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Direta de Inconstitucionalidade n. 8000074-16.2016.8.24.0000, de Joinville
Redator designado: Desembargador Hélio do Valle Pereira
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI
COMPLEMENTAR 434/2014 DE JOINVILLE – ISS –
BASE DE CÁLCULO E CONTRIBUINTE –
PRERROGATIVA DO REGRAMENTO NACIONAL –
FRAUDE NO SENTIDO DE AFASTAR OS ÔNUS
RESULTANTES DA ADI 3.089/STF – TRIBUTAÇÃO DOS
SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS
E NOTARIAIS – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. O STF (ADI 3.089) definiu que “As pessoas que
exercem atividade notarial não são imunes à tributação
porquanto a circunstância de desenvolverem os
respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção
prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento
de remuneração pela prestação dos serviços confirma,
ainda, capacidade contributiva” (Min. Joaquim Barbosa).
Para impedir a eficácia dessa decisão, ou seja, que os
cartorários tivessem diminuição de renda (em muitos
casos, ganhos irreais para qualquer lugar do mundo), foi
editada lei municipal que em termos práticos os libera do
ISS.
Determinou-se que, no lugar de o cartorário ser o
contribuinte (como é pelo cogente modelo nacional), o
usuário haveria de satisfazer apartadamente o ISS. Fez-se
opção por onerar toda a população, mantendo-se o lucro
(é expressão endossada pelo STF) dos delegatários.
2. É a lei complementar nacional (só ela) que pode
definir a base de cálculo e o contribuinte de impostos (art.
146 da CF). A Constituição Estadual repete as extremas
limitações à capacidade legislativa dos municípios no
campo tributário, não fossem bastantes aquelas regras
nacionais serem de reprodução obrigatória, justificando a
ADI no campo local ainda que não fossem ratificadas
domesticamente.
3. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, (LC
116/2003); é apurado “por dentro”. A lei municipal, ao
propor a exclusão do ISS daquela quantificação (exceção
não contemplada na norma da União), é inconstitucional,
criando só para Joinville uma forma distinta de
quantificação do imposto (“por fora”).
4. A lei ordinária pode definir responsável por imposto,
o que é corriqueiro no ISS. Essa ampliação da sujeição
passiva vem em favor do Fisco (dando maior eficiência à
administração fiscal), constituindo vínculo imediato entre o
particular (o sujeito passivo tributário) e a Fazenda
Pública. Não existe sentido, porém, em apontar o
responsável como uma comodidade para o contribuinte: o
suposto responsável teria como obrigação apenas
indenizar previamente o vero sujeito passivo, ele sim na
prática quem repassará o ISS ao Poder Público (é claro,
porque na essência permanece sendo o contribuinte e não
há responsável, apenas uma pessoa que é convocada a
pagar por outrem o que não deve; um “responsável do
responsável”).
5. A distinção entre tributos diretos e indiretos é
econômica, ainda que reflexamente tenha importância
para fins de repetição de indébito (art. 166 do CTN). O ISS
pode ser direto ou indireto, não por uma discricionariedade
do legislador fiscal, mas por uma decorrência da relação
civil subjacente. Se (é o comum) o custo com o ISS pode
ser aditado ao preço do serviço a critério do prestador, o
imposto será indireto; se o contribuinte haja de suportar
faticamente o imposto, ele será direto. Só isso. Esses
eventos não autorizam o legislador local a, mudando a
base de cálculo ou o contribuinte, pretender proteger o
vero sujeito passivo.
Além disso, a justificativa dada no caso concreto
(possibilidade de variar o sujeito passivo) é imerecida: na
hipótese dos serviços cartorários, o ISS é tributo direto (o
contribuinte não tem margem para repassar o custo para o
usuário na medida em que o preço do seu serviço é fixado
em lei).
O responsável tributário é aquele que atua
circunstancialmente em nome do verdadeiro integrante do
fato gerador, tendo o “direito de cobrar a dívida do
contribuinte” (Hugo de Brito Machado). Pode pagar, mas
não é viável “fazer com que o tributo seja recolhido sem
onerar o seu próprio bolso” (Luciano Amaro).
No caso concreto, porém, criou-se responsabilidade
apenas para impedir custo para o contribuinte (que
receberá os emolumentos e será reembolsado quanto ao
ISS).
Alteração, desse modo, do sentido constitucional da
expressão “contribuinte”, tratando como “responsável”
quem não poderia à luz do significado das duas
expressões sê-lo.
6. Fraude ostensiva da lei local, que teve por objetivo
único, beneficiando alguns poucos cartorários, prejudicar a
população. Há lobby para cartorários; não há lobby para o
povo.
Abuso de poder legislativo argumento apenas de
reforço bem caracterizado.
Modelo econômico extrativista em que elite se
apropria das riquezas produzidas pela população em
detrimento de um círculo virtuoso de liberdade e
respeito por um modelo inclusivo (em adaptação livre
da obra Por que as nações fracassam James A.
Robinson e Daron Acemoglu).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de
Inconstitucionalidade n. 8000074-16.2016.8.24.0000, da comarca de Joinville
Fazenda Pública em que é Requerente o Ministério Público do Estado de
Santa Catarina e Requeridos o Prefeito Município Joinville e a Câmara de
Vereadores de Joinville.
O Órgão Especial decidiu, por maioria de votos, julgar procedente
o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 434, de
19 de dezembro de 2014, do Município de Joinville, com efeitos "ex tunc".
Vencida a Exma. Sra. Desa. Soraya Nunes Lins (relatora), que votou no
sentido de julgar improcedentes os pedidos formulados, e os Des. Júlio César
Machado Ferreira de Melo, Luiz Cézar Medeiros, Monteiro Rocha e João
Henrique Blasi, que a acompanharam inclusive quanto aos fundamentos.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os
Excelentíssimos Senhores Desembargadores Soraya Nunes Lins, Henry Petry
Júnior, Roberto Lucas Pacheco, Rodrigo Collaço (presidente com voto),
Stanley Braga, Francisco Oliveira Neto, Pedro Manoel Abreu, Newton Trisotto,
Luiz Cézar Medeiros, Sérgio Roberto Baasch Luz, Monteiro Rocha, Fernando
Carioni, Marcus Tulio Sartorato, Ricardo Fontes, Salim Schead dos Santos,
Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Jaime Ramos, Alexandre d'Ivanenko, Moacyr
de Moraes Lima Filho, Sérgio Izidoro Heil, João Henrique Blasi e Jânio
Machado.
Florianópolis, 6 de fevereiro de 2019.
Desembargador Hélio do Valle Pereira
Relator
RELATÓRIO
Adoto a descrição feita pela eminente Desembargadora Soraya
Nunes Lins, a relatora desta ação direta de inconstitucionalidade:
O Ministério Público do Estado de Santa Cataria ajuizou ação direta de
inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 434/2014 do município de Joinville, sob
a alegação de usurpação da competência da União para legislar sobre direito tributário, em
afronta ao disposto no art. 10, inciso I, e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do Estado de
Santa Catarina.
Alega que a Lei Complementar nº 434/2014 acrescentou o inciso IV e os §§ 1º
e 2º ao art. 17 da Lei Complementar Municipal nº 155/03, que dispõe acerca do imposto sobre
serviços e sua lista de incidência.
Aduz que a Lei impugnada estabeleceu que, nos serviços de registros púbicos,
cartorários e notariais, o imposto será calculado sobre o valor global do serviço presente na
nota fiscal, ou seja, o montante dos emolumentos acrescido do valor do próprio imposto
destacado na nota fiscal, assim como repassou o pagamento do tributo ao tomador dos
serviços.
Assevera, primeiramente, que segundo o art. 24, inciso I, da Constituição
Federal, a competência para legislar sobre direito tributário é concorrente entre a União e os
Estados, sendo que cabe àquela a instituição de normas gerais e a estes suplementá-las no
que for cabível. Aos Municípios, por sua vez, cumpre suplementar a legislação federal e
estadual, restrito ao interesse local, não estando autorizado a contrariar o ordenamento jurídico
estadual e federal.
Defende que o art. 146, inciso III, a Constituição Federal estabelece que cabe à
Lei Complementar Federal definir o fator gerador, a base de cálculo e o contribuinte dos
impostos. A mesma determinação encontra respaldo no art. 127, inciso III, da Constituição do
Estado de Santa Catarina.
Assim, refere que coube à Lei Complementar Federal nº 116/03 definir o fato
gerador, a base de cálculo e o contribuinte do imposto sobre serviços, conforme se constata
dos artigos 1º, 5º e 7º da mencionada norma. Destaca que o art. 5º da Lei Complementar nº
116/03 definiu como contribuinte do ISS o prestador do serviço.
No entanto, a Lei nº 343/2014, do município de Joinville, conferiu tratamento
diverso, atribuindo ao tomador dos serviços de registros públicos, cartoriais e notariais, a
condição de contribuinte do ISS. Além disso, assevera que a Lei Municipal promoveu, também,
a alteração da base de cálculo o imposto, a qual somente poderia ser feita por lei complementar
federal, consoante disposto no art. 127, III, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que
reprisa o art. 146, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal.
Nesse norte, aduz que a Lei Federal nº 116/03 definiu que a base de cálculo do
imposto sobre serviços é o preço do serviço. No caso das serventias extrajudiciais, o preço do
serviço equivaleria aos emolumentos recebidos pelo Cartorário, os quais são tabelados por Lei
Estadual.
Alega que o valor dos emolumentos não pode ser alterado por convenção das
partes e abrange todos custos operacionais para o desenvolvimento da atividade delegada,
como a folha de salário dos empregados, luz, água, montante destinado ao Fundo de
Reaparelhamento da Justiça, bem como todos os tributos incidentes na atividade, inclusive o
imposto sobre serviços.
Argumenta, todavia, que a Lei Complementar do município de Joinville alterou a
base cálculo do referido imposto, pois o preço do serviço, que deveria ser aquele fixado pelo
Estado a título de emolumentos, passou a ser acrescidos do ISS.
Menciona que ao instituir Lei Municipal em análise, o município de Joinville
usurpou da competência da União para legislar sobre normas gerais de direito tributário, que
inclui a definição do contribuinte e da base de cálculo do imposto sobre serviços, em afronta ao
art. 10, inciso I e art. 127, inciso III, ambos da Constituição Estadual.
Por fim, registra que a Lei Municipal também é inconstitucional por autorizar a
bitributação, uma vez que o mesmo fato gerador, a base de cálculo e o mesmo sujeito passivo
são exigidos para compor os emolumentos, que é taxa estadual, assim como o imposto sobre
serviços.
Derradeiramente, defende a concessão de medida cautelar para suspender os
efeitos da norma impugnada.
Notificado, o Prefeito Municipal apresentou as informações de fls. 31-35.
Após, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina
Anoreg/SC pugnou pelo ingresso no feito como amicus curiae. Defende, inicialmente, sua
legitimidade e o não conhecimento da ação por ofensa reflexa à Constituição Estadual.
No mérito, sustenta que o art. 6º da Lei Complementar Federal nº 116/2003
autoriza transferir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato
gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador do serviço. Destaca, ainda,
que o ISS assume, no caso discutido nos autos, feição de tributo indireto, razão por que pode
ser transferido o encargo financeiro para o tomador do serviço.
Argumenta, também, que a Lei municipal não promoveu a ampliação da base
de cálculo do ISS, já que nela não se previu a inclusão do valor do próprio imposto na base de
cálculo. Assevera, também, que o ISS não está contido no valor dos emolumentos, o que
afastaria a alegada bitributação.
Na sequência, o Presidente da Câmara de Vereadores apresentou as
informações de fls. 217/218.
As cartorárias Ruth Silva e Sandra Mará Braga pugnaram pelo ingresso no feito
como amicus curiae, defendendo a constitucionalidade da norma municipal (fls. 240-263).
O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento dos pleitos de amicus
curiae (fls. 277-281).
Após, o Relator do feito à época indeferiu o requerimento de admissão de Ruth
Silva e Sandra Mará de Braga como amicus curiae; deferiu, de outro lado, a pretensão da
Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina - Anoreg/SC como
amicus curiae, limitando seus poderes à oposição de embargos de declaração e manifestações
nos autos, vedada interposição de recursos; por fim, indeferiu o requerimento de medida
cautelar (fls. 285-297).
Ato contínuo, foi determinada a citação do Procurador-Geral do Município (fl.
301), que apresentou a contestação de fls. 312-317.
O Procurador menciona que o ISS se trata de imposto indireto, de modo que o
ônus pelo seu pagamento deve ser suportado pelo usuário final do serviço, ou seja, o
contribuinte de fato. Afirma, também, que os Municípios possuem competência para instituir o
ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
Alega que a Lei Complementar Federal nº 116/2003 possibilita aos Municípios,
mediante lei, atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao
fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador de serviço. Destaca que
o art. 121 do Código Tributário Nacional autoriza os entes federativos a legislarem de igual
forma.
Quanto à bitributação, sustenta que a Lei Municipal nº 434/2014 não equalizou
a base de cálculo do imposto sobre serviços com o valor dos emolumentos. No seu
entendimento, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço e a dos emolumentos é o custo
necessário para a prestação do serviço estatal delegado. Assevera, por fim, que a Súmula
Vinculante 29 do STF orienta ser "constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um
ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja
integral identidade entre uma base e outra".
Nesse contexto, defende a constitucionalidade da Lei Complementar nº
434/2014, do município de Joinville.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr.
Durval da Silva Amorim, que opinou pela procedência do pedido inicial, para que seja declarada
a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 434/2014, do Município de Joinville, por
violação aos artigos 10, inciso I, e 127, inciso III, bem como do artigo 125, §4º, todos da
Constituição do Estado de Santa Catarina.
Adito que Sua Excelência votou pela improcedência.
Pedi vista dos autos e como a posição que defendi foi vitoriosa,
apresento os fundamentos que animaram o posicionamento da maioria.
VOTO
1. A pretensão, relembro, é para reconhecer a invalidade da Lei
Complementar 434/2014 do Município de Joinville. Em resumo, a norma
aprovada pela Câmara de Vereadores cria um regime peculiar quanto ao ISS
incidente sobre as atividades de registro público: o registrador emite um
documento adicional, que representará o custo do imposto, que obviamente
será satisfeito cumulativamente com os emolumentos em si pelo particular. O
notário e o registrador ficam livres de alguma repercussão econômica.
Em outros termos, art. 17, caput, da Lei Complementar 155/2003
de Joinville, após a mencionada Lei Complementar 434/2014 (atacada nestes
autos), ficou assim:
Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de qualquer
natureza:
(...)
IV o valor do próprio imposto, nas prestações de serviços enquadrados no
subitem 21.01 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar, hipótese na qual não se
aplicam os §§ 4º e 5º, do art. 16.
§ 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de serviço deverão
emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do
imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota
fiscal.
§ 2º O recolhimento do imposto decorrente da prestação dos serviços
elencados no subitem 21.01 é de responsabilidade do prestador.
Dito de outro modo, nos demais municípios, que não seguiram a
mesma excentricidade, o particular paga os emolumentos. Surge o fato
gerador do ISS e sobre aqueles emolumentos (a base de cálculo), o
cartorário, porque é o contribuinte, paga o imposto. Mais claramente, em
Joinville ir a um cartório é mais caro (o usuário paga emolumento mais ISS);
em outros locais, ele paga apenas os emolumentos.
Adianto que estou de acordo com a relatora quanto à superação
dos aspectos formais trazidos nos arrazoados que se opõem à pretensão,
assim como derrogo o argumento relativo a uma possível bitributação.
Quanto a esses tópicos não formularei aditamentos (e o voto de Sua
Excelência, que será juntado, cumprirá o papel de fundamentação).
2. Em Por que as nações fracassam, James A. Robinson e
Daron Acemoglu descrevem a “origem do poder, da prosperidade e da
pobreza” o subtítulo do livro.
Lembrei-me na primeira sessão de julgamento deste “livro
notável”, definiu o Ministro Luís Roberto Barroso (Folha de São Paulo, 23 de
fevereiro de 2018), também um entusiasta da obra.
Há nações que se baseiam em instituições políticas e
econômicas de caráter extrativista. Existe quem produz e quem se aproprie
do que os outros produzem; mas há nações de perfil inclusivo. Nestas, o
sistema político (e consequentemente também o econômico) estimula a
geração de riqueza por meio de um ambiente de liberdade e segurança. Há
trabalho que gerará benefícios a quem produz, não primordialmente a quem
deseje se apropriar do esforço alheio. Um modelo extrativista pode gerar
resultados de crescimento eventuais, mas não alcançará a justiça social ou
mesmo um espraiamento da renda.
Os autores trazem muitos exemplos históricos e eu sugeriria
adicionar o caso destes autos.
Uma elite, os cartorários, pouco importando se hoje tendem a
ser concursados, têm um poder de pressão tamanho que, surpreendidos com
tributação, agilizam para sob a condução surpreendente, ou nada
surpreendente dos Poderes Executivo e Legislativo não pagar nada,
transferindo o ônus para quem precisa de seus serviços (e a necessidade,
aqui, deriva predominantemente de uma coincidente imposição legal, não de
um ato de liberdade). Em outros termos, quem produz tem que transferir
renda para quem tem lobby eficiente.
É um modelo extrativista.
3. Também cito Jonathan Swift, ele mesmo d'As aventuras de
Gulliver, o livro que era lido todos os anos por Machado de Assis ao menos
existe uma lenda divulgada por Carlos Heitor Cony sobre isso (já comentei
uma vez perante o Grupo de Câmaras de Direito Público).
“Quem fizer crescer duas espigas de milho ou duas folhas de
grama onde ontem só crescia uma merece mais da humanidade e presta um
serviço mais essencial à sua terra do que toda a raça de políticos reunidos”,
disse Swift em 1726 por meio do diálogo do rei de Brobdingnag e Gulliver.
Quer dizer, quem produz é o merecedor do respeito, não quem
cultua o extrativismo.
(Recordei-me da passagem em razão de Steven Pinker e seu
excepcional O novo iluminismo Em defesa da razão, da ciência e do
humanismo, de 2018, que a ela faz também menção e que lia por estes dias.)
4. Faço agora algumas observações teóricas (e antecedentes)
sobre o tema exposto nesta ADI.
A primeira é para reforçar um sistema constitucional que
explicitamente dá à União preponderância legislativa.
O art. 146 da Constituição concede com exclusividade ao ente
maior por meio de lei complementar a aptidão para “estabelecer normas
gerais em matéria de legislação tributária” (inc. III). É caso, aliás, de
atribuição isolada; quando muito, poderia ser empolgado o art. 24, mas que
dá aos Estados a capacidade para apenas cuidar do direito tributário em
caráter suplementar, tanto mais quando editada a norma da União sobre o
assunto (§§ 1º a 4º).
Bem assim, podem ser trazidos os incisos I e II do art. 30, que
propiciam aos municípios legislar sobre os temas de “interesse local”, bem
como “suplementar a legislação federal e estadual”. Quer dizer, normas
gerais de direito tributário entre outras são da União. No máximo, pode
ocorrer aditamento pelos demais entes federativos no pressuposto evidente
de não haver colisão.
Não há demérito aos Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios.
No arcabouço constitucional brasileiro há três esferas de poder
e em projeção introspectiva não há hierarquia entre os entes políticos. Cada
qual detém competência própria (eventualmente concorrente) e nessa
proporção tem autonomia.
Só que existe a já mencionada preponderância em prol da
União, que não raramente, além de sua competência exclusiva, também está
apta a ditar regras gerais, que prevalecem em relação às demais pessoas
políticas. Daí surge a distinção entre leis nacionais e federais. Aquelas são
relativas à atribuição legislativa da União como ente que congrega todas as
pessoas políticas, estabelecendo normas comuns. As leis federais se referem
à regulamentação de fatos que envolvem exclusivamente a União como
pessoa pública equiparada às demais (por exemplo, estatuto dos seus
servidores e criação de imposto federal).
Em outros termos, as normas gerais tributárias devem ser
nacionais. Essas regras são estruturantes, impedindo os arroubos paroquiais.
Não se trata de regras federais; não é a União meramente
legislando a respeito de relações jurídicas nas quais intervirá. É a União
normatizando como entidade que reúne os demais entes federativos.
5. A Constituição trata entre as “normas gerais tributárias” a
“definição (...), em relação aos impostos, dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes” (art. 146, inciso. III, alínea “a”). (As partes
sublinhadas são os tópicos que agora interessam.)
Convergentemente, a Constituição Estadual expõe que
“compete ao Estado legislar, concorrentemente com a União, sobre direito
tributário” (art. 10, inciso I). Não se estende é daqueles silêncios eloquentes
ao Município a mesma mercê, certo que a ele apenas restam “os assuntos
de interesse local” e “suplementar a legislação federal e a estadual, no limite
de seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a
disciplina estabelecidas pelos demais entes federados” (art. 112, incisos I e
II).
Apanha-se que aquilo que foi exposto quanto aos limites à
competência legislativa na área do direito tributário no âmbito da Constituição
Federal é repetido em termos gerais na Constituição Estadual.
6. Seja como for, o STF tem reconhecido que há normas de
reprodução obrigatória pelos Estados, mais exatamente aquelas que
repartem as competências legislativas. Tem defendido que toca aos Tribunais
de Justiça a proclamação de invalidade do regramento doméstico quando a
norma estadual ou municipal supere o terreno delimitado em prol da União.
Haveria, por assim dizer, uma inclusão tácita da tal disciplina no âmbito
doméstico.
Defendi isso em voto na ADI 8000148-18.2018.8.24.0900
(sessão de 19 de dezembro) e não vou insistir no ponto agora, mas ratifico o
representativo julgamento do STF na Rcl 17.954-AgR (rel. Min. Luís Roberto
Barroso):
No caso dos autos, a norma federal invocada foi o art. 22, I, da Carta da
República, que atribui à União a competência privativa para legislar, entre outras matérias,
sobre direito do trabalho. O caráter privativo dessa atribuição federal significa que está prima
facie excluída das esferas estaduais, distrital e municipal a disciplina das relações de trabalho.
Em outras palavras, o dispositivo acima interfere diretamente na ordem jurídica dos Municípios,
configurando, portanto, norma de reprodução obrigatória. Naturalmente, seria possível discutir
se está correta, ou não, a interpretação que lhe foi conferida na origem o que, como indicam
os precedentes citados, seria viável em sede de recurso extraordinário. No entanto, isso não
infirma o fato de que, ao aplicar a norma de reprodução obrigatória, o Tribunal de Justiça não
invadiu a competência desta Corte.
Esta passagem do voto proferido por Sua Excelência no
julgamento monocrático da reclamação (mantido pela Primeira Turma à
unanimidade após a interposição de agravo interno), ademais, é
esclarecedora:
Nada impede, porém, que o Tribunal de Justiça fundamente suas conclusões
em norma constitucional federal que seja “de reprodução obrigatória” pelos Estados-membros.
Assim se qualificam as disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente
a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam
automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa
entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos
constituintes locais afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade
na sua incorporação pelo ordenamento local.
7. É possível prosseguir quanto aos concretos termos desta
ação direta de inconstitucionalidade.
Abordo primeiramente a modificação imposta à base de cálculo
(tema, relembro, que deve constitucionalmente ser do alcance exclusivo da
União).
A Lei Complementar 434/2014 inovou, todavia, quanto ao
assunto.
Sem que haja reiteração no modelo federal (rectius, nacional),
foi dito que “não integram a base de cálculo o imposto sobre serviços de
qualquer natureza o valor do próprio imposto nas prestações de serviços
enquadrados no subitem 21.01 da lista de serviços (...)”, ou seja, aqueles
relativos às prestações cartorárias.
Não há, insisto, previsão equivalente no modelo superior. Lá, o
ISS é apurado, no chavão do direito tributário, “por dentro”. “A base de
cálculo do imposto é o preço do serviço”, está na Lei Complementar Nacional
116/2003 (art. 7º, caput), tanto quanto é repetido na norma local (art. 15,
caput).
Ocorre que não basta fazer aquela asserção genérica e depois
permitir que a disciplina municipal exclua algum aspecto da base de cálculo.
Foi o ocorrido, porém, nos autos. De um lado, havia cópia do
modelo editado pelo Congresso Nacional, mas depois por meio da
inconstitucional Lei Complementar 434/2014 surgiu uma exceção
direcionada aos cartorários.
É evidente que o novo (novo!) inc. IV do art. 17 apenas foi
editado para modificar, para trazer uma real alteração no regime fiscal. Se no
modelo nacional o ISS quanto aos cartorários tem como base de cálculo o
próprio imposto (“por dentro”), no sistema municipal a base de cálculo é
distinta (“por fora”).
O Prefeito Municipal confessou a circunstância ao inaugurar o
processo legislativo: “O presente projeto tem como objetivo alterar a forma de
cálculo do ISSQN, deixando o montante do próprio imposto de compor sua
base de cálculo” (fls. 221).
Isso agride o art. 146 da Constituição Federal (regra cogente
que deve ser tida por reproduzida pela Constituição de Santa Catarina: item
6), tanto quanto vai de encontro ao art. 10, inciso I, da Carta Política barriga-
verde, que reitera os impedimentos ao exercício da aptidão legislativa.
(Há ao que percebo uma divergência entre o voto da eminente
relatora e a inicial quanto à exata extensão da nova base de cálculo, se
limitada apenas aos emolumentos ou a outras verbas exigidas do usuário.
Esta é uma ação abstrata e deve ser exposto o que está na norma. Por ela, o
usuário é onerado e não há como defender que o custo final do serviço seja o
mesmo. Fosse assim, por que a Anoreg apresentaria alguma insurgência?)
8. A regra é inconstitucional só por aquela avaliação objetiva (de
invasão da capacidade legislativa), mas se deve observar que sob os
auspícios de uma modificação periférica, um ajuste contábil, há sentido
perverso (e perverso está no sentido de perverso mesmo).
O comparsa do inciso IV é o § 1º, que dita que o cartorário
deverá destacar “o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do
imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao
total da nota fiscal”. Em outros termos, o ISS, que seria pago pelo cartorário,
surgindo com uma despesa própria da sua atividade, passa ser arcado pelo
usuário dos serviços.
Com essa invasão da competência tributária, alterando-se a
base de cálculo, permitiu-se ir além: o objetivo era apenas afastar do
cartorário uma diminuição do lucro.
9. Esse esforço visou eclipsar a eficácia do decido pelo STF na
ADI 3.089-DF (rel. Min. Joaquim Barbosa). Lá se deliberou a respeito da
validade da Lei Complementar Nacional 116/2003 na parte em que previu a
incidência do ISS sobre a atividade cartorária.
Disse o relator que “As pessoas que exercem atividade notarial
não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os
respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art.
150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos
serviços confirma, ainda, capacidade contributiva”.
É a evidência gigantesca de que o ISS é da própria atividade. É
inflexão sobre o preço do serviço, que envolve uma prestação cúpida. O STF
disse: cartorários desempenham missão que gera ganhos; devem ser
tributados.
Na situação dos autos, porém, os legisladores e o Executivo
ficaram abalados com a posição da Corte Suprema e, em detrimento da
população, preferiram encontrar uma fórmula ofensiva às “normas gerais de
direito tributário” que beneficiasse aqueles poucos cartorários. Entre a
preservação da integralidade do lucro e o repasse dos custos aos cidadãos,
foi-se em favor de uma elite.
O Prefeito Municipal disse mesmo que “diferentemente de
outras atividades em que há livre concorrência e liberdade de formulação no
preço do serviço, nestas há o tabelamento por parte do Tribunal de Justiça do
Estado, havendo dificuldade para se formar o preço do serviço com base nos
custos da atividade” (fls. 220).
10. O Ministério Público também percebe invalidade na
normatização quando define sem podê-lo um novo contribuinte (do
cartorário para o seu cliente).
O argumento, em princípio, poderia ser rebatido dizendo-se que
não se está mudando aquela figura (do contribuinte), mas se elegendo um
responsável.
Aqui, ainda que brevemente, devem ser rememoradas ideais
básicas do direito tributário.
O sujeito passivo pode ser o contribuinte ou o responsável (art.
121 do CTN). O primeiro é aquele que “tem relação pessoal e direta com a
situação que constitua o respectivo fato gerador” (inciso I). Em outros termos,
é quem integra a situação típica definida em lei como justificadora da
obrigação tributária (a hipótese de incidência concretizada). No caso, dos
impostos, tributo não vinculado, é quem exterioriza a riqueza que permite a
inflexão fiscal, pois este o cerne da previsão normativa.
O responsável é, por assim dizer, uma figura adjacente. Por
conveniência da Administração é eleito como o sujeito passivo. Não realiza o
fato gerador, mas está “vinculado” a ele, diz didaticamente o art. 128.
Se apenas a lei nacional pode definir o contribuinte (art. 146,
inciso III, alínea “a”, da CF), o responsável pode estar na lei ordinária. Por
isso, o contribuinte do ISS é aquele e só aquele da Lei Complementar
116/2003, o prestador do serviço (art. 5º); mas responsáveis podem ser
variados.
A norma local fez uma operação para afastar o contribuinte de
seu natural encargo. A defesa para tanto é no sentido de que se o usuário do
serviço não pode ser contribuinte (a lei nacional não permite), pode ser
responsável.
Não é isso, na realidade, o que ocorreu.
“Imposto é o tributo que tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao
contribuinte”, está no art. 16 do CTN. É uma situação que, como dito, indica a
capacidade contributiva por uma exteriorização de riqueza. Pode ser a
propriedade de um bem, a venda de um objeto, a importação de uma
mercadoria e assim por diante. No caso da prestação de um serviço, revelam
capacidade contributiva (porque expõem a mencionada exteriorização de
riqueza) tanto quem contrata o serviço (e paga por ele) quanto quem o presta
(e será remunerado). Qualquer deles poderia ser eleito como contribuinte (art.
121, inciso I, do CTN) por lei nacional (art. 146 da CF). Na hipótese, porém, é
contribuinte exclusivamente o prestador porque a Lei Complementar
116/2003 quis desse modo.
Isso tudo não exclui a possibilidade de haver um responsável, o
qual, foi falado há pouco, é definido em lei para a comodidade administrativa.
Na hipótese do ISS, inclusive, eles surgem às mancheias. Comum, por
exemplo, que o tomador dos serviços seja definido como responsável. Ele é
mais exatamente um substituto tributário (art. 128 do CTN). Pense-se em
exemplo corriqueiro: uma grande empresa contrata um modesto empreiteiro.
Ao pagar o preço do serviço imediatamente deve reter o percentual pertinente
ao ISS, destinando ao prestador do serviço a “quantia líquida”. Aquele
montante pertinente ao imposto é repassado ao Fisco. É mais eficaz para a
Administração auditar o grande empresário do que os pulverizados pequenos
agentes econômicos. Em hipótese alguma a responsabilidade se justifica como
uma forma de benefício àquele que naturalmente deveria ser o sujeito passivo
(às vezes, na verdade, as duas figuras se cumulam, havendo solidariedade ou
sujeição supletiva). No exemplo, o pequeno empreiteiro sabe que haverá
retenção de parte do preço do serviço e já inclui (“por dentro”) o valor
pertinente ao ISS. O substituto tributário não tem nenhum prejuízo. Está
retendo aquilo que naturalmente já suportaria (o ISS, insisto, embutido no valor
do negócio jurídico).
Aqui, muito artificialmente, não se criou propriamente um
responsável, mas se estabeleceu um contribuinte distinto daquele descrito na
lei nacional. A conveniência não foi da Administração, foi apenas uma
vantagem financeira para o vero devedor. Aliás, aquele que seria um
responsável tributário acaba não tendo nenhum liame com o Poder Público,
pois a lei criticada estabelece que “o recolhimento do imposto decorrente da
prestação de serviços elencados no subitem 21.01 é da responsabilidade do
prestador”.
Ora, o responsável para ter legitimamente essa condição “tem
apenas o dever jurídico de pagar a dívida alheia, e por isso mesmo o direito de
cobrar a dívida do contribuinte” (Hugo de Brito Machado , Comentários ao
Código Tributário Nacional, v. II, Atlas, 2004, n. 2.3, p. 424).
Luciano Amaro, autor na minha opinião do melhor manual de
direito tributário diz que para que “isso seja possível (a criação de um
responsável tributário) é necessário que a natureza do vínculo permita a esse
terceiro, elegível como responsável, fazer com que o tributo seja recolhido sem
onerar o seu próprio bolso” (Direito tributário brasileiro, Saraiva, 18ª ed, 2012,
n. 7.1, p. 338).
Veja-se a situação: há o responsável do responsável! O
responsável (o primeiro) é o contratante dos serviços; o segundo responsável
é o cartorário. Não há sentido nessa construção porque aquele que seria o
segundo responsável não deixou, em verdade, de ser em nenhum momento o
contribuinte. Ele é assim na lei nacional e é somente ele que mantém liame
com a Administração. O usuário apenas comparece com o dinheiro porque não
há lobby em favor do povo.
O Município levou a sério uma máxima de Jean-Baptiste Colbert
(ministro das Finanças da França no século XVII): “a arte da tributação
consiste em depenar o ganso de modo a obter o máximo de penas com o
mínimo de grasnidos” (citado por Gustavo Franco e Fabio Giambiagi, Antologia
da maldade, Zahar, 2015, p. 153).
O contratante do serviço seria efetivamente responsável se
tivesse vínculo efetivo com a Administração; se ele, em outros termos, fosse o
eleito a reter o ISS e a repassá-lo à Fazenda Pública. Aqui isso não acontece.
O usuário não tem relação com a Administração.
O cidadão não paga o ISS para o Município; ele está indenizando
o cartorário, que não quer ver nenhuma (nenhuma) diminuição de receita.
Sérgio Buarque de Holanda contou Elio Gaspari na Folha de
São Paulo do dia 30 de janeiro passado defendia que “Nós não temos
conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada”.
Essa posição de defesa dos cartorários, um apego à tradição de
seus serviços, não é uma busca pela preservação das coisas; é atraso
mesmo.
11. Fala-se muitos nestes autos sobre a diferenciação entre
tributos diretos e indiretos e que isso justificaria o procedimento alvitrado pela
lei objeto desta ADI.
Há um equívoco de perspectiva.
Seja dito claramente que não é da alçada da lei tributária definir
se um tributo é direto ou indireto. É conceito econômico. Às normas fiscais
cabe tratar de fato gerador, base cálculo e sujeito passivo. Dependendo das
particularidades da relação civil, o devedor poderá repassar faticamente o
custo da exação para um terceiro. Vêm as diferenciações entre contribuinte de
fato e de direito (mas que são antes figuras de linguagem). Apenas
reflexamente isso será relevante para o direito tributário, mais exatamente
quando se pretender repetição de indébito demanda para a qual, nos tributos
indiretos, o contribuinte de direito em princípio não tem legitimidade (art. 166
do CTN).
O ISS, é verdade, pode ser direto ou indireto; pode sê-lo em
razão das variáveis às quais expostos os múltiplos eventos que justificam o
seu fato gerador. Não se trata de discricionariedade das normas fiscais,
mas de uma decorrência da relação civil subjacente; e o legislador
tributário não pode interferir em conceitos de direito civil (rectius, em conceitos
para além dos seus próprios domínios) está nos arts. 109 e 110 do CTN.
Se (é o comum) o custo com o ISS pode ser aditado ao preço do
serviço a critério do prestador, o imposto será indireto; se o contribuinte há de
suportar faticamente o imposto, ele será direto. Só isso. Esses eventos não
autorizam o legislador local a, mudando a base de cálculo ou o contribuinte,
pretender proteger o vero sujeito passivo.
Em situação de livre concorrência, o prestador do serviço apura
seus gastos e projeta seu lucro para arbitrar o “preço da mercadoria”. Ele será
o contribuinte do ISS, mas o contratante suportará em termos fáticos o custo
do imposto, ainda que possa não manter nenhum liame com a Fazenda
Pública (não é descrito como responsável). Esse imposto será indireto.
Há alguns anos apreciei como Juiz da 3ª Vara da Fazenda da
Capital caso raro de ICMS (clássico tributo indireto) que assumia a condição
de imposto direto. Companhias aéreas sofriam com o tabelamento das
passagens aéreas. Com o passar do tempo, os preços ficaram defasados. Não
havia espaço para meramente incrementar os bilhetes e transferir faticamente
para o passageiro o impacto com o imposto estadual. O ICMS assumia perfil
direto e as empresas de transporte tinham legitimidade para a repetição do art.
166 do CTN. O pensamento, inclusive, foi confirmado pelo TJSC (AC
2012.0038012-3, rel. Des. Carlos Adilson Silva).
Seja como for, o fato de um tributo poder ser indireto não significa
que o legislador tributário assuma uma função de protetor do contribuinte,
assumindo esforços para manter a natureza indireta. Isso, repito, é ponto
circunstancial, praticamente aleatório para o campo fiscal. Existe um fato
gerador e um contribuinte. A partir daí é que se avaliará depois se a
configuração levou a um imposto de uma ou outra natureza. Não se trata,
então, de uma oportunidade para o legislador sempre que possível encontrar
um terceiro que resguarde o sujeito passivo natural.
Ademais, a justificativa dada no caso concreto (possibilidade de
variar o sujeito passivo) é imerecida: nos serviços cartorários, o ISS é tributo
direto (o contribuinte não tem margem para repassar o custo para o usuário na
medida em que o preço do seu serviço é fixado em lei).
Inclusive, como já dito há pouco, o Prefeito Municipal reconheceu
o fato ao dizer: “diferentemente de outras atividades em que há livre
concorrência e liberdade de formulação no preço do serviço, nestas há o
tabelamento por parte do Tribunal de Justiça do Estado, havendo dificuldade
para se formar o preço do serviço com base nos custos da atividade” (fls. 220).
No caso concreto, o ISS é direto. Não há como repassar o ônus
para um responsável. A obrigação apenas poderia ser do contribuinte. A figura
do responsável surgiu como uma forma ardilosa de afastar o contribuinte,
identicamente indo de encontro às limitações quanto à capacidade legislativa
da municipalidade.
12. Todo o exposto me confirma a inconstitucionalidade porque
foram alterados, sem respaldo, a base de cálculo e o contribuinte.
A intenção dessas modificações trago o pensamento apenas
como reforço argumentativo demonstra o abuso do poder legislativo.
Aqui, vou ser repetitivo, há ofensa direta a norma constitucional
(estadual e federal). Mas mesmo que não fosse assim, trago a aludida doutrina
para enfatizar o vício em si para dizer que haveria invalidade pelo só abuso da
atividade de legislar.
Ela, é bem verdade, por definição, representa o poder de inovar
originariamente no universo jurídico. O legislador tem espectro de escolha
naturalmente avesso a restrições, pois sua missão é exatamente criativa. É
claro que ele está adstrito a superiores disposições normativas, mormente da
Constituição Federal. Mas, tirante essa evidente delimitação constitucional,
não existem amarras em desfavor do Poder Legislativo. A validade do ato
legislativo dependeria de investigação muito clara a constitucionalidade ou
não, que pode ser formal (desrespeito ao processo legislativo) ou material
(ofensa a ditame da própria Constituição).
Percebeu-se, todavia, que essa concessão de liberdade quase
irrestrita ao legislador (salvo os casos de ofensa direta à Constituição) poderia
ser perniciosa. Não há direitos absolutos nem pode haver exercício de poder
sem submissão a juízo finalístico. O legislador também está sujeito à análise
crítica quanto ao bom uso do grave poder que lhe é outorgado. Advoga-se um
controle teleológico, sustentando-se que a atividade legislativa é livre na
proporção do seu bom uso. Fora daí, está sujeita à censura, mesmo que não
se encontre, de maneira frontal, ofensa constitucional.
A discricionariedade em favor do legislador tem limitações na
razoabilidade. Significa que há liberdade de escolha, de opção por parte do
legislador, mas não está franqueada uma fraude: determinada a tributação que
pesa sobre os cartorários, ratificada a situação por ADI, o Legislativo usaria de
estratégia para em termos fáticos desonerar aquela atividade.
Não se defende, em absoluto, a singela delimitação da atividade
legislativa, mas a compreensão de que existem fronteiras éticas que devem
ser respeitadas. A decisão legislativa deve ser razoável há liberdade, mas
desde que não se chegue ao absurdo, ao absurdo.
A doutrina tem se dedicado ao tema com resultados alentadores:
Caio Tácito, A Razoabilidade das leis, Revista de Direito Administrativo, n.
204, p. 1 e ss.; Marcelo Figueiredo, Desvio de poder legislativo, princípio da
razoabilidade - Gratificação de férias a aposentado, Revista de Direito
Administrativo, n. 202, p. 260 e ss.; Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização
abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 45 e ss.; Carlos Ari
Sundfeld, Princípio da impessoalidade e abuso do poder de legislar, Revista
Trimestral de Direito Público, n. 5, p. 152 e ss.; Caio Tácito, Desvio de poder
legislativo, Revista Trimestral de Direito Público, n. 5, p. 62 e ss.; José Afonso
da Silva, O princípio da razoabilidade da lei Limites da função legislativa,
Revista de Direito Administrativo, n. 220, p. 339 e ss. (O rol está defasado,
mas por brevidade aproveito o que anotei em outro local: Manual da Fazenda
Pública em juízo, n. 3.1).
Este Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Des.
Francisco Oliveira Filho, encampou a doutrina do abuso do poder legislativo:
APELAÇÃO CÍVEL - VERIFICAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE O MEIO
EMPREGADO PELO LEGISLADOR E OS FINS VISADOS PELO REGRAMENTO MUNICIPAL
- DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - ART. 7º, VIII,
DO DECRETO MUNICIPAL DE CHAPECÓ N. 8.827/2000 - INCONSTITUCIONALIDADE -
ARGÜIÇÃO DO INCIDENTE - POSSIBILIDADE NA ESPÉCIE.
"A essência do substantive due process reside, pois, na necessidade de
proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que
se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Essa cláusula
tutelar, ao neutralizar os efeitos prejudiciais do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de
que a prerrogativa outorgada à instância parlamentar constitui atribuição juridicamente limitada,
ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente
político ou discricionário do legislador" (ADIN n. 1407, j. 07.03.96).
"O abuso do poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo
exame dos motivos, configura vício especial de inconstitucionalidade" (BARROSO, Luís
Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p.230).
Mostra-se passível de enquadramento nesse contexto o Decreto Municipal que
prevê a autuação em série de suposto infrator pelo mesmo fato. Argüido o controle difuso de
inconstitucionalidade, a matéria, na espécie, deve ser submetida ao Pleno deste e. Tribunal de
Justiça. (TJSC, AC 2006.045719-7, de Chapecó)
O devido processo legal substantivo, ainda que não esteja
expresso na Constituição, pode ser inferido da isonomia ou da fórmula geral do
art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, conforme a síntese de Clèmerson Merlin
Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT,
2000, p. 47-48), do mesmo modo que aproximadamente infere Canotilho
(Direito constitucional e teoria da Constituição, Almedina, 4ª ed., p. 266 e ss.).
O princípio passou para o plano estadual ante a amplitude do art.
4º da nossa Constituição, que prevê que “O Estado, por suas leis e pelos atos
de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua
competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos
previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos
princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados
internacionais em que o Brasil seja parte”.
Frise-se também que mesmo não usado esse fundamento pela
inicial, a causa de pedir nas ADIs é aberta e o julgamento não fica preso
apenas aos fundamentos postos pelo autor.
13. Finalmente, não reconheço vício quanto a uma possível
bitributação, seguindo os passos da eminente relatora (cujo voto será juntado
e, no ponto, encampo). Independentemente disso, a invalidade persiste pelas
outras razões.
14. Assim, meu voto é para julgar procedente o pedido,
reconhecida a inconstitucionalidade integral da Lei Complementar 424/2012.
É o voto.
Direta de Inconstitucionalidade Nº 8000074-16.2016.8.24.0000
Declaração de Voto Vencido da Exma. Sra. Desembargadora
Soraya Nunes Lins
Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria pelos
fundamentos que seguem:
O Ministério Público do Estado de Santa Cataria ajuizou ação
direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 434/2014 do
município de Joinville, sob a alegação de usurpação da competência da União
para legislar sobre direito tributário, em afronta ao disposto no art. 10, inciso I,
e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina.
Alega que a Lei Complementar nº 434/2014 acrescentou o inciso
IV e os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Complementar Municipal nº 155/03, que
dispõe acerca do imposto sobre serviços de qualquer natureza e sua lista de
incidência.
Aduz que a Lei impugnada alterou o contribuinte do ISSQN nos
serviços de registros públicos, cartorários e notariais, usurpando a
competência da União para legislar sobre normas gerais referente a fato
gerador, base de cálculo e contribuinte dos impostos.
A lei municipal estabeleceu que o imposto será destacado em
separado na nota fiscal a ser adimplida pelo contribuinte. Em assim fazendo, o
tomador do serviço (usuário) suportará o encargo tributário integralmente,
como contribuinte, enquanto o prestador do serviço ocupará apenas a posição
de responsável tributário pelo seu recolhimento.
Além disso, assevera que a Lei Municipal promoveu, também, a
alteração da base de cálculo do imposto, a qual somente poderia ser feita por
lei complementar federal, consoante disposto no art. 127, III, da Constituição
do Estado de Santa Catarina, que reprisa o art. 146, inciso III, alínea "a", da
Constituição Federal.
Nesse norte, argumenta que a Lei Complementar do município de
Joinville, ao determinar que o imposto será calculado pelo valor total da nota
fiscal, alterou a base de cálculo da exação, pois essa deveria ser apenas o
valor dos emolumentos e não o valor total da nota fiscal.
Por fim, registra que a Lei Municipal também é inconstitucional
por autorizar a bitributação, uma vez que o mesmo fato gerador, a base de
cálculo e o mesmo sujeito passivo são exigidos para compor os emolumentos,
que é taxa estadual, assim como o imposto sobre serviços de qualquer
natureza.
Derradeiramente, defende a concessão de medida cautelar para
suspender os efeitos da norma impugnada.
Notificado, o Prefeito Municipal apresentou as informações de fls.
31-35.
Após, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de
Santa Catarina – Anoreg/SC pugnou pelo ingresso no feito como amicus
curiae. Defende, inicialmente, sua legitimidade e o não conhecimento da ação
por ofensa reflexa à Constituição Estadual.
No mérito, sustenta que o art. 6º da Lei Complementar Federal nº
116/2003 autoriza transferir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira
pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade
do prestador do serviço. Destaca, ainda, que o ISSQN assume, no caso
discutido nos autos, feição de tributo indireto, razão por que pode ser
transferido o encargo financeiro para o tomador do serviço.
Argumenta, também, que a Lei municipal não promoveu a
ampliação da base de cálculo do ISSQN, já que nela não se previu a inclusão
do valor do próprio imposto na base de cálculo. Assevera, também, que o
ISSQN não está contido no valor dos emolumentos, o que afastaria a alegada
bitributação.
Na sequência, o Presidente da Câmara de Vereadores
apresentou as informações de fls. 217/218.
As cartorárias Ruth Silva e Sandra Mará Braga pugnaram pelo
ingresso no feito como amicus curiae, defendendo a constitucionalidade da
norma municipal (fls. 240-263).
O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento dos pleitos
de amicus curiae (fls. 277-281).
Após, o Relator do feito à época indeferiu o requerimento de
admissão de Ruth Silva e Sandra Mará de Braga como amicus curiae; deferiu,
de outro lado, a pretensão da Associação dos Notários e Registradores do
Estado de Santa Catarina - Anoreg/SC como amicus curiae, limitando seus
poderes à oposição de embargos de declaração e manifestações nos autos,
vedada interposição de recursos; por fim, indeferiu o requerimento de medida
cautelar (fls. 285-297).
Ato contínuo, foi determinada a citação do Procurador-Geral do
Município (fl. 301), que apresentou a contestação de fls. 312-317.
O Procurador menciona que o ISS se trata de imposto indireto, de
modo que o ônus pelo seu pagamento deve ser suportado pelo usuário final do
serviço, ou seja, o contribuinte de fato. Afirma, também, que os Municípios
possuem competência para instituir o ISS sobre os serviços de registros
públicos, cartorários e notariais.
Alega que a Lei Complementar Federal nº 116/2003 possibilita
aos Municípios, mediante lei, atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário
a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a
responsabilidade do prestador de serviço. Destaca que o art. 121 do Código
Tributário Nacional autoriza os entes federativos a legislarem de igual forma.
Quanto à bitributação, sustenta que a Lei Municipal nº 434/2014
não equalizou a base de cálculo do imposto sobre serviços com o valor dos
emolumentos. No seu entendimento, a base de cálculo do ISSQN é o preço do
serviço e a dos emolumentos é o custo necessário para a prestação do serviço
estatal delegado. Assevera, por fim, que a Súmula Vinculante 29 do STF
orienta ser "constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou
mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde
que não haja integral identidade entre uma base e outra".
Nesse contexto, defende a constitucionalidade da Lei
Complementar nº 434/2014, do município de Joinville.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo.
Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, que opinou pela procedência do pedido inicial,
para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.
434/2014, do Município de Joinville, por violação aos artigos 10, inciso I, e 127,
inciso III, bem como do artigo 125, §4º, todos da Constituição do Estado de
Santa Catarina.
Este é o relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo
Ministério Público do Estado de Santa Cataria em face da Lei Complementar
nº 434/2014, do município de Joinville, sob a alegação de usurpação da
competência da União para legislar sobre direito tributário, em afronta ao
disposto no art. 10, inciso I, e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do
Estado de Santa Catarina.
Com efeito, observa-se que a Lei Complementar nº 434/2014, do
município de Joinville, acrescentou o inciso IV e os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei
Complementar Municipal nº 155/03, que dispõe acerca do imposto sobre
serviços de qualquer natureza e sua lista de incidência.
A norma municipal impugnada expressa em destaque:
Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de
qualquer natureza:
[...]
IV – o valor do próprio imposto, nas prestações de serviços
enquadrados no subitem 21.01 da lista de serviços anexa a esta Lei
Complementar, hipótese na qual não se aplicam os §§ 4º e 5º, do art. 16.
§ 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de
serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do
imposto em separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total
dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal.
§ 2º O recolhimento do imposto decorrente da prestação dos
serviços elencados no subitem 21.01 é de responsabilidade do
prestador.
Sobre a competência legislativa dos entes federados, o art. 24 da
Constituição Federal disciplina:
Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
I – Direito Tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
[...].
O correspondente na Constituição Estadual é o art. 10, inciso I,
que dispõe:
Art. 10. Compete ao Estado legislar, concorrentemente com a União,
sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
[...]
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União para
legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar do
Estado.
§ 2º Inexistindo norma geral federal, o Estado exercerá a competência
legislativa plena para atender suas peculiaridades.
§ 3º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
O artigo 24 da CF possui íntima relação com o disposto no art.
145, também da Constituição Federal, que inaugura as normas sobre o
Sistema Tributário Nacional. No capítulo destinado às regras e às práticas
tributárias, o artigo determina:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
os seguintes tributos:
I - impostos;
[...]
E o art. 146 do Texto Constitucional Federal define caber à Lei
Complementar o estabelecimento de normas gerais sobre a definição de
tributos e de suas espécies, assim como o fato gerador, a base de cálculo e o
contribuinte dos impostos. Nestes termos:
Art. 146 Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas
[...]
No que se refere à incidência do ISSQN sobre os serviços de
registros públicos, cartorários e notariais, que é a matéria nodal da presente
ação, há que se mencionar os dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais sobre o assunto. Nestes termos, o art. 156 da Constituição
Federal dispõe:
Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar.
[...]
Nada obstante, consoante afirmado anteriormente, a Constituição
Federal reservou à Lei Complementar "estabelecer normas gerais em matéria
de legislação tributária, especialmente sobre, definição de tributos e de suas
espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes" (art. 146, III, a, CF).
Em atenção ao preceito constitucional em voga, foi sancionada a
Lei Complementar Federal nº 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito
Federal.
A referida Lei instituiu como fato gerador do imposto a prestação
dos serviços constantes na sua lista anexa, ainda que não constituam
atividade preponderante do prestador.
Destarte, dos serviços sujeitos à tributação pelo ISS, a lista
enumera, nos itens 21 e 21.01, o serviço de registros públicos, cartorários e
notariais. Importante mencionar que os referidos itens foram objeto de Ação
Direta de Inconstitucionalidade proposta perante o Supremo Tribunal Federal
(ADI 3089/DF) que, em 13/02/08, declarou a constitucionalidade da exação.
Nestes termos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR
116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER
NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS,
CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de
Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei
Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros
públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput,
da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços
de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a
prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação
dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da
Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à
tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem
atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de
desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção
prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração
pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A
imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades
políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco
intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação,
devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação
dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades
delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada
improcedente (ADI 3089, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008,
DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02
PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p.
25-58).
Portanto, após o julgamento da ADI 3089/DF pelo Supremo, não
sobrevém mais qualquer dúvida acerca da constitucionalidade da incidência do
ISSQN sobre a prestação dos serviços de registros públicos, cartorários e
notariais.
Ainda no que diz respeito à Lei Complementar Federal nº
116/2003, é importante anotar que o art. 5º definiu como contribuinte do
imposto o prestador do serviço.
Nesse passo, a Lei Complementar nº 434/2014, do Município de
Joinville, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Municipal nº
155/2003, estabeleceu que, nos serviços de registros públicos, cartorários e
notariais, o ISSQN deve estar expresso de forma destacada na nota fiscal de
serviço. Essa modalidade de destaque a nota enseja o repasse do encargo
tributário – que seria do prestador do serviço - ao tomador do serviço, já que é
este que efetuará o pagamento da nota fiscal.
Além disso, a Lei Municipal também definiu, expressamente, que
o prestador do serviço é responsável, tão somente, pelo recolhimento e
pagamento do imposto junto ao Fisco.
Diz o Ministério Público que, dessa forma, a Lei Municipal alterou
o contribuinte do imposto, o que somente poderia ser feito mediante a edição
de Lei Federal.
Do que se denota da dicção do art. 17, §§ 1º e 2º da Lei
Municipal nº 155/2003, o comando normativo expressa que o ônus pelo
pagamento do imposto será transferido do contribuinte de direito (prestador do
serviço – art. 5º da LC nº 116/2003) para o contribuinte de fato (tomador do
serviço). Nesta feição, o que se denota, é que o tributo assumiria as
características de imposto indireto.
Importante ressaltar que a transferência do ônus tributário ao
contribuinte de fato não contraria as normas gerais sobre o ISS, explicitadas
na Lei Federal nº 116/2003, como alega o Ministério Público.
Os impostos, segundo a mais balizada doutrina e jurisprudência
pátria, podem ser classificados como diretos ou indiretos.
O imposto direto, segundo Vittorio Cassone, "é o imposto que
assim se caracteriza quando, numa só pessoa, reúnem-se as condições de
contribuinte de direito (aquele que é responsável pela obrigação tributária) e
contribuinte de fato (aquele que suporta o ônus do imposto)" (Direito Tributário,
25ª edição, São Paulo: Atlas, 2015, p. 47). Tem-se como exemplo o IR e o
IPTU.
O imposto indireto, prossegue o Doutrinador, "é o imposto que
comporta, na operação, dualidade de pessoas: contribuinte de direito (aquele
que é responsável pelo pagamento do tributo – também denominado de sujeito
passivo direto); e contribuinte de fato (aquele que efetivamente suporá o ônus
do imposto - também denominado sujeito passivo indireto). O fenômeno da
'transferência do ônus do tributo' é também conhecido como 'transladação' ou
'repercussão'. Há certos tributos, tais como o ISS, em que é preciso verificar
não só a legislação, como, também (se a legislação permitir), se na Nota Fiscal
de Serviços foi acrescentado o valor do imposto (caso em que se verifica uma
dualidade de pessoas)" (op. cit., p. 48).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de
Recurso Especial Repetitivo – Tema 398, assentou o entendimento de que o
ISSQN é espécie tributária que pode assumir a natureza de tributo direto ou
indireto, cuja classificação dependerá da análise do caso concreto. Assim:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ISS. LOCAÇÃO DE BENS
MÓVEIS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PROVA DA NÃO REPERCUSSÃO.
EXIGIBILIDADE, IN CASU. ART. 166 DO CTN.
1. O ISS é espécie tributária que admite a sua dicotomização como
tributo direto ou indireto, consoante o caso concreto.
2. A pretensão repetitória de valores indevidamente recolhidos a título
de ISS incidente sobre a locação de bens móveis (cilindros, máquinas e
equipamentos utilizados para acondicionamento dos gases vendidos),
hipótese em que o tributo assume natureza indireta, reclama da parte autora
a prova da não repercussão, ou, na hipótese de ter a mesma transferido o
encargo a terceiro, de estar autorizada por este a recebê-los, o que não
ocorreu in casu, consoante dessume-se do seguinte excerto da sentença, in
verbis: "Com efeito, embora pudesse o autor ter efetuado a prova necessária,
que lhe foi facultada, deixou de demonstrar que absorveu o impacto
financeiro decorrente do pagamento indevido do ISS sobre a operação de
locação de móveis, ou que está autorizado a demandar em nome de quem o
fez. Omitiu prova de que tenha deixado de repassar o encargo aos seus
clientes ou que tenha autorização destes para buscar a repetição, conforme
exigência expressa inscrita no art. 166 do CTN."
3. Precedentes: REsp 1009518/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; AgRg no AgRg
no REsp 947.702/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009; AgRg no REsp
1006862/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,
julgado em 26/08/2008, DJe 18/09/2008; REsp 989.634/PR, Rel. Ministro
LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 10/11/2008;
AgRg no REsp n.º 968.582/SC, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJU de
18/10/2007;
AgRg no Ag n.º 692.583/RJ, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU de
14/11/2005; REsp n.º 657.707/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU de
16/11/2004).
4. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (REsp 1.131.476/RS, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe
01/02/2010) (grifou-se).
Também:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
IMPOSTO QUE, NO CASO, TOMA A FEIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO.
ART. 166 DO CTN. INCIDÊNCIA. VERIFICAÇÃO ACERCA DO NÃO
REPASSE DA EXAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. O Imposto Sobre Serviço - ISS, consoante a jurisprudência desta
Corte, pode assumir a natureza de tributo direto ou indireto (REsp
1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 01/02/2010,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC), classificação essa que dependerá
de análise, caso a caso, de existência de vinculação entre o valor auferido
pelos serviços prestados e o tributo devido.
2. No caso concreto, conforme as premissas fáticas delineadas pelas
instâncias ordinárias, o ISS tomou a feição de tributo indireto, já que seu
recolhimento guarda relação com cada nota fiscal emitida, possibilitando,
dessa forma, a transferência do encargo financeiro, razão por que a sua
restituição exige a prova relativa à inexistência do repasse da exação, nos
termos do art. 166 do CTN.
3. A revisão do entendimento adotado pelo acórdão recorrido de que o
valor do imposto foi efetivamente considerado na formação do preço
praticado pela recorrente exige o reexame do conjunto fático-probatório do
autos, o que é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice da
Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 396.796/RS, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em
22/10/2013, DJe 30/10/2013).
Nesse passo, verifica-se que tanto a Lei Complementar Federal
nº 116/2003 quanto a Lei Complementar Municipal nº 155/2003 estabelecem
que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço. Nestes termos,
respectivamente:
Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º [...]
Art. 15 A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º [...]
Assim, como a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço, a
jurisprudência assinala a possibilidade do repasse do encargo financeiro ao
tomador do serviço, porque o imposto é recolhido sobre a receita oriunda de
cada serviço prestado. Tal qual consignou a Primeira Seção do STJ, no
sentido de que:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO
ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL QUE TEM
DIREITO AO TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, § 3º,
DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECOLHIMENTO
DO TRIBUTO QUE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO OS SERVIÇOS
PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 166 DO CTN.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem
reconhecendo que o ISS pode ser classificado tanto como tributo direto
quanto indireto. A base de cálculo do ISS é, em regra, o preço do
serviço, hipótese em que a exação assume a característica de tributo
indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do
serviço. Por outro lado, em se tratando de ISS recolhido na forma prevista
no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, não há vinculação direta entre o
tributo devido e os serviços prestados. Nessa hipótese, ele possui natureza
de tributo direto.
2. No caso dos autos, não obstante tenha se reconhecido que no
período em que se pleiteia a repetição o contribuinte tinha o direito de
recolher o tributo na forma do art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, o
recolhimento do ISS no período mencionado levou em consideração os
serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo
ao tomador do serviço. Nesse contexto, a repetição do tributo pago
indevidamente sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é
necessária a comprovação de que não houve repasse do referido encargo.
Considerando que não houve tal comprovação, não é possível a repetição,
como bem observou o acórdão embargado.
3. Embargos de divergência não providos (EREsp 873.616/PR, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
13/12/2010, DJe 01/02/2011).
Também:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ISS. SOCIEDADE
UNIPROFISSIONAL DE ADVOGADO. TRATAMENTO PRIVILEGIADO
PREVISTO NO ART. 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. RECOLHIMENTO DO TRIBUTO BASEADO NOS SERVIÇOS
PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART.
166 DO CTN. PRECEDENTES.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.131.476/RS,
Rel. Ministro Luiz Fux, definiu, sob o regime do art. 543-C do CPC, que o ISS
é espécie tributária que, a depender do caso concreto, pode-se caracterizar
como tributo direto ou indireto.
2. Nos termos da jurisprudência dominante do STJ, nos casos em
que a base de cálculo do tributo é o preço do serviço, a exação assume
feição indireta, permitindo transferir o ônus financeiro ao contribuinte
de fato.
3. Hipótese em que o recolhimento do ISS levou em consideração os
serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo
ao tomador do serviço. Logo, a repetição do tributo pago indevidamente
sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é necessária a
comprovação de que não houve repasse do referido encargo. Considerando
que não houve tal comprovação, não é possível a repetição. Precedente:
EREsp 873.616/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 1º/02/2011.
Agravo interno improvido (AgInt no AREsp 925.202/RN, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe
31/08/2016) (grifou-se).
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
IMPOSTO QUE, NO CASO, TOMA A FEIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO.
ART. 166 DO CTN. INCIDÊNCIA.
VERIFICAÇÃO ACERCA DO NÃO REPASSE DA EXAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ.
1. O Imposto Sobre Serviço - ISS, consoante a jurisprudência desta
Corte, pode assumir a natureza de tributo direto ou indireto (REsp
1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 01/02/2010,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC), classificação essa que dependerá
de análise, caso a caso, de existência de vinculação entre o valor auferido
pelos serviços prestados e o tributo devido.
2. No caso concreto, conforme as premissas fáticas delineadas pelas
instâncias ordinárias, o ISS tomou a feição de tributo indireto, já que seu
recolhimento guarda relação com cada nota fiscal emitida,
possibilitando, dessa forma, a transferência do encargo financeiro,
razão por que a sua restituição exige a prova relativa à inexistência do
repasse da exação, nos termos do art. 166 do CTN.
3. A revisão do entendimento adotado pelo acórdão recorrido de que o
valor do imposto foi efetivamente considerado na formação do preço
praticado pela recorrente exige o reexame do conjunto fático-probatório do
autos, o que é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice da
Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 396.796/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 30/10/2013) (grifou-se).
Em complemento:
TRIBUTÁRIO - ISS - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - REPERCUSSÃO
ECONÔMICA.
1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou
indireto.
2. Hipótese dos autos que encerra espécie de tributo indireto,
porque recolhido sobre as receitas oriundas de cada encomenda, sendo
suportado pelo tomador do serviço.
3. Como imposto indireto, tem aplicações, em princípio, o teor do art.
166 do CTN e o verbete 71 do STF, atualmente 546.
4. Recurso especial improvido (REsp 426.179/SP, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2004, DJ 20/09/2004, p.
228) (grifou-se).
Nesta última decisão, a Ministra Eliana Calmon registrou em seu
voto:
Dentre as diversas classificações dos impostos, úteis na prática, temos
aquela montada com base nas características que determinam sua
exigibilidade: os chamados impostos DIRETOS, quando recaem em uma só
pessoa, no caso, o contribuinte responsável pela obrigação, o que suporta o
ônus do imposto. Segundo Vitório Cassone, em Direito Tributário, são
impostos diretos o IR, ITR, ITBI, IPTU, ISS dos autônomos e similares.
O imposto DIRETO tem caráter pessoal e, na medida do possível,
atende à capacidade contributiva do sujeito passivo.
Os impostos INDIRETOS são recolhidos pelo contribuinte de direito,
mas é outro que suporta o ônus, chamado de contribuinte de fato. São
impostos indiretos, segundo o mesmo autor, o ICMS, o IPI, o IOF e similares.
Assim, como visto, o ISS pode ser ou não classificado como imposto
indireto, embora, na hipótese dos autos, esteja classificado como TRIBUTO
INDIRETO, porque recolhido sobre as receitas oriundas de cada encomenda.
Em se tratando de imposto indireto, tem aplicação, em princípio, o teor
do art. 166 do CTN e o verbete da Súmula 71 do STF, atualmente Súmula
546, do teor seguinte: "Cabe a restituição do tributo pago indevidamente,
quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do
contribuinte de facto o quantum respectivo.
Não há como fugir da evidência. O ISS, na espécie, é tributo indireto
que grava o valor do serviço e é naturalmente repassado ao tomador do
serviço, o contribuinte de fato (REsp 426.179/SP, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2004, DJ 20/09/2004, p.
228).
Destarte, não há inconstitucionalidade na Lei nº 434/2014, do
município de Joinville, ao ter estabelecido que o ISSQN será destacado em
separado na nota fiscal, porque nesta hipótese o imposto assume a
característica de tributo indireto e, dessa forma, é possível o repasse do ônus
financeiro ao usuário do serviço.
Ao contrário do afirmado pelo Ministério Público, a Lei Municipal
não alterou o contribuinte do imposto, mas apenas possibilitou a transferência
do encargo financeiro ao tomador do serviço, o que já ocorre com outros
tributos da mesma natureza, o que não é vedado pela Lei Federal nº 116/2003
ou pela Constituição Federal.
Desse modo, a norma, neste ponto, não está eivada de
inconstitucionalidade.
Base de Cálculo
No que concerne à assertiva da alteração da base de cálculo do
ISSQN, o Ministério Público igualmente não possui razão.
Neste particular, a Lei Municipal nº 434/2014 assim estabelece:
Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de
qualquer natureza:
[...]
§ 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de serviço
deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em
separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços
prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal (grifou-se).
Da leitura do dispositivo legal infere-se que a base de cálculo do
imposto será o preço do serviço prestado ao usuário. O preço do serviço, por
definição, é a contrapartida paga pelo consumidor ao prestador, pela utilidade
oferecida, no caso, o serviço de registros públicos, cartorários e notariais.
Na hipótese dos Delegatários, a contrapartida ou o preço do
serviço é o valor dos emolumentos fixados nas Tabelas do Regimento de
Custas e Emolumentos do Estado de Santa Catarina – Lei Complementar
Estadual nº 156/1993.
Não é apenas isso, o art. 15 da Lei Municipal 155/2003 disciplina
que "a base de cálculo do imposto é o preço do serviço".
Outrossim, o art. 7º da Lei Complementar Federal nº 116/2003,
que dispõe sobre as normas gerais do ISSQN, determina igualmente que "a
base de cálculo do imposto é o preço do serviço".
Dessa forma, a base de cálculo do ISSQN será, sempre, o valor
dos emolumentos fixados pelo Estado, que são os rendimentos auferidos pelos
Delegatários em contrapartida do serviço público prestado ao usuário.
Registre-se, neste ponto, que os valores concernentes ao FRJ,
Selo de Fiscalização ou outras despesas incluídas na nota fiscal de serviço
não servem de base de cálculo do imposto, pois essas despesas não se
enquadram no conceito de "preço do serviço".
Sobre a base de cálculo do imposto, a Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO
ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL QUE TEM
DIREITO AO TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, § 3º,
DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECOLHIMENTO
DO TRIBUTO QUE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO OS SERVIÇOS
PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 166 DO CTN.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo
que o ISS pode ser classificado tanto como tributo direto quanto indireto. A
base de cálculo do ISS é, em regra, o preço do serviço, hipótese em que
a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do
encargo financeiro ao tomador do serviço. Por outro lado, em se tratando de
ISS recolhido na forma prevista no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, não
há vinculação direta entre o tributo devido e os serviços prestados. Nessa
hipótese, ele possui natureza de tributo direto.
2. No caso dos autos, não obstante tenha se reconhecido que no
período em que se pleiteia a repetição o contribuinte tinha o direito de
recolher o tributo na forma do art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, o
recolhimento do ISS no período mencionado levou em consideração os
serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo
ao tomador do serviço. Nesse contexto, a repetição do tributo pago
indevidamente sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é
necessária a comprovação de que não houve repasse do referido encargo.
Considerando que não houve tal comprovação, não é possível a
repetição, como bem observou o acórdão embargado.
3. Embargos de divergência não provido (EREsp 873.616/PR, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
13/12/2010, DJe 01/02/2011).
Assim, quando a norma municipal disciplina que o valor do
imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescidos ao
valor total da nota, quer dizer que o ISSQN será calculado exclusivamente
sobre o montante dos emolumentos e, ao final, esse produto será acrescido ao
valor da nota fiscal.
Para exemplificar, no caso dos autos, como o tributo é calculado,
nos dizeres do Direito Tributário, "por fora", de forma destacada na Nota
Fiscal, teríamos a seguinte situação hipotética:
Ato hipotético: Registro de uma Escritura Pública de compra e
venda de um imóvel no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no
Registro de Imóveis:
- Valor dos Emolumentos: R$ 1.360,00 (mil trezentos e sessenta
reais).
- Selo de Fiscalização: R$ 9,40 (Resolução CM nº 06/2017)
- FRJ: R$ 600,00 (0,3% do valor do serviço – LCE 188/99)
- TOTAL da Nota Fiscal sem imposto = R$ 1.969,40 (mil
novecentos e sessenta e nove reais e quarenta centavos).
- Cálculo do Valor do imposto de forma destacada, numa alíquota
hipotética de 3% (três por cento): valor do serviço = R$ 1.360,00
(emolumentos) x 3% (alíquota do imposto) = R$ 40,80 (valor do imposto).
- TOTAL da Nota Fiscal com imposto destacado = R$ 2.010,20
(dois mil e dez reais e vinte centavos).
Para firmar bem o entendimento, verifica-se que o inciso IV do
art. 17 da Lei Municipal impugnada está assim redigido na primeira parte: "os
prestadores do serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos
serviços e do imposto em separado", assim:
- Valor do Serviço: R$ 1.360,00 (emolumentos)
- Valor do Imposto: R$ 40,80 (alíquota hipotética de 3%)
Nesse contexto, o usuário saberá exatamente o que está
pagando a título de serviço e de imposto. Registre-se que a própria lei
municipal em voga disciplina que o destaque, nos documentos fiscais, é mera
indicação para fins de controle e esclarecimento ao usuário do serviço (art. 16,
§ 4º LC 155/03).
Já a segunda parte do inciso IV do art. 17 da Lei em estudo
dispõe: "o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados
e acrescido ao valor total da nota fiscal", nestes termos:
- Valor do serviço prestado: R$ 1.360,00 (emolumentos)
- FRJ: R$ 600,00
- Selo de Fiscalização: R$ 9,40
O valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços
prestados: R$ 1.360,00 x 3% (alíquota hipotética) = R$ 40,80
E acrescido ao valor total da nota fiscal: 1.360,00 + 600,00 + 9,40
= 1.969,40 + 40,80 = R$ 2.010,20 (valor total da nota fiscal).
Assim, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, não há
alteração da base de cálculo do imposto, pois o montante da exação não é
calculado pelo valor do serviço + imposto = total x 3% (alíquota). Isso porque,
a própria Lei Municipal disciplina, de modo expresso, que nos serviços de
registros públicos, cartorários e notariais não integram a base de cálculo do
imposto o valor do próprio imposto. Essa é a dicção do art. 17, inciso IV, da LC
155/03.
Nesse contexto, no que se refere à base de cálculo do ISSQN, a
Lei Municipal não alterou a base de cálculo do tributo, de modo que não se
entrevê inconstitucionalidade na redação da Lei Municipal nº 434/2014.
Importante que se diga, se em um determinado caso concreto,
algum Delegatário incluir na base de cálculo do ISSQN rubricas diversas dos
emolumentos (preço do serviço), tais como FRJ, Selo de Fiscalização ou
outras despesas, estará infringindo não só a norma municipal, assim como a
Lei Federal nº 116/2003.
O ato ilegal deverá ser, portanto, submetido ao crivo do Ministério
Público e da Corregedoria-Geral da Justiça para as providências cabíveis.
No entanto, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o
que se avalia é a conformação do texto legal às normas insertas na
Constituição do Estado de Santa Catarina. E, nesse caso, não se vislumbra
violação.
Bitributação
O último argumento deduzido pelo Ministério Público diz respeito
à bitributação. Segundo o Órgão Ministerial, os usuários do serviço estariam
sendo duplamente onerados com o pagamento de taxa – que é a natureza
jurídica dos emolumentos – e com o ISSQN, incidente sobre o mesmo fato
gerador e a mesma base de cálculo, qual seja, o preço do serviço.
No entanto, a divergência acerca da matéria encontra-se
superada desde a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da ADI 3089/DF, realizado em 13/02/2008.
Na ocasião, a Corte Suprema firmou o entendimento no sentido
de que é constitucional a exigência de ISSQN sobre os serviços de registros
públicos, cartorários e notariais, previstos nos itens 21 e 21.01 da lista de
serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Dessa forma, forçoso admitir que a decisão do Supremo Tribunal
Federal, focada na possibilidade de os emolumentos – que possuem a
natureza jurídica de taxa – servirem também de base de cálculo para o ISSQN,
afastou, por imperativo lógico, a existência de suposta bitributação.
Nesse contexto, diante do posicionamento definitivo adotado pelo
Plenário do STF, a matéria já não mais comporta discussão, fazendo-se mister
afastar a assertiva da bitributação.
Assim, são essas as razões pelas quais divergi da douta maioria
e votei no sentido de julgar improcedente a ação direta de
inconstitucionalidade.

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  • 1. Direta de Inconstitucionalidade n. 8000074-16.2016.8.24.0000, de Joinville Redator designado: Desembargador Hélio do Valle Pereira AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR 434/2014 DE JOINVILLE – ISS – BASE DE CÁLCULO E CONTRIBUINTE – PRERROGATIVA DO REGRAMENTO NACIONAL – FRAUDE NO SENTIDO DE AFASTAR OS ÔNUS RESULTANTES DA ADI 3.089/STF – TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O STF (ADI 3.089) definiu que “As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva” (Min. Joaquim Barbosa). Para impedir a eficácia dessa decisão, ou seja, que os cartorários tivessem diminuição de renda (em muitos casos, ganhos irreais para qualquer lugar do mundo), foi editada lei municipal que em termos práticos os libera do ISS. Determinou-se que, no lugar de o cartorário ser o contribuinte (como é pelo cogente modelo nacional), o usuário haveria de satisfazer apartadamente o ISS. Fez-se opção por onerar toda a população, mantendo-se o lucro (é expressão endossada pelo STF) dos delegatários. 2. É a lei complementar nacional (só ela) que pode definir a base de cálculo e o contribuinte de impostos (art. 146 da CF). A Constituição Estadual repete as extremas limitações à capacidade legislativa dos municípios no campo tributário, não fossem bastantes aquelas regras nacionais serem de reprodução obrigatória, justificando a ADI no campo local ainda que não fossem ratificadas domesticamente. 3. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, (LC 116/2003); é apurado “por dentro”. A lei municipal, ao propor a exclusão do ISS daquela quantificação (exceção não contemplada na norma da União), é inconstitucional, criando só para Joinville uma forma distinta de quantificação do imposto (“por fora”). 4. A lei ordinária pode definir responsável por imposto,
  • 2. o que é corriqueiro no ISS. Essa ampliação da sujeição passiva vem em favor do Fisco (dando maior eficiência à administração fiscal), constituindo vínculo imediato entre o particular (o sujeito passivo tributário) e a Fazenda Pública. Não existe sentido, porém, em apontar o responsável como uma comodidade para o contribuinte: o suposto responsável teria como obrigação apenas indenizar previamente o vero sujeito passivo, ele sim na prática quem repassará o ISS ao Poder Público (é claro, porque na essência permanece sendo o contribuinte e não há responsável, apenas uma pessoa que é convocada a pagar por outrem o que não deve; um “responsável do responsável”). 5. A distinção entre tributos diretos e indiretos é econômica, ainda que reflexamente tenha importância para fins de repetição de indébito (art. 166 do CTN). O ISS pode ser direto ou indireto, não por uma discricionariedade do legislador fiscal, mas por uma decorrência da relação civil subjacente. Se (é o comum) o custo com o ISS pode ser aditado ao preço do serviço a critério do prestador, o imposto será indireto; se o contribuinte haja de suportar faticamente o imposto, ele será direto. Só isso. Esses eventos não autorizam o legislador local a, mudando a base de cálculo ou o contribuinte, pretender proteger o vero sujeito passivo. Além disso, a justificativa dada no caso concreto (possibilidade de variar o sujeito passivo) é imerecida: na hipótese dos serviços cartorários, o ISS é tributo direto (o contribuinte não tem margem para repassar o custo para o usuário na medida em que o preço do seu serviço é fixado em lei). O responsável tributário é aquele que atua circunstancialmente em nome do verdadeiro integrante do fato gerador, tendo o “direito de cobrar a dívida do contribuinte” (Hugo de Brito Machado). Pode pagar, mas não é viável “fazer com que o tributo seja recolhido sem onerar o seu próprio bolso” (Luciano Amaro). No caso concreto, porém, criou-se responsabilidade apenas para impedir custo para o contribuinte (que receberá os emolumentos e será reembolsado quanto ao ISS). Alteração, desse modo, do sentido constitucional da expressão “contribuinte”, tratando como “responsável” quem não poderia à luz do significado das duas expressões sê-lo. 6. Fraude ostensiva da lei local, que teve por objetivo
  • 3. único, beneficiando alguns poucos cartorários, prejudicar a população. Há lobby para cartorários; não há lobby para o povo. Abuso de poder legislativo argumento apenas de reforço bem caracterizado. Modelo econômico extrativista em que elite se apropria das riquezas produzidas pela população em detrimento de um círculo virtuoso de liberdade e respeito por um modelo inclusivo (em adaptação livre da obra Por que as nações fracassam James A. Robinson e Daron Acemoglu). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 8000074-16.2016.8.24.0000, da comarca de Joinville Fazenda Pública em que é Requerente o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Requeridos o Prefeito Município Joinville e a Câmara de Vereadores de Joinville. O Órgão Especial decidiu, por maioria de votos, julgar procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 434, de 19 de dezembro de 2014, do Município de Joinville, com efeitos "ex tunc". Vencida a Exma. Sra. Desa. Soraya Nunes Lins (relatora), que votou no sentido de julgar improcedentes os pedidos formulados, e os Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Luiz Cézar Medeiros, Monteiro Rocha e João Henrique Blasi, que a acompanharam inclusive quanto aos fundamentos. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Soraya Nunes Lins, Henry Petry Júnior, Roberto Lucas Pacheco, Rodrigo Collaço (presidente com voto), Stanley Braga, Francisco Oliveira Neto, Pedro Manoel Abreu, Newton Trisotto, Luiz Cézar Medeiros, Sérgio Roberto Baasch Luz, Monteiro Rocha, Fernando Carioni, Marcus Tulio Sartorato, Ricardo Fontes, Salim Schead dos Santos, Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Jaime Ramos, Alexandre d'Ivanenko, Moacyr de Moraes Lima Filho, Sérgio Izidoro Heil, João Henrique Blasi e Jânio Machado. Florianópolis, 6 de fevereiro de 2019.
  • 4. Desembargador Hélio do Valle Pereira Relator
  • 5. RELATÓRIO Adoto a descrição feita pela eminente Desembargadora Soraya Nunes Lins, a relatora desta ação direta de inconstitucionalidade: O Ministério Público do Estado de Santa Cataria ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 434/2014 do município de Joinville, sob a alegação de usurpação da competência da União para legislar sobre direito tributário, em afronta ao disposto no art. 10, inciso I, e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Alega que a Lei Complementar nº 434/2014 acrescentou o inciso IV e os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Complementar Municipal nº 155/03, que dispõe acerca do imposto sobre serviços e sua lista de incidência. Aduz que a Lei impugnada estabeleceu que, nos serviços de registros púbicos, cartorários e notariais, o imposto será calculado sobre o valor global do serviço presente na nota fiscal, ou seja, o montante dos emolumentos acrescido do valor do próprio imposto destacado na nota fiscal, assim como repassou o pagamento do tributo ao tomador dos serviços. Assevera, primeiramente, que segundo o art. 24, inciso I, da Constituição Federal, a competência para legislar sobre direito tributário é concorrente entre a União e os Estados, sendo que cabe àquela a instituição de normas gerais e a estes suplementá-las no que for cabível. Aos Municípios, por sua vez, cumpre suplementar a legislação federal e estadual, restrito ao interesse local, não estando autorizado a contrariar o ordenamento jurídico estadual e federal. Defende que o art. 146, inciso III, a Constituição Federal estabelece que cabe à Lei Complementar Federal definir o fator gerador, a base de cálculo e o contribuinte dos impostos. A mesma determinação encontra respaldo no art. 127, inciso III, da Constituição do Estado de Santa Catarina. Assim, refere que coube à Lei Complementar Federal nº 116/03 definir o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do imposto sobre serviços, conforme se constata dos artigos 1º, 5º e 7º da mencionada norma. Destaca que o art. 5º da Lei Complementar nº 116/03 definiu como contribuinte do ISS o prestador do serviço. No entanto, a Lei nº 343/2014, do município de Joinville, conferiu tratamento diverso, atribuindo ao tomador dos serviços de registros públicos, cartoriais e notariais, a condição de contribuinte do ISS. Além disso, assevera que a Lei Municipal promoveu, também, a alteração da base de cálculo o imposto, a qual somente poderia ser feita por lei complementar federal, consoante disposto no art. 127, III, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que reprisa o art. 146, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal.
  • 6. Nesse norte, aduz que a Lei Federal nº 116/03 definiu que a base de cálculo do imposto sobre serviços é o preço do serviço. No caso das serventias extrajudiciais, o preço do serviço equivaleria aos emolumentos recebidos pelo Cartorário, os quais são tabelados por Lei Estadual. Alega que o valor dos emolumentos não pode ser alterado por convenção das partes e abrange todos custos operacionais para o desenvolvimento da atividade delegada, como a folha de salário dos empregados, luz, água, montante destinado ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça, bem como todos os tributos incidentes na atividade, inclusive o imposto sobre serviços. Argumenta, todavia, que a Lei Complementar do município de Joinville alterou a base cálculo do referido imposto, pois o preço do serviço, que deveria ser aquele fixado pelo Estado a título de emolumentos, passou a ser acrescidos do ISS. Menciona que ao instituir Lei Municipal em análise, o município de Joinville usurpou da competência da União para legislar sobre normas gerais de direito tributário, que inclui a definição do contribuinte e da base de cálculo do imposto sobre serviços, em afronta ao art. 10, inciso I e art. 127, inciso III, ambos da Constituição Estadual. Por fim, registra que a Lei Municipal também é inconstitucional por autorizar a bitributação, uma vez que o mesmo fato gerador, a base de cálculo e o mesmo sujeito passivo são exigidos para compor os emolumentos, que é taxa estadual, assim como o imposto sobre serviços. Derradeiramente, defende a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos da norma impugnada. Notificado, o Prefeito Municipal apresentou as informações de fls. 31-35. Após, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina Anoreg/SC pugnou pelo ingresso no feito como amicus curiae. Defende, inicialmente, sua legitimidade e o não conhecimento da ação por ofensa reflexa à Constituição Estadual. No mérito, sustenta que o art. 6º da Lei Complementar Federal nº 116/2003 autoriza transferir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador do serviço. Destaca, ainda, que o ISS assume, no caso discutido nos autos, feição de tributo indireto, razão por que pode ser transferido o encargo financeiro para o tomador do serviço. Argumenta, também, que a Lei municipal não promoveu a ampliação da base de cálculo do ISS, já que nela não se previu a inclusão do valor do próprio imposto na base de cálculo. Assevera, também, que o ISS não está contido no valor dos emolumentos, o que afastaria a alegada bitributação. Na sequência, o Presidente da Câmara de Vereadores apresentou as informações de fls. 217/218.
  • 7. As cartorárias Ruth Silva e Sandra Mará Braga pugnaram pelo ingresso no feito como amicus curiae, defendendo a constitucionalidade da norma municipal (fls. 240-263). O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento dos pleitos de amicus curiae (fls. 277-281). Após, o Relator do feito à época indeferiu o requerimento de admissão de Ruth Silva e Sandra Mará de Braga como amicus curiae; deferiu, de outro lado, a pretensão da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina - Anoreg/SC como amicus curiae, limitando seus poderes à oposição de embargos de declaração e manifestações nos autos, vedada interposição de recursos; por fim, indeferiu o requerimento de medida cautelar (fls. 285-297). Ato contínuo, foi determinada a citação do Procurador-Geral do Município (fl. 301), que apresentou a contestação de fls. 312-317. O Procurador menciona que o ISS se trata de imposto indireto, de modo que o ônus pelo seu pagamento deve ser suportado pelo usuário final do serviço, ou seja, o contribuinte de fato. Afirma, também, que os Municípios possuem competência para instituir o ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Alega que a Lei Complementar Federal nº 116/2003 possibilita aos Municípios, mediante lei, atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador de serviço. Destaca que o art. 121 do Código Tributário Nacional autoriza os entes federativos a legislarem de igual forma. Quanto à bitributação, sustenta que a Lei Municipal nº 434/2014 não equalizou a base de cálculo do imposto sobre serviços com o valor dos emolumentos. No seu entendimento, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço e a dos emolumentos é o custo necessário para a prestação do serviço estatal delegado. Assevera, por fim, que a Súmula Vinculante 29 do STF orienta ser "constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra". Nesse contexto, defende a constitucionalidade da Lei Complementar nº 434/2014, do município de Joinville. Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, que opinou pela procedência do pedido inicial, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 434/2014, do Município de Joinville, por violação aos artigos 10, inciso I, e 127, inciso III, bem como do artigo 125, §4º, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Adito que Sua Excelência votou pela improcedência. Pedi vista dos autos e como a posição que defendi foi vitoriosa,
  • 8. apresento os fundamentos que animaram o posicionamento da maioria. VOTO 1. A pretensão, relembro, é para reconhecer a invalidade da Lei Complementar 434/2014 do Município de Joinville. Em resumo, a norma aprovada pela Câmara de Vereadores cria um regime peculiar quanto ao ISS incidente sobre as atividades de registro público: o registrador emite um documento adicional, que representará o custo do imposto, que obviamente será satisfeito cumulativamente com os emolumentos em si pelo particular. O notário e o registrador ficam livres de alguma repercussão econômica. Em outros termos, art. 17, caput, da Lei Complementar 155/2003 de Joinville, após a mencionada Lei Complementar 434/2014 (atacada nestes autos), ficou assim: Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de qualquer natureza: (...) IV o valor do próprio imposto, nas prestações de serviços enquadrados no subitem 21.01 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar, hipótese na qual não se aplicam os §§ 4º e 5º, do art. 16. § 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal. § 2º O recolhimento do imposto decorrente da prestação dos serviços elencados no subitem 21.01 é de responsabilidade do prestador. Dito de outro modo, nos demais municípios, que não seguiram a mesma excentricidade, o particular paga os emolumentos. Surge o fato gerador do ISS e sobre aqueles emolumentos (a base de cálculo), o cartorário, porque é o contribuinte, paga o imposto. Mais claramente, em Joinville ir a um cartório é mais caro (o usuário paga emolumento mais ISS); em outros locais, ele paga apenas os emolumentos. Adianto que estou de acordo com a relatora quanto à superação dos aspectos formais trazidos nos arrazoados que se opõem à pretensão,
  • 9. assim como derrogo o argumento relativo a uma possível bitributação. Quanto a esses tópicos não formularei aditamentos (e o voto de Sua Excelência, que será juntado, cumprirá o papel de fundamentação). 2. Em Por que as nações fracassam, James A. Robinson e Daron Acemoglu descrevem a “origem do poder, da prosperidade e da pobreza” o subtítulo do livro. Lembrei-me na primeira sessão de julgamento deste “livro notável”, definiu o Ministro Luís Roberto Barroso (Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 2018), também um entusiasta da obra. Há nações que se baseiam em instituições políticas e econômicas de caráter extrativista. Existe quem produz e quem se aproprie do que os outros produzem; mas há nações de perfil inclusivo. Nestas, o sistema político (e consequentemente também o econômico) estimula a geração de riqueza por meio de um ambiente de liberdade e segurança. Há trabalho que gerará benefícios a quem produz, não primordialmente a quem deseje se apropriar do esforço alheio. Um modelo extrativista pode gerar resultados de crescimento eventuais, mas não alcançará a justiça social ou mesmo um espraiamento da renda. Os autores trazem muitos exemplos históricos e eu sugeriria adicionar o caso destes autos. Uma elite, os cartorários, pouco importando se hoje tendem a ser concursados, têm um poder de pressão tamanho que, surpreendidos com tributação, agilizam para sob a condução surpreendente, ou nada surpreendente dos Poderes Executivo e Legislativo não pagar nada, transferindo o ônus para quem precisa de seus serviços (e a necessidade, aqui, deriva predominantemente de uma coincidente imposição legal, não de um ato de liberdade). Em outros termos, quem produz tem que transferir renda para quem tem lobby eficiente. É um modelo extrativista. 3. Também cito Jonathan Swift, ele mesmo d'As aventuras de Gulliver, o livro que era lido todos os anos por Machado de Assis ao menos
  • 10. existe uma lenda divulgada por Carlos Heitor Cony sobre isso (já comentei uma vez perante o Grupo de Câmaras de Direito Público). “Quem fizer crescer duas espigas de milho ou duas folhas de grama onde ontem só crescia uma merece mais da humanidade e presta um serviço mais essencial à sua terra do que toda a raça de políticos reunidos”, disse Swift em 1726 por meio do diálogo do rei de Brobdingnag e Gulliver. Quer dizer, quem produz é o merecedor do respeito, não quem cultua o extrativismo. (Recordei-me da passagem em razão de Steven Pinker e seu excepcional O novo iluminismo Em defesa da razão, da ciência e do humanismo, de 2018, que a ela faz também menção e que lia por estes dias.) 4. Faço agora algumas observações teóricas (e antecedentes) sobre o tema exposto nesta ADI. A primeira é para reforçar um sistema constitucional que explicitamente dá à União preponderância legislativa. O art. 146 da Constituição concede com exclusividade ao ente maior por meio de lei complementar a aptidão para “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária” (inc. III). É caso, aliás, de atribuição isolada; quando muito, poderia ser empolgado o art. 24, mas que dá aos Estados a capacidade para apenas cuidar do direito tributário em caráter suplementar, tanto mais quando editada a norma da União sobre o assunto (§§ 1º a 4º). Bem assim, podem ser trazidos os incisos I e II do art. 30, que propiciam aos municípios legislar sobre os temas de “interesse local”, bem como “suplementar a legislação federal e estadual”. Quer dizer, normas gerais de direito tributário entre outras são da União. No máximo, pode ocorrer aditamento pelos demais entes federativos no pressuposto evidente de não haver colisão. Não há demérito aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. No arcabouço constitucional brasileiro há três esferas de poder
  • 11. e em projeção introspectiva não há hierarquia entre os entes políticos. Cada qual detém competência própria (eventualmente concorrente) e nessa proporção tem autonomia. Só que existe a já mencionada preponderância em prol da União, que não raramente, além de sua competência exclusiva, também está apta a ditar regras gerais, que prevalecem em relação às demais pessoas políticas. Daí surge a distinção entre leis nacionais e federais. Aquelas são relativas à atribuição legislativa da União como ente que congrega todas as pessoas políticas, estabelecendo normas comuns. As leis federais se referem à regulamentação de fatos que envolvem exclusivamente a União como pessoa pública equiparada às demais (por exemplo, estatuto dos seus servidores e criação de imposto federal). Em outros termos, as normas gerais tributárias devem ser nacionais. Essas regras são estruturantes, impedindo os arroubos paroquiais. Não se trata de regras federais; não é a União meramente legislando a respeito de relações jurídicas nas quais intervirá. É a União normatizando como entidade que reúne os demais entes federativos. 5. A Constituição trata entre as “normas gerais tributárias” a “definição (...), em relação aos impostos, dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (art. 146, inciso. III, alínea “a”). (As partes sublinhadas são os tópicos que agora interessam.) Convergentemente, a Constituição Estadual expõe que “compete ao Estado legislar, concorrentemente com a União, sobre direito tributário” (art. 10, inciso I). Não se estende é daqueles silêncios eloquentes ao Município a mesma mercê, certo que a ele apenas restam “os assuntos de interesse local” e “suplementar a legislação federal e a estadual, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecidas pelos demais entes federados” (art. 112, incisos I e II). Apanha-se que aquilo que foi exposto quanto aos limites à competência legislativa na área do direito tributário no âmbito da Constituição
  • 12. Federal é repetido em termos gerais na Constituição Estadual. 6. Seja como for, o STF tem reconhecido que há normas de reprodução obrigatória pelos Estados, mais exatamente aquelas que repartem as competências legislativas. Tem defendido que toca aos Tribunais de Justiça a proclamação de invalidade do regramento doméstico quando a norma estadual ou municipal supere o terreno delimitado em prol da União. Haveria, por assim dizer, uma inclusão tácita da tal disciplina no âmbito doméstico. Defendi isso em voto na ADI 8000148-18.2018.8.24.0900 (sessão de 19 de dezembro) e não vou insistir no ponto agora, mas ratifico o representativo julgamento do STF na Rcl 17.954-AgR (rel. Min. Luís Roberto Barroso): No caso dos autos, a norma federal invocada foi o art. 22, I, da Carta da República, que atribui à União a competência privativa para legislar, entre outras matérias, sobre direito do trabalho. O caráter privativo dessa atribuição federal significa que está prima facie excluída das esferas estaduais, distrital e municipal a disciplina das relações de trabalho. Em outras palavras, o dispositivo acima interfere diretamente na ordem jurídica dos Municípios, configurando, portanto, norma de reprodução obrigatória. Naturalmente, seria possível discutir se está correta, ou não, a interpretação que lhe foi conferida na origem o que, como indicam os precedentes citados, seria viável em sede de recurso extraordinário. No entanto, isso não infirma o fato de que, ao aplicar a norma de reprodução obrigatória, o Tribunal de Justiça não invadiu a competência desta Corte. Esta passagem do voto proferido por Sua Excelência no julgamento monocrático da reclamação (mantido pela Primeira Turma à unanimidade após a interposição de agravo interno), ademais, é esclarecedora: Nada impede, porém, que o Tribunal de Justiça fundamente suas conclusões em norma constitucional federal que seja “de reprodução obrigatória” pelos Estados-membros. Assim se qualificam as disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.
  • 13. 7. É possível prosseguir quanto aos concretos termos desta ação direta de inconstitucionalidade. Abordo primeiramente a modificação imposta à base de cálculo (tema, relembro, que deve constitucionalmente ser do alcance exclusivo da União). A Lei Complementar 434/2014 inovou, todavia, quanto ao assunto. Sem que haja reiteração no modelo federal (rectius, nacional), foi dito que “não integram a base de cálculo o imposto sobre serviços de qualquer natureza o valor do próprio imposto nas prestações de serviços enquadrados no subitem 21.01 da lista de serviços (...)”, ou seja, aqueles relativos às prestações cartorárias. Não há, insisto, previsão equivalente no modelo superior. Lá, o ISS é apurado, no chavão do direito tributário, “por dentro”. “A base de cálculo do imposto é o preço do serviço”, está na Lei Complementar Nacional 116/2003 (art. 7º, caput), tanto quanto é repetido na norma local (art. 15, caput). Ocorre que não basta fazer aquela asserção genérica e depois permitir que a disciplina municipal exclua algum aspecto da base de cálculo. Foi o ocorrido, porém, nos autos. De um lado, havia cópia do modelo editado pelo Congresso Nacional, mas depois por meio da inconstitucional Lei Complementar 434/2014 surgiu uma exceção direcionada aos cartorários. É evidente que o novo (novo!) inc. IV do art. 17 apenas foi editado para modificar, para trazer uma real alteração no regime fiscal. Se no modelo nacional o ISS quanto aos cartorários tem como base de cálculo o próprio imposto (“por dentro”), no sistema municipal a base de cálculo é distinta (“por fora”). O Prefeito Municipal confessou a circunstância ao inaugurar o processo legislativo: “O presente projeto tem como objetivo alterar a forma de cálculo do ISSQN, deixando o montante do próprio imposto de compor sua
  • 14. base de cálculo” (fls. 221). Isso agride o art. 146 da Constituição Federal (regra cogente que deve ser tida por reproduzida pela Constituição de Santa Catarina: item 6), tanto quanto vai de encontro ao art. 10, inciso I, da Carta Política barriga- verde, que reitera os impedimentos ao exercício da aptidão legislativa. (Há ao que percebo uma divergência entre o voto da eminente relatora e a inicial quanto à exata extensão da nova base de cálculo, se limitada apenas aos emolumentos ou a outras verbas exigidas do usuário. Esta é uma ação abstrata e deve ser exposto o que está na norma. Por ela, o usuário é onerado e não há como defender que o custo final do serviço seja o mesmo. Fosse assim, por que a Anoreg apresentaria alguma insurgência?) 8. A regra é inconstitucional só por aquela avaliação objetiva (de invasão da capacidade legislativa), mas se deve observar que sob os auspícios de uma modificação periférica, um ajuste contábil, há sentido perverso (e perverso está no sentido de perverso mesmo). O comparsa do inciso IV é o § 1º, que dita que o cartorário deverá destacar “o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao total da nota fiscal”. Em outros termos, o ISS, que seria pago pelo cartorário, surgindo com uma despesa própria da sua atividade, passa ser arcado pelo usuário dos serviços. Com essa invasão da competência tributária, alterando-se a base de cálculo, permitiu-se ir além: o objetivo era apenas afastar do cartorário uma diminuição do lucro. 9. Esse esforço visou eclipsar a eficácia do decido pelo STF na ADI 3.089-DF (rel. Min. Joaquim Barbosa). Lá se deliberou a respeito da validade da Lei Complementar Nacional 116/2003 na parte em que previu a incidência do ISS sobre a atividade cartorária. Disse o relator que “As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art.
  • 15. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva”. É a evidência gigantesca de que o ISS é da própria atividade. É inflexão sobre o preço do serviço, que envolve uma prestação cúpida. O STF disse: cartorários desempenham missão que gera ganhos; devem ser tributados. Na situação dos autos, porém, os legisladores e o Executivo ficaram abalados com a posição da Corte Suprema e, em detrimento da população, preferiram encontrar uma fórmula ofensiva às “normas gerais de direito tributário” que beneficiasse aqueles poucos cartorários. Entre a preservação da integralidade do lucro e o repasse dos custos aos cidadãos, foi-se em favor de uma elite. O Prefeito Municipal disse mesmo que “diferentemente de outras atividades em que há livre concorrência e liberdade de formulação no preço do serviço, nestas há o tabelamento por parte do Tribunal de Justiça do Estado, havendo dificuldade para se formar o preço do serviço com base nos custos da atividade” (fls. 220). 10. O Ministério Público também percebe invalidade na normatização quando define sem podê-lo um novo contribuinte (do cartorário para o seu cliente). O argumento, em princípio, poderia ser rebatido dizendo-se que não se está mudando aquela figura (do contribuinte), mas se elegendo um responsável. Aqui, ainda que brevemente, devem ser rememoradas ideais básicas do direito tributário. O sujeito passivo pode ser o contribuinte ou o responsável (art. 121 do CTN). O primeiro é aquele que “tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” (inciso I). Em outros termos, é quem integra a situação típica definida em lei como justificadora da obrigação tributária (a hipótese de incidência concretizada). No caso, dos impostos, tributo não vinculado, é quem exterioriza a riqueza que permite a
  • 16. inflexão fiscal, pois este o cerne da previsão normativa. O responsável é, por assim dizer, uma figura adjacente. Por conveniência da Administração é eleito como o sujeito passivo. Não realiza o fato gerador, mas está “vinculado” a ele, diz didaticamente o art. 128. Se apenas a lei nacional pode definir o contribuinte (art. 146, inciso III, alínea “a”, da CF), o responsável pode estar na lei ordinária. Por isso, o contribuinte do ISS é aquele e só aquele da Lei Complementar 116/2003, o prestador do serviço (art. 5º); mas responsáveis podem ser variados. A norma local fez uma operação para afastar o contribuinte de seu natural encargo. A defesa para tanto é no sentido de que se o usuário do serviço não pode ser contribuinte (a lei nacional não permite), pode ser responsável. Não é isso, na realidade, o que ocorreu. “Imposto é o tributo que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”, está no art. 16 do CTN. É uma situação que, como dito, indica a capacidade contributiva por uma exteriorização de riqueza. Pode ser a propriedade de um bem, a venda de um objeto, a importação de uma mercadoria e assim por diante. No caso da prestação de um serviço, revelam capacidade contributiva (porque expõem a mencionada exteriorização de riqueza) tanto quem contrata o serviço (e paga por ele) quanto quem o presta (e será remunerado). Qualquer deles poderia ser eleito como contribuinte (art. 121, inciso I, do CTN) por lei nacional (art. 146 da CF). Na hipótese, porém, é contribuinte exclusivamente o prestador porque a Lei Complementar 116/2003 quis desse modo. Isso tudo não exclui a possibilidade de haver um responsável, o qual, foi falado há pouco, é definido em lei para a comodidade administrativa. Na hipótese do ISS, inclusive, eles surgem às mancheias. Comum, por exemplo, que o tomador dos serviços seja definido como responsável. Ele é mais exatamente um substituto tributário (art. 128 do CTN). Pense-se em
  • 17. exemplo corriqueiro: uma grande empresa contrata um modesto empreiteiro. Ao pagar o preço do serviço imediatamente deve reter o percentual pertinente ao ISS, destinando ao prestador do serviço a “quantia líquida”. Aquele montante pertinente ao imposto é repassado ao Fisco. É mais eficaz para a Administração auditar o grande empresário do que os pulverizados pequenos agentes econômicos. Em hipótese alguma a responsabilidade se justifica como uma forma de benefício àquele que naturalmente deveria ser o sujeito passivo (às vezes, na verdade, as duas figuras se cumulam, havendo solidariedade ou sujeição supletiva). No exemplo, o pequeno empreiteiro sabe que haverá retenção de parte do preço do serviço e já inclui (“por dentro”) o valor pertinente ao ISS. O substituto tributário não tem nenhum prejuízo. Está retendo aquilo que naturalmente já suportaria (o ISS, insisto, embutido no valor do negócio jurídico). Aqui, muito artificialmente, não se criou propriamente um responsável, mas se estabeleceu um contribuinte distinto daquele descrito na lei nacional. A conveniência não foi da Administração, foi apenas uma vantagem financeira para o vero devedor. Aliás, aquele que seria um responsável tributário acaba não tendo nenhum liame com o Poder Público, pois a lei criticada estabelece que “o recolhimento do imposto decorrente da prestação de serviços elencados no subitem 21.01 é da responsabilidade do prestador”. Ora, o responsável para ter legitimamente essa condição “tem apenas o dever jurídico de pagar a dívida alheia, e por isso mesmo o direito de cobrar a dívida do contribuinte” (Hugo de Brito Machado , Comentários ao Código Tributário Nacional, v. II, Atlas, 2004, n. 2.3, p. 424). Luciano Amaro, autor na minha opinião do melhor manual de direito tributário diz que para que “isso seja possível (a criação de um responsável tributário) é necessário que a natureza do vínculo permita a esse terceiro, elegível como responsável, fazer com que o tributo seja recolhido sem onerar o seu próprio bolso” (Direito tributário brasileiro, Saraiva, 18ª ed, 2012, n. 7.1, p. 338).
  • 18. Veja-se a situação: há o responsável do responsável! O responsável (o primeiro) é o contratante dos serviços; o segundo responsável é o cartorário. Não há sentido nessa construção porque aquele que seria o segundo responsável não deixou, em verdade, de ser em nenhum momento o contribuinte. Ele é assim na lei nacional e é somente ele que mantém liame com a Administração. O usuário apenas comparece com o dinheiro porque não há lobby em favor do povo. O Município levou a sério uma máxima de Jean-Baptiste Colbert (ministro das Finanças da França no século XVII): “a arte da tributação consiste em depenar o ganso de modo a obter o máximo de penas com o mínimo de grasnidos” (citado por Gustavo Franco e Fabio Giambiagi, Antologia da maldade, Zahar, 2015, p. 153). O contratante do serviço seria efetivamente responsável se tivesse vínculo efetivo com a Administração; se ele, em outros termos, fosse o eleito a reter o ISS e a repassá-lo à Fazenda Pública. Aqui isso não acontece. O usuário não tem relação com a Administração. O cidadão não paga o ISS para o Município; ele está indenizando o cartorário, que não quer ver nenhuma (nenhuma) diminuição de receita. Sérgio Buarque de Holanda contou Elio Gaspari na Folha de São Paulo do dia 30 de janeiro passado defendia que “Nós não temos conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada”. Essa posição de defesa dos cartorários, um apego à tradição de seus serviços, não é uma busca pela preservação das coisas; é atraso mesmo. 11. Fala-se muitos nestes autos sobre a diferenciação entre tributos diretos e indiretos e que isso justificaria o procedimento alvitrado pela lei objeto desta ADI. Há um equívoco de perspectiva. Seja dito claramente que não é da alçada da lei tributária definir se um tributo é direto ou indireto. É conceito econômico. Às normas fiscais cabe tratar de fato gerador, base cálculo e sujeito passivo. Dependendo das
  • 19. particularidades da relação civil, o devedor poderá repassar faticamente o custo da exação para um terceiro. Vêm as diferenciações entre contribuinte de fato e de direito (mas que são antes figuras de linguagem). Apenas reflexamente isso será relevante para o direito tributário, mais exatamente quando se pretender repetição de indébito demanda para a qual, nos tributos indiretos, o contribuinte de direito em princípio não tem legitimidade (art. 166 do CTN). O ISS, é verdade, pode ser direto ou indireto; pode sê-lo em razão das variáveis às quais expostos os múltiplos eventos que justificam o seu fato gerador. Não se trata de discricionariedade das normas fiscais, mas de uma decorrência da relação civil subjacente; e o legislador tributário não pode interferir em conceitos de direito civil (rectius, em conceitos para além dos seus próprios domínios) está nos arts. 109 e 110 do CTN. Se (é o comum) o custo com o ISS pode ser aditado ao preço do serviço a critério do prestador, o imposto será indireto; se o contribuinte há de suportar faticamente o imposto, ele será direto. Só isso. Esses eventos não autorizam o legislador local a, mudando a base de cálculo ou o contribuinte, pretender proteger o vero sujeito passivo. Em situação de livre concorrência, o prestador do serviço apura seus gastos e projeta seu lucro para arbitrar o “preço da mercadoria”. Ele será o contribuinte do ISS, mas o contratante suportará em termos fáticos o custo do imposto, ainda que possa não manter nenhum liame com a Fazenda Pública (não é descrito como responsável). Esse imposto será indireto. Há alguns anos apreciei como Juiz da 3ª Vara da Fazenda da Capital caso raro de ICMS (clássico tributo indireto) que assumia a condição de imposto direto. Companhias aéreas sofriam com o tabelamento das passagens aéreas. Com o passar do tempo, os preços ficaram defasados. Não havia espaço para meramente incrementar os bilhetes e transferir faticamente para o passageiro o impacto com o imposto estadual. O ICMS assumia perfil direto e as empresas de transporte tinham legitimidade para a repetição do art. 166 do CTN. O pensamento, inclusive, foi confirmado pelo TJSC (AC
  • 20. 2012.0038012-3, rel. Des. Carlos Adilson Silva). Seja como for, o fato de um tributo poder ser indireto não significa que o legislador tributário assuma uma função de protetor do contribuinte, assumindo esforços para manter a natureza indireta. Isso, repito, é ponto circunstancial, praticamente aleatório para o campo fiscal. Existe um fato gerador e um contribuinte. A partir daí é que se avaliará depois se a configuração levou a um imposto de uma ou outra natureza. Não se trata, então, de uma oportunidade para o legislador sempre que possível encontrar um terceiro que resguarde o sujeito passivo natural. Ademais, a justificativa dada no caso concreto (possibilidade de variar o sujeito passivo) é imerecida: nos serviços cartorários, o ISS é tributo direto (o contribuinte não tem margem para repassar o custo para o usuário na medida em que o preço do seu serviço é fixado em lei). Inclusive, como já dito há pouco, o Prefeito Municipal reconheceu o fato ao dizer: “diferentemente de outras atividades em que há livre concorrência e liberdade de formulação no preço do serviço, nestas há o tabelamento por parte do Tribunal de Justiça do Estado, havendo dificuldade para se formar o preço do serviço com base nos custos da atividade” (fls. 220). No caso concreto, o ISS é direto. Não há como repassar o ônus para um responsável. A obrigação apenas poderia ser do contribuinte. A figura do responsável surgiu como uma forma ardilosa de afastar o contribuinte, identicamente indo de encontro às limitações quanto à capacidade legislativa da municipalidade. 12. Todo o exposto me confirma a inconstitucionalidade porque foram alterados, sem respaldo, a base de cálculo e o contribuinte. A intenção dessas modificações trago o pensamento apenas como reforço argumentativo demonstra o abuso do poder legislativo. Aqui, vou ser repetitivo, há ofensa direta a norma constitucional (estadual e federal). Mas mesmo que não fosse assim, trago a aludida doutrina para enfatizar o vício em si para dizer que haveria invalidade pelo só abuso da atividade de legislar.
  • 21. Ela, é bem verdade, por definição, representa o poder de inovar originariamente no universo jurídico. O legislador tem espectro de escolha naturalmente avesso a restrições, pois sua missão é exatamente criativa. É claro que ele está adstrito a superiores disposições normativas, mormente da Constituição Federal. Mas, tirante essa evidente delimitação constitucional, não existem amarras em desfavor do Poder Legislativo. A validade do ato legislativo dependeria de investigação muito clara a constitucionalidade ou não, que pode ser formal (desrespeito ao processo legislativo) ou material (ofensa a ditame da própria Constituição). Percebeu-se, todavia, que essa concessão de liberdade quase irrestrita ao legislador (salvo os casos de ofensa direta à Constituição) poderia ser perniciosa. Não há direitos absolutos nem pode haver exercício de poder sem submissão a juízo finalístico. O legislador também está sujeito à análise crítica quanto ao bom uso do grave poder que lhe é outorgado. Advoga-se um controle teleológico, sustentando-se que a atividade legislativa é livre na proporção do seu bom uso. Fora daí, está sujeita à censura, mesmo que não se encontre, de maneira frontal, ofensa constitucional. A discricionariedade em favor do legislador tem limitações na razoabilidade. Significa que há liberdade de escolha, de opção por parte do legislador, mas não está franqueada uma fraude: determinada a tributação que pesa sobre os cartorários, ratificada a situação por ADI, o Legislativo usaria de estratégia para em termos fáticos desonerar aquela atividade. Não se defende, em absoluto, a singela delimitação da atividade legislativa, mas a compreensão de que existem fronteiras éticas que devem ser respeitadas. A decisão legislativa deve ser razoável há liberdade, mas desde que não se chegue ao absurdo, ao absurdo. A doutrina tem se dedicado ao tema com resultados alentadores: Caio Tácito, A Razoabilidade das leis, Revista de Direito Administrativo, n. 204, p. 1 e ss.; Marcelo Figueiredo, Desvio de poder legislativo, princípio da razoabilidade - Gratificação de férias a aposentado, Revista de Direito Administrativo, n. 202, p. 260 e ss.; Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização
  • 22. abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 45 e ss.; Carlos Ari Sundfeld, Princípio da impessoalidade e abuso do poder de legislar, Revista Trimestral de Direito Público, n. 5, p. 152 e ss.; Caio Tácito, Desvio de poder legislativo, Revista Trimestral de Direito Público, n. 5, p. 62 e ss.; José Afonso da Silva, O princípio da razoabilidade da lei Limites da função legislativa, Revista de Direito Administrativo, n. 220, p. 339 e ss. (O rol está defasado, mas por brevidade aproveito o que anotei em outro local: Manual da Fazenda Pública em juízo, n. 3.1). Este Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Des. Francisco Oliveira Filho, encampou a doutrina do abuso do poder legislativo: APELAÇÃO CÍVEL - VERIFICAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE O MEIO EMPREGADO PELO LEGISLADOR E OS FINS VISADOS PELO REGRAMENTO MUNICIPAL - DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - ART. 7º, VIII, DO DECRETO MUNICIPAL DE CHAPECÓ N. 8.827/2000 - INCONSTITUCIONALIDADE - ARGÜIÇÃO DO INCIDENTE - POSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. "A essência do substantive due process reside, pois, na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Essa cláusula tutelar, ao neutralizar os efeitos prejudiciais do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa outorgada à instância parlamentar constitui atribuição juridicamente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador" (ADIN n. 1407, j. 07.03.96). "O abuso do poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, configura vício especial de inconstitucionalidade" (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p.230). Mostra-se passível de enquadramento nesse contexto o Decreto Municipal que prevê a autuação em série de suposto infrator pelo mesmo fato. Argüido o controle difuso de inconstitucionalidade, a matéria, na espécie, deve ser submetida ao Pleno deste e. Tribunal de Justiça. (TJSC, AC 2006.045719-7, de Chapecó) O devido processo legal substantivo, ainda que não esteja expresso na Constituição, pode ser inferido da isonomia ou da fórmula geral do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, conforme a síntese de Clèmerson Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT, 2000, p. 47-48), do mesmo modo que aproximadamente infere Canotilho
  • 23. (Direito constitucional e teoria da Constituição, Almedina, 4ª ed., p. 266 e ss.). O princípio passou para o plano estadual ante a amplitude do art. 4º da nossa Constituição, que prevê que “O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte”. Frise-se também que mesmo não usado esse fundamento pela inicial, a causa de pedir nas ADIs é aberta e o julgamento não fica preso apenas aos fundamentos postos pelo autor. 13. Finalmente, não reconheço vício quanto a uma possível bitributação, seguindo os passos da eminente relatora (cujo voto será juntado e, no ponto, encampo). Independentemente disso, a invalidade persiste pelas outras razões. 14. Assim, meu voto é para julgar procedente o pedido, reconhecida a inconstitucionalidade integral da Lei Complementar 424/2012. É o voto.
  • 24. Direta de Inconstitucionalidade Nº 8000074-16.2016.8.24.0000 Declaração de Voto Vencido da Exma. Sra. Desembargadora Soraya Nunes Lins Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria pelos fundamentos que seguem: O Ministério Público do Estado de Santa Cataria ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 434/2014 do município de Joinville, sob a alegação de usurpação da competência da União para legislar sobre direito tributário, em afronta ao disposto no art. 10, inciso I, e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Alega que a Lei Complementar nº 434/2014 acrescentou o inciso IV e os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Complementar Municipal nº 155/03, que dispõe acerca do imposto sobre serviços de qualquer natureza e sua lista de incidência. Aduz que a Lei impugnada alterou o contribuinte do ISSQN nos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, usurpando a competência da União para legislar sobre normas gerais referente a fato gerador, base de cálculo e contribuinte dos impostos. A lei municipal estabeleceu que o imposto será destacado em separado na nota fiscal a ser adimplida pelo contribuinte. Em assim fazendo, o tomador do serviço (usuário) suportará o encargo tributário integralmente, como contribuinte, enquanto o prestador do serviço ocupará apenas a posição de responsável tributário pelo seu recolhimento. Além disso, assevera que a Lei Municipal promoveu, também, a alteração da base de cálculo do imposto, a qual somente poderia ser feita por lei complementar federal, consoante disposto no art. 127, III, da Constituição
  • 25. do Estado de Santa Catarina, que reprisa o art. 146, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal. Nesse norte, argumenta que a Lei Complementar do município de Joinville, ao determinar que o imposto será calculado pelo valor total da nota fiscal, alterou a base de cálculo da exação, pois essa deveria ser apenas o valor dos emolumentos e não o valor total da nota fiscal. Por fim, registra que a Lei Municipal também é inconstitucional por autorizar a bitributação, uma vez que o mesmo fato gerador, a base de cálculo e o mesmo sujeito passivo são exigidos para compor os emolumentos, que é taxa estadual, assim como o imposto sobre serviços de qualquer natureza. Derradeiramente, defende a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos da norma impugnada. Notificado, o Prefeito Municipal apresentou as informações de fls. 31-35. Após, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina – Anoreg/SC pugnou pelo ingresso no feito como amicus curiae. Defende, inicialmente, sua legitimidade e o não conhecimento da ação por ofensa reflexa à Constituição Estadual. No mérito, sustenta que o art. 6º da Lei Complementar Federal nº 116/2003 autoriza transferir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador do serviço. Destaca, ainda, que o ISSQN assume, no caso discutido nos autos, feição de tributo indireto, razão por que pode ser transferido o encargo financeiro para o tomador do serviço. Argumenta, também, que a Lei municipal não promoveu a ampliação da base de cálculo do ISSQN, já que nela não se previu a inclusão do valor do próprio imposto na base de cálculo. Assevera, também, que o ISSQN não está contido no valor dos emolumentos, o que afastaria a alegada bitributação. Na sequência, o Presidente da Câmara de Vereadores
  • 26. apresentou as informações de fls. 217/218. As cartorárias Ruth Silva e Sandra Mará Braga pugnaram pelo ingresso no feito como amicus curiae, defendendo a constitucionalidade da norma municipal (fls. 240-263). O Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento dos pleitos de amicus curiae (fls. 277-281). Após, o Relator do feito à época indeferiu o requerimento de admissão de Ruth Silva e Sandra Mará de Braga como amicus curiae; deferiu, de outro lado, a pretensão da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina - Anoreg/SC como amicus curiae, limitando seus poderes à oposição de embargos de declaração e manifestações nos autos, vedada interposição de recursos; por fim, indeferiu o requerimento de medida cautelar (fls. 285-297). Ato contínuo, foi determinada a citação do Procurador-Geral do Município (fl. 301), que apresentou a contestação de fls. 312-317. O Procurador menciona que o ISS se trata de imposto indireto, de modo que o ônus pelo seu pagamento deve ser suportado pelo usuário final do serviço, ou seja, o contribuinte de fato. Afirma, também, que os Municípios possuem competência para instituir o ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Alega que a Lei Complementar Federal nº 116/2003 possibilita aos Municípios, mediante lei, atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da obrigação, excluindo a responsabilidade do prestador de serviço. Destaca que o art. 121 do Código Tributário Nacional autoriza os entes federativos a legislarem de igual forma. Quanto à bitributação, sustenta que a Lei Municipal nº 434/2014 não equalizou a base de cálculo do imposto sobre serviços com o valor dos emolumentos. No seu entendimento, a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço e a dos emolumentos é o custo necessário para a prestação do serviço estatal delegado. Assevera, por fim, que a Súmula Vinculante 29 do STF orienta ser "constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou
  • 27. mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra". Nesse contexto, defende a constitucionalidade da Lei Complementar nº 434/2014, do município de Joinville. Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, que opinou pela procedência do pedido inicial, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 434/2014, do Município de Joinville, por violação aos artigos 10, inciso I, e 127, inciso III, bem como do artigo 125, §4º, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Este é o relatório. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Cataria em face da Lei Complementar nº 434/2014, do município de Joinville, sob a alegação de usurpação da competência da União para legislar sobre direito tributário, em afronta ao disposto no art. 10, inciso I, e art. 127, inciso III, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Com efeito, observa-se que a Lei Complementar nº 434/2014, do município de Joinville, acrescentou o inciso IV e os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Complementar Municipal nº 155/03, que dispõe acerca do imposto sobre serviços de qualquer natureza e sua lista de incidência. A norma municipal impugnada expressa em destaque: Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de qualquer natureza: [...] IV – o valor do próprio imposto, nas prestações de serviços enquadrados no subitem 21.01 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar, hipótese na qual não se aplicam os §§ 4º e 5º, do art. 16. § 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal. § 2º O recolhimento do imposto decorrente da prestação dos serviços elencados no subitem 21.01 é de responsabilidade do prestador. Sobre a competência legislativa dos entes federados, o art. 24 da
  • 28. Constituição Federal disciplina: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – Direito Tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...]. O correspondente na Constituição Estadual é o art. 10, inciso I, que dispõe: Art. 10. Compete ao Estado legislar, concorrentemente com a União, sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...] § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar do Estado. § 2º Inexistindo norma geral federal, o Estado exercerá a competência legislativa plena para atender suas peculiaridades. § 3º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. O artigo 24 da CF possui íntima relação com o disposto no art. 145, também da Constituição Federal, que inaugura as normas sobre o Sistema Tributário Nacional. No capítulo destinado às regras e às práticas tributárias, o artigo determina: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; [...] E o art. 146 do Texto Constitucional Federal define caber à Lei Complementar o estabelecimento de normas gerais sobre a definição de tributos e de suas espécies, assim como o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte dos impostos. Nestes termos: Art. 146 Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas [...] No que se refere à incidência do ISSQN sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, que é a matéria nodal da presente
  • 29. ação, há que se mencionar os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais sobre o assunto. Nestes termos, o art. 156 da Constituição Federal dispõe: Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. [...] Nada obstante, consoante afirmado anteriormente, a Constituição Federal reservou à Lei Complementar "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre, definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes" (art. 146, III, a, CF). Em atenção ao preceito constitucional em voga, foi sancionada a Lei Complementar Federal nº 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal. A referida Lei instituiu como fato gerador do imposto a prestação dos serviços constantes na sua lista anexa, ainda que não constituam atividade preponderante do prestador. Destarte, dos serviços sujeitos à tributação pelo ISS, a lista enumera, nos itens 21 e 21.01, o serviço de registros públicos, cartorários e notariais. Importante mencionar que os referidos itens foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 3089/DF) que, em 13/02/08, declarou a constitucionalidade da exação. Nestes termos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços
  • 30. de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente (ADI 3089, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58). Portanto, após o julgamento da ADI 3089/DF pelo Supremo, não sobrevém mais qualquer dúvida acerca da constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre a prestação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais. Ainda no que diz respeito à Lei Complementar Federal nº 116/2003, é importante anotar que o art. 5º definiu como contribuinte do imposto o prestador do serviço. Nesse passo, a Lei Complementar nº 434/2014, do Município de Joinville, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 17 da Lei Municipal nº 155/2003, estabeleceu que, nos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, o ISSQN deve estar expresso de forma destacada na nota fiscal de serviço. Essa modalidade de destaque a nota enseja o repasse do encargo tributário – que seria do prestador do serviço - ao tomador do serviço, já que é este que efetuará o pagamento da nota fiscal. Além disso, a Lei Municipal também definiu, expressamente, que o prestador do serviço é responsável, tão somente, pelo recolhimento e pagamento do imposto junto ao Fisco. Diz o Ministério Público que, dessa forma, a Lei Municipal alterou o contribuinte do imposto, o que somente poderia ser feito mediante a edição
  • 31. de Lei Federal. Do que se denota da dicção do art. 17, §§ 1º e 2º da Lei Municipal nº 155/2003, o comando normativo expressa que o ônus pelo pagamento do imposto será transferido do contribuinte de direito (prestador do serviço – art. 5º da LC nº 116/2003) para o contribuinte de fato (tomador do serviço). Nesta feição, o que se denota, é que o tributo assumiria as características de imposto indireto. Importante ressaltar que a transferência do ônus tributário ao contribuinte de fato não contraria as normas gerais sobre o ISS, explicitadas na Lei Federal nº 116/2003, como alega o Ministério Público. Os impostos, segundo a mais balizada doutrina e jurisprudência pátria, podem ser classificados como diretos ou indiretos. O imposto direto, segundo Vittorio Cassone, "é o imposto que assim se caracteriza quando, numa só pessoa, reúnem-se as condições de contribuinte de direito (aquele que é responsável pela obrigação tributária) e contribuinte de fato (aquele que suporta o ônus do imposto)" (Direito Tributário, 25ª edição, São Paulo: Atlas, 2015, p. 47). Tem-se como exemplo o IR e o IPTU. O imposto indireto, prossegue o Doutrinador, "é o imposto que comporta, na operação, dualidade de pessoas: contribuinte de direito (aquele que é responsável pelo pagamento do tributo – também denominado de sujeito passivo direto); e contribuinte de fato (aquele que efetivamente suporá o ônus do imposto - também denominado sujeito passivo indireto). O fenômeno da 'transferência do ônus do tributo' é também conhecido como 'transladação' ou 'repercussão'. Há certos tributos, tais como o ISS, em que é preciso verificar não só a legislação, como, também (se a legislação permitir), se na Nota Fiscal de Serviços foi acrescentado o valor do imposto (caso em que se verifica uma dualidade de pessoas)" (op. cit., p. 48). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial Repetitivo – Tema 398, assentou o entendimento de que o ISSQN é espécie tributária que pode assumir a natureza de tributo direto ou
  • 32. indireto, cuja classificação dependerá da análise do caso concreto. Assim: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ISS. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PROVA DA NÃO REPERCUSSÃO. EXIGIBILIDADE, IN CASU. ART. 166 DO CTN. 1. O ISS é espécie tributária que admite a sua dicotomização como tributo direto ou indireto, consoante o caso concreto. 2. A pretensão repetitória de valores indevidamente recolhidos a título de ISS incidente sobre a locação de bens móveis (cilindros, máquinas e equipamentos utilizados para acondicionamento dos gases vendidos), hipótese em que o tributo assume natureza indireta, reclama da parte autora a prova da não repercussão, ou, na hipótese de ter a mesma transferido o encargo a terceiro, de estar autorizada por este a recebê-los, o que não ocorreu in casu, consoante dessume-se do seguinte excerto da sentença, in verbis: "Com efeito, embora pudesse o autor ter efetuado a prova necessária, que lhe foi facultada, deixou de demonstrar que absorveu o impacto financeiro decorrente do pagamento indevido do ISS sobre a operação de locação de móveis, ou que está autorizado a demandar em nome de quem o fez. Omitiu prova de que tenha deixado de repassar o encargo aos seus clientes ou que tenha autorização destes para buscar a repetição, conforme exigência expressa inscrita no art. 166 do CTN." 3. Precedentes: REsp 1009518/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; AgRg no AgRg no REsp 947.702/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009; AgRg no REsp 1006862/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 18/09/2008; REsp 989.634/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 10/11/2008; AgRg no REsp n.º 968.582/SC, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJU de 18/10/2007; AgRg no Ag n.º 692.583/RJ, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU de 14/11/2005; REsp n.º 657.707/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU de 16/11/2004). 4. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (REsp 1.131.476/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010) (grifou-se). Também: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO QUE, NO CASO, TOMA A FEIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO. ART. 166 DO CTN. INCIDÊNCIA. VERIFICAÇÃO ACERCA DO NÃO REPASSE DA EXAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O Imposto Sobre Serviço - ISS, consoante a jurisprudência desta Corte, pode assumir a natureza de tributo direto ou indireto (REsp 1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 01/02/2010, submetido ao rito do art. 543-C do CPC), classificação essa que dependerá de análise, caso a caso, de existência de vinculação entre o valor auferido pelos serviços prestados e o tributo devido.
  • 33. 2. No caso concreto, conforme as premissas fáticas delineadas pelas instâncias ordinárias, o ISS tomou a feição de tributo indireto, já que seu recolhimento guarda relação com cada nota fiscal emitida, possibilitando, dessa forma, a transferência do encargo financeiro, razão por que a sua restituição exige a prova relativa à inexistência do repasse da exação, nos termos do art. 166 do CTN. 3. A revisão do entendimento adotado pelo acórdão recorrido de que o valor do imposto foi efetivamente considerado na formação do preço praticado pela recorrente exige o reexame do conjunto fático-probatório do autos, o que é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 396.796/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 30/10/2013). Nesse passo, verifica-se que tanto a Lei Complementar Federal nº 116/2003 quanto a Lei Complementar Municipal nº 155/2003 estabelecem que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço. Nestes termos, respectivamente: Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1º [...] Art. 15 A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1º [...] Assim, como a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço, a jurisprudência assinala a possibilidade do repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço, porque o imposto é recolhido sobre a receita oriunda de cada serviço prestado. Tal qual consignou a Primeira Seção do STJ, no sentido de que: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL QUE TEM DIREITO AO TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECOLHIMENTO DO TRIBUTO QUE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO OS SERVIÇOS PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 166 DO CTN. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que o ISS pode ser classificado tanto como tributo direto quanto indireto. A base de cálculo do ISS é, em regra, o preço do serviço, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. Por outro lado, em se tratando de ISS recolhido na forma prevista no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, não há vinculação direta entre o tributo devido e os serviços prestados. Nessa hipótese, ele possui natureza de tributo direto. 2. No caso dos autos, não obstante tenha se reconhecido que no período em que se pleiteia a repetição o contribuinte tinha o direito de
  • 34. recolher o tributo na forma do art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, o recolhimento do ISS no período mencionado levou em consideração os serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo ao tomador do serviço. Nesse contexto, a repetição do tributo pago indevidamente sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é necessária a comprovação de que não houve repasse do referido encargo. Considerando que não houve tal comprovação, não é possível a repetição, como bem observou o acórdão embargado. 3. Embargos de divergência não providos (EREsp 873.616/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/2011). Também: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL DE ADVOGADO. TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECOLHIMENTO DO TRIBUTO BASEADO NOS SERVIÇOS PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 166 DO CTN. PRECEDENTES. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, definiu, sob o regime do art. 543-C do CPC, que o ISS é espécie tributária que, a depender do caso concreto, pode-se caracterizar como tributo direto ou indireto. 2. Nos termos da jurisprudência dominante do STJ, nos casos em que a base de cálculo do tributo é o preço do serviço, a exação assume feição indireta, permitindo transferir o ônus financeiro ao contribuinte de fato. 3. Hipótese em que o recolhimento do ISS levou em consideração os serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo ao tomador do serviço. Logo, a repetição do tributo pago indevidamente sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é necessária a comprovação de que não houve repasse do referido encargo. Considerando que não houve tal comprovação, não é possível a repetição. Precedente: EREsp 873.616/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 1º/02/2011. Agravo interno improvido (AgInt no AREsp 925.202/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 31/08/2016) (grifou-se). Ainda: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO QUE, NO CASO, TOMA A FEIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO. ART. 166 DO CTN. INCIDÊNCIA. VERIFICAÇÃO ACERCA DO NÃO REPASSE DA EXAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. O Imposto Sobre Serviço - ISS, consoante a jurisprudência desta Corte, pode assumir a natureza de tributo direto ou indireto (REsp 1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 01/02/2010, submetido ao rito do art. 543-C do CPC), classificação essa que dependerá
  • 35. de análise, caso a caso, de existência de vinculação entre o valor auferido pelos serviços prestados e o tributo devido. 2. No caso concreto, conforme as premissas fáticas delineadas pelas instâncias ordinárias, o ISS tomou a feição de tributo indireto, já que seu recolhimento guarda relação com cada nota fiscal emitida, possibilitando, dessa forma, a transferência do encargo financeiro, razão por que a sua restituição exige a prova relativa à inexistência do repasse da exação, nos termos do art. 166 do CTN. 3. A revisão do entendimento adotado pelo acórdão recorrido de que o valor do imposto foi efetivamente considerado na formação do preço praticado pela recorrente exige o reexame do conjunto fático-probatório do autos, o que é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 396.796/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 30/10/2013) (grifou-se). Em complemento: TRIBUTÁRIO - ISS - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - REPERCUSSÃO ECONÔMICA. 1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto. 2. Hipótese dos autos que encerra espécie de tributo indireto, porque recolhido sobre as receitas oriundas de cada encomenda, sendo suportado pelo tomador do serviço. 3. Como imposto indireto, tem aplicações, em princípio, o teor do art. 166 do CTN e o verbete 71 do STF, atualmente 546. 4. Recurso especial improvido (REsp 426.179/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2004, DJ 20/09/2004, p. 228) (grifou-se). Nesta última decisão, a Ministra Eliana Calmon registrou em seu voto: Dentre as diversas classificações dos impostos, úteis na prática, temos aquela montada com base nas características que determinam sua exigibilidade: os chamados impostos DIRETOS, quando recaem em uma só pessoa, no caso, o contribuinte responsável pela obrigação, o que suporta o ônus do imposto. Segundo Vitório Cassone, em Direito Tributário, são impostos diretos o IR, ITR, ITBI, IPTU, ISS dos autônomos e similares. O imposto DIRETO tem caráter pessoal e, na medida do possível, atende à capacidade contributiva do sujeito passivo. Os impostos INDIRETOS são recolhidos pelo contribuinte de direito, mas é outro que suporta o ônus, chamado de contribuinte de fato. São impostos indiretos, segundo o mesmo autor, o ICMS, o IPI, o IOF e similares. Assim, como visto, o ISS pode ser ou não classificado como imposto indireto, embora, na hipótese dos autos, esteja classificado como TRIBUTO INDIRETO, porque recolhido sobre as receitas oriundas de cada encomenda. Em se tratando de imposto indireto, tem aplicação, em princípio, o teor do art. 166 do CTN e o verbete da Súmula 71 do STF, atualmente Súmula 546, do teor seguinte: "Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do
  • 36. contribuinte de facto o quantum respectivo. Não há como fugir da evidência. O ISS, na espécie, é tributo indireto que grava o valor do serviço e é naturalmente repassado ao tomador do serviço, o contribuinte de fato (REsp 426.179/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2004, DJ 20/09/2004, p. 228). Destarte, não há inconstitucionalidade na Lei nº 434/2014, do município de Joinville, ao ter estabelecido que o ISSQN será destacado em separado na nota fiscal, porque nesta hipótese o imposto assume a característica de tributo indireto e, dessa forma, é possível o repasse do ônus financeiro ao usuário do serviço. Ao contrário do afirmado pelo Ministério Público, a Lei Municipal não alterou o contribuinte do imposto, mas apenas possibilitou a transferência do encargo financeiro ao tomador do serviço, o que já ocorre com outros tributos da mesma natureza, o que não é vedado pela Lei Federal nº 116/2003 ou pela Constituição Federal. Desse modo, a norma, neste ponto, não está eivada de inconstitucionalidade. Base de Cálculo No que concerne à assertiva da alteração da base de cálculo do ISSQN, o Ministério Público igualmente não possui razão. Neste particular, a Lei Municipal nº 434/2014 assim estabelece: Art. 17 Não integram a base de cálculo do imposto sobre serviços de qualquer natureza: [...] § 1º Para efeitos do disposto no inciso IV os prestadores de serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em separado, e o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal (grifou-se). Da leitura do dispositivo legal infere-se que a base de cálculo do imposto será o preço do serviço prestado ao usuário. O preço do serviço, por definição, é a contrapartida paga pelo consumidor ao prestador, pela utilidade oferecida, no caso, o serviço de registros públicos, cartorários e notariais. Na hipótese dos Delegatários, a contrapartida ou o preço do serviço é o valor dos emolumentos fixados nas Tabelas do Regimento de
  • 37. Custas e Emolumentos do Estado de Santa Catarina – Lei Complementar Estadual nº 156/1993. Não é apenas isso, o art. 15 da Lei Municipal 155/2003 disciplina que "a base de cálculo do imposto é o preço do serviço". Outrossim, o art. 7º da Lei Complementar Federal nº 116/2003, que dispõe sobre as normas gerais do ISSQN, determina igualmente que "a base de cálculo do imposto é o preço do serviço". Dessa forma, a base de cálculo do ISSQN será, sempre, o valor dos emolumentos fixados pelo Estado, que são os rendimentos auferidos pelos Delegatários em contrapartida do serviço público prestado ao usuário. Registre-se, neste ponto, que os valores concernentes ao FRJ, Selo de Fiscalização ou outras despesas incluídas na nota fiscal de serviço não servem de base de cálculo do imposto, pois essas despesas não se enquadram no conceito de "preço do serviço". Sobre a base de cálculo do imposto, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL QUE TEM DIREITO AO TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI 406/68. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECOLHIMENTO DO TRIBUTO QUE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO OS SERVIÇOS PRESTADOS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 166 DO CTN. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que o ISS pode ser classificado tanto como tributo direto quanto indireto. A base de cálculo do ISS é, em regra, o preço do serviço, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. Por outro lado, em se tratando de ISS recolhido na forma prevista no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, não há vinculação direta entre o tributo devido e os serviços prestados. Nessa hipótese, ele possui natureza de tributo direto. 2. No caso dos autos, não obstante tenha se reconhecido que no período em que se pleiteia a repetição o contribuinte tinha o direito de recolher o tributo na forma do art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68, o recolhimento do ISS no período mencionado levou em consideração os serviços prestados, de modo que era possível o repasse do valor do tributo ao tomador do serviço. Nesse contexto, a repetição do tributo pago indevidamente sujeita-se à regra prevista no art. 166 do CTN, ou seja, é necessária a comprovação de que não houve repasse do referido encargo. Considerando que não houve tal comprovação, não é possível a repetição, como bem observou o acórdão embargado.
  • 38. 3. Embargos de divergência não provido (EREsp 873.616/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/2011). Assim, quando a norma municipal disciplina que o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescidos ao valor total da nota, quer dizer que o ISSQN será calculado exclusivamente sobre o montante dos emolumentos e, ao final, esse produto será acrescido ao valor da nota fiscal. Para exemplificar, no caso dos autos, como o tributo é calculado, nos dizeres do Direito Tributário, "por fora", de forma destacada na Nota Fiscal, teríamos a seguinte situação hipotética: Ato hipotético: Registro de uma Escritura Pública de compra e venda de um imóvel no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no Registro de Imóveis: - Valor dos Emolumentos: R$ 1.360,00 (mil trezentos e sessenta reais). - Selo de Fiscalização: R$ 9,40 (Resolução CM nº 06/2017) - FRJ: R$ 600,00 (0,3% do valor do serviço – LCE 188/99) - TOTAL da Nota Fiscal sem imposto = R$ 1.969,40 (mil novecentos e sessenta e nove reais e quarenta centavos). - Cálculo do Valor do imposto de forma destacada, numa alíquota hipotética de 3% (três por cento): valor do serviço = R$ 1.360,00 (emolumentos) x 3% (alíquota do imposto) = R$ 40,80 (valor do imposto). - TOTAL da Nota Fiscal com imposto destacado = R$ 2.010,20 (dois mil e dez reais e vinte centavos). Para firmar bem o entendimento, verifica-se que o inciso IV do art. 17 da Lei Municipal impugnada está assim redigido na primeira parte: "os prestadores do serviço deverão emitir nota fiscal destacando o valor dos serviços e do imposto em separado", assim: - Valor do Serviço: R$ 1.360,00 (emolumentos) - Valor do Imposto: R$ 40,80 (alíquota hipotética de 3%) Nesse contexto, o usuário saberá exatamente o que está
  • 39. pagando a título de serviço e de imposto. Registre-se que a própria lei municipal em voga disciplina que o destaque, nos documentos fiscais, é mera indicação para fins de controle e esclarecimento ao usuário do serviço (art. 16, § 4º LC 155/03). Já a segunda parte do inciso IV do art. 17 da Lei em estudo dispõe: "o valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados e acrescido ao valor total da nota fiscal", nestes termos: - Valor do serviço prestado: R$ 1.360,00 (emolumentos) - FRJ: R$ 600,00 - Selo de Fiscalização: R$ 9,40 O valor do imposto será calculado sobre o total dos serviços prestados: R$ 1.360,00 x 3% (alíquota hipotética) = R$ 40,80 E acrescido ao valor total da nota fiscal: 1.360,00 + 600,00 + 9,40 = 1.969,40 + 40,80 = R$ 2.010,20 (valor total da nota fiscal). Assim, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, não há alteração da base de cálculo do imposto, pois o montante da exação não é calculado pelo valor do serviço + imposto = total x 3% (alíquota). Isso porque, a própria Lei Municipal disciplina, de modo expresso, que nos serviços de registros públicos, cartorários e notariais não integram a base de cálculo do imposto o valor do próprio imposto. Essa é a dicção do art. 17, inciso IV, da LC 155/03. Nesse contexto, no que se refere à base de cálculo do ISSQN, a Lei Municipal não alterou a base de cálculo do tributo, de modo que não se entrevê inconstitucionalidade na redação da Lei Municipal nº 434/2014. Importante que se diga, se em um determinado caso concreto, algum Delegatário incluir na base de cálculo do ISSQN rubricas diversas dos emolumentos (preço do serviço), tais como FRJ, Selo de Fiscalização ou outras despesas, estará infringindo não só a norma municipal, assim como a Lei Federal nº 116/2003. O ato ilegal deverá ser, portanto, submetido ao crivo do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da Justiça para as providências cabíveis.
  • 40. No entanto, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que se avalia é a conformação do texto legal às normas insertas na Constituição do Estado de Santa Catarina. E, nesse caso, não se vislumbra violação. Bitributação O último argumento deduzido pelo Ministério Público diz respeito à bitributação. Segundo o Órgão Ministerial, os usuários do serviço estariam sendo duplamente onerados com o pagamento de taxa – que é a natureza jurídica dos emolumentos – e com o ISSQN, incidente sobre o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo, qual seja, o preço do serviço. No entanto, a divergência acerca da matéria encontra-se superada desde a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3089/DF, realizado em 13/02/2008. Na ocasião, a Corte Suprema firmou o entendimento no sentido de que é constitucional a exigência de ISSQN sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, previstos nos itens 21 e 21.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Dessa forma, forçoso admitir que a decisão do Supremo Tribunal Federal, focada na possibilidade de os emolumentos – que possuem a natureza jurídica de taxa – servirem também de base de cálculo para o ISSQN, afastou, por imperativo lógico, a existência de suposta bitributação. Nesse contexto, diante do posicionamento definitivo adotado pelo Plenário do STF, a matéria já não mais comporta discussão, fazendo-se mister afastar a assertiva da bitributação. Assim, são essas as razões pelas quais divergi da douta maioria e votei no sentido de julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.