder a relação com o passado, porque continuam
fazendo parte das homenagens os principais elementos da festividade, o tambor, o
pandeiro e a onça, ainda que para alguns a presença destes aspectos tradicionais
estejam ameaçados pela aparelhagem e shows de música ao vivo, porém, resistem
como força de atração que une passado e presente.
2.2. A Ladainha.
Kyrie eleison
Christeeleisom
Pater de coelis Deus Mizere
Depois do agnus Dei.
Sobre tão presente- nos
Conforgimos santa
Dei genitrix mostrai de precacione e de necessitali
21
WILLIAMS, Reymond. (p.118)
29
nostro é de um espiritiliberal nos sempre virgem glorioso
É de Benedito, Amem.
Ora por nobis santa Dei genitrix.
Oremos utdigni, elficio mus pro missone bus christe.
Oremos damos mente filho carmacione comovimos
É de prepacione de rececione.
Cruz gloria perante em carmo, perante um Cristo.
E damos nostro, Amem.
22
A ladainha além de oração de agradecimento é suplica a São Benedito
para interceder por seus fieis junto a cristo. É a força motriz que move a crença
exaltando o grande santo, rezada em latim pela rezadeira, acompanhada por outros
devotos diante da imagem que prostrados fazem intima comunhão, às vezes
emocionados, porém, confortados pelas graças e proteção do glorioso.
Essa aproximação entre devoto e santo, a imagem propriamente dita
indica o contato com Deus. Logo a imagem usada como símbolo nos rituais é
significativa para os participantes porque demonstram a relação reciproca entre o
real e o invisível mediante a fé exposta pelas palavras do grupo na hora da reza.
As palavras expressam amor e respeito. Esse momento representa a
integração dos sujeitos, buscando manter vivos seus valores espirituais na
perspectiva de superar ou amenizar os seus problemas cotidianos, sejam eles
sociais, emocionais ou materiais.
Quero destacar que D.Tereza Lopes, como visto anteriormente é a principal
rezadeira do lugar, porém, nunca estudou latim e nem reza outras orações
igualmente a que é feita a São Benedito. Ela apresenta várias palavras em
português. Penso, portanto, que o latim usado pela rezadeira, mesmo tendo uma
musicalidade gregoriana (canto mariano oficializado pelo papa Gregório VIII no
século XVI), que se caracterizou por um latim popular ganhando forma nos ritos
praticados por descendentes de escravos desde o período colonial.
Ao verificar a ladainha de nossa senhora encontram-se palavras como:
Senhor piedade; Cristo piedade; Cristo ouviu-nos; Deus pai celeste; Santa Maria;
Santa mãe de Deus; Santa virgem das virgens; Mãe do belo amor; Árvore da vida;
santuário de Deus; Porta do céu; Espelho sem mancha; Estrela da manhã.
Ao analisar esta ladainha, conclui-se que a atribuição de sentimentos
dedicados a virgem santa, foram igualmente dedicadas a São Benedito. Como se
ver,as palavras usadas como demonstração de carinho, alegria e amor por nossa
22
Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes,
rezadeira oficial da comunidade.
30
senhora, guardam semelhanças com as que são dedicadas ao santo negro pelos
seus devotos, isto porque as saudações são pronunciadas da mesma forma ou
sentido. Pois segundo Pasquale Macchi, arcebispo de Loreto. “A ladainha no
decorrer do tempo evoluiu e produziu varias inovações como tentativa de
universalizá-la. E por sua intrínseca beleza em vista da fonte bíblica.”23
Percebo que a oração rezada por D. Tereza Lopes, como suplica ou
saudação a são Benedito e também como preparação das homenagens ao
padroeiro tem origem na ladainha de Nossa Senhora. Podemos analisar que além
deste santo foi sendo incluído o nome de outros, no qual Maria Mãe de Deus é
referência, visto que ela é a principal figura que aparece na ladainha mesmo sendo
atribuída a outros santos católicos.
Vale ressaltar que o nome do santo festejado na maioria das vezes é
pouco citado na reza, em alguns momentos aparece no início e no fim da oração
cedendo espaço ao nome de Nossa senhora.
A ladainha consolida a intimidade dos participantes com São Benedito ou
um ser superior que intervém diretamente na vida dos fiéis. Essa prática
experimentada através da oração é a permanência dos ensinamentos deixados por
seus antepassados.
Assim como o tambor a ladainha é rezada sempre do mesmo jeito na
maioria dos ritos como, por exemplo, na entrega da bandeira, levantação do mastro
e nas noites de louvação que seguem as homenagens ao padroeiro do lugar sem
mudança nas palavras ou no ritmo de voz.
2.3. As Rezadeiras.
O grupo de rezadeiras na comunidade é formado por seis (06) mulheres:
Tereza Lopes, Maria da Conceição Souza, Raimunda do Socorro Oliveira, Iracilda
Pereira, Alzira da Luz e Tacila dos Santos. Assim como os tocadores, elas
desempenham papel importante nas celebrações, responsáveis pelas orações. No
geral, dentro do grupo se destaca a figura de dona Tereza Lopes, não só pela sua
idade, mas, sobretudo, pela dedicação que tem com a ladainha, cuja reza aprendeu
ainda criança com seus pais.
D. Tereza Lopes é fervorosa devota de são Benedito. Nasceu e
23
MACCHI, Pasquale. Ladainha de nossa Senhora. P. 9, 23, 24, 25.
31
criou-se em João grande, desempenhou função de professora desde
adolescente, coordenadora de comunidade, catequista e, sobretudo,
rezadeira. Convidada muitas vezes para rezar aos enfermos ou
recomendar um defunto na hora de seu sepultamento, foi madrinha
de vários casais. Ela também é chamada de “padroeira”.24
Ela não
era a única que rezava. Ocupou essa função depois da morte de D.
Alta que morreu bem velinha.25
Vejo que D. Tereza Lopes construiu seu espaço de destaque ao longo de
muitos anos organizando eventos na comunidade voltados para os cultos na igreja.
Ela é tratada com respeito e admiração por muitos dos participantes. Aos seus 83
anos de idade e rezando a mais de 70 anos, ela continua sendo referência no seu
lugar de origem e em outros vilarejos próximos da cidade de Viseu.
É provável que esta mulher tenha desenvolvido tarefas com dedicação
tanto no seu aspecto religioso como no sociopolítico diante de interesses coletivos
ou individuais, mas o que observo é que seus trabalhos renderam-lhe respeito,
liderança comunitária, política e social. Procurou ensinar outras mulheres a rezarem
em latim para dar continuidade ou manter viva a prática tradicional nas celebrações
realizadas para homenagear o santo glorioso como ela própria afirma.
Em primeiro lugar sou devota de São Benedito. Como rezadeira, me
sinto honrada, realizada em saber que estou fazendo um papel que
me trará muitos benefícios. Sempre fui preocupada em ensinar esta
reza para outras mulheres. Já estou nessa idade alguém tem que
continuar o que aprendi e da mesma maneira quero repassar é uma
herança que vem desde nossas bisavós meu pai dizia então acho
que é importante.26
D. Tereza Lopes demonstra tamanha satisfação em realizar sua função
de rezadeira. Segundo ela daí resulta benefícios que vai de graças alcançadas a
destaque na vida social, pois ela é sempre convidada a fazer parte de celebrações
em outras localidades onde é recebida com carinho e admiração.
Suas ações fazem de D. Tereza pessoa destacada e exemplo de vida
para muitos, principalmente para as rezadeiras que seguem os passos desta
simples mulher que não mede esforços ao demonstrar empenho com os rituais que
compõem a festividade em João Grande.
De alguma forma, mesmo com os conflitos que giram em torno da festa
devido à inclusão da aparelhagem, essa personagem mantém a preocupação em
revitalizar, em articular os ritos, mesmo que, para alguns, estes tenham tomado
24
PADROEIRA, forma respeitosa, carinhosa e admiradora de tratamento com D. Tereza.
25
LOPES, Benedita. Entrevista concedida ao autor. Viseu 10. Out. 2014.
26
LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 26. Set. 2014.
32
outras direções, que, a meu ver, modificaram o comportamento de muitos
participantes das comemorações religiosas. Uns preocupados com o lucro, outros
com os ritos, muitos ainda com diversão e assim a festa segue viva, ganha
vitalidade.
Atualmente as parceiras de reza, como também são chamadas entre si,
orgulham-se do papel que desempenham, agradecem por aprender com D. Tereza a
rezar em latim dando continuidade a esta herança, tornando visíveis aspectos
identitários afro-brasileiros em festas religiosas organizadas por descendentes de
escravos. Como diz D. Socorro.
Me sinto muito feliz em ser uma aprendiz de D. Tereza. Sempre
incentivadora ela sempre fala que temos que preservar essa reza.
Nossa responsabilidade também é ensinar a outros que virão e
assim manter o que pra nós é uma tradição. Essa reza posso dizer
que é uma reverencia que os devotos fazem para São Benedito,
aqueles que ainda não rezam acompanham mesmo assim é uma
reza bonita.27
A narrativa reforça a importância da figura que concentra minha
observação e o compromisso em dá seguimento a reza da ladainha, um dos mais
importantes ritos desde as primeiras festividades, como processo unificador,
relaciona-se com novos elementos que foram inseridos nas homenagens prestadas
a São Benedito de João grande.
Ressalto que as marcas da cultura africana não se resume a festividade
de São Benedito, se estende a outras manifestações, festas de congo, congados,
Folias de Reis, festas de Boi, Maracatus, sambas de roda, tambor de crioulo e
homenagens a outros santos católicos, que foram associados aos orixás, como
forma de manter viva ou recriar suas origens culturais( Martha Abreu, 2014, p.48)28
Podemos perceber que o processo de transformação entendido hoje,
como moderno não fez desaparecer as características da cultura africana que na
minha concepção se reinventou agregando outros valores culturais indígenas e
europeus.
Talvez por esse motivo se reforce assegurando conquistas evidenciadas
com o exercício da cidadania no campo político, artístico, religioso ou educacional,
desconstruindo termos preconceituosos e pejorativos. Essas conquistas marcam a
presença da cultura afro em muitos movimentos sociais e religiosos nos dias atuais
27
SOCORRO, Raimunda do. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11. Out. 2014.
28
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. Ed. n° 100. 2014. ABREU, Martha. A festa é dos negros.
33
sendo reconhecida como aspectos importantes na formação da sociedade brasileira.
CAPITULO III: A PRESENÇA DA APARELHAGEM E SEUS IMPACTOS NA
FESTIVIDADE.
Neste capítulo serão destacados e analisados os aspectos de renovação
da festa, entre eles estão os discursos que vêem a aparelhagem e shows como
ameaças do fim da tradição, as questões econômicas e sociais que fazem parte do
contexto festivo e suas adaptações, aparelhagem e shows ao vivo.
Abordarei ainda o impacto causado por estes relevantes aspectos de
renovação, principalmente a aparelhagem de grande porte e shows de músicas ao
vivo na festividade a partir da década de 1980. O objetivo é refletir sobre os motivos
que levaram a introdução dessas novidades sonoras na festa de são Benedito, mas
que agora são aspectos integrantes das celebrações que homenageiam o santo
padroeiro, procurando destacar os aspectos econômicos, políticos e sociais.
As abordagens deste capítulo ajudarão a compreender que as mudanças
produzidas pela introdução desses novos aparatos musicais no baile, geraram
polemicas e críticas dos mais velhos. E, contrariando as previsões pessimistas
desse grupo, eles têm contribuído para a continuidade e o aumento de participantes
na festa, não afetando por completo o prestígio dos integrantes tradicionais nas
celebrações: os tamboreiros e rezadeiras, visto que cantoria, a reza e tambor
continuam presentes nas homenagens.
3.1. Os Primeiros sinais de Mudanças.
Neste tópico tratarei dos primeiros sinais de mudanças que irão marcar o
início das transições históricas na festa do barracão.
Antes da presença da aparelhagem, foram introduzidos outros aspectos
que fizeram parte do evento e que hoje já não existem, mas que talvez tenham
causado incômodos semelhantes aos mais antigos organizadores da festa. Para se
ter uma ideia, no que se refere ao instrumental da festa, o violino, o banjo, o
clarinete, cederam lugar para a onça e o reco-reco. Dos instrumentos mais
tradicionais, somente o pandeiro, a onça e o tambor permanecem até hoje.
34
Com base nas informações colhidas de moradores antigos, só existia o
tambor tocado tanto nos ritos como no baile. Aos poucos, passaram a ser utilizados
instrumentos de corda e de sopro, representando os primeiros sinais de mudança na
sonoridade da festa. É possível que tenha havido discussão entre os tocadores a
respeito dessas novidades, mas isso é difícil avaliar pela total falta de informações
históricas. É provável, também, que eles tenham sido deixados de suprir os anseios
do grupo e, por isso, cederam espaço a outros aspectos que passaram a compor o
baile.
Esses elementos não mais usados por tocadores e cantadores da
comunidade, tiveram também seus momentos de gloria, pois foi no embalo de seus
sons que muitas vezes os integrantes da festividade se divertiram dançando no
barracão.
Entendo que a presença desses instrumentos representa a memória que
ajuda a contar a história do lugar para quem vive e celebra a festividade, de acordo
com o seu tempo, suas necessidades, ou expectativas, como forma de obterem
resultados que atendam seus interesses, coletivos ou individuais, associados às
celebrações religiosas e a festa dançante.
A memória é a propriedade de conservar certas informações,
propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que
permite ao individuo atualizar impressões ou informações passadas,
ou reinterpretadas como passadas.29
De acordo com Jaques Le Goff, os elementos que integram a vivencia de
um determinado grupo social, seja qual e onde for, podem ser reinterpretados com
novas reflexões sobre o passado, atualizando as informações ou os conceitos já
formulados, sem excluir a memória histórica coletiva ou não.
Sendo assim os aspectos do passado entre eles os instrumentos de corda
ou de sopro inseridos na festividade de São Benedito em João Grande. Hoje já não
existem, mas, foram elementos importantes que ajudam a compreender o início das
mudanças ocorridas na festa que seguido como processo dinâmico com novos
sentidos, outros interesses e que não abandonou os traços identificadores da
tradição. Eles continuaram presente como veremos a seguir.
3.2. Ao som da vitrola e eletrola.
29
LE GOFF apud SILVA, Kalina e SILVA, Maciel. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto. 2006.
35
As mudanças acontecem de forma processual e lenta até mesmo com os
novos elementos que vão chegando e fazendo parte da festa propriamente dita,
como conta um morador da comunidade.
Eu nasci em 1926, mas aos seis anos eu já via minha família
organizar a festa do santo. Muito toque de tambor, não tinha nada de
aparelhagem e meu pai contava que o negócio era manter o tambor,
pois dizia que meu avô era grande tocador, sabia repinicar, dava
gosto. Muito depois foi chegando os instrumentos de corda e depois
o de sopro e a festa foi mudando, mais o tambor estava lá, ninguém
tirou. Casei em 1946 e ainda não tinha aparelhagem. Não sei dizer
em que ano tocou a primeira aparelhagem, quer dizer a eletrola, mas
acho que foi em 50. Quem poderia dizer direitinho era Valica, mas tá
no fundo da rede muito doente e com 92 anos de idade, mas posso
dizer que a primeira eletrola era a pilha. Me lembro que tinha gente
que reclamava e queria que tudo voltasse como no tempo que
agente dançava só no tambor.30
Perceber-se que junto com as mudanças surgiram insatisfações quando o
entrevistado relata que alguns reclamavam da presença da música eletrônica e que
gostariam de voltar aos tempos passados. Porém, os aspectos do passado podem
ser reinventados. O importante é compreender como essas mudanças foram se
estruturando, remodelando o comportamento dos integrantes da festividade, sem
excluir o símbolo mais importante em todo o evento: o tambor.
Os conflitos de ideias são inevitáveis, pois os pensamentos são diversos,
os interesses também, até mesmo dos primeiros tocadores de vitrolas que, segundo
as fontes, tocavam voluntariamente para experimentarem o aparelho musical ou
ajudar na divulgação da festividade, sendo, porém, a primeira intenção dos donos de
vitrolas ou eletrolas.
A fala do senhor Manoel Lopes remete a um tempo em que os moradores
mais antigos ainda se viam ligados ao baile realizado ao batuque do tambor, por
isso, reclamavam da presença da música eletrônica. Mas também me permite
pensar que nem todos faziam tal reclamação, visto que o público que participava da
festa não era homogêneo, pois ali estavam presentes, pelo menos, dois grupos com
comportamentos e ideias distintas.
Ao consultar outra fonte obtive informação importante para o ponto que
discuto neste tópico, porque antes da eletrola apareceu a vitrola, que apresenta
certa diferença em relação aquele aparelho, de acordo com o senhor Laudegário
30
LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013.
36
Pereira de Sousa.
A festa do João Grande já foi muito diferente do que é hoje. Muita
coisa tá diferente, olha! Depois que a festa deixou de ser só no
tambor, veio os instrumentos de corda e de sopro aí o negócio
seguiu, eu era ainda criança, mas me lembro de quando meu irmão
tocou naquela festa, as coisas estavam mudando. Ele tinha uma
vitrola. Foi o primeiro aparelho que chegou por aqui. Não que ele
tenha sido o primeiro ater um desse. Mesmo porque ele não foi o
primeiro a tocar lá. Depois foi que veio a eletrola. A vitrola não tinha
pilha, era na corda que funcionava. Um cordão era enrolado num
pino e puxado pra puder o disco tocar e tinha uma manivela que o
tocador rolava pra dar mais força no giro do disco. Me lembro que
quando o povo estava dançando a música parava, porque a corda
rebentava e levava horas pra concertar. Às vezes, acabava a festa,
havia alguma reclamação, só via gente dizer: ah o tambor! Isso era
os mais velhos que falava, aí depois foi que veio a eletrola.31
A análise que faço é que a sucessão de instrumentos vai remodelando a
festa do barracão não de forma rápida e nem isenta de conflitos, mas trouxe
novidades como o disco de vinil que foi aceito por alguns e rejeitados por outros. A
música eletrônica, a partir dessas inovações, passou a fazer parte dos momentos
festivos da comunidade.
Pois é essa sequência de inclusão de novos aspectos que mostra os
impactos sofridos por um determinado grupo que a integra, em geral os mais velhos,
que gostariam de manter a tradicional forma de festejar o santo ou até mesmo
dançar no salão de festa.
É importante perceber que a tradição não se estagna no tempo,
renovando-se constantemente. O que desperta atenção são os idosos de hoje, que
resistem em aceitar a presença da aparelhagem e shows de músicas ao vivo, vistos
como deturpação ou anúncio do fim da tradição.
O dinamismo de toda essa desconfiança ou desconforto. É ver em sua
maioria que eram os jovens de ontem que curtiam, desfrutavam as novidades
sonoras do momento, mesmo tendo ocorrido censuras e críticas dos pais ou avós
contra eles, usando argumentos semelhantes aos que são utilizados atualmente em
relação aos jovens de hoje.
3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos.
Pode ser que a introdução de novos objetos na festividade está associada
31
SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13. Ago. 2014.
37
à divulgação e inovação do evento, pois não havia ali um interesse econômico, por
que mesmo com o elemento sonoro no barracão a estrutura da festa continuava
rústica. As corridas de café e de bolo permaneceram por muito tempo de forma
gratuita, sem a preocupação comercial, e sim com o objetivo de agradar o
participante.
Veja o que diz o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos.
A bebida era distribuída e geralmente cachaça e vinho, pois aquele
que quisesse beber para se embriagar, trazia de casa e bebia bem
longe do lugar da festa. Era assim a festa, as pessoas que vinha de
outras comunidades já sabia como era. O dono dos aparelhos ficava
satisfeito em tocar na festa, mas despois isso mudou, mas de
primeiro era só pra se divertir mesmo, o povo vinha ver. Era bom
mesmo.32
Nota-se que a introdução da música eletrônica da festa, não mostra que o
dono do aparelho ou o organizador da festividade visassem, necessariamente,
retorno financeiro. Ao que parece, eles queriam promover a sua divulgação, fazer
mais conhecida à festa que tinha como objetivo maior homenagear o santo.
Mas na fala do senhor Antônio aparecem os primeiros indícios que essa
falta de vantagens financeiras será superada, quando diz que isso mudou com o
tempo. Penso que a mudança referenciada aqui, seja a acentuação de interesses
econômicos, que irão intensificar os conflitos e tensões sociais entre os participantes
da festividade, ou seja, entre os mais velhos e os mais jovens.
Quero ressaltar que as insatisfações surgem não somente por causado
fator econômico, mas a partir da presença dos primeiros aspetos sonoros como a
vitrola e eletrola, que substituíram os instrumentos de corda e de sopro passando a
ocupar certo espaço dentro da festa. Digo certo espaço por que sua presença não
foi o suficiente para banir o tambor do salão onde acontecia o baile.
3.4. Mudanças sonoras: conflitos e tensões no interior da festa.
Neste tópico discutirei os impasses entre os mais velhos e os mais jovens
como participantes da festa em homenagem a São Benedito, onde uns não queriam
o eletrônico e outros aceitaram sem muitos problemas, isso ajuda a entender que
nem todos os anciãos resistem às mudanças e que ao mesmo tempo pode existir
jovens tão conservadores quanto os mais velhos, logo as opiniões dos grupos são
32
ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05. Mar. 2014
38
muito diversas em relação à festividade.
A pesquisa me levou a perceber que os primeiros conflitos gerados entre
velhos e novos giram em torno de manter o baile com o toque do tambor ou dos
aparelhos eletrônicos.
O argumento usado pelos anciãos é que a presença da aparelhagem
acabaria com a tradição, valores e costumes, além de trazer outros pontos
negativos, como a desorganização e a perda do sentido original da festa, que
conferiria identidade ao grupo, colocando em jogo o fim das práticas ensinadas
pelos seus ancestrais.
Para os mais jovens era momento de inovar, incorporar novos elementos,
pois o tambor era do tempo de seus bisavôs, muito antigo, estava na hora de fazer a
festa de outro jeito, cedendo espaço para o toque do aparelho eletrônico.
Entendo o conflito por parte de alguns participantes com certa
preocupação não de somente manter o costume, a tradição, mas o de não poder
acompanhar o ritmo dos jovens, que procuravam uma nova forma de diversão
através do toque do vinil que atraia rapazes e moças, ou até mesmo o medo dos
mais velhos perderem seus lugares de destaque não só na festa, mas também na
comunidade.Veja o que diz Marizete Cardoso.
A festa foi mudando aos pouco, pois me recordo que quando
chegava os dias da festa, muita gente ia só para dançar, outros iam
por causa da comida que era distribuída. Tinha mandicueira,33
bolo
de macaxeira, carne de porco e de boi. Mas quando chegou o
aparelho eu ainda era jovem e me lembro que os velhos não
gostaram da musica do aparelho, não sabiam dançar, quer dizer
sabiam com o tambor. Não gostavam, dizendo que era barulhento,
queriam o tambor, mais os jovens queriam a festa sem tambor, era
aquela coisa um queria tambor e outro queria aparelho uma confusão
danada, os jovens não ia quando a festa era no tambor, já os velho ia
isso foi uma luta.34
De acordo com a narrativa, os conflitos se estenderam e não foi resolvido
de uma hora para outra. Os antigos se sentiram incomodados com a presença dos
aparelhos eletrônicos, porque representavam barulho e lhes tirava o espaço dentro
do baile, pois, como disse a fonte, não sabiam dançar. Isso nos leva a refletir que,
ao selecionado do passado aspectos tidos como tradicionais esses sujeitos estavam
expressando um conjunto de pressões no tempo presente em relação à festa.
Mesmo porque, a festividade não deixou de existir, e, de alguma forma,
33
MANDICUEIRA, Mingau feito com arroz ou milho.
34
LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 14 Ago. 2014.
39
eles buscaram garantir um momento no qual continuassem como anfitriões do
barracão. A luta comentada e relacionada ao evento refere-se às muitas festas nas
quais foram alternados os sons do tambor e da aparelhagem.
Para reforçar minha análise, cito a fala de um dono de aparelho, o senhor
Laudegário Pereira de Sousa, já citado em outro ponto desta narrativa:
A chegada da aparelhagem provocou conflitos e mudanças. Não
acabou com o toque do tambor que tem ainda hoje. Os mais jovens
já não frequentavam as noites de tambor com entusiasmo como nas
noites da festa ao toque do vinil. Começou a chegar mais gente,
apesar do difícil acesso a vila de João grande. Vinham pelo caminho.
Não tinha estrada. Os velhos reclamavam muito, os novos queriam
acabar com o tambor e pra acalmar o negócio, foi criado o primeiro
dia de festa dançante com o tambor aí foram se organizando de
novo.35
A fala do senhor Laudegário é de grande importância porque mostra os
primeiros sinais de aceitação do novo e certo relacionamento compreensivo entre as
partes quando acordam em fazer o baile com o toque do aparelho eletrônico, porém
mantendo o tambor como símbolo tradicional marcante da festa.
Percebo que as mudanças associam-se a vinda de visitantes de outras
localidades vizinhas ou mais distantes provocada pela presença desse novo objeto
incorporado a festividade do santo glorioso em João grande. Ela se reorganiza de
acordo com as transformações sociais ou culturais e às necessidades do momento
vivenciadas pelo grupo.
Segundo Eric Robsbawn, mesmo os “complexos simbólicos e rituais”36
mais antigos e associados a uma tradição não podem ser vistos como rígidos ou
rapidamente obsoletos. Eles se adaptam toda vez que for necessário garantir a
conservação de “velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para
novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referência são passado
e linguagem e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer adaptação”.37
Para esse autor, as mudanças decorrem das necessidades estabelecidas
por novos contextos históricos sociais, culturais, econômicos, políticos, tecnológicos
etc. As tradições não são, portanto, imutáveis, visto que estas podem ser adaptadas
sem perder o elo estabelecido com o passado. É possível, então, dizer que a
inclusão da eletrola como novo elemento da festa de São Benedito em João grande
35
SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 5 ago. 2014.
36
ROBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997, p.12.
37
Idem, ibidem, p.13
40
cedeu às pressões do tempo, de forma mais evidente às inovações tecnológicas e
aos grupos sociais que a defendiam.
Nesse sentido os costumes e práticas da festividade não desapareceram,
mas foram reorganizadas para atender novos anseios dos participantes. Anseios
estes que se associaram aos aspectos políticos, sociais e econômicos. Vejo que
foram incluídos novos elementos como a aparelhagem e mantidos outros entre os
quais a reza e o tambor, elementos que tornam visíveis às praticas tradicionais no
momento presente.
Com esse novo olhar, a festa ganha mais ludicidade, tornando-se
atraente principalmente para os mais jovens, mas que não eliminou a participação
dos mais velhos que continuam inseridos no evento. Que segundo seu Antônio
Gonçalves dos Anjos, já citado anteriormente diz que nos primeiros bailes ao toque
de aparelhos sonoro, era bom e todos se divertiam.
O entrevistado não faz relatos sobre faixa etária, portanto acredito que ali
estava um público de idade bem variada. “Veja a fala:” O dono dos aparelhos ficava
satisfeito em tocar na festa, mas, despois isso mudou, mas de primeiro ere só pra se
divertir mesmo o povo vinha ver, era bom mesmo. ”38
A fonte ajuda a esclarecer que a inclusão dos recursos sonoros na festa
não atraiu somente os mais jovens, mas, os mais velhos também conviveram com o
novo, mesmo não sendo a maioria, alguns se divertiam ao som do eletrônico.
Observa-se que as homenagens ao santo preto contem aspectos do
passado no presente de forma remodelada, com a experimentação de novos
elementos que pode ter outro sentido, econômico ou social. Porém, com a mesma
importância a outras festas anteriores que não apresentavam tais interesses, nas
quais dançavam e bebiam se divertindo, convivendo com o sagrado e o religioso
assim como nos anos 80. Nota-se que a festa se modificou porque foram
incorporados novos elementos, mas, não perdeu os aspectos da tradição como será
observado no tópico seguinte.
3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias.
Neste tópico discutirei a presença das grandes aparelhagens na festa
38
ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 05 Mar. 2014.
41
enfatizando os pontos que motivaram sua inclusão e como esta foi recebida pelos
integrantes das celebrações que festejam São Benedito.
Apesar dos primeiros experimentos dos aparelhos eletrônicos na festa
como a vitrola, eletrola na década de 50, passando por inúmeros conflitos. Somente
nos anos 80 em constante renovação apareceram sons motorizados com o uso de
geradores, como foi o “O Sonoro São Sebastião, o Clássico peumex e Eletroluz
Tupi”.
Mas foi na década de 1980 que surgiram as primeiras aparelhagens de
grande porte com tecnologias renovadas que na época atraíram a atenção pela
enorme parafernália e pela potência do som, causando certo impacto entre os
moradores de João Grande. O primeiro grande aparelho na festividade foi o “Clube
do Remo”, da cidade de Bragança, levado em 1985 pelos juízes da festa, os
senhores Almir Pinheiro Lopes (Tibuço) e José Ribamar dos Santo Sousa (Zé
Gurupi).
Com a integração dos grandes aparelhos, houve uma maior participação
na festa do barracão, aumentando o número de frequentadores independentemente
de classe social, de cor e de idade. Por outro lado, os conflitos voltam a ser mais
acirrados, visto que o barulho era intenso, a ponto de incomodar o sono dos muitos
moradores, que já não frequentavam o baile por essa razão.
Muitos participantes passaram a se sentir mais interessados em especial
os mais jovens se sentindo mais envolvidos com as novidades da tecnologia. As
músicas, com seus variados ritmos, tornaram-se um atrativo a mais. Porém, vale
ressaltar, os novos sempre estiveram presentes na festividade do santo, ainda que
para os idosos não seja visto de tal forma, como narra um morador da comunidade.
A introdução dos grandes aparelhos não acabou com a tradição,
mais quebrou o seu verdadeiro sentido, porque a festa dançante hoje
passou a ser uma forma de ganhar dinheiro, o que antes era dado,
hoje é vendido, bebida de todo tipo, virou comercio e a fé ficou de
lado, pouco é os jovens que frequenta os ritos na igreja agora só
querem festa, antes desses aparelhos o povo aqui era mais unido, a
festa dá dinheiro então todo mundo quer fazer.39
O relato feito pelo senhor Adelmo recorre à lembrança de um passado no
que teria predominado o sentido religioso da festa para criticar o deslocamento
desse sentido em direção às preocupações econômicas trazidas com a introdução
das aparelhagens. Essa novidade teria desencadeado um interesse maior pela
39
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu. 08 Set. 2013.
42
organização da festividade, impulsionado pelo lucro resultante do comercio de
bebidas, leilões, bingos e vendas de bancas ou bilheteria.
As evidencias colhidas neste estudo. Levam-me a concordar com a
presença mais acentuada desse interesse econômico, já que com evolução das
aparelhagens e os gastos com o custeio da festa, os organizadores deixaram de
oferecer bebida gratuita, os tocadores que antes tocavam voluntariamente passaram
a cobrar pelo serviço prestado, as regras mudaram, os lucros apareceram e estes
despertaram um interesse maior nos organizadores.
Como diz o senhor João Cardoso.
A festa ao toque da aparelhagem ficou assim mais ou menos se o
aparelho é de grande porte representa valorização do evento e a
força de quem organiza, se o aparelho for pequeno falta de
organização e enfraquecimento da festa.40
Com base na fonte parece ficar claro que a organização também passou
a representar status social para o juiz da festa, sendo muitas vezes procurado por
políticos municipais como vereadores na busca de uma aproximação eleitoral por
conta da referência e liderança que exercem na comunidade.
A festa, porém, fica oscilante dando a entender que quanto maior for o
aparelho eletrônico, maior a participação popular, mais vendas e maiores os
recursos financeiros a serem arrecadados, acirrando ainda mais o controle da
festividade, já que, nesse caso, todo o lucro fica com o organizador.
Junto com as aparelhagens vieram também os shows de música ao vivo,
com bandas e cantores paraenses que fizeram sucesso no interior do Pará como foi
o caso do cantor de brega Juca Medalha. Ele foi o primeiro a cantar acompanhado
pelo Arte Som de Belém do Pará. Outro cantor a se fazer presente na festa de São
Benedito foi Marlon do Brasil, acompanhado de sua banda.
Ainda com base na fonte, não há um número exato de quantas pessoas
frequentavam a festa por falta de documentos, mas estima-se que antes da
aparelhagem a quantidade de frequentadores era bem menor oscilando entre 600 ou
700.
Porém a partir dos anos 80 esse número cresceu chegando atingir
aproximadamente 5.000 (cinco mil) participantes dependendo na maioria das vezes
da organização ou da novidade sonora. Podemos considerar que nesse aspecto a
40
CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 08 Nov. 2013.
43
festa sofreu extrema mudança resultante da inclusão dos grandes aparelhos como
novo modelo de organização da festa.
Os grandes aparelhos e bandas ao vivo levaram os jovens se
preocuparem em adquirirem boas vestimentas e a trabalharem para terem o que
gastarem nos dias de festa. Isso porque não pretendiam se sentirem inferiores aos
demais participantes atraídos de outros lugares vizinhos ou distantes, como os
piqueniques organizados por famílias do lugar que residem em outros estados do
Brasil, entre eles Amapá, Amazonas e Rio de Janeiro.
Esses investimentos aparecem como resultados das transformações
ocorridas na festa que homenageia o glorioso São Benedito padroeiro de João
Grande e quanto é importante para quem organiza as celebrações na comunidade,
visto que o lucro da festa era variável. Já atingiu em uma só noite R$ 19.000
(dezenove mil reais) o que culminou em uma listagem de nomes até 2020, essa
listagem serve como garantia do controle e organização da festa, acirrando a disputa
entre os juízes organizadores, de acordo com João Cardoso.41
Observo, no entanto, que, mesmo com todas essas mudanças nas quais
a aparelhagem e os shows se transformaram em atrativos modernos de renovação
da festa, elas não substituíram a importância da reza e outros ritos praticados ali,
principalmente o tambor, que ainda marcam o sentido de identificação do grupo.
Ressalto que outros elementos incorporados contribuíram, a seu modo, para garantir
a continuidade da tradição, pois ela não é imutável, podendo sofrer readaptações.
Sendo assim, entendo que os motivos que incluíram as grandes
aparelhagens estão sim relacionados à divulgação, inovação, interesse econômico,
status social, atração ao público, mas também como seguimento às homenagens a
São Benedito.
Isso porque os organizadores da festividade de São Benedito em João
Grande são pessoas simples. Mas, aparecem como sujeitos destacados na
comunidade desenvolvendo funções relevantes nas celebrações, sejam as
rezadeiras, ou os tamboreiros, cujas práticas culturais reúnem experiências e
ensinamentos aos mais jovens, neste cenário de convivência social. Nesse sentido,
jovens e anciãos vão interagindo no espaço de mudanças e permanências,
garantindo a sobrevivência da tradição, mesmo com os conflitos entre eles.
41
CARDOSO, João. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu. 15 Set.2013.
44
Para Joaquim Justino Moura dos Santos, a história está inserida em um
processo de intensa relação vivida cotidianamente por seus habitantes sejam nos
aspectos políticos ou culturais independentemente do espaço onde vivem. Todos
têm uma história, uma identidade. Como afirma o autor.
A reconstrução histórica de um lugar seja quando, qual e onde for
integra-se historicamente a espaços e contextos mais amplos a partir
dos papeis e condições econômicas, políticas, sociais e culturais
vividas no dia a dia com seus habitantes e por eles próprios, seja no
município, no país e no mundo.42
Ressalto que os moradores da comunidade estudada são sujeitos que
ajudam a contar parte da história de João Grande, porque estão envolvidos nesse
processo histórico de maneira individual ou coletiva, contribuindo com a construção
da história do lugar onde vivem dando continuidade as práticas e costumes
vivenciados pelos moradores da comunidade. Pelo destaque desses homens e
mulheres, também pela grandiosidade da festa é curioso pensar a falta de apoio a
essa manifestação cultural que tem relevância na região viseuense.
Ao concluir a pesquisa sobre a festividade de São Benedito nota-se a sua
importância para a comunidade, como aspecto que sustenta os traços das praticas
religiosas organizadas por descendentes de escravos, o valor que os tradicionais
têm para os mais novos como lideres comunitários mesmo apesar dos conflitos. A
pesquisa revelou ainda a total falta de apoio e incentivo por parte das autoridades
constituídas, que não conseguem ver nenhum valor histórico na festividade.
42
SANTOS, Justino Moura dos. História do lugar: Um método de ensino e pesquisa para as escolas
de nível médio e fundamental. (2002. p.110).
45
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Neste trabalho foram apresentados aspectos tradicionais, rezadeiras e
tamboreiros, elementos renovadores, aparelhagem e shows de música ao vivo, que
convivem na festa de São Benedito em João Grande, desde a década de 1980.
Nesse contexto, esses aspectos contribuíram para a sua revitalização a cada ano,
mesmo que o convívio entre eles suscite conflitos e tensões entre os participantes
das celebrações. Com eles a festa se reatualiza, ganha novos significados, mas
mantém o seu caráter de garantir a coesão social e a identidade da comunidade.
Esses aspectos têm importante papel nesse embate sociocultural no
interior da festa, criando condições para sustentar as práticas comuns e tradicionais
do evento: tambor, reza, cantoria e festa dançante. Tamboreiros e rezadeiras são
sujeitos que no desenrolar das negociações conflitantes asseguraram seus espaços,
estabelecendo seus privilégios de liderança, compartilhando sentimentos religiosos
ou não, uma vez que se concebem integrantes de um evento que se realiza entre o
“religioso” e o “profano”.
A pesquisa teve como objetivo observar as mudanças sonoras na
festividade nos anos 80, tendo o tambor como elemento de ligação entre passado e
o presente. O estudo trouxe resultados significativos porque revelou em
consideração a importância dos aspectos tradicionais para a comunidade local e
outras que reconhecem seus valores históricos para a região de Viseu.
Percebe-se, no entanto, que, apesar de sua relevância cultural, a
festividade acaba não sendo devidamente considerada como tal nos meios
institucionais e de divulgação do município. A dificuldade de encontrar fontes
documentais em arquivo sobre a festa na década de 80 evidencia esse descaso.
Mesmo mais recentemente, ele se mantém, quando se observa que os documentos
informativos oficiais do município, dos anos de 2011 e 2012, não foram encontrados
nem uma referência ao evento, foto ou comentário.
Apesar de o informativo apresentar várias obras executadas pela gestão
municipal, este não mostra informações sobre a festividade de São Benedito. Penso
que a divulgação desse evento valoriza o patrimônio cultural que compõem a historia
de Viseu. Para se ter uma melhor compreensão, no informativo do ano de 2014 na
sua quarta edição aparece uma foto referente ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré
do ano 2013, e nada sobre a festividade de João Grande, em um caderno com 28
46
folhas.43
Outra fonte consultada, que mantém estreita relação com a assessoria de
comunicação do município, foi o Jornal Tribuna do Caeté. Na edição número 285 de
2014 encontra-se em destaque, além das autoridades, fotos que divulgam
principalmente os eventos esportivos do município, como o futsal.44
Pesquisei em arquivos, jornais e revistas usados como meios
divulgadores da cultura regional paraense. Como foi o caso da revista Ver o Para
que em sua edição número12, de Setembro de 1998, indicando 52 municípios do
interior do estado como rotas de destaque no setor de turismo, não faz nenhuma
relação às festas tradicionais e nem cita quais são estes municípios. Somente no
ano de 2001 em sua ed. nº01, ela faz um breve comentário sobre a Marujada de
Bragança.45
Não há interesse institucional em divulgá-la ou reconhecê-la como
elemento importante que compõem o patrimônio cultural do município, muito menos
tornar presente no currículo escolar municipal essa festa.
É preciso valorizar devidamente a cultura local criando espaços de
reconhecimento a sua identidade e de seus direitos, portanto estudar sobre o tema
que tange a cultura afro-brasileira é um compromisso que diz respeito a todos os
brasileiros, uma vez que devem educar-se e conviver enquanto cidadãos em uma
sociedade multicultural no sentido de construir uma sociedade democrática e
conhecedora de suas raízes históricas.
Nessa perspectiva, é dever das autoridades instituídas municipais e
direito dos sujeitos interessados, em cobrarem a inclusão dessa face da história
local no currículo escolar, propondo, a partir daí atividades que despertam nos
alunos reflexões sobre as contribuições que esses sujeitos remanescentes de
escravos têm na história municipal e brasileira.
As autoridades devem no mínimo reconhecer o valor histórico desses
sujeitos e da comunidade onde se encontram, para compreender suas relações
sociais, seus hábitos, costumes e práticas religiosas. Deve ser responsabilidade das
autoridades muitas vezes detentoras dos meios de comunicação, divulgar e dar
apoio a praticas culturais do município seja elas afros ou não.
43
Informativo da prefeitura municipal de Viseu. ed. nº. 2. Nov. 2011; ed. nº.3. Jan. 2012; ed. nº. 4.
Jan. 2014.
44
Jornal Tribuna do Caeté. ed. nº. 285. Mai. 2014.
45
Revista ver o Pará. ed. nº. 12. Jun. 1998, p.66; ed. nº. 01. Set. 2001. p.60.
47
Quero reforçar que os elementos tradicionais da festa analisado no
decorrer da pesquisa são relevantes, mas, passam despercebidos pelas
autoridades municipais e pela grande maioria da população, em especial os alunos.
Mas apesar dessa falta de conhecimento e reconhecimento oficial, os tamboreiros e
rezadeiras, verdadeiros anfitriões das celebrações são respeitados e admirados por
populares que reconhecem o valor de suas praticas para garantir a continuidade da
tradição indenitária da comunidade de João Grande.
Os tamboreiros e rezadeiras são importantes também nas comunidades
vizinhas, convidados por organizadores de festas de santo para rezarem e tocar
tambor, de qual quer forma, estão contribuindo com a permanência tradicional da
cultura local.
É muito importante tomar conhecimento sobre os costumes que compõe o
processo que envolve a construção da identidade negra no município de Viseu. Pois
a falta de interesse e apoio aos eventos organizados por descendentes de escravos
pode estar associada à discriminação e ao preconceito em relação ao lugar e seus
organizadores e participantes.
Quero ressaltar que a minha perspectiva não foi caracterizar esses
aspectos históricos tradicionais, tamboreiros e rezadeiras como centro das
atenções, mas, destacar seus valores como sujeitos atuantes nesse processo de
mudanças e permanências da identidade afro descendente no interior da festividade
de são Benedito em João Grande, nos dias atuais.
Por fim, é bom que se diga que os conhecimentos adquiridos por meio da
pesquisa podem ajudar no processo de ensino-aprendizagem da história, na pratica
pedagógica do ensino de história. Trata-se de um estudo que, longe de ser
conclusivo, contribui para a história e para a cultura afro-brasileira local, suas formas
de manifestação, os sentidos e significados a ela atribuídos pelos sujeitos sociais
envolvidos.
Fontes orais
48
CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Nov.2013.
DE SOUSA, Laudegário Pereira. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13 Ago.2014.
DOS ANJOS, Antônio Gonçalves. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05
Mar.2014.
LISBOA, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 03 Out. 2013.
LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013.
LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 14 Ago.2014.
LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 17 Set.2013.
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande - Viseu, 10
Jun.2013.
PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 14
Ago.2013.
Tamboreiros. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 10 JUN.2013.
Jornais/Revistas
Informativo da prefeitura Municipal de Viseu. ed. nº. 2.Nov. 2011; ed. nº.3 Jan. 2012;
ed. nº.4 Jan. 2014.
Informativo da Região bragantina Tribuna do Caeté. ed. 285. Maio. 2014
Revista Ver o Pará. Ed. nº. 2. Ano 1993.
Revista Ver o Pará. ed. nº. 27. Maio/Jun.2004; ed. nº. 1. Set. 2001; ed. nº. 12.
Jun.1998.
Imagens
Fotos, DVD e CD dos arquivos pessoais dos integrantes da festividade de são
Benedito de João Grande.
Locais de pesquisa.
Biblioteca Municipal de Viseu. Professora Odete Ferreira. 03 Nov. 2014.
Arquivo da Câmara Municipal Dr. Albino Junior. 03/05 Nov. 2014
Arquivo Público municipal de Viseu. 05 Nov. 2014.
Secretaria Municipal de Cultura Desporto e Lazer. 05 Nov.2014.
Referências Bibliográficas.
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Trabalho de t.c.c prof. raimundo gonçalves da silva 2015

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA ENTRE O TAMBOR EAAPARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE EM VISEU NA (DÉCADA DE 80) BRAGANÇA-PARÁ 2014
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE EM VISEU NA (DÉCADA DE 80) Trabalho de Conclusão de Curso– TCC, apresentado à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará- UFPA, como requisito para obtenção do Grau de Licenciatura Plena em História, sob orientação do professor Dr. Cleodir Moraes. BRAGANÇA-PARÁ 2014
  • 3. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES RAIMUNDO GONÇALVES DA SILVA ENTRE O TAMBOR E A APARELHAGEM: MUDANÇAS SONORAS NA FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO DE JOÃO GRANDE EM VISEU NA (DÉCADA DE 80) Trabalho de Conclusão de Curso - TCC apresentado à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará– UFPA, como requisito para obtenção do Grau de Licenciatura Plena em História sob orientação do professor Dr. Cleodir Moraes. Aprovada em: _______ de _______________ 2014 BANCA EXIMINADORA Professor Dr. Cleodir Moraes – Orientador. Universidade Federal do Pará ___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará ___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará ___________________________________________________________________ Universidade Federal do Pará Nota:_______________ BRAGANÇA- PARÁ 2014
  • 4. Dedico este trabalho a minha mãe, Raimunda Gonçalves da Silva, in memoriam, ao meu padrasto, Raimundo Fernandes Braga, a minha esposa, Daiana Alves, companheira de todas as horas, e aos meus filhos amados, Ártemis Karol e Apollo, cuja força de suas existências sempre me motivou na busca deste sonho.
  • 5. AGRADECIMENTO Agradeço Deus por ter operado em mim o milagre do conhecimento através do meu estudo sendo algo importante em minha vida. Agradeço aos moradores da comunidade de João Grande, por terem me recebido de braços abertos e se mostrarem dispostos em me ajudar no momento da pesquisa de campo, prestando informações importantes para a construção deste trabalho. Em especial, Manoel Lopes, João Cardoso, Adelmo Pereira, Creusa Pereira, Tereza Lopes, seu Zacarias, Luiz Martins, conhecido como Luiz Preto (morador em Viseu) e o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos, que muito contribuíram para a produção das fontes orais aqui estudadas. Agradeço ainda aos meus professores, que com seus ensinamentos me ajudaram incutindo em mim a vontade de vencer pela força do conhecimento, em particular ao meu orientador o professor Dr. Cleodir Moraes, pelos bons ensinamentos, incentivos e paciência nas horas difíceis do trabalho.
  • 6. Aquele todo complexo que compreende o saber, a crença, a arte, a moral, o direito, o costume e quaisquer outras qualidades e hábitos adquiridos pelo homem em sociedade é cultura (Tylor).
  • 7. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................08 CAPITILO I: Festividade de São Benedito em João Grande................................12 1. A festividade..........................................................................................................12 1.1. A entrega da bandeira.......................................................................................13 1.2. A esmolação.......................................................................................................14 1.3. A procura da árvore e enfeite.............................................................................15 1.5. O momento da ladainha .....................................................................................17 1.6. A matança ..........................................................................................................17 1.7. A ceia .................................................................................................................18 1.8. A derrubada do mastro.......................................................................................19 1.9. Mordomos de promessa e juízes .......................................................................20 CAPITULO II: A importância dos anfitriões: As rezadeiras e tamboreiros.........24 2.1. O tambor e sua importância nas celebrações ....................................................24 2. 2. A ladainha ........................................................................................................28 2.3. As rezadeiras .....................................................................................................30 CAPITULO III: A presença da aparelhagem e seus impactos na festividade.....33 3.1. Os primeiros sinais de mudanças ......................................................................33 3.2. Ao som da vitrola e eletrola................................................................................34 3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos..............................................36 3.4. Mudanças Sonoras: Conflitos e tensões no interior da festa..............................37 3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias.....................40 Considerações Finais .............................................................................................45 Fontes orais...............................................................................................................48 Fontes escritas consultadas......................................................................................48 Fontes iconográficas .................................................................................................48 Local de pesquisa .....................................................................................................48 Referência Bibliográfica .........................................................................................49 Anexos .....................................................................................................................50
  • 8. RESUMO A pesquisa focaliza a festividade de São Benedito na comunidade de João Grande. Nela, analiso mais precisamente as mudanças sonoras evidenciadas nesse evento, motivadas pela introdução da música eletrônica de aparelhagem. O trabalho se pautou em observações e em entrevistas com os moradores e participantes da festa, que fundamentaram as hipóteses e reflexões apresentadas aqui. Busquei mostrar as rupturas e mudanças no contexto religioso que homenageia o santo padroeiro. Desse modo esta investigação. Se propõe a contribuir para uma melhor compreensão dos rituais, a presença de instrumentos, como o tambor, e seus diferentes ritmos, que comentam os vários momentos da celebração, como a entrega da bandeira, a esmolação, a procura da árvore, o levantamento, a ladainha, a matança, a ceia e a derruba, e das possíveis tensões, conflitos e negociações processadas no interior da festa com a presença das aparelhagens, a partir da década de 1980. O objetivo foi demonstrar que tradição e modernidade sonora, concorrem, cada um a seu modo, para garantir a permanência à festa e reforçar a sua importância para a comunidade. Palavras-Chaves: Festividade. Tambor. Música. Tradição.
  • 9. 8 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo analisar algumas transformações ocorridas na festividade de São Benedito em João Grande, no município de Viseu nos anos 80, especialmente no aspecto musical da festa do barracão, buscando compreender suas formas, expressões, representações e significados. Como observador-participante da festividade, percebo que o tambor continua sendo importante símbolo tradicional da festa. Instrumento usado desde os primeiros bailes organizados pelos antigos moradores de João Grande, ele vem dividindo cada vez mais espaço com a música eletrônica, introduzida pelas aparelhagens nos últimos anos. Essas transformações, como não poderiam deixar de ser, têm provocado opiniões diversas, na medida em que os sujeitos envolvidos reafirmam ou atribuem formas, funções e características diferentes à festa. Para embasar o este estudo. O método usado foi à pesquisa de campo, fazendo uso de entrevistas junto aos moradores do lugar, de faixas etárias diferentes, a quem expresso meus agradecimentos pelas informações a mim conferidas, entre eles o senhor Manoel Lopes, D. Tereza Lopes, Adelmo Pereira, João Cardoso, Socorro Lopes, Iracilda Pereira, Creusa Pereira. A investigação também se pautou em fontes impressas, como os jornais Folha do Gurupi, Tribuna do Caeté e o Informativo da Prefeitura Municipal e revista Ver- o- Pará. Nele, lancei mão ainda de fotos, CD e DVD coletados dos arquivos pessoais dos participantes. Foram feitas visitas em locais públicos para coletar informações em relação ao objeto estudado. Como o Arquivo da Câmara Municipal, o Arquivo Público Municipal de Viseu, a Biblioteca “Professora Odete Ferreira”,Rádio Comunitária Santa Terezinha FM situada na sede do município e o Arquivo da Assessoria Municipal de Comunicação da prefeitura de Viseu. Para reforçar minha análise, as fontes teóricas usadas foram: Dedival da Silva Brandão, Benedita Celeste de Moraes Pinto, Joaquin Justino Moura dos Santos, Janaina Amado e Marieta de Moraes Ferreira, Maria Cecilia Amaral de Rosa e Eric Hobsbawn. Esses autores serviram de suporte teórico, ajudando-me a compreender e dialogar sobre as práticas rituais celebradas em homenagem a São Benedito na comunidade de João Grande em Viseu. Dedival fala sobre aspectos da festa de São Benedito em Bragança
  • 10. 9 quem e permitiram, a partir da comparação, compreender os rituais da festividade realizada em João Grande. Janaina Amado e Marieta Ferreira contribuíram para o debate em torno do uso da história oral como método de pesquisa importante na busca dos sentidos e significados que os sujeitos entrevistados atribuem as suas experiências e as mudanças sonoras da festividade. As reflexões apresentadas por elas me possibilitaram perceber a riqueza e as dificuldades da construção e análise das fontes orais. Benedita Celeste fala sobre a festa do Bambaê que homenageia Nossa Senhora do Rosário na região do Tocantins no antigo quilombo do Mola, o que me ajudou a refletir sobre as semelhanças e diferenças estabelecidas em relação à festa do “glorioso” São Benedito, em João grande, no que diz respeito a sua forma de organização e devoção. Joaquim dos Santos, referindo-se a historia do lugar no subúrbio do Rio de Janeiro. Discute sobre os valores culturais, das experiências vividas pelos idosos e das transformações sofridas a partir da introdução da tecnologia, como processo histórico, ajudaram-me a entender melhor as mudanças ocorridas em João grande com inclusão da aparelhagem na festa. Maria Cecilia Amaral de Rosa destaca o símbolo como representação e dinâmica de comunicação, crenças religiosas das muitas culturas existentes, como o elo que liga o homem a um ser superior. A leitura foi importante para eu entender os elementos simbólicos presentes nos rituais da festividade, por meio dos quais os devotos buscam estabelecer contato com o santo celebrado. Eric Hobsbawn ajuda pensar a tradição como um processo que pode ser mutável e adequado de acordo com novas condições e funções estabelecidas. Trata-se de uma construção social que diz muito sobre o presente dos indivíduos envolvidos. Tanto os documentos escritos como os locais visitados foram de fundamental importância para que eu pudesse refletir sobre a minha temática, meu objeto de estudo e minha problemática. Para que o leitor tenha melhor compreensão do objeto aqui abordado. Esta narrativa está dividida didaticamente em três capítulos, nos quais serão trabalhados os significados da festa, a importância dos tamboreiros e o lugar por eles ocupado na hierarquia das celebrações, a relevância do tambor, a introdução
  • 11. 10 da música eletrônica, seus impactos e o papel das rezadeiras.1 Tenho com esse propósito a preocupação de colocar em movimento aspecto dos conflitos, das tensões, das negociações estabelecidas, consciente ou inconscientemente entre os diferentes sujeitos envolvidos, como organizadores e participantes que compartilham o mesmo espaço sociocultural. No primeiro capitulo faço uma descrição da festividade, destacando diversos momentos dos rituais que a envolvem, como a entrega da bandeira, a esmolação 2 ,a procura, o enfeite, o levantamento e a derrubada do mastro, a ladainha, a matança e a ceia. Enfatizo, aqui, o uso do tambor como componente fundamental no conjunto ritual ou na festa propriamente dita, já que o ponto de abordagem é o toque de aparelhagem que vai implantar transformações dentro da festividade. O objetivo é proporcionar ao leitor uma melhor compreensão das mudanças ocorridas dentro do evento diante das renovações sofridas com a introdução de um e a permanência do outro, ou seja, a música eletrônica e o toque do tambor. No segundo capitulo, analiso a reza da ladainha que é outro aspecto de grande relevância na celebração, destacando a figura de D. Tereza Lopes que desempenha papel extraordinário como rezadeira. Também ressalto os tamboreiros, principalmente a posição que ocupam ou função que desempenham como tocadores em outras comunidades próximas ou mais distantes que celebram a festividade de São Benedito na região de Viseu. O objetivo de estudar esses sujeitos é demonstrar que apesar das mudanças ocorridas, eles continuam a serem personagens importantes, mantendo a ligação com aspectos vistos como tradicionais da festa. No terceiro capitulo, abordo o impacto causado pela introdução das aparelhagens de grande porte e shows de música ao vivo na festa a partir da década de 80, mais precisamente em 1985. Discuto, aqui, os motivos que levaram a incorporação de um novo aparato sonoro que, desde então, figura como parte integrante da festividade em homenagem ao “glorioso” santo preto3 ,procurando analisar as implicações econômicas, sociais e políticas dessa inovação. Trabalhar esse tema é destacar sua importância, tendo em vista que ele 1 Rezadeira: mulher integrante da festividade com grande destaque que tem a responsabilidade de conduzir a reza da ladainha nas celebrações. 2 Esmolação: ato de esmolar. 3 Glorioso: forma respeitosa com que os devotos tratam o Santo São Benedito relacionando esse sentimento as graças e bênçãos alcançadas.
  • 12. 11 apresenta seus aspectos peculiares, como tocar tambor entoando em louvor a São Benedito de maneira simples, mas diversa de outros locais que festejam o santo. Cito aqui a festividade de Bragança que tem maior expressividade no cenário regional devido sua organização política, econômica e social. A proposta é despertar o gosto e o interesse pela cultura local. Estimular a comunidade em geral a valorizar práticas culturais, costumes e hábitos que compõem o processo histórico do lugar onde vivem, mesmo que essas práticas sofram alterações pela inclusão de outros elementos, mas que certamente não destroem o sentido histórico da festa. Apresentar aos leitores ritos que compõem a festividade e personagens organizadores entre eles juízes, tamboreiros e rezadeiras que desempenham destacadas funções na festa e na comunidade. Quero ainda através da temática demostrar que a festa de São Benedito de João Grande é um exemplo da presença de negros na região de Viseu.
  • 13. 12 CAPITILO I: FESTIVIDADE DE SÃO BENEDITO EM JOÃO GRANDE. 1. A FESTIVIDADE. Neste capítulo enfatizarei os ritos e sua organização e a importância que representam como atos que celebram e homenageiam São Benedito, além de destacar os personagens que atuam como referência no processo de desenvolvimento da festividade. A pesar do destaque dos indivíduos mais velhos, crianças e jovens também contribuem para a realização do evento, visto que direta ou indiretamente estão presentes nos diversos momentos rituais que o envolvem. É minha preocupação compreender as variadas formas de experiências vivenciadas pelos devotos do santo preto. A vila de João Grande é composta de 65 famílias e está localizada aproximadamente 2 km da BR 308 pelo lado direito e a 6 km da sede do município de Viseu situado à margem do Rio Gurupi fazendo fronteira com o Estado do Maranhão, onde todos os anos, no mês de dezembro, os moradores da comunidade promovem a festividade de São Benedito, despertando atenção de pessoas de lugares vizinhos e dos mais distantes. Não se sabe ao certo quando esta festividade se iniciou, mas de acordo com depoimento de moradores antigos, ela tem mais de dois séculos. Não há registros escritos sobre a festa, porém existem pessoas no lugar com mais de 80 anos que recordam que, quando crianças, viram seus pais participarem das celebrações, praticando os rituais que ainda hoje são celebrados: Tio Paulo Preto como era chamado, contava que viu meu avô ainda velhinho dizer que a festa aqui é muito antiga do tempo dos escravos do bisavô de Mercedes, que foi dono dessas terras. Aqui tinha muito negro que gostava de dançar e faz muito tempo que faz festa por aqui. Eu tô nessa idade de 82 anos e quando era criança eu via fazer essa festa.4 A entrevistada narra sobre os primeiros organizadores da festa, fazendo uma referência aos negros escravos que existiam por aqui e que já manifestavam suas homenagens a São Benedito nos primórdios da vila de João Grande. É provável que durante o período de existência a festa tenha passado por 4 LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Nov. 2013.
  • 14. 13 um conjunto de mudanças estruturais, mas, irei descrever alguns aspectos que me parecem mais duradouros. Será feito neste capitulo a descrição dos rituais da festa,visando proporcionar ao leitor uma melhor compreensão de sua organização.Entre eles estão, a entrega da bandeira, a esmolação, a procura da árvore,o enfeite, o erguimento e a derrubada do mastro, a ladainha, a matança e a ceia. Como se verá cada um deles possui função específica integrada aos festejos a São Benedito. Também serão abordados certos personagens que se destacam nesse processo, como os juízes, os mordomos, procurando explicar a importância de cada um dentro da celebração e o papel que exercem na estruturação da festa, conferindo a ela significados e sentidos próprios. 1.1. A entrega da bandeira. Este rito inicia a celebração de São Benedito. A cada ano um juiz diferente fica encarregado da organização da festa. Por esse motivo, a entrega desse símbolo representa a retomada de um novo ciclo festivo, que se renova no final de cada festividade. É quando tudo recomeça com a perspectiva de se melhorar o que foi entendido como negativo, principalmente no que diz respeito ao baile dançante no barracão. Essa prática se assemelha ao que ocorre em outras festas religiosas no estado, como o círio de Nazaré, em que os organizadores já se debruçam em rever o que não deu certo para melhorar no ano próximo, logo ao final das celebrações. O novo juiz encarregado da festividade começa a pensar sobre o novo ciclo com a responsabilidade de avaliar a última festa e projetar a do ano seguinte com melhorias. O objetivo é organizar os eventos religiosos, fazendo distribuição dos atos celebrativos entre os devotos participantes das homenagens. A procura e enfeite da árvore, erguimento do mastro, matança, coleta da esmola e louvação feita por grupos de outras comunidades. Esses compromissos não se resumem apenas à dimensão religiosa. Ele o juiz, também é encarregado de cuidar da parte “econômica e social” da festa, mantendo contato para a contratação de um novo aparelho que seja mais atrativo pesquisando preços e qualidade sonora, organiza piquenique, torneio de futebol, divulgação por meio da rádio comunitária localizada na sede do município, elabora
  • 15. 14 convites às comunidades mais distantes. A escolha do juiz e a entrega da bandeira são garantias da execução do calendário festivo, começando assim todo o processo do evento como o rito de esmolar onde é feito a arrecadação de bens durante o ano que servirá de ajuda em prol da realização da festa. 1.2. A esmolação. Este rito é o primeiro compromisso de cada devoto. Por meio dele são apresentados os bens doados a São Benedito durante o ano. Os moradores expressam sua devoção ao santo realizando a criação de animais, pato, galinha, porco, a produção de farinha, a colheita de bananas e outros frutos, e a arrecadação de dinheiro para serem doados à festa. Não existe um dia certo para a entrega da esmola. Ela é feita de acordo com a condição do promesseiro. Este faz de tudo para honrar seu compromisso, pois há, no entanto, a exigência de que a sua entrega deve ser feita antes do início da festa, no dia 20 de dezembro. Quem recebe as esmolas é o organizador do evento em sua residência que, em nome do “santo”, compra os acessórios da celebração, como velas, fitas e bandeiras, para enfeitar o barracão onde é realizado o baile dançante e o jantar dos mordomos. Não existe um valor estipulado a ser entregue, mas, de acordo com as entrevistas as ofertas, as doações geram um bom resultado financeiro para o evento. Este valor é muito variável, ficando em torno de R$2.000,00 a R$3.000,00 ou até mais, segundo Dona Socorro moradora há trinta anos na comunidade, devota e também rezadeira.5 Esses recursos também servem para ajudar nas despesas da festa dançante, como o pagamento da aparelhagem, da equipe de segurança, da licença junto aos órgãos competentes, da compra do porco, do boi, do arroz, e tudo mais que será consumido no almoço dos mordomos. De acordo com Dedival Brandão, pesquisador da festividade de São Benedito em Bragança, a esmolação se expande por todo interior da região 5 Dona Socorro. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11 Out. 2014.
  • 16. 15 bragantina, arrecadando donativos em preparação ao grande momento festivo em homenagem ao santo glorioso, encerrando com a tradicional marujada de Bragança. No período que antecede a festa a imagem de São Benedito é conduzida por todo percurso de visitações, seja nas cidades, nas praias ou nas colônias e existe ainda a preocupação do promesseiro em alimentar os foliões6 .Na comunidade de João Grande, verifica-se uma prática diferente daquela descrita por Dedival Brandão. No ato de esmolar, a imagem não circula de casa em casa e nem sai do lugar, permanecendo no altar dentro da capela do santo, onde acontecem as celebrações, localizada em frente o barracão, na sede da comunidade. O devoto é quem se compromete em levar sua ajuda à casa do juiz da festa quando dispuser da esmola e agindo assim, ele fica isento em dar conta de alimentação aos foliões. É, pois, um ato voluntário que se estende durante esse período. 1.3. A procura da árvore e enfeite. Passado o período de esmolação e ao chegar os dias que antecedem a festa, os moradores se preparam ansiosos para prestarem sua homenagem a São Benedito. Um dos grandes momentos festivos é a procura, enfeite e erguimento do mastro. É designado um responsável para isso, que se ocupa em procurar a árvore que vai ser enfeitada e servir de anunciante da folia na comunidade, iniciando-se assim o primeiro passo do rito do enfeite desencadeando outros atos que se desenvolvem nas celebrações. No dia 20 de Dezembro, a comunidade de João Grande dá início aos acontecimentos que celebram e exaltam o “glorioso”, com uma alvorada com fogos e cânticos de louvação, à base do toque de tambores. Nesse dia, moradores, homens, mulheres e crianças, se deslocam para o mato para o corte da árvore, escolhida cerca de um mês antes. Ao chegar ao local, o grupo avisa a comunidade com estouro de fogos de artifício, quando, então, o chefe de cantoria, acompanhado pelos tamboreiros, vai até a floresta para trazer a árvore que servirá de mastro, a ser erguido no terreiro da 6 BRANDÃO, Dedival da Silva. Os tambores da esperança: um estudo sobre cultura, religião, simbolismo e ritual na festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falangola, 1997, p. 38, 62,78.
  • 17. 16 igreja em frente o salão de festa. A ida para o mato é sempre um momento de euforia, embalado pelo toque frenético do tambor e toadas animadas, que cessam somente à noite, no momento da realização da ladainha dentro da capela. A árvore derrubada é enfeitada com ramos e cipós. Ela tem a função de anunciar que a celebração já começou. Depois, ela é conduzida em procissão pelos moradores. Algumas crianças participam sentadas nesse tronco, simbolizando o menino Deus que aparece no braço do santo. Nesse momento, percebe-se o destaque dos tocadores que alternam de posição na frente ou atrás do cortejo, mostrando, pelos sons que emitem que cada seguidor deve estar em comunhão com o santo negro. A chegada do mastro é recebida com fogos por um números o grupo de pessoas, que o espera com variados frutos regionais cultivados no lugar para concluir o enfeite em frente da igreja. Os frutos pendurados simbolizam uma forma de agradecimento dos moradores pelas boas colheitas ou representam pedidos de uns para que próximo o ano seja melhor. Tudo se relaciona a fé, graças alcançadas e a devoção. Após o enfeite, o mastro é erguido com euforia. Os cânticos, as palmas, os fogos e as batidas de tambor animam os participantes. Assim, a festa em si vai se materializando. Como diz uma das canções entoadas por eles, “São Benedito é santo, ninguém queira duvidar, ô ôô!!! O mastro já tá de pé pra louvar São Benedito, ô ôô!!! Aê cantador!”. 7 Entendo que essa prática é significativa, pois expressa exaltação, a glorificação do santo. As palavras impressionam pela força de profundidade, mostrando total confiança ao santo padroeiro objeto de devoção e fé. Nesse ritual, o mastro é erguido, levando na extremidade superior uma bandeira com a imagem de São Benedito. Em seguida, o organizador do evento faz a distribuição de doces ao redor de uma mesa disposta no terreiro, onde o juiz chama nominalmente os mordomos para que eles possam renovar seus compromissos com o santo padroeiro. O restante é entregue aos demais participantes, devotos ou não, 7 PREIRA, Adelmo. CARDOSO, João. LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu. 10 jun. 2013.
  • 18. 17 completando-se assim a prática de “levantação”8 do mastro para começar outro rito, que descreverei a seguir. 1.5. O momento da ladainha. Ao terminar o rito anterior, os devotos se dirigem para o interior da capela, fazendo reverência à imagem do santo quê se encontra no altar. Os tamboreiros primeiro fazem louvação com um toque suave do tambor, depois silenciam para que a rezadeira, posicionada em um ponto de destaque, possa iniciar a ladainha, que representa momento de intima relação com São Benedito. A emoção é contagiante. Todos rezam e agradecem ao santo. Esse ato religioso leva aproximadamente duas horas. Terminada a reza, novamente os percussionistas entram em ação, louvando ao som do tambor que soa de maneira calma fazendo com que todos os presentes entrem em concentração, estabelecendo diálogo profundo com seu protetor. Após o louvor, os participantes vão deixando a igreja e os tocadores aos poucos vão silenciando o som e a cantoria, pondo fim aos atos rituais do primeiro dia da festividade. 1.6. A matança. Ao amanhecer do novo dia, faça sol ou chuva, tem inicio outro momento ritual. Ele é praticado como símbolo de bonança, de fartura e também de sacrifício, quando animais são abatidos para serem degustados como forma de agradecimento ao santo pelas graças alcançadas e a proteção das oferendas. O rito da matança acontece na manhã dos dias 24 e 25. Representa mais uma ocasião marcada pela alegria, que se inicia com o soar do tambor, em ritmo acelerado, com presença de bebidas alcoólicas, como vinho, na casa do juiz da festa. Ele tem a responsabilidade de fornecer o almoço e o jantar aos visitantes, que prestigiam a festividade de São Benedito. Não há um local específico destinado a essa refeição, podendo ser realizada em qualquer lugar dentro da comunidade – debaixo de uma árvore, por 8 LEVANTAÇÂO. Mesmo que erguimento do mastro
  • 19. 18 exemplo – e a qualquer hora, basta querer comer que será atendido. As toadas também são em geral, pedidos de bênçãos e proteção, como se evidencia nesses versos: “Quem não me conhece chora/quem dirá quem me quer bem/aê cantador/ meu senhor São Benedito, padroeiro protetor, abençoa São Benedito, na hora da matança. Aê cantador!”.9 As palavras expressas na cantoria demonstram respeito e súplica de benção na hora do sacrifício do animal. Percebo, assim, que a prática da matança não está desatrelada de uma preparação espiritual da comunidade embora, à primeira vista, sua performance possa se manifestar em atos “pecaminosos”que resultarão em jantar abençoado e especial. Práticas como essa, que podem ser vistas como “profanas”, não são desvios ou externas à festa. Como diz Heraldo Maués: O “sagrado” e o “profano”, se bem que separados na mentalidade popular, não estão em oposição, durante a festa religiosa, mas são complementares, embora entre eles possa haver uma hierarquia que valorize o primeiro. Não obstante, elementos que seriam viste os como profanos guardam também alguma coisa de “sagrado” no momento em que se integram no contexto da festa de santo. Um jogo de futebol como parte das comemorações da festa de Santo Antônio não é, certamente, um jogo comum. E o mesmo se pode dizer das brincadeiras de arraial, das comidas, dos leilões, da bebida e da própria festa dançante.10 . O jantar do dia 25 passa a ser um momento especial, de vida mente integrado à festa. Ele é servido inicialmente somente aos mordomos, promesseiros definitivos para honrar seus compromissos, tendo em troca a bonança simbolizado pelo jantar, que acontece no interior do barracão. Este local de festa dançante passa a ser neste momento um espaço sagrado de reza, degustação, canto e louvor, eles são acompanhados de perto pela presença do tambor e da rezadeira, além dos participantes que compartilham esta experiência religiosa. Esse rito mantém estreita relação com o que vem a seguir. 1.7. A ceia. A ceia é uma das ocasiões mais esperadas pela maioria dos participantes 9 PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 10 jun. 2013 10 MAUÉS, Raymundo Heraldo. Outra Amazônia: os santos e o catolicismo popular. Norte Ciência, v. 2, n. 1, Belém, 2011. Disponível em <http://aparaciencias.org/vol-2.1/01_artigoHeraldo.pdf>. Acessado em 15 jan. 2015.
  • 20. 19 da festividade, que se aglomeram com intuito de terem lugar no jantar dos mordomos. Ela se inicia às três horas e encerra às cinco horas da tarde do dia 25. Apesar de parecer estranho esse horário, é costume tradicional do evento. Nesse dia alguns mordomos não costumam almoçar esperando a janta, como forma de aproveitar a degustação na hora da ceia. A mesa é posta com 10 ou 15 pratos, os mordomos são chamados para sentarem à mesa, enquanto a rezadeira evoca a oração do Bendito, agradecendo a aquela alimentação. Nesse instante, o tambor silencia e ela dá inicio a oração cantada com o acompanhamento de todos. “Bendito é louvado o santíssimo sacramento do altar, seja puríssima conceição da virgem Maria mãe, senhora nossa, concebida sem pecado original para sempre amém.”11 No final do Bendito há o grito de louvor: “viva são Benedito!”. A partir daí, o tambor entra em ação, em ritmo acelerado e breve, enquanto os mordomos degustam a comida servida. Toda vez que acontece uma rodada, como é chamado o momento em que a comida é servida, isso se repete até que a última mesa seja posta. Em seguida, depois dos promesseiros, chega à vez do povo que os assistia também degustara alimentação, sendo finalizada essa etapa da celebração com a ladainha ao toque do tambor. 1.8. A derrubada do mastro. A derrubada do mastro inicia-se na manhã do dia 27, com os moradores e convidados reunidos no terreiro, sob o rufar dos tambores. O juiz da festa chama alguém do meio do povo, sendo criança, jovem ou adulto, para subir no mastro com um paneiro12 amarrado em uma corda para a retirada dos frutos e para desprender a bandeira. Ela será entregue ao organizador que a conduz para dentro da igreja, onde o novo juiz da festividade a recebe no altar em frente à imagem de São Benedito. Esse ato simboliza a renovação da devoção e o reinício do ciclo de eventos e ações religiosas, políticas, sociais e econômicas referentes às homenagens a São Benedito, acabando com a curiosidade daqueles que desejavam 11 Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes, rezadeira oficial da comunidade. 12 Paneiro: Produto artesanal usado como utensílio no cotidiano dos trabalhadores rurais, moradores da comunidade.
  • 21. 20 conhecer o organizador da celebração do ano seguinte. Depois todos voltam para derrubar o mastro ao corte de machado e fazer a distribuição dos frutos entre os mordomos que se encontram presentes, sendo que assim como o tambor símbolo marcante que dá ritmos do começo ao fim do ritual a bandeira também estar presente para dar continuidade à festividade. 1.9. Mordomos de promessa e juízes. Os mordomos de promessa são aqueles que cumprem o acordo feito com São Benedito e depois de realizado o ato podem escolher com liberdade sua saída ou não por tempo indeterminado das celebrações, mas podem fazer suas doações quando quiserem. Juiz da festa é aquele que se compromete em realizar o evento, que pode ser um mordomo definitivo ou não. Se vitalício, ele não pode desfazer o elo criado entre santo e promesseiro, compromisso que carrega até a morte para não correr o risco de ser castigado segundo a crença. A ausência da responsabilidade ou realização da promessa feita pelo mordomo, em pagamento de alguma graça alcançada por intermédio de São Benedito, pode causar, de acordo com a crença, sérios problemas ao devoto, como atrasos em seus negócios ou outros contratempos em sua vida cotidiana. Isso porque o santo parece ser exigente com os seus seguidores quando estes não cumprem o que prometeram, sendo esse um dos motivos que levam o mordomo definitivo a não abandonar suas atividades na festividade. O santo que realiza milagres é, assim, o mesmo que castiga que gera sofrimento a quem lhe jurou fidelidade e deixou de cumprir com promessas feitas em nome de curas realizadas. Essa crença relaciona-se com outros cultos praticados no Brasil em que homenageiam a diversos santos católicos, que fortalecem o sincretismo religioso arraigado no catolicismo popular desde o período colonial. Como diz Ronaldo Vainfas (2014 p.37-38). Na prática, as misturas foram extraordinárias. Um dos primeiros a enxergar o sincretismo afro-brasileiro foi Nina Rodrigues. Sugeriu, no início do século XX que os africanos cultuavam seus deuses tradicionais misturados aos santos católicos. [...] Na colônia, foi invenção construída por africanos de várias origens, para lidar com o
  • 22. 21 sobrenatural em uma situação de diáspora. 13 Vainfas aborda o sincretismo afro-brasileiro em suas variadas formas, mostrando que os negros descendentes atribuíram valores e crenças aos seus deuses protetores relacionando-os aos muitos santos venerados no catolicismo. É importante observar que essas misturas da qual fala o autor é heterogênea com fortes indícios também da cultura indígena. João José Reis também notou esse caráter sincrético do catolicismo popular, em especial o praticado pelas irmandades religiosas de negros até, pelo menos, o século XIX. Elas eram organizadas em torno da devoção a um determinado santo ou santa, que, em troca de proteção, recebiam homenagem com festas. Segundo esse autor, era “conhecida à relação de barganha, de troca simbólica, embutida na prática da ‘promessa ao santo’, que Laura de Mello e Souza chamou ‘economia do toma-lá-dá-cá’”14 , tanto na religião católica como naquelas de matrizes africanas. No caso dos devotos que festejam são Benedito em João Grande, eles acreditam que o compromisso firmado entre o promesseiro e o santo é aliança que consolida a reciprocidade entre ambos. De um lado,está aquele que exalta, agradece e glorifica do outro lado, a santidade que abençoa e protege. Pode-se perceber essa confiança nas palavras proferidas pelos tocadores: “São Benedito é santo e ninguém queira duvidar”. Muitas vezes o “Glorioso” é evocado nas horas de aflições, tratando-se de perigo ou doenças, para que este interceda junto a Deus pelo seu protegido. Nesse caso, São Benedito ocupa lugar de destaque na vida daquele que lhe prestou votos de devoção. Nesse particular, a festividade do “Glorioso” em João Grande tem muita semelhança com a festa do Banbaê na região do Tocantins. Sobre ela, Benedita Celeste Pinto (2007, p.102) afirma que: Nossa Senhora do Rosário é festejada com danças e músicas que compõe a ritualização do Banbaê quando dançam e cantam ao pé da santa prestando-lhe reverências e homenagens, onde ela, a santa passa a ser o centro de tudo para os componentes da festa, que cantam, dançam e choram diante da imagem extasiados de emoção e fé, os rito é a expressão da cultura africana vivida pelos escravos 13 Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. ed. nº 100. Jan. 2014. VAINFAS, Ronaldo. Sincretismo nosso de cada dia. 14 Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 59.
  • 23. 22 desde o período colonial.15 De acordo com a autora, as celebrações que homenageiam os santos católicos, realizadas por descendentes de escravos, mostram como os negros associaram os cultos a eles como forma de resistir à discriminação, proibição de suas práticas religiosas. Por meio delas, eles procuravam manter vivos fragmentos de sua cultura, costumes e crenças, que receberam de seus ancestrais. Penso, porém, que assim como encontramos semelhanças entre práticas culturais afros, encontra-se também diferenças, visto que os escravos que chegaram ao Brasil no período colonial não trouxeram uma cultura homogênea, pois partiram de vários pontos da África. Neste aspecto a festa do Banbaê que homenageia nossa senhora do Rosário em Tocantins e a de São Benedito em João Grande apresentam estreita semelhança entre si quando tocam, dançam ou rezam emocionados ao pé da imagem. Por outro lado, aparecem certas diferenças entre as duas manifestações, visto que na festividade em João Grande o santo é homenageado com o levantamento e derrubada do mastro, matança e ladainha. Na região do Tocantins, precisamente na Vila de Juaba, em Cametá, a santa é festejada com cantos e danças, procissões atingindo o ápice da festa com a coroação do rei e rainha, seguido de um cortejo. No entanto, no que diz respeito ao seu conjunto de práticas religiosas esses devotos expressam fervorosa crença em seus santos protetores e, para reforçá-la, o rito de tambor e as rezas ganham destaque especial. Verifica-seque na festividade de João Grande os ritos seguem organizados pelos próprios moradores que dividem entre si diversas funções como visto linhas a cima, isso porque é diferente de que ocorre, por exemplo, na festa de São Benedito em Bragança, na qual a organização das celebrações fica a cargo da irmandade ligada “a paróquia” Nossa senhora do Rosário, na comunidade que tem o nome do santo, onde acontece o evento com intensa participação de autoridades eclesiásticas, observa-se que estas são ausentes em João grande. Como diz a Senhora Zenir Lopes: Os padres vinham celebrar aqui na época da festa, mais deixaram de vir por conta das bebidas e da festa do barracão que atrapalhava com muito barulho então eles nunca mais vieram e mesmo assim a 15 PINTO, Benedita Celeste Moraes. Memória, oralidade, danças, rituais e cantorias em um povoado amazônico. Cametá: BCPM, 2007, p.102.
  • 24. 23 comunidade se organiza e faz a tudo sozinha sem a presença da igreja.16 Esse fato vem de muitos anos. Segundo os moradores do lugar o ultimo padre designado para ministrar a liturgia da festa foi o Pe. Luís Guerinny em 2000. No entanto esse clérigo diocesano entrou em choque com os tradicionais organizadores das homenagens ao santo preto ao não aceitar praticas como futebol e festa no barracão de danças e bebidas vistas por ele como “profana”. Desde então nenhum outro padre veio substituir. O importante é compreender que mesmo sem a presença da autoridade religiosa na festividade, os tamboreiros e rezadeiras são os que mantêm os traços tradicionais da comunidade e a força da religiosidade da festa, mostrando liderança e destaque entre os mais novos. Como será abordado no próximo capitulo. 16 LOPES, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 15 Out. 2014.
  • 25. 24 CAPITULO II: A IMPORTANCIA DOS ANFITRIÕES: AS REZADEIRAS E TAMBOREIROS. Neste capítulo serão destacados os anfitriões da festividade de São Benedito em João Grande: tamboreiros e rezadeiras. Mostrarei suas importantes funções na organização do evento, enfatizando a figura de D. Tereza Lopes. Esses sujeitos atuam como lideranças comunitárias e peças fundamentais nas celebrações, porque além de assumirem posições hierárquicas na reza e na cantoria estão presentes direcionando nos ritos, de forma a serem vistos com respeito e admiração por todos que participam das homenagens prestadas ao santo. São esses homens e mulheres devotos convictos do “Glorioso” que, por meio de suas tarefas nas celebrações, garantem a permanência dos aspectos tradicionais na festividade em um tempo marcado pela presença da aparelhagem e shows ao vivo. 2.1. O tambor e sua importância nas celebrações. Como se viu, o toque do tambor é um recurso sonoro de louvação indispensável na festa em homenagem a São Benedito, em João Grande. Por isso, nesta seção, abordo a importância do tambor nas celebrações referentes à festividade de são Benedito, buscando compreender o porquê de sua presença na maioria dos ritos e o significado que tem este instrumento para os participantes e devotos do santo. Segundo informações de moradores do lugar, a parte musical do evento ficava a cargo de uma orquestra composta por um clarinetista, um violonista, um tocador de banjo, um rabequeiro, um pandeirista e um tamboreiro. Pessoas simples da roça ou da pesca que compõem o grupo de percussionistas são conhecidos como homens do tambor, sem fazer distinção entre eles, num raro momento em que a hierarquia se oculta no grupo. Esses personagens da festividade dedicam a maior parte do seu tempo em prestar homenagem a São Benedito, cantando e tocando para louvar ao padroeiro, que muito fez por seus devotos agraciando-os com boas colheitas, boas pescarias e boas criações. É o momento de agradecer não só com a voz, mas, sobretudo com as
  • 26. 25 mãos que fazem soar variados sons de tambor para dar sentido aos diversos rituais que celebram o homenageado. Esses homens se sentem honrados em praticar cantoria e toque em louvor a este que serve de intermediário entre devoto e Deus. Tocar, cantar, entoar pode ser um privilégio, mas acima de tudo responsabilidade, comprometimento que muito significa na vida desses indivíduos que no período festivo deixam em segundo plano as tarefas do dia a dia e se dedicam quase que exclusivamente às celebrações, disponibilizando grande parte do tempo possível ao “glorioso”. Todos podem tocar e entoar desde que saibam manusear o instrumento, uma prática repassada de geração a geração. Portanto, o envolvimento que se tem com o tambor é voluntário e mesmo quando existe incentivo dos tocadores mais experientes, o ingresso dos interessados a comporem o grupo dos tamboreiros é livre. O que se observa, no entanto, é que esse grupo acaba sendo formado predominantemente por pessoas com uma média de idade de sessenta anos. É provável que a ausência dos mais jovens se dê pelo fato de não se sentirem preparados para assumirem um papel de grande relevância na comunidade e principalmente nas celebrações. Como diz um jovem entrevistado. Às vezes não somos entendidos pelos mais velhos. Dizem que agente não quer nada. Não vejo assim! Só não tocamos tambor, mais ajudamos, participando de outros momentos, ajudamos a levantar o mastro, ir buscar no mato e até mesmo matar os animais. Tem muito jovem que é promesseiro. Acho que vamos tocar quando eles não puderem. Vejo dizer que quando tinham outros tocadores eles também não tocavam. Eles são da frente, são sempre procurados na comunidade e nós não, mas gostamos da festa assim como todos aqui17 . Observa-se que os “homens do tambor.” Se destacam, assumindo papel decisivo no que diz respeito aos interesses do lugar, logo os mais jovens não se vêem tão maduros o suficiente para desempenhar a função de tocador, mas também não é descartada a possibilidade deles se tornarem tocadores como diz o entrevistado. O que se nota ainda é o fato dos mais velhos serem uma referência na comunidade, o que talvez impossibilite a presença dos mais jovens no grupo. Por outro lado, existe certa hierarquia de funções dentro do grupo dos tamboreiros, no que diz respeito, por exemplo, às mudanças de batidas. Quem puxa 17 PEREIRA, Roozevel. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 08 Set. 2013.
  • 27. 26 as toadas, quem faz tal mudança é o instrumento principal, o tambor, e quem o conduz ou toca é o chefe de cantoria, mesmo que a orquestra seja formada por outros instrumentos ou apareçam aí vários tambores. Assim, segue-se uma hierarquia interna de acordo com o instrumento tocado nas celebrações, como a onça, o pandeiro o reco-reco, na qual o tambor é o que mais se destaca, porque dá ritmos diferenciados às toadas que são cantadas e entoadas pelos componentes da banda. É importante frisar que esse recurso percussivo está presente do começo ao fim das homenagens a São Benedito. Mostrando seu valor, seu significado de integração atribuindo companheirismo aos participantes dos momentos celebrativos, entre os quais, crianças, jovens, idosos de ambos os sexos que comungam do sentimento de amor e fé na hora que louvam o santo de sua devoção. Suas batidas, seus sons, também ensejam concentração, momento de louvor, conversa intima do devoto com o santo, que se faz presente por meio da imagem que o representa. O tambor é ainda responsável por este encontro, muitas vezes acompanhado de choro, expressando a emoção de alguém que se prostrou ao pé do glorioso São Benedito. Um exemplo da presença do tambor é o momento da procura da arvore, da levantação do mastro, da ladainha e da derrubada. Ele estar ali percutindo de forma acelerada ou mais cadenciada como é na hora da ladainha. Sua musicalidade contagia, faz vibrar, emociona e consola. As palavras usadas na cantoria também traduzem significados que podem ser entendidos como agradecimento, esperança de uma graça ou a renovação de compromisso, quando os tocadores as entoam: “ô meu São Benedito, eu quero te agradecer aêêêêôô!/ Pelas graças alcançadas e pra sempre te louvar aê cantador!!!/ Vou renovar minha fé o meu São Benedito aôôôô.”18 O canto, as palavras e o som do tambor são símbolo de força capaz de produzir sentimento de amor pelo santo que protege e abençoa, fortalecendo a fé e a crença do seu devoto. O tambor atribui sentido ao processo religioso da festa, pois além de incluir religião apresenta ainda um sinal de respeito e moral para os mais velhos, por mais que estes muitas vezes reclamem dos mais novos por não tocarem algum instrumento no grupo dos tamboreiros. 18 PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 6 jun.2013.
  • 28. 27 Para os integrantes da comunidade, o instrumento usado nas celebrações é concebido, em geral, como elemento de identidade do grupo. Serve como forma de compreensão de suas origens culturais e objeto de comunicação com um ser superior, como afirma Maria Cecilia Amaral de Rosa (2009, p.06). O homem só pode se comunicar por meio dos símbolos, seja moral, filosófica, cientifica, artística ou espiritualmente Eles servem para representar ideias, sentimentos, emoções ou descrição de fenômenos da natureza ou das coisas que os circunda.19 Portanto, o tambor é visto como o elemento da tradição que garante a coesão social, espiritual e cultural do grupo. Representa veneração a São Benedito expressando as variadas formas de informações, troca de experiências e pensamentos que os conduzem em profunda comunhão para junto do sobrenatural, mantendo crença e tradição. Meu pai me ensinou a ser devoto e tocador, porque ele foi ensinado pelo meu avo, que foi ensinado pelo pai dele, assim eu pretendo ensinar aos meus filhos e netos para manter viva a nossa cultura que recebemos como herança de nossos familiares que já morreram.20 As palavras externadas pelo tamboreiro são envolvidas por um sentimento que de mostra não só compromisso e fidelidade ao seu protetor, mas também com a continuidade de suas práticas culturais, representado pela intenção de passar aos filhos sua experiência e ensinamentos recebidos de seus antepassados. Embora os jovens participem das celebrações, percebo que há muitas reclamações dos mais idosos, considerando que deveriam rezar cantar e tocar tambor como eles, para manter viva essa prática em homenagem ao santo negro. Eles se queixam que os novos estão agora envolvidos por outras manifestações inovadoras da festividade, mas, o importante é perceber que a história se faz com mudanças e que cada um vive o seu tempo. Dessa maneira a festa de São Benedito em João Grande jamais será igual toda vez a que esta vier acontecer. Existe um processo tenso de renovação e consequentemente de seleção de elementos do passado, pois, como afirma Reymond Williams: A tradição não é a sobrevivência do passado. É a expressão mais evidente das pressões e elementos dominantes e hegemônicos. É o meio prático de incorporação mais poderoso. A tradição é seletiva, uma versão intencionalmente de um passado modelador e de um 19 ROSA, Maria Cecilia Amaral de. Dicionário de Símbolos: o alfabeto da linguagem interior. São Paulo: Ed. Escala 2009,p. 6. 20 PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu. 14. Ago. 2013.
  • 29. 28 presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa na pressão de definição e identificação social e cultural.21 Para o autor, a noção de tradição processa uma seletividade de elementos que estão ligados aos interesses do grupo de maneira intencional mantendo a permanência do passado no presente. É importante frisar que essa seletividade se dá por meio de negociações entre os membros participantes da festa e que a homogeneidade não representa a aceitação do todo, mas, de alguma maneira se sobrepõe fazendo com que as decisões tomadas sejam aceitas como parte da tradição. Pode-se analisar que os elementos que passaram a fazer parte dos ritos ou da festa podem representar a seleção feita pelos participantes organizadores das homenagens, revelando as transformações no contexto festivo no decorrer dos anos 80 onde as mudanças passaram a ser constante atingindo os anos seguintes. Os documentos analisados, como CD’s e DVD’s dos anos 1990 revelam momentos da matança coordenada pelo juiz com presença de mulheres e crianças tomando parte do rito, ajudando os homens que cortam o animal sacrificado, prática que acontecia somente com a presença masculina e de maior idade. Também as fotos dos anos 98 e 99 indicam os organizadores da festa no barracão fazendo distribuição de presentes entre as crianças, essa ação iniciou-se em 90, tornando- se mais um elemento característico que diferenciou as festas recentes dos anos 80. Como se observa as mudanças se constrói aos poucos e vão se firmando como particularidade sem perder a relação com o passado, porque continuam fazendo parte das homenagens os principais elementos da festividade, o tambor, o pandeiro e a onça, ainda que para alguns a presença destes aspectos tradicionais estejam ameaçados pela aparelhagem e shows de música ao vivo, porém, resistem como força de atração que une passado e presente. 2.2. A Ladainha. Kyrie eleison Christeeleisom Pater de coelis Deus Mizere Depois do agnus Dei. Sobre tão presente- nos Conforgimos santa Dei genitrix mostrai de precacione e de necessitali 21 WILLIAMS, Reymond. (p.118)
  • 30. 29 nostro é de um espiritiliberal nos sempre virgem glorioso É de Benedito, Amem. Ora por nobis santa Dei genitrix. Oremos utdigni, elficio mus pro missone bus christe. Oremos damos mente filho carmacione comovimos É de prepacione de rececione. Cruz gloria perante em carmo, perante um Cristo. E damos nostro, Amem. 22 A ladainha além de oração de agradecimento é suplica a São Benedito para interceder por seus fieis junto a cristo. É a força motriz que move a crença exaltando o grande santo, rezada em latim pela rezadeira, acompanhada por outros devotos diante da imagem que prostrados fazem intima comunhão, às vezes emocionados, porém, confortados pelas graças e proteção do glorioso. Essa aproximação entre devoto e santo, a imagem propriamente dita indica o contato com Deus. Logo a imagem usada como símbolo nos rituais é significativa para os participantes porque demonstram a relação reciproca entre o real e o invisível mediante a fé exposta pelas palavras do grupo na hora da reza. As palavras expressam amor e respeito. Esse momento representa a integração dos sujeitos, buscando manter vivos seus valores espirituais na perspectiva de superar ou amenizar os seus problemas cotidianos, sejam eles sociais, emocionais ou materiais. Quero destacar que D.Tereza Lopes, como visto anteriormente é a principal rezadeira do lugar, porém, nunca estudou latim e nem reza outras orações igualmente a que é feita a São Benedito. Ela apresenta várias palavras em português. Penso, portanto, que o latim usado pela rezadeira, mesmo tendo uma musicalidade gregoriana (canto mariano oficializado pelo papa Gregório VIII no século XVI), que se caracterizou por um latim popular ganhando forma nos ritos praticados por descendentes de escravos desde o período colonial. Ao verificar a ladainha de nossa senhora encontram-se palavras como: Senhor piedade; Cristo piedade; Cristo ouviu-nos; Deus pai celeste; Santa Maria; Santa mãe de Deus; Santa virgem das virgens; Mãe do belo amor; Árvore da vida; santuário de Deus; Porta do céu; Espelho sem mancha; Estrela da manhã. Ao analisar esta ladainha, conclui-se que a atribuição de sentimentos dedicados a virgem santa, foram igualmente dedicadas a São Benedito. Como se ver,as palavras usadas como demonstração de carinho, alegria e amor por nossa 22 Esta reza foi extraída do caderno pessoal de anotações de orações da senhora Tereza Lopes, rezadeira oficial da comunidade.
  • 31. 30 senhora, guardam semelhanças com as que são dedicadas ao santo negro pelos seus devotos, isto porque as saudações são pronunciadas da mesma forma ou sentido. Pois segundo Pasquale Macchi, arcebispo de Loreto. “A ladainha no decorrer do tempo evoluiu e produziu varias inovações como tentativa de universalizá-la. E por sua intrínseca beleza em vista da fonte bíblica.”23 Percebo que a oração rezada por D. Tereza Lopes, como suplica ou saudação a são Benedito e também como preparação das homenagens ao padroeiro tem origem na ladainha de Nossa Senhora. Podemos analisar que além deste santo foi sendo incluído o nome de outros, no qual Maria Mãe de Deus é referência, visto que ela é a principal figura que aparece na ladainha mesmo sendo atribuída a outros santos católicos. Vale ressaltar que o nome do santo festejado na maioria das vezes é pouco citado na reza, em alguns momentos aparece no início e no fim da oração cedendo espaço ao nome de Nossa senhora. A ladainha consolida a intimidade dos participantes com São Benedito ou um ser superior que intervém diretamente na vida dos fiéis. Essa prática experimentada através da oração é a permanência dos ensinamentos deixados por seus antepassados. Assim como o tambor a ladainha é rezada sempre do mesmo jeito na maioria dos ritos como, por exemplo, na entrega da bandeira, levantação do mastro e nas noites de louvação que seguem as homenagens ao padroeiro do lugar sem mudança nas palavras ou no ritmo de voz. 2.3. As Rezadeiras. O grupo de rezadeiras na comunidade é formado por seis (06) mulheres: Tereza Lopes, Maria da Conceição Souza, Raimunda do Socorro Oliveira, Iracilda Pereira, Alzira da Luz e Tacila dos Santos. Assim como os tocadores, elas desempenham papel importante nas celebrações, responsáveis pelas orações. No geral, dentro do grupo se destaca a figura de dona Tereza Lopes, não só pela sua idade, mas, sobretudo, pela dedicação que tem com a ladainha, cuja reza aprendeu ainda criança com seus pais. D. Tereza Lopes é fervorosa devota de são Benedito. Nasceu e 23 MACCHI, Pasquale. Ladainha de nossa Senhora. P. 9, 23, 24, 25.
  • 32. 31 criou-se em João grande, desempenhou função de professora desde adolescente, coordenadora de comunidade, catequista e, sobretudo, rezadeira. Convidada muitas vezes para rezar aos enfermos ou recomendar um defunto na hora de seu sepultamento, foi madrinha de vários casais. Ela também é chamada de “padroeira”.24 Ela não era a única que rezava. Ocupou essa função depois da morte de D. Alta que morreu bem velinha.25 Vejo que D. Tereza Lopes construiu seu espaço de destaque ao longo de muitos anos organizando eventos na comunidade voltados para os cultos na igreja. Ela é tratada com respeito e admiração por muitos dos participantes. Aos seus 83 anos de idade e rezando a mais de 70 anos, ela continua sendo referência no seu lugar de origem e em outros vilarejos próximos da cidade de Viseu. É provável que esta mulher tenha desenvolvido tarefas com dedicação tanto no seu aspecto religioso como no sociopolítico diante de interesses coletivos ou individuais, mas o que observo é que seus trabalhos renderam-lhe respeito, liderança comunitária, política e social. Procurou ensinar outras mulheres a rezarem em latim para dar continuidade ou manter viva a prática tradicional nas celebrações realizadas para homenagear o santo glorioso como ela própria afirma. Em primeiro lugar sou devota de São Benedito. Como rezadeira, me sinto honrada, realizada em saber que estou fazendo um papel que me trará muitos benefícios. Sempre fui preocupada em ensinar esta reza para outras mulheres. Já estou nessa idade alguém tem que continuar o que aprendi e da mesma maneira quero repassar é uma herança que vem desde nossas bisavós meu pai dizia então acho que é importante.26 D. Tereza Lopes demonstra tamanha satisfação em realizar sua função de rezadeira. Segundo ela daí resulta benefícios que vai de graças alcançadas a destaque na vida social, pois ela é sempre convidada a fazer parte de celebrações em outras localidades onde é recebida com carinho e admiração. Suas ações fazem de D. Tereza pessoa destacada e exemplo de vida para muitos, principalmente para as rezadeiras que seguem os passos desta simples mulher que não mede esforços ao demonstrar empenho com os rituais que compõem a festividade em João Grande. De alguma forma, mesmo com os conflitos que giram em torno da festa devido à inclusão da aparelhagem, essa personagem mantém a preocupação em revitalizar, em articular os ritos, mesmo que, para alguns, estes tenham tomado 24 PADROEIRA, forma respeitosa, carinhosa e admiradora de tratamento com D. Tereza. 25 LOPES, Benedita. Entrevista concedida ao autor. Viseu 10. Out. 2014. 26 LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 26. Set. 2014.
  • 33. 32 outras direções, que, a meu ver, modificaram o comportamento de muitos participantes das comemorações religiosas. Uns preocupados com o lucro, outros com os ritos, muitos ainda com diversão e assim a festa segue viva, ganha vitalidade. Atualmente as parceiras de reza, como também são chamadas entre si, orgulham-se do papel que desempenham, agradecem por aprender com D. Tereza a rezar em latim dando continuidade a esta herança, tornando visíveis aspectos identitários afro-brasileiros em festas religiosas organizadas por descendentes de escravos. Como diz D. Socorro. Me sinto muito feliz em ser uma aprendiz de D. Tereza. Sempre incentivadora ela sempre fala que temos que preservar essa reza. Nossa responsabilidade também é ensinar a outros que virão e assim manter o que pra nós é uma tradição. Essa reza posso dizer que é uma reverencia que os devotos fazem para São Benedito, aqueles que ainda não rezam acompanham mesmo assim é uma reza bonita.27 A narrativa reforça a importância da figura que concentra minha observação e o compromisso em dá seguimento a reza da ladainha, um dos mais importantes ritos desde as primeiras festividades, como processo unificador, relaciona-se com novos elementos que foram inseridos nas homenagens prestadas a São Benedito de João grande. Ressalto que as marcas da cultura africana não se resume a festividade de São Benedito, se estende a outras manifestações, festas de congo, congados, Folias de Reis, festas de Boi, Maracatus, sambas de roda, tambor de crioulo e homenagens a outros santos católicos, que foram associados aos orixás, como forma de manter viva ou recriar suas origens culturais( Martha Abreu, 2014, p.48)28 Podemos perceber que o processo de transformação entendido hoje, como moderno não fez desaparecer as características da cultura africana que na minha concepção se reinventou agregando outros valores culturais indígenas e europeus. Talvez por esse motivo se reforce assegurando conquistas evidenciadas com o exercício da cidadania no campo político, artístico, religioso ou educacional, desconstruindo termos preconceituosos e pejorativos. Essas conquistas marcam a presença da cultura afro em muitos movimentos sociais e religiosos nos dias atuais 27 SOCORRO, Raimunda do. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 11. Out. 2014. 28 Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9. Ed. n° 100. 2014. ABREU, Martha. A festa é dos negros.
  • 34. 33 sendo reconhecida como aspectos importantes na formação da sociedade brasileira. CAPITULO III: A PRESENÇA DA APARELHAGEM E SEUS IMPACTOS NA FESTIVIDADE. Neste capítulo serão destacados e analisados os aspectos de renovação da festa, entre eles estão os discursos que vêem a aparelhagem e shows como ameaças do fim da tradição, as questões econômicas e sociais que fazem parte do contexto festivo e suas adaptações, aparelhagem e shows ao vivo. Abordarei ainda o impacto causado por estes relevantes aspectos de renovação, principalmente a aparelhagem de grande porte e shows de músicas ao vivo na festividade a partir da década de 1980. O objetivo é refletir sobre os motivos que levaram a introdução dessas novidades sonoras na festa de são Benedito, mas que agora são aspectos integrantes das celebrações que homenageiam o santo padroeiro, procurando destacar os aspectos econômicos, políticos e sociais. As abordagens deste capítulo ajudarão a compreender que as mudanças produzidas pela introdução desses novos aparatos musicais no baile, geraram polemicas e críticas dos mais velhos. E, contrariando as previsões pessimistas desse grupo, eles têm contribuído para a continuidade e o aumento de participantes na festa, não afetando por completo o prestígio dos integrantes tradicionais nas celebrações: os tamboreiros e rezadeiras, visto que cantoria, a reza e tambor continuam presentes nas homenagens. 3.1. Os Primeiros sinais de Mudanças. Neste tópico tratarei dos primeiros sinais de mudanças que irão marcar o início das transições históricas na festa do barracão. Antes da presença da aparelhagem, foram introduzidos outros aspectos que fizeram parte do evento e que hoje já não existem, mas que talvez tenham causado incômodos semelhantes aos mais antigos organizadores da festa. Para se ter uma ideia, no que se refere ao instrumental da festa, o violino, o banjo, o clarinete, cederam lugar para a onça e o reco-reco. Dos instrumentos mais tradicionais, somente o pandeiro, a onça e o tambor permanecem até hoje.
  • 35. 34 Com base nas informações colhidas de moradores antigos, só existia o tambor tocado tanto nos ritos como no baile. Aos poucos, passaram a ser utilizados instrumentos de corda e de sopro, representando os primeiros sinais de mudança na sonoridade da festa. É possível que tenha havido discussão entre os tocadores a respeito dessas novidades, mas isso é difícil avaliar pela total falta de informações históricas. É provável, também, que eles tenham sido deixados de suprir os anseios do grupo e, por isso, cederam espaço a outros aspectos que passaram a compor o baile. Esses elementos não mais usados por tocadores e cantadores da comunidade, tiveram também seus momentos de gloria, pois foi no embalo de seus sons que muitas vezes os integrantes da festividade se divertiram dançando no barracão. Entendo que a presença desses instrumentos representa a memória que ajuda a contar a história do lugar para quem vive e celebra a festividade, de acordo com o seu tempo, suas necessidades, ou expectativas, como forma de obterem resultados que atendam seus interesses, coletivos ou individuais, associados às celebrações religiosas e a festa dançante. A memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao individuo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas.29 De acordo com Jaques Le Goff, os elementos que integram a vivencia de um determinado grupo social, seja qual e onde for, podem ser reinterpretados com novas reflexões sobre o passado, atualizando as informações ou os conceitos já formulados, sem excluir a memória histórica coletiva ou não. Sendo assim os aspectos do passado entre eles os instrumentos de corda ou de sopro inseridos na festividade de São Benedito em João Grande. Hoje já não existem, mas, foram elementos importantes que ajudam a compreender o início das mudanças ocorridas na festa que seguido como processo dinâmico com novos sentidos, outros interesses e que não abandonou os traços identificadores da tradição. Eles continuaram presente como veremos a seguir. 3.2. Ao som da vitrola e eletrola. 29 LE GOFF apud SILVA, Kalina e SILVA, Maciel. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto. 2006.
  • 36. 35 As mudanças acontecem de forma processual e lenta até mesmo com os novos elementos que vão chegando e fazendo parte da festa propriamente dita, como conta um morador da comunidade. Eu nasci em 1926, mas aos seis anos eu já via minha família organizar a festa do santo. Muito toque de tambor, não tinha nada de aparelhagem e meu pai contava que o negócio era manter o tambor, pois dizia que meu avô era grande tocador, sabia repinicar, dava gosto. Muito depois foi chegando os instrumentos de corda e depois o de sopro e a festa foi mudando, mais o tambor estava lá, ninguém tirou. Casei em 1946 e ainda não tinha aparelhagem. Não sei dizer em que ano tocou a primeira aparelhagem, quer dizer a eletrola, mas acho que foi em 50. Quem poderia dizer direitinho era Valica, mas tá no fundo da rede muito doente e com 92 anos de idade, mas posso dizer que a primeira eletrola era a pilha. Me lembro que tinha gente que reclamava e queria que tudo voltasse como no tempo que agente dançava só no tambor.30 Perceber-se que junto com as mudanças surgiram insatisfações quando o entrevistado relata que alguns reclamavam da presença da música eletrônica e que gostariam de voltar aos tempos passados. Porém, os aspectos do passado podem ser reinventados. O importante é compreender como essas mudanças foram se estruturando, remodelando o comportamento dos integrantes da festividade, sem excluir o símbolo mais importante em todo o evento: o tambor. Os conflitos de ideias são inevitáveis, pois os pensamentos são diversos, os interesses também, até mesmo dos primeiros tocadores de vitrolas que, segundo as fontes, tocavam voluntariamente para experimentarem o aparelho musical ou ajudar na divulgação da festividade, sendo, porém, a primeira intenção dos donos de vitrolas ou eletrolas. A fala do senhor Manoel Lopes remete a um tempo em que os moradores mais antigos ainda se viam ligados ao baile realizado ao batuque do tambor, por isso, reclamavam da presença da música eletrônica. Mas também me permite pensar que nem todos faziam tal reclamação, visto que o público que participava da festa não era homogêneo, pois ali estavam presentes, pelo menos, dois grupos com comportamentos e ideias distintas. Ao consultar outra fonte obtive informação importante para o ponto que discuto neste tópico, porque antes da eletrola apareceu a vitrola, que apresenta certa diferença em relação aquele aparelho, de acordo com o senhor Laudegário 30 LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013.
  • 37. 36 Pereira de Sousa. A festa do João Grande já foi muito diferente do que é hoje. Muita coisa tá diferente, olha! Depois que a festa deixou de ser só no tambor, veio os instrumentos de corda e de sopro aí o negócio seguiu, eu era ainda criança, mas me lembro de quando meu irmão tocou naquela festa, as coisas estavam mudando. Ele tinha uma vitrola. Foi o primeiro aparelho que chegou por aqui. Não que ele tenha sido o primeiro ater um desse. Mesmo porque ele não foi o primeiro a tocar lá. Depois foi que veio a eletrola. A vitrola não tinha pilha, era na corda que funcionava. Um cordão era enrolado num pino e puxado pra puder o disco tocar e tinha uma manivela que o tocador rolava pra dar mais força no giro do disco. Me lembro que quando o povo estava dançando a música parava, porque a corda rebentava e levava horas pra concertar. Às vezes, acabava a festa, havia alguma reclamação, só via gente dizer: ah o tambor! Isso era os mais velhos que falava, aí depois foi que veio a eletrola.31 A análise que faço é que a sucessão de instrumentos vai remodelando a festa do barracão não de forma rápida e nem isenta de conflitos, mas trouxe novidades como o disco de vinil que foi aceito por alguns e rejeitados por outros. A música eletrônica, a partir dessas inovações, passou a fazer parte dos momentos festivos da comunidade. Pois é essa sequência de inclusão de novos aspectos que mostra os impactos sofridos por um determinado grupo que a integra, em geral os mais velhos, que gostariam de manter a tradicional forma de festejar o santo ou até mesmo dançar no salão de festa. É importante perceber que a tradição não se estagna no tempo, renovando-se constantemente. O que desperta atenção são os idosos de hoje, que resistem em aceitar a presença da aparelhagem e shows de músicas ao vivo, vistos como deturpação ou anúncio do fim da tradição. O dinamismo de toda essa desconfiança ou desconforto. É ver em sua maioria que eram os jovens de ontem que curtiam, desfrutavam as novidades sonoras do momento, mesmo tendo ocorrido censuras e críticas dos pais ou avós contra eles, usando argumentos semelhantes aos que são utilizados atualmente em relação aos jovens de hoje. 3.3. Os motivos da inclusão dos aspectos eletrônicos. Pode ser que a introdução de novos objetos na festividade está associada 31 SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13. Ago. 2014.
  • 38. 37 à divulgação e inovação do evento, pois não havia ali um interesse econômico, por que mesmo com o elemento sonoro no barracão a estrutura da festa continuava rústica. As corridas de café e de bolo permaneceram por muito tempo de forma gratuita, sem a preocupação comercial, e sim com o objetivo de agradar o participante. Veja o que diz o senhor Antônio Gonçalves dos Anjos. A bebida era distribuída e geralmente cachaça e vinho, pois aquele que quisesse beber para se embriagar, trazia de casa e bebia bem longe do lugar da festa. Era assim a festa, as pessoas que vinha de outras comunidades já sabia como era. O dono dos aparelhos ficava satisfeito em tocar na festa, mas despois isso mudou, mas de primeiro era só pra se divertir mesmo, o povo vinha ver. Era bom mesmo.32 Nota-se que a introdução da música eletrônica da festa, não mostra que o dono do aparelho ou o organizador da festividade visassem, necessariamente, retorno financeiro. Ao que parece, eles queriam promover a sua divulgação, fazer mais conhecida à festa que tinha como objetivo maior homenagear o santo. Mas na fala do senhor Antônio aparecem os primeiros indícios que essa falta de vantagens financeiras será superada, quando diz que isso mudou com o tempo. Penso que a mudança referenciada aqui, seja a acentuação de interesses econômicos, que irão intensificar os conflitos e tensões sociais entre os participantes da festividade, ou seja, entre os mais velhos e os mais jovens. Quero ressaltar que as insatisfações surgem não somente por causado fator econômico, mas a partir da presença dos primeiros aspetos sonoros como a vitrola e eletrola, que substituíram os instrumentos de corda e de sopro passando a ocupar certo espaço dentro da festa. Digo certo espaço por que sua presença não foi o suficiente para banir o tambor do salão onde acontecia o baile. 3.4. Mudanças sonoras: conflitos e tensões no interior da festa. Neste tópico discutirei os impasses entre os mais velhos e os mais jovens como participantes da festa em homenagem a São Benedito, onde uns não queriam o eletrônico e outros aceitaram sem muitos problemas, isso ajuda a entender que nem todos os anciãos resistem às mudanças e que ao mesmo tempo pode existir jovens tão conservadores quanto os mais velhos, logo as opiniões dos grupos são 32 ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05. Mar. 2014
  • 39. 38 muito diversas em relação à festividade. A pesquisa me levou a perceber que os primeiros conflitos gerados entre velhos e novos giram em torno de manter o baile com o toque do tambor ou dos aparelhos eletrônicos. O argumento usado pelos anciãos é que a presença da aparelhagem acabaria com a tradição, valores e costumes, além de trazer outros pontos negativos, como a desorganização e a perda do sentido original da festa, que conferiria identidade ao grupo, colocando em jogo o fim das práticas ensinadas pelos seus ancestrais. Para os mais jovens era momento de inovar, incorporar novos elementos, pois o tambor era do tempo de seus bisavôs, muito antigo, estava na hora de fazer a festa de outro jeito, cedendo espaço para o toque do aparelho eletrônico. Entendo o conflito por parte de alguns participantes com certa preocupação não de somente manter o costume, a tradição, mas o de não poder acompanhar o ritmo dos jovens, que procuravam uma nova forma de diversão através do toque do vinil que atraia rapazes e moças, ou até mesmo o medo dos mais velhos perderem seus lugares de destaque não só na festa, mas também na comunidade.Veja o que diz Marizete Cardoso. A festa foi mudando aos pouco, pois me recordo que quando chegava os dias da festa, muita gente ia só para dançar, outros iam por causa da comida que era distribuída. Tinha mandicueira,33 bolo de macaxeira, carne de porco e de boi. Mas quando chegou o aparelho eu ainda era jovem e me lembro que os velhos não gostaram da musica do aparelho, não sabiam dançar, quer dizer sabiam com o tambor. Não gostavam, dizendo que era barulhento, queriam o tambor, mais os jovens queriam a festa sem tambor, era aquela coisa um queria tambor e outro queria aparelho uma confusão danada, os jovens não ia quando a festa era no tambor, já os velho ia isso foi uma luta.34 De acordo com a narrativa, os conflitos se estenderam e não foi resolvido de uma hora para outra. Os antigos se sentiram incomodados com a presença dos aparelhos eletrônicos, porque representavam barulho e lhes tirava o espaço dentro do baile, pois, como disse a fonte, não sabiam dançar. Isso nos leva a refletir que, ao selecionado do passado aspectos tidos como tradicionais esses sujeitos estavam expressando um conjunto de pressões no tempo presente em relação à festa. Mesmo porque, a festividade não deixou de existir, e, de alguma forma, 33 MANDICUEIRA, Mingau feito com arroz ou milho. 34 LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 14 Ago. 2014.
  • 40. 39 eles buscaram garantir um momento no qual continuassem como anfitriões do barracão. A luta comentada e relacionada ao evento refere-se às muitas festas nas quais foram alternados os sons do tambor e da aparelhagem. Para reforçar minha análise, cito a fala de um dono de aparelho, o senhor Laudegário Pereira de Sousa, já citado em outro ponto desta narrativa: A chegada da aparelhagem provocou conflitos e mudanças. Não acabou com o toque do tambor que tem ainda hoje. Os mais jovens já não frequentavam as noites de tambor com entusiasmo como nas noites da festa ao toque do vinil. Começou a chegar mais gente, apesar do difícil acesso a vila de João grande. Vinham pelo caminho. Não tinha estrada. Os velhos reclamavam muito, os novos queriam acabar com o tambor e pra acalmar o negócio, foi criado o primeiro dia de festa dançante com o tambor aí foram se organizando de novo.35 A fala do senhor Laudegário é de grande importância porque mostra os primeiros sinais de aceitação do novo e certo relacionamento compreensivo entre as partes quando acordam em fazer o baile com o toque do aparelho eletrônico, porém mantendo o tambor como símbolo tradicional marcante da festa. Percebo que as mudanças associam-se a vinda de visitantes de outras localidades vizinhas ou mais distantes provocada pela presença desse novo objeto incorporado a festividade do santo glorioso em João grande. Ela se reorganiza de acordo com as transformações sociais ou culturais e às necessidades do momento vivenciadas pelo grupo. Segundo Eric Robsbawn, mesmo os “complexos simbólicos e rituais”36 mais antigos e associados a uma tradição não podem ser vistos como rígidos ou rapidamente obsoletos. Eles se adaptam toda vez que for necessário garantir a conservação de “velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referência são passado e linguagem e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer adaptação”.37 Para esse autor, as mudanças decorrem das necessidades estabelecidas por novos contextos históricos sociais, culturais, econômicos, políticos, tecnológicos etc. As tradições não são, portanto, imutáveis, visto que estas podem ser adaptadas sem perder o elo estabelecido com o passado. É possível, então, dizer que a inclusão da eletrola como novo elemento da festa de São Benedito em João grande 35 SOUSA, Laudegário Pereira de. Entrevista concedida ao autor. João Grande, Viseu, 5 ago. 2014. 36 ROBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p.12. 37 Idem, ibidem, p.13
  • 41. 40 cedeu às pressões do tempo, de forma mais evidente às inovações tecnológicas e aos grupos sociais que a defendiam. Nesse sentido os costumes e práticas da festividade não desapareceram, mas foram reorganizadas para atender novos anseios dos participantes. Anseios estes que se associaram aos aspectos políticos, sociais e econômicos. Vejo que foram incluídos novos elementos como a aparelhagem e mantidos outros entre os quais a reza e o tambor, elementos que tornam visíveis às praticas tradicionais no momento presente. Com esse novo olhar, a festa ganha mais ludicidade, tornando-se atraente principalmente para os mais jovens, mas que não eliminou a participação dos mais velhos que continuam inseridos no evento. Que segundo seu Antônio Gonçalves dos Anjos, já citado anteriormente diz que nos primeiros bailes ao toque de aparelhos sonoro, era bom e todos se divertiam. O entrevistado não faz relatos sobre faixa etária, portanto acredito que ali estava um público de idade bem variada. “Veja a fala:” O dono dos aparelhos ficava satisfeito em tocar na festa, mas, despois isso mudou, mas de primeiro ere só pra se divertir mesmo o povo vinha ver, era bom mesmo. ”38 A fonte ajuda a esclarecer que a inclusão dos recursos sonoros na festa não atraiu somente os mais jovens, mas, os mais velhos também conviveram com o novo, mesmo não sendo a maioria, alguns se divertiam ao som do eletrônico. Observa-se que as homenagens ao santo preto contem aspectos do passado no presente de forma remodelada, com a experimentação de novos elementos que pode ter outro sentido, econômico ou social. Porém, com a mesma importância a outras festas anteriores que não apresentavam tais interesses, nas quais dançavam e bebiam se divertindo, convivendo com o sagrado e o religioso assim como nos anos 80. Nota-se que a festa se modificou porque foram incorporados novos elementos, mas, não perdeu os aspectos da tradição como será observado no tópico seguinte. 3.5. A inclusão das aparelhagens de grande porte e suas relevâncias. Neste tópico discutirei a presença das grandes aparelhagens na festa 38 ANJOS, Antônio Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 05 Mar. 2014.
  • 42. 41 enfatizando os pontos que motivaram sua inclusão e como esta foi recebida pelos integrantes das celebrações que festejam São Benedito. Apesar dos primeiros experimentos dos aparelhos eletrônicos na festa como a vitrola, eletrola na década de 50, passando por inúmeros conflitos. Somente nos anos 80 em constante renovação apareceram sons motorizados com o uso de geradores, como foi o “O Sonoro São Sebastião, o Clássico peumex e Eletroluz Tupi”. Mas foi na década de 1980 que surgiram as primeiras aparelhagens de grande porte com tecnologias renovadas que na época atraíram a atenção pela enorme parafernália e pela potência do som, causando certo impacto entre os moradores de João Grande. O primeiro grande aparelho na festividade foi o “Clube do Remo”, da cidade de Bragança, levado em 1985 pelos juízes da festa, os senhores Almir Pinheiro Lopes (Tibuço) e José Ribamar dos Santo Sousa (Zé Gurupi). Com a integração dos grandes aparelhos, houve uma maior participação na festa do barracão, aumentando o número de frequentadores independentemente de classe social, de cor e de idade. Por outro lado, os conflitos voltam a ser mais acirrados, visto que o barulho era intenso, a ponto de incomodar o sono dos muitos moradores, que já não frequentavam o baile por essa razão. Muitos participantes passaram a se sentir mais interessados em especial os mais jovens se sentindo mais envolvidos com as novidades da tecnologia. As músicas, com seus variados ritmos, tornaram-se um atrativo a mais. Porém, vale ressaltar, os novos sempre estiveram presentes na festividade do santo, ainda que para os idosos não seja visto de tal forma, como narra um morador da comunidade. A introdução dos grandes aparelhos não acabou com a tradição, mais quebrou o seu verdadeiro sentido, porque a festa dançante hoje passou a ser uma forma de ganhar dinheiro, o que antes era dado, hoje é vendido, bebida de todo tipo, virou comercio e a fé ficou de lado, pouco é os jovens que frequenta os ritos na igreja agora só querem festa, antes desses aparelhos o povo aqui era mais unido, a festa dá dinheiro então todo mundo quer fazer.39 O relato feito pelo senhor Adelmo recorre à lembrança de um passado no que teria predominado o sentido religioso da festa para criticar o deslocamento desse sentido em direção às preocupações econômicas trazidas com a introdução das aparelhagens. Essa novidade teria desencadeado um interesse maior pela 39 PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu. 08 Set. 2013.
  • 43. 42 organização da festividade, impulsionado pelo lucro resultante do comercio de bebidas, leilões, bingos e vendas de bancas ou bilheteria. As evidencias colhidas neste estudo. Levam-me a concordar com a presença mais acentuada desse interesse econômico, já que com evolução das aparelhagens e os gastos com o custeio da festa, os organizadores deixaram de oferecer bebida gratuita, os tocadores que antes tocavam voluntariamente passaram a cobrar pelo serviço prestado, as regras mudaram, os lucros apareceram e estes despertaram um interesse maior nos organizadores. Como diz o senhor João Cardoso. A festa ao toque da aparelhagem ficou assim mais ou menos se o aparelho é de grande porte representa valorização do evento e a força de quem organiza, se o aparelho for pequeno falta de organização e enfraquecimento da festa.40 Com base na fonte parece ficar claro que a organização também passou a representar status social para o juiz da festa, sendo muitas vezes procurado por políticos municipais como vereadores na busca de uma aproximação eleitoral por conta da referência e liderança que exercem na comunidade. A festa, porém, fica oscilante dando a entender que quanto maior for o aparelho eletrônico, maior a participação popular, mais vendas e maiores os recursos financeiros a serem arrecadados, acirrando ainda mais o controle da festividade, já que, nesse caso, todo o lucro fica com o organizador. Junto com as aparelhagens vieram também os shows de música ao vivo, com bandas e cantores paraenses que fizeram sucesso no interior do Pará como foi o caso do cantor de brega Juca Medalha. Ele foi o primeiro a cantar acompanhado pelo Arte Som de Belém do Pará. Outro cantor a se fazer presente na festa de São Benedito foi Marlon do Brasil, acompanhado de sua banda. Ainda com base na fonte, não há um número exato de quantas pessoas frequentavam a festa por falta de documentos, mas estima-se que antes da aparelhagem a quantidade de frequentadores era bem menor oscilando entre 600 ou 700. Porém a partir dos anos 80 esse número cresceu chegando atingir aproximadamente 5.000 (cinco mil) participantes dependendo na maioria das vezes da organização ou da novidade sonora. Podemos considerar que nesse aspecto a 40 CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. Viseu. 08 Nov. 2013.
  • 44. 43 festa sofreu extrema mudança resultante da inclusão dos grandes aparelhos como novo modelo de organização da festa. Os grandes aparelhos e bandas ao vivo levaram os jovens se preocuparem em adquirirem boas vestimentas e a trabalharem para terem o que gastarem nos dias de festa. Isso porque não pretendiam se sentirem inferiores aos demais participantes atraídos de outros lugares vizinhos ou distantes, como os piqueniques organizados por famílias do lugar que residem em outros estados do Brasil, entre eles Amapá, Amazonas e Rio de Janeiro. Esses investimentos aparecem como resultados das transformações ocorridas na festa que homenageia o glorioso São Benedito padroeiro de João Grande e quanto é importante para quem organiza as celebrações na comunidade, visto que o lucro da festa era variável. Já atingiu em uma só noite R$ 19.000 (dezenove mil reais) o que culminou em uma listagem de nomes até 2020, essa listagem serve como garantia do controle e organização da festa, acirrando a disputa entre os juízes organizadores, de acordo com João Cardoso.41 Observo, no entanto, que, mesmo com todas essas mudanças nas quais a aparelhagem e os shows se transformaram em atrativos modernos de renovação da festa, elas não substituíram a importância da reza e outros ritos praticados ali, principalmente o tambor, que ainda marcam o sentido de identificação do grupo. Ressalto que outros elementos incorporados contribuíram, a seu modo, para garantir a continuidade da tradição, pois ela não é imutável, podendo sofrer readaptações. Sendo assim, entendo que os motivos que incluíram as grandes aparelhagens estão sim relacionados à divulgação, inovação, interesse econômico, status social, atração ao público, mas também como seguimento às homenagens a São Benedito. Isso porque os organizadores da festividade de São Benedito em João Grande são pessoas simples. Mas, aparecem como sujeitos destacados na comunidade desenvolvendo funções relevantes nas celebrações, sejam as rezadeiras, ou os tamboreiros, cujas práticas culturais reúnem experiências e ensinamentos aos mais jovens, neste cenário de convivência social. Nesse sentido, jovens e anciãos vão interagindo no espaço de mudanças e permanências, garantindo a sobrevivência da tradição, mesmo com os conflitos entre eles. 41 CARDOSO, João. Entrevista Concedida ao autor. João Grande. Viseu. 15 Set.2013.
  • 45. 44 Para Joaquim Justino Moura dos Santos, a história está inserida em um processo de intensa relação vivida cotidianamente por seus habitantes sejam nos aspectos políticos ou culturais independentemente do espaço onde vivem. Todos têm uma história, uma identidade. Como afirma o autor. A reconstrução histórica de um lugar seja quando, qual e onde for integra-se historicamente a espaços e contextos mais amplos a partir dos papeis e condições econômicas, políticas, sociais e culturais vividas no dia a dia com seus habitantes e por eles próprios, seja no município, no país e no mundo.42 Ressalto que os moradores da comunidade estudada são sujeitos que ajudam a contar parte da história de João Grande, porque estão envolvidos nesse processo histórico de maneira individual ou coletiva, contribuindo com a construção da história do lugar onde vivem dando continuidade as práticas e costumes vivenciados pelos moradores da comunidade. Pelo destaque desses homens e mulheres, também pela grandiosidade da festa é curioso pensar a falta de apoio a essa manifestação cultural que tem relevância na região viseuense. Ao concluir a pesquisa sobre a festividade de São Benedito nota-se a sua importância para a comunidade, como aspecto que sustenta os traços das praticas religiosas organizadas por descendentes de escravos, o valor que os tradicionais têm para os mais novos como lideres comunitários mesmo apesar dos conflitos. A pesquisa revelou ainda a total falta de apoio e incentivo por parte das autoridades constituídas, que não conseguem ver nenhum valor histórico na festividade. 42 SANTOS, Justino Moura dos. História do lugar: Um método de ensino e pesquisa para as escolas de nível médio e fundamental. (2002. p.110).
  • 46. 45 CONSIDERAÇÔES FINAIS Neste trabalho foram apresentados aspectos tradicionais, rezadeiras e tamboreiros, elementos renovadores, aparelhagem e shows de música ao vivo, que convivem na festa de São Benedito em João Grande, desde a década de 1980. Nesse contexto, esses aspectos contribuíram para a sua revitalização a cada ano, mesmo que o convívio entre eles suscite conflitos e tensões entre os participantes das celebrações. Com eles a festa se reatualiza, ganha novos significados, mas mantém o seu caráter de garantir a coesão social e a identidade da comunidade. Esses aspectos têm importante papel nesse embate sociocultural no interior da festa, criando condições para sustentar as práticas comuns e tradicionais do evento: tambor, reza, cantoria e festa dançante. Tamboreiros e rezadeiras são sujeitos que no desenrolar das negociações conflitantes asseguraram seus espaços, estabelecendo seus privilégios de liderança, compartilhando sentimentos religiosos ou não, uma vez que se concebem integrantes de um evento que se realiza entre o “religioso” e o “profano”. A pesquisa teve como objetivo observar as mudanças sonoras na festividade nos anos 80, tendo o tambor como elemento de ligação entre passado e o presente. O estudo trouxe resultados significativos porque revelou em consideração a importância dos aspectos tradicionais para a comunidade local e outras que reconhecem seus valores históricos para a região de Viseu. Percebe-se, no entanto, que, apesar de sua relevância cultural, a festividade acaba não sendo devidamente considerada como tal nos meios institucionais e de divulgação do município. A dificuldade de encontrar fontes documentais em arquivo sobre a festa na década de 80 evidencia esse descaso. Mesmo mais recentemente, ele se mantém, quando se observa que os documentos informativos oficiais do município, dos anos de 2011 e 2012, não foram encontrados nem uma referência ao evento, foto ou comentário. Apesar de o informativo apresentar várias obras executadas pela gestão municipal, este não mostra informações sobre a festividade de São Benedito. Penso que a divulgação desse evento valoriza o patrimônio cultural que compõem a historia de Viseu. Para se ter uma melhor compreensão, no informativo do ano de 2014 na sua quarta edição aparece uma foto referente ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré do ano 2013, e nada sobre a festividade de João Grande, em um caderno com 28
  • 47. 46 folhas.43 Outra fonte consultada, que mantém estreita relação com a assessoria de comunicação do município, foi o Jornal Tribuna do Caeté. Na edição número 285 de 2014 encontra-se em destaque, além das autoridades, fotos que divulgam principalmente os eventos esportivos do município, como o futsal.44 Pesquisei em arquivos, jornais e revistas usados como meios divulgadores da cultura regional paraense. Como foi o caso da revista Ver o Para que em sua edição número12, de Setembro de 1998, indicando 52 municípios do interior do estado como rotas de destaque no setor de turismo, não faz nenhuma relação às festas tradicionais e nem cita quais são estes municípios. Somente no ano de 2001 em sua ed. nº01, ela faz um breve comentário sobre a Marujada de Bragança.45 Não há interesse institucional em divulgá-la ou reconhecê-la como elemento importante que compõem o patrimônio cultural do município, muito menos tornar presente no currículo escolar municipal essa festa. É preciso valorizar devidamente a cultura local criando espaços de reconhecimento a sua identidade e de seus direitos, portanto estudar sobre o tema que tange a cultura afro-brasileira é um compromisso que diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se e conviver enquanto cidadãos em uma sociedade multicultural no sentido de construir uma sociedade democrática e conhecedora de suas raízes históricas. Nessa perspectiva, é dever das autoridades instituídas municipais e direito dos sujeitos interessados, em cobrarem a inclusão dessa face da história local no currículo escolar, propondo, a partir daí atividades que despertam nos alunos reflexões sobre as contribuições que esses sujeitos remanescentes de escravos têm na história municipal e brasileira. As autoridades devem no mínimo reconhecer o valor histórico desses sujeitos e da comunidade onde se encontram, para compreender suas relações sociais, seus hábitos, costumes e práticas religiosas. Deve ser responsabilidade das autoridades muitas vezes detentoras dos meios de comunicação, divulgar e dar apoio a praticas culturais do município seja elas afros ou não. 43 Informativo da prefeitura municipal de Viseu. ed. nº. 2. Nov. 2011; ed. nº.3. Jan. 2012; ed. nº. 4. Jan. 2014. 44 Jornal Tribuna do Caeté. ed. nº. 285. Mai. 2014. 45 Revista ver o Pará. ed. nº. 12. Jun. 1998, p.66; ed. nº. 01. Set. 2001. p.60.
  • 48. 47 Quero reforçar que os elementos tradicionais da festa analisado no decorrer da pesquisa são relevantes, mas, passam despercebidos pelas autoridades municipais e pela grande maioria da população, em especial os alunos. Mas apesar dessa falta de conhecimento e reconhecimento oficial, os tamboreiros e rezadeiras, verdadeiros anfitriões das celebrações são respeitados e admirados por populares que reconhecem o valor de suas praticas para garantir a continuidade da tradição indenitária da comunidade de João Grande. Os tamboreiros e rezadeiras são importantes também nas comunidades vizinhas, convidados por organizadores de festas de santo para rezarem e tocar tambor, de qual quer forma, estão contribuindo com a permanência tradicional da cultura local. É muito importante tomar conhecimento sobre os costumes que compõe o processo que envolve a construção da identidade negra no município de Viseu. Pois a falta de interesse e apoio aos eventos organizados por descendentes de escravos pode estar associada à discriminação e ao preconceito em relação ao lugar e seus organizadores e participantes. Quero ressaltar que a minha perspectiva não foi caracterizar esses aspectos históricos tradicionais, tamboreiros e rezadeiras como centro das atenções, mas, destacar seus valores como sujeitos atuantes nesse processo de mudanças e permanências da identidade afro descendente no interior da festividade de são Benedito em João Grande, nos dias atuais. Por fim, é bom que se diga que os conhecimentos adquiridos por meio da pesquisa podem ajudar no processo de ensino-aprendizagem da história, na pratica pedagógica do ensino de história. Trata-se de um estudo que, longe de ser conclusivo, contribui para a história e para a cultura afro-brasileira local, suas formas de manifestação, os sentidos e significados a ela atribuídos pelos sujeitos sociais envolvidos. Fontes orais
  • 49. 48 CARDOSO, João. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Nov.2013. DE SOUSA, Laudegário Pereira. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 13 Ago.2014. DOS ANJOS, Antônio Gonçalves. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 05 Mar.2014. LISBOA, Zenir. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 03 Out. 2013. LOPES, Manoel. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 08 Set.2013. LOPES, Marizete Cardoso. Entrevista concedida ao autor. Viseu, 14 Ago.2014. LOPES, Tereza. Entrevista concedida ao autor. João Grande. Viseu, 17 Set.2013. PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande - Viseu, 10 Jun.2013. PEREIRA, Adelmo. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 14 Ago.2013. Tamboreiros. Entrevista concedida ao autor. João Grande-Viseu, 10 JUN.2013. Jornais/Revistas Informativo da prefeitura Municipal de Viseu. ed. nº. 2.Nov. 2011; ed. nº.3 Jan. 2012; ed. nº.4 Jan. 2014. Informativo da Região bragantina Tribuna do Caeté. ed. 285. Maio. 2014 Revista Ver o Pará. Ed. nº. 2. Ano 1993. Revista Ver o Pará. ed. nº. 27. Maio/Jun.2004; ed. nº. 1. Set. 2001; ed. nº. 12. Jun.1998. Imagens Fotos, DVD e CD dos arquivos pessoais dos integrantes da festividade de são Benedito de João Grande. Locais de pesquisa. Biblioteca Municipal de Viseu. Professora Odete Ferreira. 03 Nov. 2014. Arquivo da Câmara Municipal Dr. Albino Junior. 03/05 Nov. 2014 Arquivo Público municipal de Viseu. 05 Nov. 2014. Secretaria Municipal de Cultura Desporto e Lazer. 05 Nov.2014. Referências Bibliográficas.