Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Sentença Celesc
1. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Pinhalzinho
Vara Única
Gabinete do Juiz
Mod. TJSCPZO1481 Thaíse Siqueira Ornelas - Juíza de Direito
Autos n. 0900011-47.2019.8.24.0049
Ação: Ação Civil Pública Cível/PROC
Requerente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Requerido: Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC
Sentença
I. RELATÓRIO
Trata-se de "ação civil pública com pedido de tutela antecipada de
urgência" movida por Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de
Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC, em que aduz, em suma, que: a)
a ação tem o objetivo de proteger o meio ambiente, proibindo-se a requerida de
fornecer energia elétrica em edificações clandestinas ou irregulares, ou, ainda,
advindas de parcelamento irregular de solo; b) em janeiro de 2017 instaurou
Inquérito Civil Público objetivando apurar o fornecimento de serviços públicos de
água e energia elétrica em loteamentos irregulares – incluindo-se aqueles sem
alvará e habite-se – na Comarca de Pinhalzinho, constatando a existência de
inúmeros casos, levando à conclusão de que a requerida tem realizado a ligação de
energia elétrica sem critérios; c) a requerida em momento algum respondeu ou
acatou as recomendações do Ministério Público; d) o fornecimento de energia
elétrica e água em locais indevidos é estímulo às ocupações irregulares, que
significam risco à qualidade de vida das pessoas; e) não se busca restringir o
acesso daqueles que já possuem acesso à rede elétrica, mas tão somente coibir
que novas ligações irregulares se realizem.
Derradeiramente o autor requereu a concessão da tutela de urgência
para proibir a requerida de fornecer energia elétrica, nos municípios abrangidos pela
Comarca de Pinhalzinho, sem prévia apresentação de alvará de construção –
quando se tratar de ligações provisórias –, e habite-se. Ademais, postulou, ao final,
a procedência dos pedidos com a confirmação da tutela de urgência.
Como documentos o autor apresentou, mormente, Inquérito Civil n.
06.2017.00000323-0 (fls. 19-87) e decisão em agravo de instrumento acerca de
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caso análogo (fls. 89-91).
A decisão interlocutória de fls. 92-97 recebeu o feito, deferiu a tutela de
urgência, designou data para audiência conciliatória e determinou a citação da parte
requerida.
A audiência de conciliação restou cancelada em razão do expresso
desinteresse das partes (fl. 126).
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação (fls. 131-190)
onde explana, em síntese, que: a) deve existir litisconsórcio passivo necessário com
a CERAÇA; b) as obrigações postuladas pelo autor nem mesmo podem existir, já
que inexiste legislação da União – que detém a competência exclusiva para tanto; c)
vem trabalhando no sentido de conscientizar a população e adequar o seu sistema
de controle, o que é dificultado pelo municípios, que detém a competência de
estabelecer e mapear as áreas de proteção ambiental; d) as exigências de
alvará/habite-se não fazem parte das normas impostas pelo ente regulador e, até
por isso, não deve ser admitida a transferência de responsabilidade quando, em
verdade, é competência dos municípios exigir alvará de construção/habite-se; e) a
exigência dos referidos documentos fere serviço essencial à sobrevivência e à
dignidade humana, bem como atinge frontalmente a isonomia, o direito à
propriedade e o princípio federativo.
Por fim, a requerida postulou sejam os pedidos autorais julgados
totalmente improcedentes.
Dentre seus documentos a contestante colacionou, principalmente,
manuais de procedimentos da Celesc (fls. 192-242), cartilha (fls. 243-270), contrato
de concessão n. 56/99 da ANEEL (fls. 271-335) e contrato de permissão n. 24/2008
da ANEEL (fls. 336-402).
Impugnação à contestação às fls. 406-411.
Às fls. 412-413 o Município de Pinhalzinho, na condição de terceiro
interessado, peticionou elencando a situação de lotes que se encontram em
processo de regularização fundiária, os quais estão impedidos de receber alvará de
construção mas que já se encontram em situação consolidada há mais de 30 (trinta
anos), sobre os quais deve recair exceção à decisão que deferiu a tutela de urgência
(fls. 92-97).
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Intimado, o Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao
peticionado pelo Município de Pinhalzinho, mas tão somente quando ao imóvel
abordado nos autos n. 0300127-78.2014.8.24.0049, inexistindo qualquer outro
processo de regularização fundiária neste Juízo.
Após, os autos vieram conclusos.
É o relatório necessário.
Passo a fundamentar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A solução da lide passa tão somente pela análise de matéria de direito
e pela prova já produzida nos autos sem a necessidade de produção de outras,
razão pela qual julgo antecipadamente o pedido formulado nos autos nos termos e
de acordo com o artigo 355 do Código de Processo Civil. Não fosse isso, observo
que as partes estavam devidamente cientes acerca da necessidade de especificar e
justificar as provas em suas manifestações, caso desejassem a sua produção, o que
não ocorreu, de modo que entendo pela desnecessidade da perpetuação instrutória.
Outrossim, não verifico qualquer nulidade cognoscível, razão pela qual
passo ao enfrentamento das preliminares e, após, do mérito.
Do litisconsórcio necessário
A requerida, em sua contestação, pleiteou o reconhecimento do
litisconsórcio necessário com empresa fornecedora de energia elétrica, atuante na
região, Cooperativa Distribuidora de Energia Vale do Araça – CERAÇA.
Por oportuno, consigne-se que o litisconsórcio necessário se dá por
expressa determinação legal ou em virtude da natureza indivisível da relação de
direito material discutida nos autos (art. 114, do CPC). Bem assim, será considerado
necessário o litisconsórcio quando a eficácia da sentença depende da citação de
todos que devam ser litisconsortes.
Isso posto, observo que não se trata de situação que a lei exija o
litisconsórcio passivo. Da mesma forma, não se trata de direito material indivisível ou
de ineficácia da sentença. Sobre este último ponto destaco que, conforme pode ser
depreendido dos documentos juntados com a inicial, bem como através da
manifestação ministerial de fls. 406-411, a CERAÇA acatou a recomendação n.
0003/2017/PJ/PIN, na qual, saliente-se, propunha a não ligação de energia elétrica
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em caso de o imóvel não contar com alvará de construção e/ou habite-se (fls. 28-31
e 53), de maneira que se constata que a CERAÇA não apresenta óbice à pretensão
autoral – inexiste pretensão resistida que fundamente a sua inclusão na lide.
Em conclusão, inexistindo imposição legal, prejuízo ao direito material
e à eficácia da sentença, deve ser indeferido o pedido de citação da Cooperativa
Distribuidora de Energia Vale do Araça – CERAÇA, de modo que passo à análise
do mérito.
O caso em apreço está diretamente relacionado ao direito difuso do
meio ambiente saudável, cuja preservação está imposta pela Constituição Federal,
conforme verifica-se do seu art. 225:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe
ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas
as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII -
proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º Aquele que
explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão
público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados. §
4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar,
o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio
nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
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condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º São indisponíveis as terras
devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas
que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. § 7º Para fins
do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se
consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais,
desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art.
215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza
imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser
regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos
animais envolvidos.
Bem assim, tem intima ligação com a política urbana e seu correto
ordenamento: "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes" (art. 185, da CF).
Da leitura das disposições acima conclui-se que a obrigação de manter
o meio ambiente preservado para a atual, bem como para as futuras gerações, é de
todos, ainda mais do Estado, seja através de políticas públicas ou através do Poder
Judiciário.
Porém, não se olvide que, se de um lado há o direito ao meio ambiente
equilibrado, de outro há a dignidade da pessoa humana, consagrado como princípio
fundamental pelo Brasil em sua Carta Magna (art. 1º, III). Nesse sentir, por ser o
fornecimento de energia elétrica um serviço público essencial e de utilidade pública,
o acesso a ele é indispensável à dignidade da pessoa humana, ainda mais se
considerarmos a latente imprescindibilidade da energia elétrica nos lares e
empreendimento atuais.
Assim, sem sombra de dúvidas, esta-se diante de uma colisão entre
princípios fundamentais, caso em que deve existir a ponderação entre os direitos
para que nenhum deles seja extinguido no caso concreto. O Supremo Tribunal
Federal já consagrou a técnica da ponderação, como mostra trecho do voto da
Relatora Ministra Ellen Gracie, no Recurso Extraordinário n. 208.685/RJ (DJ de
22-8-2003), vejamos:
Impende observar, entretanto, que não há, na verdade, conflito entre
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os mencionados princípios constitucionais, mesmo porque não se
resolve a suposta colisão entre dois princípios suprimindo um em
favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o
peso ou a importância relativa de cada um. A solução, portanto não
pode deixar de lado os conhecidos princípios da razoabilidade e
ponderação dos bens envolvidos.
Ainda a respeito da ponderação, que tem íntima ligação com os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, Pedro Lenza leciona que "sendo
a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termo
de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outro valores
constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição"
(LENZA, Direito Constitucional Esquematizado, 2018).
Destaca-se que, em caso análogo, ao sopesar os mesmos direitos
constitucionais aqui em debate, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu
por optar pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO.
AMBIENTAL.OBRIGAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA DE
ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM EXIGIR "HABITE-SE" ANTES DE
EFETUAR A LIGAÇÃO DE ÁGUA. LEGALIDADE.
PREPONDERÂNCIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. EXIGÊNCIA APENAS PARA
NOVAS HABITAÇÕES. MULTA COMINATÓRIA.REDUÇÃO.
REFORMA DA SENTENÇA APENAS NESTE PONTO.RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. "Aquele que constrói residência sem
licença do município, clandestinamente, não tem direito de vê-la
atendida por serviços públicos - v.g. distribuição de energia elétrica,
de abastecimento de água e de coleta de esgoto. A hipossuficiência
dos infratores não justifica o desprezo à lei, a tolerância com o ato
ilícito. A atuação do Estado em favor deles devese conformar com o
ordenamento jurídico, com o interesse público."(TJSC, Reexame
Necessário em Mandado de Segurança n. 2007.034923-3, de
Araranguá, rel. Des. Newton Trisotto, j. 23-09-2008). (TJSC,
Apelação Cível n. 2013.033706-2, de Xanxerê,rel. Des. Sérgio
Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de DireitoPúblico, j.
24-06-2014).
Para corroborar com o acórdão acima transcrito, extrai-se a seguinte
lição do Ministro Luis Roberto Barroso acerca da ponderação de princípios:
I. A interpretação constitucional tradicional assenta-se em um modelo
de regras, aplicáveis mediante subsunção, cabendo ao intérprete o
papel de revelar o sentido das normas e fazê-las incidir no caso
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concreto. Os juízos que formula são de fato, e não de valor. Por tal
razão, não lhe toca função criativa do Direito, mas apenas uma
atividade de conhecimento técnico. Esta perspectiva convencional
ainda continua de grande valia na solução de boa parte dos
problemas jurídicos, mas nem sempre é suficiente para lidar com as
questões constitucionais, notadamente a colisão de direitos
fundamentais. II. A nova interpretação constitucional assenta-se em
um modelo de princípios, aplicáveis mediante ponderação, cabendo
ao intérprete proceder à interação entre o fato e norma e realizar
escolhas fundamentadas, dentro das possibilidades e limites
oferecidos pelo sistema jurídico, visando à solução justa para o caso
concreto. Nessa perspectiva pós-positivista do Direito, são idéias
essenciais a normatividade dos princípios, a ponderação de valores e
a teoria da argumentação. [...] A ponderação de valores, interesses,
bens ou normas consiste em uma técnica de decisão jurídica
utilizável nos casos difíceis, que envolvem a aplicação de princípios
(ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram em linha de
colisão, apontando soluções diversas e contraditórias para a
questão. (BARROSO, Luís Roberto (org). O Começo da História. A
nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. In A Nova Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 375/376).
Acontece que, ainda considerando o caráter fundamental do
fornecimento de energia elétrica para todos, penso que no presente caso ele deve
ceder espaço para o direito do meio ambiente sadio, o que inclui, destaca-se, a
correta urbanização, que é agente de suma importância na manutenção do meio
ambiente e na efetivação das políticas sociais necessárias à concretização do
princípio maior da dignidade da pessoa humana. Não se pode considerar a
dignidade da pessoa humana como um argumento para autorizar violações às
normas atinentes ao direito urbanístico e ao meio ambiente saudável, sob pena de
não se exigir mais o cumprimento destas normas, com a justificativa de que o
fornecimento de energia elétrica aos indivíduos se sobrepõe às normas ambientas e
de regulamentação urbana.
Quanto à suposta afronta ao direito de propriedade, deve-se ressaltar
que inexiste um direito de propriedade absoluto, o qual já nasce limitado à sua
função social, pois "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor"
(art. 182, § 2º, da CF). Ademais, a propriedade deve estar submissa ao correto
fornecimento de serviços públicos, os quais atingem interesse público e garantem o
bem-estar de seus habitantes, sendo desproporcional submeter o meio ambiente
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saudável e ordenado ao direito de propriedade de alguns poucos indivíduos. E que
não se mencione eventual tratamento desigual entre municípios, pois eventual
irregularidade verificada noutra cidade não é fator legitimador das aludidas práticas
nesta Comarca.
Bem assim, não se esta negando à população o acesso ao
fornecimento de energia elétrica, mas sim está-se buscando constituir mecanismos
eficazes e capazes de coibir danos ambientais, ocasionados por construções em
áreas de preservação permanentes, loteamentos clandestinos e irregulares em
áreas de risco.
Neste sentido, deve ser enaltecida a iniciativa da requerida ao criar em
sua esfera administrativa um grupo de trabalho voltado exclusivamente para
tratamento de questões relacionadas a ligações novas em áreas de preservação. É
lamentável, por outro lado, o fato de que a grande maioria dos municípios – inclusive
dois dentre os que fazem parte da Comarca de Pinhalzinho – sequer respondam as
requisições realizadas pela CELESC, o que dificulta e atrasa o trabalho realizado
pela concessionária.
Por outro lado, a solução encontrada pelo Ministério Público, mormente
em razão da não observância pela requerida das recomendações emitidas, se
mostra suficiente e adequada para garantir que não haja fornecimento de energia
elétrica em imóveis situados em áreas irregulares, servindo como forma de coibir e
desestimular construções em áreas de preservação e em loteamentos clandestinos
e irregulares.
A alegação da requerida no sentido de que não há previsão legal para
exigência de alvará de habitação não deve ser acolhida. Primeiramente, não pode
uma instrução normativa de agência reguladora ser utilizada como escusa para ferir
direito constitucionalmente protegido. Mas mais do que isso, não há sentido algum
em reconhecer e garantir constitucionalmente o direito ao meio ambiente e depois,
através de instrução normativa, coloca-lo em risco. Diante da colisão entre as duas
normas acima mencionadas, não há dúvida, deve prevalecer o texto constitucional e
os princípios dele decorrentes. Em segundo lugar, a própria Resolução da ANEEL,
mas especificamente a número 412, apesar de não fazer menção expressa ao
habite-se ou ao alvará de construção, determina ser imprescindível a apresentação
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de documentos necessários para comprovação da regularidade do imóvel:
Art. 27. Efetivada a solicitação do interessado de fornecimento inicial,
aumento ou redução de carga, alteração do nível de tensão, entre
outras, a distribuidora deve cientificá-lo quanto à: (Redação dada
pela REN ANEEL 670 de 14.07.2015) I - obrigatoriedade de: I -
obrigatoriedade, quando couber, de: (Redação dada pela REN
ANEEL 670 de 14.07.2015) a) observância, na unidade consumidora,
das normas e padrões disponibilizados pela distribuidora, assim
como daquelas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, naquilo
que couber e não dispuser contrariamente à regulamentação da
ANEEL; [...] II - necessidade eventual de: [...] c) obtenção de
autorização federal para construção de rede destinada a uso
exclusivo do interessado; d) apresentação de licença emitida pelo
órgão ambiental competente, quando a extensão de rede ou a
unidade consumidora ocupar área de unidades de conservação da
natureza, conforme definidas em legislação específica;
Conclusão similar merece a arguição de afronta ao Pacto Federativo,
na medida em que não há qualquer invasão sobre as prerrogativas do Poder
Executivo ou Legislativo por parte do Judiciário, mas sim, conforme já argumentado
alhures, a criação de mecanismos eficazes para proteger o princípio do meio
ambiente equilibrado.
Por derradeiro, até em razão da petição constante das fls. 412-413,
deve ser feita uma última ressalva acerca dos princípios aqui aduzidos. Se, como já
dito em momento anterior, prepondera-se o direito ao meio ambiente saudável e à
correta urbanização, esta regra não é absoluta, existindo exceções em áreas rurais
ou urbanas já consolidadas. Conforme bem fundamentado pelo Desembargados
Henry Petry Júnior, o óbice jurídico não deve prevalecer quando factualmente a
proteção ambiental não mais existe:
O fornecimento de energia elétrica, que é serviço público essencial e
de utilidade pública, relaciona-se, diretamente, com a dignidade da
pessoa humana, mas cede espaço, em regra, em favor do direito a
um meio ambiente ecologicamente equilibrado quando a pretensa
unidade consumidora estiver em localidade de proteção ambiental.
Contudo, em se tratando de área rural ou urbana consolidada,
porquanto já mitigada, faticamente, a proteção ambiental, não há
prevalecer o óbice jurídico, com a consequente necessidade de
ligação da unidade à rede de energia elétrica (TJSC, Apelação Cível
n. 0300199-74.2016.8.24.0282, de Jaguaruna, rel. Des. Henry Petry
Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 13-02-2017).
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A conjuntura se amolda, por exemplo, à situação dos autos n.
0300127-78.2014.8.24.0049, em que se busca a regularização fundiária de imóvel
urbano através do Programa Lar Legal, situações nas quais não se pode impedir o
efetivo fornecimento de energia elétrica, sob pena de ficarem descaracterizados os
princípios aqui conflitantes e ponderados.
Entretanto, ainda que existam situações como a supra mencionada,
elas não podem ser utilizadas para inviabilizar a procedência da demanda, sendo
certo que os interessados deverão se socorrer do Poder Judiciário para buscar o
fornecimento de energia elétrica.
Assim, em conclusão, diante de todo o exposto, a procedência da
demanda é a medida de direito.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código
de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Ministério Público
do Estado de Santa Catarina para:
Confirmar a decisão de fls. 92-97, tornando-a definitiva, de modo a
proibir a requerida de efetuar novas ligações de energia elétrica sem prévia
apresentação, pelo solicitante, de alvará de construção (para ligações provisórias)
ou de habite-se, bem como quando se tratar de parcelamento de solo clandestino ou
irregular em áreas de ocupação irregular, nos municípios abarcados pela Comarca
de Pinhalzinho – Pinhalzinho, Saudades e Nova Erechim –, sob pena de multa de
R$ 10.000,00 (dez mil reais) por ocorrência. A proibição fica excetuada ao imóvel
matriculado no CRI da Comarca de Pinhalzinho sob o n. 19.017, uma vez que se
trata de área em regularização fundiária perante este órgão judiciário nos autos n.
0300127-78.2014.8.24.0049, cujas eventuais ligações deverão ser feitas mediante a
apresentação de certidão circunstanciada municipal à CELESC Distribuição S.A.
Custas pela requerida. Sem honorários eis que ''Não sendo o parquet
passível de condenação ao pagamento de honorários advocatícios, salvo verificada
a má-fé, também, em situação inversa, não há que se falar em percepção da citada
verba, ainda que destinada ao Fundo de Restituição de Bens Lesados' (AC nº
2008.020927-9, Des. Luiz Cézar Medeiros) (AC n. 2007.006645-6, Des. Newton
Trisotto)." (TJSC - Reexame Necessário n. 2012.023341-7, Rel. Des. Newton
11. ESTADO DE SANTA CATARINA
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Trisotto, j. 12-03-2013).
Oficie-se no agravo de instrumento, informando o teor desta decisão e
a possível perda superveniente do objeto.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Transitada em julgado e pagas eventuais custas, arquivem-se.
Pinhalzinho (SC), data da liberação nos autos.
Thaíse Siqueira Ornelas
Juíza de Direito
[DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE - Lei 11.419/2006, art. 1º, § 2º, III]