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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -
SP165378
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO
PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO
AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM
NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA.
LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE
CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA
DESLEAL NÃO CONFIGURADA.
1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora
rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi
devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu
pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido
contrário à pretensão da recorrente.
2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito
exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art.
124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo
somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou
afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou
associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se,
assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos
produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.
3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não
deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas
empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes
semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo,
diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e
ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem
concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias
produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo
contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do
humor.
4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica
de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de
comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É
interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo
contexto, com versão diferente, debochada, satírica.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 de 53
Superior Tribunal de Justiça
5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em
verdade, regramento no direito de autor, mais específico e
perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do
direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição
da República.
6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no
art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e
paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária
nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que
determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização
do seu titular.
8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e
conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos
termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998).
9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma,
porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº
9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas,
porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não
está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada.
10. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, após o voto- vista do Ministro Raul Araújo
dando parcial provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência instaurada
pelo Ministro Luis Felipe Salomão, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e do
Ministro Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, os Ministros da Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas, por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto
divergente do Ministro Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão.
Vencido o relator, que negava provimento ao recurso especial. Votaram com
o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti
(Presidente) e Antonio Carlos Ferreira.
Brasília (DF), 20 de junho de 2017(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -
SP165378
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso
especial interposto por MARIO ITO BOCCHINI, com fulcro na alínea "a" do
permissivo constitucional, no intuito de reformar acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
Na origem, a ora recorrida EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ajuizou
ação cominatória e indenizatória, requerendo a condenação do réu a se abster de
utilizar marca, conteúdo do jornal e nome de domínio da autora no website
falhadespaulo.com.br , por ele registrado perante o Núcleo de Informação e
Coordenação de Ponto – NIC.Br, competente para o registro de nomes de domínio
no Brasil, e ao pagamento de indenização por danos morais.
Fundamentou seu pedido no fato de o tipo gráfico utilizado pelo réu ser
idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio eletrônico (folhadespaulo.com.br ou
folha.com.br ), bem como o nome usado ser extremamente semelhante, com
alteração apenas de uma vogal, caracterizando assim violação da sua marca, a qual
se encontra devidamente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial –
INPI.
Devidamente citado, o réu apresentou defesa em forma de contestação.
O magistrado singular julgou parcialmente procedente o pedido, obstando
o uso do sítio eletrônico utilizado pelo réu, sem, entretanto, condená-lo ao
pagamento de indenização por danos morais. Entendeu que não há risco de
confusão entre os domínios, por tratar-se claramente de sátira/paródia, revelada
pelo próprio nome do endereço eletrônico, a qual não pode ser vedada em respeito
à livre manifestação do pensamento. Contudo, assentou que o sítio eletrônico, além
do teor crítico, possui também conteúdo com conotação comercial, o que extrapola
o alegado propósito de atuar com intenção meramente jocosa e crítica,
contaminando assim o respectivo domínio, motivo pelo qual deve ser congelado.
Inconformado, o réu interpôs apelação cível, à qual a Quinta Câmara de
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 de 53
Superior Tribunal de Justiça
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento, mantendo a
sentença por seus próprios fundamentos, em acórdão que restou assim ementado
(fl. 1019, e-STJ):
DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade
de confusão com Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha
da Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquela
anterior, do Código de Propriedade Industrial - Ação cominatória c.c.
perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente -
Prejudicial afastada - Recursos desprovidos.
Opostos embargos de declaração (fls. 1030-1034, e-STJ), esses foram
rejeitados (fls. 1037-1042, e-STJ).
Em suas razões recursais (fls. 1045-1069, e-STJ), o recorrente aponta
violação do disposto nos artigos 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil de
1973 e 47 da Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais).
Alega, preliminarmente, contradição do acórdão recorrido ao reconhecer
violação da marca e, concomitantemente, confirmar a sentença por seus próprios
fundamentos, tendo em vista que, para o juízo singular, trata-se de paródia.
No mérito, sustenta a inexistência de conteúdo comercial no domínio
eletrônico e a aplicação indevida de legislação pelo Tribunal de origem, não
podendo ser coibida a livre manifestação de seu pensamento por meio da paródia,
em consonância com o disposto no art. 47 da Lei nº 9.610/98.
Afirma, outrossim, “Não há, também, que se falar em concorrência
desleal, seja pelos argumentos acima, seja pelo fato de que, todos os veículos que
publicam paródias, charges, colunas de humor – como o faz a própria FOLHA -,
podem ou não ter patrocionadores e anunciantes, fato que não descarateriza a
paródia, o conteúdo cômico ou caricato do trabalho; que não afasta a liberdade que
advém do artigo 47 da Lei nº 9.610/98, inspirada, parece-nos evidente, nos artigos
5º, IV e 220, da Constituição Federal” (fl. 1068, e-STJ).
Apresentadas contrarrazões às fls. 1104-1130 (e-STJ), nas quais a
recorrida argumenta, em suma, que: i) o decisum impugnado não incorreu em
omissão ou contradição; ii) aplica-se ao caso a Súmula nº 7/STJ; e iii) a paródia
realizada pelo recorrente é ilícita por ter violado a proteção legal garantida à marca
da recorrida, ao possuir conteúdo com conotação comercial, não havendo negativa
de vigência ao art. 47 da Lei nº 9.610/98 e sim sua correta aplicação em
consonância com outros dispositivos legais que regulam a questão, notadamente o
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 4 de 53
Superior Tribunal de Justiça
artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96.
Em juízo prévio de admissibilidade, negou-se o processamento ao apelo
extremo, sob o fundamento de ausência de violação ao artigo 535 do CPC/73, além
da incidência do óbice inserto na Súmula nº 7/STJ.
Diante desta decisão, foi interposto agravo, no qual o ora recorrente
refutou os retrocitados óbices, pugnando pelo conhecimento e provimento do
recurso especial (fls. 1165-1174, e-STJ)
Contraminuta apresentada às fls. 1188-1202 (e-STJ).
Em decisão monocrática, este Relator deu provimento ao agravo para
melhor exame da controvérsia, determinando sua autuação como recurso especial
(fls. 1225-1226, e-STJ).
É o relatório.
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, "a", CF/88) - AÇÃO
COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA - PARÓDIA E
PROTEÇÃO DA MARCA - SÍTIO ELETRÔNICO COM
CONTEÚDO JOCOSO E CRÍTICO EM RELAÇÃO AO
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PARCIALMENTE
PROCEDENTES OS PEDIDOS VEICULADOS NA PETIÇÃO
INICIAL, DETERMINANDO O CONGELAMENTO DO
DOMÍNIO, SOB O ARGUMENTO DE QUE, EM QUE PESE SE
TRATE DE PARÓDIA, HOUVE A SUA CONTAMINAÇÃO EM
RAZÃO DA PRESENÇA DE CONTEÚDO COM CONOTAÇÃO
COMERCIAL.
INSURGÊNCIA DO RÉU.
1. As questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo
Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões
ou contradições, merecendo ser afastada a alegada violação
ao artigo 535, incisos I e II, do CPC/73. Precedentes.
2. Para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência
de conteúdo com conotação comercial no website do
recorrente, seria imprescindível derruir a afirmação contida no
decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em
rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da
Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo
manifesto o descabimento do Recurso Especial neste ponto.
3. Incidentes à hipótese em exame o artigo 47 da Lei nº
9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da
paródia, mas também as normas atinentes à proteção da
marca, notadamente o disposto no artigo 132, inciso IV, da Lei
nº 9.279/96, devendo ocorrer a aplicação harmônica de ambos
os dispositivos.
4. O titular pode impedir a citação da marca com conotação
comercial. Inteligência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº
9.279/96.
4.1 O Tribunal de origem, ponderando a posição
preferencial da liberdade de expressão e a tutela de proteção
da marca, reputou flagrantemente preponderante ao caso sub
judice esta última, em razão da insuperável comprovação do
uso econômico do site eletrônico.
4.2 Impossibilidade de adequação do conteúdo do site.
Medida sufragada pelo Tribunal de origem (determinação de
suspensão definitiva do domínio do recorrente) que se revela a
mais adequada para o caso concreto em análise.
5. Recurso especial DESPROVIDO.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 6 de 53
Superior Tribunal de Justiça
VOTO VENCIDO
EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O presente recurso
não merece prosperar, consoante exposto a seguir.
1. De início, quanto à apontada infringência ao artigo 535, incisos I e II,
do CPC/73, não assiste razão ao recorrente, porquanto clara e suficiente a
fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia,
revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos
declinados pela parte (Precedentes: AgRg no Ag 1.402.701/RS, Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp
1.264.044/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em
01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg nos EDcl no Ag 1.304.733/RS, Rel. Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe
31.08.2011).
Não há também que se falar em contradição do acórdão recorrido, o qual
confirmou a sentença por seus próprios fundamentos. Nas razões do recurso
especial, o recorrente fundamenta a alegada contradição no seguinte trecho do voto
do Desembargador Relator: "Quem detinha registro da marca nominativa no INPI
era a Autora. Daí marca de renome ou não, não poderia vê-la afrontada por simples
domínio na internet, a teor do artigo 129 da legislação sobre propriedade industrial.
Devidamente registrada no INPI o nome (marca nominativa) "FOLHA", passava o
titular a dispor da proteção legal correspondente, mais ainda quando se trata de
marca de 'alto renome', ou marca 'notoriamente conhecida', a teor dos artigos 125 e
126 da lei 9279/96" (fl. 1026, e-STJ), afirmando que, com essas palavras, o Tribunal
paulista entendeu tratar-se de violação de marca e não de livre exercício da paródia,
diferentemente do que teria afirmado o juízo de primeira instância na sentença.
Ora, em nenhum momento a Corte de piso afirmou que houve violação
da marca da recorrida pelo simples fato de ter sido parodiada por meio de sítio
eletrônico e, muito menos, aduziu não se tratar de paródia. O que assinala, nesse
trecho, é que a recorrida goza da proteção legal de seu nome (marca nominativa)
devidamente registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que
é indiscutível. Isso não significa dizer que esse direito, regulamentado na legislação
sobre propriedade industrial e uso de marca, foi violado pela mera existência de
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 7 de 53
Superior Tribunal de Justiça
uma paródia da marca, divulgada por meio de site na internet.
Na verdade, ao confirmar a sentença por seus próprios fundamentos, o
Tribunal local reconhece que houve uma afronta à marca da recorrida, conforme o
fez o magistrado de primeiro grau, não pelo fato de ter sido criado endereço
eletrônico muito semelhante ao seu (as instâncias ordinárias reconheceram que o
nome dado ao site pelo recorrente já em si constitui-se em uma paródia), com
intenções jocosas e críticas, e sim por ele possuir também conteúdo comercial, com
divulgação da marca de uma das principais concorrentes da recorrida.
Em outros termos, o que restou estabelecido, na decisão vergastada, é
que não se admite o uso do site nos moldes como ocorre, isto é, não se autoriza a
citação (no caso, a paródia) da marca da recorrida com conotação comercial, para a
promoção de sua concorrente, não importando se o recorrente não possuía o intuito
de auferir lucro para si mesmo. E é isso que, para o acórdão recorrido, viola a
proteção legal a ela conferida, em especial pelo art. 132, inciso IV, da Lei nº
9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial).
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a
decisão de primeiro grau pela suspensão definitiva (congelamento) do nome de
domínio utilizado pela recorrente em seu site, não pelo nome em si e muito menos
por não ter o recorrente direito de parodiar o jornal Folha de São Paulo utilizando-se
de página na internet, mas sim em virtude de estar o sítio eletrônico contaminado
por conteúdo revelador de conotação comercial, entendendo não ser razoável a
determinação de adequação ou ajuste no mesmo.
Diante disso, o que se vê, na verdade, é que a tese defensiva do ora
recorrente não foi acolhida pelo órgão julgador, gerando sua irresignação.
Desta forma, considerando que as questões trazidas à discussão foram
dirimidas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões ou
contradições, merece ser afastada a alegada violação ao artigo 535, incisos I e II,
do CPC/73.
2. Outrossim, para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência
de conteúdo com conotação comercial no website do recorrente, seria
imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado nesse sentido, o que,
forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o
óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o
descabimento do Recurso Especial neste ponto.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 8 de 53
Superior Tribunal de Justiça
Confira-se trecho do acórdão combatido (fl. 1024, e-STJ):
A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios
fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste
Tribunal.
Eis os referidos fundamentos:
Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz
algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante
prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o
titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em
discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde
que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter
distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website
falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135)
percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de
links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro
deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há,
ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital
entre os seguidores do réu no Twitter (#falhadespaulo). Ao
anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a
capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital.
Ao contrário do que faz com a reprodução dos jornais da autora, o
réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove
qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para
caracterizar o website do réu como tendo conteúdo comercial. A
revista Carta Capital é concorrente da autora no mercado
jornalístico, com ela disutando leitores, assinantes e verbas
publicitárias. (…) há no website do réu, também, conteúdo
comercial, pelo qual o usuário, seja pelo link, seja pelo sorteio da
assinatura da revista, é direcionado, relembrado, ou apresentado a
veículo de comunicação concorrente da autora.
[grifou-se]
Desse modo, para que fosse afastada a afirmação da sentença
(confirmada pelo acórdão) no sentido de que, além de conteúdo crítico, o
endereço eletrônico do recorrente possui também conteúdo comercial, seria
necessária a revisão das premissas firmadas pela Corte de origem, o
que demandaria revisão do acervo fático-probatório dos autos, providência
descabida na estreita via do recurso especial, incidindo o óbice da Súmula 7 desta
Corte, in verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial".
Por conseguinte, cinge-se a controvérsia em torno de saber se,
considerando que a página da internet falhadespaulo.com.br - paródia criada pelo
recorrente ao jornal Folha de São Paulo - possui, além do teor jocoso e crítico,
conteúdo com conotação comercial, aplicam-se, na hipótese, as regras previstas na
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Superior Tribunal de Justiça
Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) ou na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº
9.279/96) e, para além disso, se é cabível a determinação de congelamento
(suspensão definitiva) do referido domínio.
3. Nesse aspecto, a matéria federal ventilada foi devidamente
prequestionada e possui cunho eminentemente jurídico, não incidindo o óbice da
Súmula 7/STJ, por não haver necessidade de reexame de prova para julgamento do
apelo nobre, senão a mera revaloração de fatos e provas expressamente
mencionados na sentença e acórdão recorridos, revelando-se cognoscível o recurso
especial no ponto.
3.1. No concernente à legislação aplicável à hipótese em exame, muito
acertadamente o Juízo de primeira instância e o Tribunal a quo, ao reproduzir a
sentença proferida pelo primeiro, assentaram que se aplica ao caso o artigo 47 da
Lei nº 9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da paródia, mas também
os princípios do direito da propriedade industrial e da marca devem ser levados em
consideração e respeitados.
De fato, a incidência de uma legislação não exclui a aplicação da outra.
Muito pelo contrário, o ordenamento jurídico deve ser visto como um todo, que
comporta a aplicação concomitante de regras previstas em diferentes leis e searas
do Direito. Cabe ao intérprete harmonizar os diplomas.
Nessa linha, a legislação que regula os direitos autorais no Brasil permite
a existência de paródias, notadamente no referido artigo 47 da Lei nº 9.610/98 ("São
livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra
originária nem lhe implicarem descrédito" ), não havendo qualquer restrição a sua
forma de divulgação, especialmente pela internet, que é sabidamente um dos
veículos de comunicação social mais utilizados na atualidade.
Assim, em que pese a peculiaridade do instrumento utilizado (website ) no
caso em exame, restou incontroverso nos autos que as publicações na página da
internet falhadespaulo.com.br apresentam-se como paródia do nacionalmente
conhecido jornal Folha de São Paulo, o que é permitido por lei.
Sob a égide da norma protetiva dos direitos autorais, a paródia encontra
limite apenas na impossibilidade de (i) constituir reprodução da obra originária; e (ii)
implicar seu descrédito. Bem se vê, pelo delimitado no acórdão recorrido, que o
domínio do recorrente não atenta contra esse preceito, mantendo-se, neste ponto,
dentro da moldura de atuação que lhe é permitida.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 10de 53
Superior Tribunal de Justiça
Ocorre que as temáticas dos direitos autorais e dos direitos de marca,
embora eventualmente confluentes, possuem distinto escopo de atuação, sobretudo
em virtude da diversidade de bens jurídicas tutelados.
O legislador pretendeu, com a edição da Lei dos Direitos Autorais (Lei nº
9.610/98), proteger obras intelectuais definidas no artigo 7 do mencionado diploma,
como “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer
suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. Confere-se
ao autor os mecanismos assecuratórios dos direitos sobre a obra que criou. Daí
porque a paródia encontra essa previsão na norma: garante-se a livre expressão
sem descuidar dos direitos autorais, campo no qual as sátiras usualmente atuam.
Contudo, a paródia também pode, como ocorre nestes autos, referir-se a
marca devidamente registrada e submetida à tutela legal instituída pela Lei da
Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). Trata-se de proteção mais específica que a
de direitos autorais, porquanto condicionada ao prévio registro da marca (o qual, no
caso em apreço, foi devidamente comprovado pela recorrida, conforme apontou o
Tribunal de origem).
Perceba-se, portanto, que é possível a aplicação harmônica de ambas as
normas, desde que a paródia em tela colida com o bem jurídico merecedor de
proteção dos dois regramentos. Desse modo, partindo-se da irretocável premissa de
que é cabível in casu a aplicação concomitante de ambas as legislações e, uma vez
assentada a necessidade de observância do art. 47 da Lei nº 9.610/98, resta
analisar se o conteúdo do domínio falhadespaulo.com.br ofende o disposto no artigo
132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96, o qual determina:
Art. 132. O titular da marca não poderá:
[...]
IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou
qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e
sem prejuízo para seu caráter distintivo.
[grifou-se].
Mais especificamente, é necessário averiguar se o fato de a paródia em
questão possuir conteúdo comercial, com divulgação de uma das principais
concorrentes da recorrida, consiste em violação da proteção legal garantida a sua
marca, nos termos do referido dispositivo.
O supracitado artigo tem por escopo harmonizar valores de especiais
grandezas, como os direitos de marca e a liberdade de expressão.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 11de 53
Superior Tribunal de Justiça
Nesse sentido, busca-se tutelar a importância econômica da marca, por
ser essa sua característica primordial, isto é, garante-se ao titular o direito exclusivo
de sua exploração comercial, razão pela qual não se impede a sua citação em
publicações contanto que não possuam caráter econômico.
Assim, permite-se a utilização da marca para fins literários e científicos,
desde que não consubstancie violação ao núcleo essencial de sua proteção,
sob pena de esvaziamento completo de seu conteúdo (direito exclusivo de
exploração comercial).
Em outras palavras, a partir desse preceito legal, o legislador visou
estabelecer balizas para equacionar, no caso concreto, a aplicação do princípio da
liberdade de expressão quando em conflito com a tutela da propriedade industrial.
Não se ignora o sistema constitucional de amparo à liberdade de
expressão nem mesmo a proteção supralegal outorgada ao tema, conforme
entendimento dominante na doutrina e jurisprudência brasileiras.
Consoante destaca Aline Osorio, em sua já merecidamente festejada
obra Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão ,
O Supremo Tribunal Federal já destacou, em diversas ocasiões, a posição
preferencial da liberdade de expressão. O voto proferido pelo Ministro
Ayres Britto na ADPF Nº 130 é um dos mais ilustrativos dessa posição.
Nas suas palavras, "a Constituição brasileira se posiciona diante de bens
jurídicos de personalidade para, de imediato, cravar uma primazia ou
precedência: a das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu".
No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux defendeu, em seu voto na ADPF nº
187, em que se permitiu a utilização da "marcha da maconha", que "a
liberdade de expressão (...) merece proteção qualificada, de modo que,
quando da ponderação com outros princípios constitucionais, possua uma
dimensão de peso prima facie maior". Idêntica posição foi adotada pelo
STF no emblemático julgamento da ADI nº 4.815, que declarou
insconsitucionais os dispositivos do Código Civil que previam a
necessidade de autorização para publicação de biografias. No caso, o
Ministro luís Roberto barroso observou que a Constituição de 1988
reconheceu uma prioridade prima facie da liberdade de expressão, na
colisão com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com os
direitos da personalidade.
(Osorio, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão . Ed. Fórum, Belo
Horizonte, 2017. Págs. 90/91)
Todavia, o Tribunal de origem, ponderando a posição preferencial da
liberdade de expressão e a tutela de proteção da marca, reputou flagrantemente
preponderante ao caso sub judice esta última, em razão da insuperável
comprovação do uso econômico do site eletrônico.
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Nesse contexto, ressalta-se que restou claro na sentença, confirmada
pelo acórdão recorrido por seus próprios fundamentos, que o recorrente utiliza-se de
elementos visuais muito semelhantes ao da recorrida e faz referências ao conteúdo
do jornal Folha de São Paulo.
Fato é que essa identidade (visual e de conteúdo), inevitavelmente,
acaba por consubstanciar a citação da marca da recorrida e, assim, atrair a
incidência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96.
Dessa forma, o quadro delineado revela situação na qual o recorrente
utiliza elementos essenciais da marca da recorrida para construir paródia –
publicação, portanto – com conotação comercial, ainda que sem o intuito de auferir
lucro, consoante assentado pelo Tribunal de origem. Está-se diante de inequívoca
subsunção do arcabouço fático à proibição expressa no artigo 132, inciso IV, da Lei
nº 9.279/96.
3.2 Nesse contexto, considerando o enquadramento da atuação do
recorrente no mencionado preceito, o Tribunal de origem também entendeu que o
site em questão foi irreversivelmente contaminado pelo conteúdo com conotação
comercial, com a consequente determinação de suspensão definitiva
(congelamento) do nome de domínio utilizado pelo recorrente.
Nesse ponto, o acórdão combatido também não merece reparos. Isso
porque, a partir do momento em que o conteúdo com conotação comercial foi
inserido no sítio eletrônico do recorrente (consubstanciado nos links, anúncios e
referências a uma das principais concorrentes da Folha de São Paulo), o site
falhadespaulo.com.br inevitavelmente restará sempre associado, perante os
leitores/consumidores, à marca concorrente da recorrida, ainda que o referido
conteúdo fosse retirado.
Dessa forma, não sendo possível dissociar a imagem do website da
imagem da marca da recorrente, a subsistência do domínio implicará em
concorrência desleal, independentemente de ser ou não essa a intenção do
recorrente e de existir ou não vínculo empregatício entre ele e a empresa
concorrente da recorrida no mercado jornalístico.
Transcreve-se, por oportuno, trecho da sentença, confirmada pelo
acórdão recorrido (fls. 1024/1025, e-STJ; grifou-se):
Neste ponto, cabe a indagação quanto à possibilidade de ajuste no
website do réu, com a retirada do link, da promoção e das reproduções de
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veículos de comunicação concorrentes da autora. Tanto o estatuto federal
quanto os precedentes norte-americanos sugerem que, detectada a
ofensa aos direitos do titular da marca, caracteriza-se uma contaminação
do nome de domínio. A solução dada é sua retirada da disponibilidade do
ofensor, sem possibilidade de adeuqação.
No caso OBH, Inc. v. Spotlight Magazine, Inc., a Corte Distrital dos
Estados Unidos, Distrito Oeste de Nova York, ordenou a interrupção das
atividades de um website parodiando o jornal The Buffalo News, porque,
além do conteúdo crítico, o site exibia link direcionando o usuário para um
serbiço de classificados de imóveis, o que caracterizava concorrência
ao jornal, que também oferecia este tipo de serviço.
A possibilidade de adequação ou ajuste do website seria, de qualquer
forma, artificial e frágil. O nome de domínio traria consigo, por tempo
considerável, a conotação comercial derivada da página a ele
relacionada.
Outrossim, uma vez publicada uma informação na internet, não há mais
como eliminá-la definitivamente, devido às inúmeras cópias eletrônicas que podem
ter sido feitas. Isto é, notadamente em virtude da dinamicidade do meio utilizado in
casu para realização e divulgação da paródia (internet), o qual permite que em
poucos minutos milhares de pessoas visualizem e façam cópias do conteúdo com
conotação comercial, uma determinação de adequação do conteúdo do site não
traria nenhuma eficácia prática.
Assim, a toda evidência, a medida sufragada pelo Tribunal de origem
(determinação de suspensão definitiva/congelamento do domínio do recorrente)
revela-se a mais adequada para o caso concreto apresentado.
Há de se ressaltar, por fim, que, conforme destacado pelas instâncias
ordinárias (fl. 1025, e-STJ), nada impede que haja o registro de outros nomes de
domínio semelhantes ao da marca da autora e nem a utilização de imagens,
logomarcas e excertos da Folha de São Paulo, pois não se cuida aqui de uma
proibição genérica de se parodiar o referido jornal, mas tão-somente de um
reconhecimento que, nos moldes como a paródia foi realiza na hipótese em análise
(possuindo, além do crítico e jocoso, conteúdo com conotação comercial), houve
violação do direito de proteção da marca estabelecido no artigo 132, inciso IV, da
Lei nº 9.279/96.
4. Do exposto, nega-se provimento ao recurso especial.
É como voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP
Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700
5830020101845342
PAUTA: 13/12/2016 JULGADO: 13/12/2016
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do relator negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Ministro
Luis Felipe Salomão.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP
Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700
5830020101845342
PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/02/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado por indicação do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -
SP165378
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO
PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO
AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM
NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA.
LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE
CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA
DESLEAL NÃO CONFIGURADA.
1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora
rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi
devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu
pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido
contrário à pretensão da recorrente.
2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito
exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art.
124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo
somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou
afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou
associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se,
assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos
produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.
3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não
deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas
empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes
semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo,
diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e
ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem
concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias
produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo
contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do
humor.
4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica
de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de
comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É
interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo
contexto, com versão diferente, debochada, satírica.
5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em
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verdade, regramento no direito de autor, mais específico e
perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do
direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição
da República.
6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no
art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e
paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária
nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que
determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização
do seu titular.
8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e
conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos
termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998).
9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma,
porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº
9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas,
porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não
está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada.
10. Recurso especial parcialmente provido.
VOTO-VENCEDOR
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. Folha da Manhã S.A. ajuizou ação cominatória em face de Mario Ito
Bocchini, pretendendo o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente na
abstenção de utilização, pelo réu, da marca, imagem de jornalistas, conteúdo da autora e
do nome de domínio www.falhadesaopaulo.com ou qualquer outro que guarde
semelhança com a marca Folha de São Paulo ou uso da marca Folha. Requereu, ainda,
o pagamento de indenização por danos morais (fl. 4). Alegou que o réu, "ao registrar
nome de domínio com grafia semelhante à de sua marca e, no respectivo website da
internet , utilizar tipo gráfico e diagramação similares aos da marca, além de reproduzir
conteúdo do jornal, violou sua propriedade de marca, podendo, ainda, induzir o
consumidor em erro" (sentença, fl. 696)
O juízo de piso julgou parcialmente procedente o pedido da autora, para
determinar a suspensão definitiva do nome de domínio falhadesaopaulo.com (fls.
1670-1699). Considerou, pelo nome registrado pelo réu e o conteúdo crítico do website
correspondente, não haver violação aos direitos de marca (fl. 704). Rejeitou, da mesma
forma, o pedido de dano moral formulado, reconhecendo como paródia o conteúdo crítico
do website do autor, “a qual, sendo exercício da liberdade de manifestação
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constitucionalmente garantida, não caracteriza ato ilícito” (fl. 705). No entanto, tendo em
vista o reconhecimento de conteúdo com conotação comercial, determinou o
congelamento do site (suspensão definitiva).
Em face da decisão referida, as partes interpuseram apelação (fls. 730-758
e 789-804). Julgados os recursos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou
provimento a ambos, nos termos da ementa reproduzida abaixo (fl. 1019):
DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade de
confusão com o Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha da
Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquele anterior
c.c. Perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente -
Prejudicial afastada - Recursos desprovidos.
Foram opostos embargos de declaração pelo réu (fls. 1030-1034), que
foram rejeitados. Confira-se a ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Alegação de omissão e contradição -
Inocorrência - Acórdão que ratifica o teor da sentença, com fundamento no
artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal - Enfrentamento de todas as
questões suscitadas no recurso - Caráter infringente, estranho à função
integrativa dos embargos - Prequestionamento - Desnecessidade de
mencionar artigos de lei a cada ponto do julgado - Julgador que não está
adstrito a enfrentar a integralidade dos artigos citados - Embargos rejeitados.
Inconformado, o réu interpõe recurso especial com fundamento na alínea
"a" do permissivo constitucional e alegação de violação ao art. 535, I e II, do CPC, assim
como ao art. 47 da Lei n. 9.610/98.
Alega o recorrente que o acórdão paulista, apesar de confirmar a sentença
de piso por seus próprios fundamentos, com ela não se harmoniza. Enquanto o juízo
singular afirma não haver violação dos direitos de marca da autora, por tratar-se de
paródia, o colegiado paulista reconhece tal violação.
Assevera que a discussão dos autos consiste em definir se o domínio
fAlhadesaopaulo.com.br , uma paródia em si mesmo, se submete às restrições do direito
que cuida das Marcas, Lei n. 9.279/1996 ou à prevista no art. 47 da Lei n. 9.610/1996.
Aduz que a singularidade, no caso dos autos, é o fato de que a paródia se
realiza pela internet , no próprio domínio do recorrente, "uma sacada inteligente de seu
criador; um domínio que brinca com o parodiado, assim como o faz um comediante, que
não se limita ao humor crítico; que vai além, travestindo-se e imitando voz e trejeitos do
parodiado" (fl. 1063).
Afirma o recorrente que o site fAlhadesaopaulo.com não tem conotação
comercial e que não tem o propósito de retirar os leitores da Folha de São Paulo, mesmo
porque estes não encontrariam em sua página informações e notícias que encontram na
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Folha de São Paulo. Sua razão, acrescenta, é tão somente produzir crítica bem
humorada de alguma matéria publicada pela Folha.
Contrarrazões apresentadas às fls. 1104-1130.
O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls.
1161-1162), ascendendo a esta Corte por meio de provimento do agravo de instrumento
interposto (fls. 1225-1226). Na Sessão de Julgamento ocorrida em 13.12.2016, o
eminente Ministro Relator, Marco Buzzi, proferiu voto negando provimento ao recurso
especial (fl. 1232). Entendeu que a paródia realizada pelo recorrente possuía, além de
tom crítico e jocoso, conotação comercial, havendo, ademais, violação de proteção da
marca, nos termos do que estabelece o art. 132, IV da Lei n. 9.279/96.
Este o relatório, em acréscimo ao já apresentado. Pedi vista para melhor
exame da causa.
2. Acompanhando o eminente relator no ponto, observo que não há falar em
violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as
questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a
uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que
embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a
determinados preceitos legais.
3. No mérito, a controvérsia está em definir se o domínio de internet
fAlhadesaopaulo.com.br, por sua semelhança com o domínio fOlhadesaopaulo.com.br ,
consiste em violação a direito de marca e, ainda, se revela situação de concorrência
desleal, capazes de levar ao congelamento (suspensão definitiva) do primeiro domínio.
registre-se, inicialmente, que a matéria é nova na Corte. A ação foi proposta
pela empresa Folha da Manhã S.A., cujo objetivo era impedir que o blog Falha de São
Paulo, disponibilizado em site de domínio www.falhadesaopaulo.com.br, se mantivesse
no ar, sob argumento de que o tipo gráfico e diagramação utilizados pelo réu eram
idênticos ao da autora, e o nome extremamente semelhante, com alteração apenas de
uma vogal, podendo confundir seus consumidores, caracterizando-se tal conduta como
violação da marca, assim como concorrência desleal.
A ré, Falha de São Paulo, por sua vez, defende-se afirmando a
impossibilidade de caracterização de violação de marca. A uma, por serem as marcas,
identificadas pelos respectivos nomes, diferentes, apesar de semelhantes. A duas, por
serem as partes empresas prestadoras de serviços também absolutamente diferentes. A
ré, acusada de violar os direitos de marca não é nem pretende ser jornal, não provê a
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seus leitores o mesmo tipo de informação que a autora produz. A Falha, afirma a ré,
produz crítica, por meio da sátira e da paródia. A Folha é um jornal que veicula
informações institucionais e de utilidade pública. Assevera, ademais, que a contenda
merece ser solucionada a partir das regras de Direitos Autorais.
4. Ao apreciar o REsp n. 1.466.212/SP, julgado recentemente abordando
temática em certa medida assemelhada, esta egrégia Turma assentou que a marca,
como se sabe, é qualquer sinal distintivo (tais como palavra, letra, numeral, figura), ou
combinação de sinais, capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor,
distinguindo-os de outros idênticos, de origem diversa.
Cuida-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o
privilégio de uso ou exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios
constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal.
Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos
ou interesses meramente individuais do seu titular, mas visa, acima de tudo, proteger os
adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a
qualidade do produto ou serviço. De outra banda, objetiva evitar o desvio ilegal de
clientela e a prática do proveito econômico parasitário.
Consoante reconhecido pela doutrina nacional e estrangeira, há, pelo
menos, quatro funções das marcas: (I) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do
congênere existente no mercado; (II) assinalar a origem e a procedência do produto ou
serviço; (III) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de
qualidade; e (IV) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante
catalisador de vendas.
Outrossim, importante assinalar que a aquisição do direito de exclusividade
sobre a marca rege-se por três sistemas jurídicos: (I) atributivo (que exige a formalidade
do registro da marca para conferir a propriedade e a respectiva proteção ao titular,
revelando-se insuficiente o mero uso do sinal no mercado); (II) declarativo (no qual se
reconhece a proteção àquele que comprovar ter sido o primeiro a utilizar o sinal distintivo,
o que é chamado de "ocupação" pela doutrina); e (III) misto (a proteção pode advir do
registro ou da ocupação).
A Lei 5.772/1971, que instituiu o antigo Código de Propriedade Industrial,
adotou explicitamente o sistema atributivo, ao garantir a propriedade da marca e seu uso
exclusivo no território nacional somente àquele que obtivesse o registro junto ao Instituto
Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da
Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei
9.279/96), por sua vez, fixou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária,
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estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo direito de
precedência ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129, verbis:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente
expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular
seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas
coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito,
usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou
semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico,
semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
4.1. No entanto, como sabido, o direito de uso exclusivo da marca não é
absoluto, havendo dois princípios que limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da
especialidade (ou especificidade) e o princípio da territorialidade.
De acordo com o princípio da especialidade, positivado no inciso XIX do
artigo 124 da Lei 9.279/96, a exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível
a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, dada a possibilidade de indução
do consumidor em erro ou de associação com marca alheia.
Desse modo, o princípio da especialidade autoriza a coexistência de marcas
idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de
atividades diversos.
Nesse passo, vejo no princípio da especialidade o primeiro fundamento pelo
qual não se pode acolher o pleito exordial.
É que, com efeito, o serviço por ela prestado em nada se assemelha ao da
recorrida, Folha de São Paulo. A Falha de São Paulo produz paródia com base nas
matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às
opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e humor. Não havia nem se pretendia no
site suspenso falhadesaopaulo.com.br prestar informações sobre o tempo, cotação de
moeda estrangeira, números de inflação, notícias políticas, de moda ou cultura, dentre
outras facilmente encontradas no domínio da recorrida.
O objeto explorado pela Falha, reconhecido inclusive pela recorrida (fl. 4), é
a crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da Folha, sem qualquer intenção de
autopromoção de matérias concorrentes. E isso pelo simples fato de que não haveria em
seu sítio eletrônico as mesmas reportagens procuradas pelos consumidores da Folha.
Nesse passo, penso que, pela diferença dos objetos explorados por uma e
outra empresa, pela especificidade de seus serviços, já seria possível afastar a alegação
de violação de direito de marca invocada pela ora recorrida.
4.2. De outra parte, há, no meu entendimento, fundamento ainda mais
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consistente, apto a desconstituir a alegação de violação ao direito de marca.
É que a atividade exercida pela recorrente encontra regramento no direito
de autor, mais específico, para o caso, que o direito de marcas, capaz de, por si só,
resguardá-lo.
Destarte, sendo indiscutível que a conduta da recorrente se enquadra como
paródia, o que se vê, no caso sob exame, é prática perfeitamente admitida e de acordo
com o direito de liberdade de expressão, tais como garantidos pela Constituição da
República.
Com efeito, a paródia , forma de expressão do pensamento e obra artística,
é uma das limitações do direito de autor e sua previsão está no art. 47 da Lei na
9.610/1998, que tratou da permissão às paráfrases e paródias . Confira-se:
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras
reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Quanto às limitações e exceções aos direitos de autor, cumpre mencionar
importante documento denominado Direito ao Compartilhamento: Princípios sobre a
Liberdade de Expressão e Direitos Autorais na Era Digital - 2013, elaborado pela Artigo
19, Associação Civil sem fins lucrativos criada em Londres, em 1986, com o objetivo
principal de proteger e promover o direito à liberdade de expressão e o acesso à
informação previstos no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
(https://www.article19.org/data/files/medialibrary/3716/13-04-23-right-to-share-PO.pdf)
A título de conhecimento, confira-se o Princípio n. 6 do Documento que diz:
Princípio 6: Tratamento justo e trabalhos derivados
6.1. As limitações e exceções aos direitos autorais, sobretudo o tratamento
justo, devem ser interpretadas de uma forma ampla para garantir uma maior
proteção ao direito à liberdade de expressão.
6.2. A utilização criativa e transformadora de trabalhos originais sujeitos aos
direitos autorais deve se beneficiar de uma proteção mais ampla de acordo
com a exceção do tratamento justo dos direitos autorais.
Nessa linha de ideias, é possível afirmar que a paródia é imitação cômica de
uma composição literária, filme, música, uma obra qualquer. Quase sempre dotada de
comicidade, utilizando-se do deboche e da ironia para entreter. É fruto de interpretação
nova, é adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente,
debochada, satírica.
Na jurisprudência desta Casa, foram localizadas poucas decisões
monocráticas e apenas um acórdão com o termo de pesquisa "paródia". No acórdão
referido, o eminente relator, Ministro Raul Araújo, define muito brevemente o instituto,
mas, no caso, a paródia teria sido descaracterizada. Confira-se:
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 23de 53
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. OBRA MUSICAL. LETRA
ALTERADA. UTILIZAÇÃO EM PROPAGANDA VEICULADA NA TELEVISÃO.
PARÓDIA OU PARÁFRASE. INEXISTÊNCIA. DANOS MATERIAIS
DEVIDOS. ALTERAÇÃO DO CONTEÚDO DA OBRA. DANOS MORAIS.
OCORRÊNCIA.
1. O autor da obra detém direitos de natureza pessoal e patrimonial. Os
primeiros são direitos personalíssimos, por isso inalienáveis e irrenunciáveis,
além de imprescritíveis, estando previstos no art. 24 da Lei 9.610/98. Os
segundos, regulados pelo art. 28 da referida Lei, são passíveis de alienação.
2. Nesse contexto, nada há a reparar na decisão guerreada quando afirma
ser o segundo recorrido ainda titular de direitos morais que podem ser
vindicados em juízo, tendo direito à reparação por danos morais em face das
modificações perpetradas em sua obra sem autorização, pois apenas alienou
seus direitos autorais de ordem patrimonial.
3. Na hipótese dos autos, a letra original da canção foi alterada de modo
a atrair consumidores ao estabelecimento da sociedade empresária ré,
não havendo falar em paráfrase, pois a canção original não foi usada
como mote para desenvolvimento de outro pensamento, ou mesmo em
paródia, isto é, em imitação cômica, ou em tratamento antitético do
tema. Foi deturpada para melhor atender aos interesses comerciais do
promovido na propaganda.
4. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1131498/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado
em 17/05/2011, DJe 08/06/2011)
Importante mencionar que o fato de a paródia estar disposta entre as
exceções aos limites ao direito autoral significa que aquele que realiza a paródia está
dispensado de obter a autorização do autor da obra parodiada.
De fato, o artigo 47 da Lei n. 9.610/1998 permite a utilização da obra sem a
anuência do titular, para a composição de paródia, mas sob as seguintes condições: que
a paródia não configure verdadeira reprodução e que não cause descrédito à obra
originária.
No que respeita à verdadeira reprodução da obra parodiada, a doutrina
ensina que “o texto legal veda-lhe a 'verdadeira reprodução', implicitamente admitindo
certa imitação , ou melhor, parcial imitação. Não fosse assim, não haveria paródia, visto
que o legislador utilizou a expressão 'verdadeira reprodução' e não apenas o vocábulo
'reprodução'. Assim, a paródia sempre é imitação da obra originária, porém, não em
demasia. O que é certo é que a paródia necessita de alguma imitação para que o
público identifique a obra originária, reconhecendo a nova versão como imitação
cômica de obra anteriormente conhecida por este mesmo público”. (PEREZ, Priscila
de Carvalho Ruiz. Paródia como violação de direito autoral. In: Revista da ABPI, n. 137, p. 32-43,
jul./ago. 2015).
Noutro ponto, há ainda a condição que não cause descrédito à obra
originária , de modo a que a paródia seja considerada lícita e permitida. Referida condição
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 24de 53
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traz consigo, no entanto, considerável carga subjetiva, dificultando demasiadamente a
análise de sua presença, não havendo por parte da legislação a fixação de qualquer
parâmetro para determinar o que seja descrédito .
De fato, a ironia e a crítica são a essência da paródia. Quando a lei prevê e
protege esse tipo de manifestação e expressão está protegendo a irreverência do
conteúdo apresentado.
Interessante lembrar ainda que a proteção à paródia, além de uso e
costume do direito ao entretenimento, é tradição brasileira, cuja matéria fora prevista já
no Código Civil de 1916, antes mesmo da edição da primeira lei especial sobre o direito
do autor. Confira-se:
Art. 665. É igualmente necessária, e produz os mesmos efeitos da permissão
de que trata o artigo antecedente, a licença do autor da obra primitiva a outro,
para de um romance extrair peça teatral, reduzir a verso obra em prosa, e
vice-versa, ou dela desenvolver os episódios, o assunto e o plano geral.
(Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998)
Parágrafo único. São livres as paráfrases, que não forem verdadeira
reprodução da obra original. (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998)
No que respeita a casos emblemáticos dessa forma de expressão, cumpre
mencionar que já nos anos 1920, Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly,
posteriormente autointitulado Barão de Itararé, mantinha, sob sua autoria, o suplemento
satírico denominado A Manha. O próprio nome do periódico, tal qual o caso dos autos,
parodiava um dos grandes Jornais da época, A Manhã. Na verdade, aqui, trocou-se uma
letra – o por a, lá, retirou-se um til. "A Manha começou a circular no dia 13 de maio de
1926 com o subtítulo "Órgão de ataques... de riso". Propunha-se abertamente a "morder
o calcanhar das autoridades", especialmente a classe política. Com estilo irreverente e
inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à
frente das publicações concorrentes. A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer
uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades".
(http://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-manha-2). Não há notícias de que o nome do periódico
tenha sido um problema para o Barão de Itararé.
Em linha semelhante de paródia, mais recentemente, na década de 1990, o
renomado escritor e cartunista Ziraldo, criou revista de tiragem mensal, pela editora
Pererê, com nome um tanto quanto inusitado, Bundas, utilizando-se da mesma
diagramação da revista Caras, da editora Abril e, assim como a fonte de seu título,
branca em fundo vermelho (na capa), tornava claro o tom paródico e satírico pretendido.
“As comparações e menções frequentemente apareciam em algum lugar da revista. Bom
exemplo está no primeiro editorial da revista, quando Veríssimo afirma que assim como
Caras, Bundas “mostrará brasileiros em situações ridículas, dizendo coisas desconexas,
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em cores”. Em outro exemplo, na terceira edição, o autor visando ironizar e criticar as
privatizações ocorridas no governo FHC, afirma que assim como Caras possui uma ilha,
Bundas compraria um país: O Brasil – que estaria sendo vendido “por uma ninharia”.
(LAPA, Bruna. Caras X bundas. VIII Encontro de Programas de Pós Graduação em
Comunicação de Minas Gerais. www.ecomig2015.wordpress.com)
No caso de Ziraldo, houve o ajuizamento de ação por danos morais, com
interposição de Recurso especial julgado pela egrégia Terceira Turma deste Tribunal. No
recurso proposto, todavia, não foram questionadas as semelhanças entre uma e outra
publicação. Não havia reivindicação de marca por apropriação de diagramação, fonte,
cores, estilo da revista Caras, tampouco havia disputa de domínio na rede mundial de
computadores.
No julgamento proferido pela Terceira Turma, apenas a título de ilustração,
interessante notar que a eminente Ministra relatora, Nancy Andrighi, em seu voto
condutor, destacou as características da paródia, na linha que aqui se expõe:
Nesse aspecto, nota-se que o meio de comunicação é explicitamente satírico,
o que se evidencia – se não por menos – pela proposta editorial calcada na
possibilidade de fazer rir a partir da comparação com outra revista de grande
circulação, cujo 'mote' é publicizar a vida íntima daquilo que se convencionou
chamar de 'celebridades': pessoas que utilizam a mídia – expondo
despudoradamente aspectos privados de sua personalidade – com o intuito
de obter projeção pessoal.
(...)
A revista 'Bundas' tinha, claramente, nítido propósito editorial de apontar os
excessos de um fenômeno social novo, surgido em meados da última década
do século passado, que se consubstanciou na explosão do interesse público
a respeito da vida de pessoas abastadas ou célebres, nacionais e
estrangeiras.
(...)
Afirma-se, portanto, que, no contexto de uma publicação humorística
destinada a ridicularizar outra revista, esta exibindo pessoas que
mantêm um estilo de vida fulcrado na ostentação, a expressão “Barão
da merda”, utilizada no humorístico, para além de representar um
trocadilho popular com a atividade empresarial do construtor do
castelo, atinge perfeitamente o objetivo do magazine ao associar um
título nobiliárquico – semelhante ao que muitos dos 'colunáveis'
daqueloutra revista exibem – a um termo que se contradiz
absolutamente com a distinção da nobre comenda, assim causando
impacto cômico pela inesperada associação de idéias que as
expressões, uma vez relacionadas, provocam.
Abaixo a ementa do acórdão:
Civil. Ação de compensação por danos morais. Revista humorística.
Matéria satírica que teria maculado a honra de antepassado das recorrentes.
Crítica social que transcende a memória do suposto ofendido para analisar,
por meio da comparação jocosa, tendência cultural de grande repercussão no
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país.
- Dentro do que se entende por exercício da atividade humorística, a matéria
não teve por objetivo a crítica pessoal ao antepassado das recorrentes, mas
a sátira de certos costumes modernos que ganharam relevância e que são
veiculados, hodiernamente, por mais de uma publicação nacional de grande
circulação.
- O 'mote' supostamente lesivo, ademais, foi atribuído ao domínio público.
- A conduta praticada não carrega a necessária potencialidade lesiva, seja
porque carecedora da menor seriedade a suposta ofensa praticada, seja
porque nada houve para além de uma crítica genérica de tendências
culturais, esta usando a suposta injúria como mera alegoria.
- Não cabe aos Tribunais dizer se o humor praticado é 'popular' ou
'inteligente', porquanto à crítica artística não se destina o exercício da
atividade jurisdicional.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 736.015/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 16/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 533)
No caso sob análise, é mister sublinhar, a meu juízo, que a diferença em
relação ao casos citados acima está apenas no meio utilizado para parodiar, a internet.
Nem mesmo o fato de a paródia já se expressar no nome de domínio é novidade, como
se percebeu ter ocorrido com a paródia da magazine A Manha.
5. Ademais, examinando a questão por outro ângulo, a recorrida alega que
a existência do site de paródia, com o domínio falhadesaopaulo.com.br, causaria
concorrência desleal em relação ao jornal Folha de São Paulo, por sua conotação
comercial.
Quanto à conotação comercial, o acórdão recorrido, reproduzindo os dizeres
da sentença, se manifestou como a seguir:
Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo
próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma
seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro
deles o da revista semanal Carta Capital. Ao final da página há, ainda,
anúncio de sorteio de assinatura da revista Carta Capita entre os seguidores
da conta do réu no Twitter. Ao anunciar a promoção, o website do réu
reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da
revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com as reproduções do jornal
da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove
qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o
website do réu como tendo conotação comercial.
Ora, a meu ver, observada sempre a máxima vênia, a análise feita pelas
instâncias de origem, acerca da conotação comercial, não pareceram corretas e
adequadas. É que a sentença e o acórdão extraíram de uma situação comum, permitida,
sanção desassociada dos fatos, utilizando interpretação de legislação inadequada a reger
o caso sob análise.
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Com efeito, a sentença buscou arrimo no seguinte dispositivo da Lei de
Marca, Lei n. 9.279/1996:
Art. 132. O titular da marca não poderá:
(...)
IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou
qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem
prejuízo para seu caráter distintivo.
No entanto, a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela
paródia não prevê como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir
conotação comercial. Conforme visto, este não é requisito de sua perfeição.
Ainda, importante ressaltar que a concorrência desleal acusada pela
recorrida também não se caracteriza nesse caso.
Em primeiro lugar, a meu juízo, porque falha e folha não são concorrentes,
não prestam serviços da mesma natureza. Em segundo lugar, porque a conduta da
recorrente não tipifica concorrência desleal, questão, esta sim, definida no âmbito da Lei
nº 9.279/96.
De fato, a Lei da Propriedade Industrial disciplina, em seu art. 2º, os modos
pelos quais a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial se efetiva e, em seu
inciso V, faz constar a repressão à concorrência desleal. Dispõe, ainda, no art. 195:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente,
com o fim de obter vantagem;
II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de
obter vantagem;
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio,
clientela de outrem;
IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a
criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;
V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia
alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com
essas referências;
VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o
nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;
VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não
obteve;
VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de
outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar
com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o
fato não constitui crime mais grave;
IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente,
para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione
vantagem;
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou
recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 28de 53
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a concorrente do empregador;
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos,
informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou
prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público
ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso
mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do
contrato;
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou
informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a
que teve acesso mediante fraude; ou
XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de
patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que
não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado
ou patenteado, ou registrado, sem o ser;
XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes
ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço
considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais
como condição para aprovar a comercialização de produtos.
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
6. Por fim, no que respeita à alegação de confusão que o domínio
falhadesaopaulo.com.br possa causar aos leitores da Folha de São Paulo, da mesma
forma, penso que não prospera a argumentação.
Confiram-se, abaixo, por sua adequação, as palavras proferidas na decisão
de piso, confirmadas integralmente pelo acórdão (fls.):
No presente caso, a possibilidade de confusão não existe, pois a paródia é
revelada, inteiramente, já pelo nome de domínio. O trocadilho anuncia, ao
mesmo tempo, que se trata de uma sátira, e que é objeto dela. Nem mesmo
um “tolo apressado” seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma
vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia anunciada pelo
nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website. Além disso, dadas
as posições das letras “A” e “O” no teclado QWERTY, tradicionalmente
utilizado nos computadores pessoais e demais eletrônicos por meio dos quais
a internet é acessada, fica afastada qualquer possibilidade de typosquatting,
modalidade de cybersquatting em que o usuário, por simples erro de
digitação, acaba por acessar website diverso do pretendido.
Nesse ponto, vale ressaltar que um dos elementos distintivos da
inexistência de confusão entre as marcas refere-se ao grau de especialização dos
adquirentes dos serviços prestados por aquelas empresas, segundo o qual seria capaz
de afastar a possibilidade de confusão ou associação entre as marcas.
Dessarte, a questão, em regra, deve ser analisada sob a perspectiva do
homem médio (homus medius ), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do
ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas
integrantes da sociedade.
Nessa linha de intelecção, confira-se o entendimento doutrinário:
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Por fim, a apreciação deve ser procedida segundo a ótica do consumidor
comum, desatento e despreparado por natureza [...]. Jamais deve ser a
impressão causada ao julgador em litígio, normalmente mais preparado e
instruído. Nesse caso, o julgador deve afastar-se da postura de árbitro do
litígio e postar-se como se fosse um cidadão, um consumidor, auferindo se,
nesta situação tranquila, faria a associação ou confundiria as marcas.
(SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade
industrial . Campinas: Servanda, 2013, p. 115-116).
Todavia, não se olvide que determinados produtos ou serviços são
colocados no mercado para consumidores bem específicos. Entre outras características,
leva-se em consideração o nível social, o conhecimento intelectual, o grau de formação e
outras condições especiais dos eventuais adquirentes. Em outros casos, a atividade de
comércio tem como clientes apenas pessoas jurídicas de pequeno, médio ou grande
porte. Portanto, essa é a tônica do mercado cada vez mais globalizado e setorizado.
Nessa linha de entendimento, não é difícil concluir pelo elevado grau de
discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui, mormente da Folha de São
Paulo. É difícil imaginar que um leitor integrante de grupo tão restrito não seja capaz de
reconhecer os donos dos textos que lê, se não imediatamente, em poucos minutos. Isso,
porque se presume a capacidade intelectual avançada desse grupo, caracterizada, ao
menos, pelo maior interesse pela leitura e informação.
7. Interessante destacar, ademais, que o nome de domínio (domain name) é
o sinal designativo utilizado para identificar e localizar o endereço eletrônico ou a home
page de agentes que, de algum modo, exerçam atividade (econômica ou não) na internet.
Como bem elucida a doutrina:
(...) do ponto de vista estritamente técnico, o nome de domínio nada mais é
do que uma sequência alfanumérica (não podendo ser exclusivamente
numérica) que representa um determinado host, e por meio da qual se
acessa esse host.
Os endereços dos hosts são, na verdade, representados por uma sequência
de números, que são os endereços IP. Como a memorização desses
números seria pouco conveniente para as pessoas, desenvolveu-se um
sistema descentralizado de dados em que letras que formam o nome de
domínio são convertidas e associadas aos números dos endereços IP,
facilitando a forma de operar na internet para as pessoas (que preferem as
letras, pois estas são passíveis de associação), e para os computadores (que
utilizam com mais eficiência os números, pois trabalham no sistema binário).
Portanto, o nome de domínio é o reflexo, numa forma amigável e mnemônica,
do endereço IP de um host. (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Nomes
de domínio no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 93)
O Sistema de Nomes de Domínio (ou Domain Name System - DNS) é
uma estrutura de identificação hierárquica, que foi designada para
garantir que cada nome seja globalmente único e que corresponda a um
valor numérico distinto. Ele resolve um nome de domínio, como
"stf.gov.br", em um endereço IP único, um nome numérico que contém
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quatro blocos de até três dígitos cada, como 32.104.87.2, que irá apontar
para apenas um lugar na Internet. O DNS foi designado, primariamente,
como um mecanismo mnemônico que faz com que as pessoas se
lembrem do "endereço" das páginas Web mais facilmente.
A hierarquia DNS é estruturada em domínios separados, em que uma
entidade administrativa mantém controle de cada nível. Quando uma pessoa
digita um domínio, o pedido é direcionado primeiro ao servidor DNS,
geralmente operado por um provedor de serviços Internet (Internet Service
Provider - ISP), que então localiza as bases de dados para cada subdomínio,
da direita para a esquerda. O servidor DNS, a princípio, localiza um
host/servidor, e no final, localiza a página correspondente e manda a
mensagem de volta ao computador originário. (KAMINSKI, Omar. Conflitos
sobre nomes de domínio: e outras questões jurídicas da internet.
Ronaldo Lemos e Ivo Waisberg (org.). São Paulo: Revista dos
Tribunais/Fundação Getúlio Vargas. 2003, pp. 244/245)
Assim, "sendo o nome de domínio um sinal distintivo passível de
apropriação mediante o registro no órgão próprio; podendo seu titular usá-lo, gozá-lo e
dispô-lo; e, somando-se a isso, o fato de ter valor econômico, sendo objeto de milhares
de transações, não haveria maior dificuldade em considerá-lo como um bem imaterial,
sobre o qual o seu dono (quem o registrou) tem um direito de propriedade, numa típica
relação de direito real" (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Op. Cit., p. 113).
A despeito da divergência doutrinária, é certo que a Constituição da
República de 1988, consoante afirmado alhures, reconhece não só proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas, mas também a
quaisquer outros signos distintivos (inciso XXIX do artigo 5º), expressão que abrange,
por óbvio, o nome de domínio.
A Portaria Interministerial 147/95 (editada em conjunto pelos Ministros das
Comunicações e da Ciência e Tecnologia) criou o Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br), com as atribuições, dentre outras, de coordenar os registros de nomes de
domínios no país (inciso V do artigo 1º).
De início, as funções atinentes ao registro de nomes de domínio foram
delegadas à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Em
2005, contudo, foi criado o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)
que passou a ser responsável pela atividade de registro de domínios ".br".
Em 1998, o Comitê Gestor promulgou resolução fixando as regras de
funcionamento do registro dos nomes de domínio no Brasil (Resolução CGI.br 1/98).
O artigo 1º do citado normativo - vigente à época dos fatos narrados na
inicial - erigiu princípio fundamental denominado "First Come, First Served" (adotado até
os dias atuais), segundo o qual o direito ao nome de domínio será conferido ao primeiro
requerente que satisfizer, quando do pedido, as exigências para o registro. Nesse
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 31de 53
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contexto, a concessão do registro não dependia de prévia apuração de eventual conflito
com marcas ou nomes comerciais registrados em outros órgãos, atribuindo-se ao
requerente a integral responsabilidade pela escolha do nome de domínio.
Nesse ponto, o artigo 2º, do Anexo I, da referida resolução preceituava que
o nome escolhido pelo requerente para registro não poderia tipificar nome não
registrável, o qual compreendia, entre outros, signos que pudessem induzir terceiros em
erro, "como no caso de nomes que representam marcas de alto renome ou notoriamente
conhecidas, quando não requeridos pelo respectivo titular".
Consequentemente, nem todo registro de nome de domínio, composto por
signo distintivo equivalente à marca comercial de outrem, configura violação do direito de
propriedade industrial, mas apenas aquele capaz de gerar perplexidade ou confusão dos
consumidores, desvio de clientela, aproveitamento parasitário, diluição de marca ou que
revele o intuito oportunista de pirataria de domínio.
Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução CGI.br 8/2008, que continua
a responsabilizar o requerente pela escolha de nome de domínio que induza terceiros em
erro ou que viole direitos de outrem (artigo 1º).
Diante desse quadro, também por essas razões, penso que não há qualquer
prejuízo às titulares da marca ou aos consumidores com a utilização do sítio na internet.
Isso porque o nome de domínio escolhido pelo blog Falha de São Paulo,
falhadesaopaulo.com.br, não se revela capaz de causar confusão entre o serviço
jornalístico virtual prestado pela Folha de São Paulo e o prestado pela Falha, destinado a
oferecer crítica por meio de paródia às matérias jornalísticas da recorrida.
Em recente julgamento realizado em dezembro de 2016 (ainda não
publicado), REsp n. 1.466.212/SP, esta egrégia Quarta Turma apreciou recurso, cuja
controvérsia era definir se a anterioridade de registro de marca, em uma classe
específica, conferia ao titular o direito à utilização exclusiva de nome de domínio
equivalente no âmbito da rede mundial de computadores (internet ).
Naquela oportunidade, diferente do caso sob análise, mas com ele
semelhante em certa medida (tratou-se de marcas, aqui prepondera o direito de autor),
este colegiado negou provimento ao apelo, reconhecendo a possibilidade de coexistência
de nomes semelhantes de marcas, sem que isso representasse violação a direito de
qualquer espécie. Do voto condutor, destaca-se trecho que resume a deliberação,
Confira-se:
Isso porque o nome de domínio escolhido pela sociedade empresária ré
("paixao.com.br") não se revela capaz de causar confusão entre os
produtos comercializados pelas autoras (cosméticos Paixão) e o serviço
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virtual a ser disponibilizado no site, destinado a aproximar pessoas para
relacionamentos amorosos.
Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique
aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca,
com a indução dos consumidores em erro. Ou seja, sequer em tese a
conduta descrita nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado
pelas demandantes.
(...)
A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no
registro da marca demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de
domínio compostos pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de
atividade do titular.
Assim, não há que se falar em violação do direito das autoras, que ainda
podem proceder a registro de nome de domínio representativo da sua marca,
a exemplo de "cosmeticospaixao.com.br" ou "paixaocosmeticos.com.br".
Uma vez mais anoto que, assim como no julgado citado acima, as partes
demandantes oferecem serviços absolutamente diversos, sendo este um dos
fundamentos aqui explicitados, assim como o foi no REsp n. 1.466.212/SP.
8. Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique
aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos
consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura
o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui recorrida.
A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no
registro da marca, demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de domínio
compostos até pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de atividade do titular, o
que não se reflete nos presentes autos, em que os domínios, apesar de semelhantes,
são diferentes.
9. Ante o exposto, peço licença para divergir do voto proferido pelo
eminente e culto relator, e dou parcial provimento ao recurso especial para reconhecer a
inexistência de violação de direito de marca da recorrida e liberar o uso do domínio
falhadesaopaulo.com.br . Honorários advocatícios em favor da recorrente, que fixo em
R$10.000,00 (dez mil reais).
Saliente-se, por fim, quanto ao dano moral negado na origem, não há
qualquer discussão acerca da questão em sede de recurso especial, tendo a matéria
transitado em julgado após a sentença (fl. 705).
É como voto.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 33de 53
Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP
Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700
5830020101845342
PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 21/02/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando
parcial provimento ao recurso especial, divergindo do relator, PEDIU VISTA regimental o relator.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 34de 53
Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP
Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700
5830020101845342
PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 14/03/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 35de 53
Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP
Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700
5830020101845342
PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/03/2017
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI
ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203
LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473
RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A
ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator.
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 36de 53
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)
VOTO-VISTA
EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI: A discussão subjacente é
relacionada à existência ou não de violação ao direito de marca da recorrida
EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A pelo sítio eletrônico criado pelo recorrente
MARIO ITO BOCCHINI.
Submetido o recurso à apreciação desta Quarta Turma em data de
13.12.2016, pediu vista dos autos o e. Ministro Luis Felipe Salomão, que, na
assentada de 21.02.2017, inaugurou divergência, no sentido de dar parcial
provimento ao apelo extremo, a fim de reconhecer a inexistência da referida ofensa
e liberar o uso do domínio falhadesaopaulo.com.br.
Dos fundamentos elencados pela divergência, destaca-se, em suma: i) "o
direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, havendo dois princípios que
limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da especialidade (ou especificidade) e
o princípio da territorialidade" e, considerando o princípio da especialidade, o serviço
prestado pelo website criado pelo recorrente "em nada se assemelha ao da
recorrida, Folha de São Paulo"; ii) "a atividade exercida pelo recorrente encontra
regramento no direito de autor, mais específico, para o caso, que o direito de
marcas, capaz de, por si só, resguardá-lo. Destarte, sendo indiscutível que a
conduta do recorrente se enquadra como paródia, o que se vê no caso sob exame é
prática perfeitamente admitida e de acordo com o direito de liberdade de expressão,
tais como garantidos pela Constituição da República"; iii) o art. 132, inciso IV, da Lei
nº 9.279/1996 não traduz o regramento adequado a reger o caso sob análise, pois
"a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela paródia não prevê
como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir conotação";
iv) "falha e folha não são concorrentes, não prestam serviços da mesma natureza"
e "a conduta da recorrente não tipifica a concorrência desleal"; v) "impossibilidade
de confusão ou associação entre as marcas", diante do "elevado grau de
discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui" e do próprio nome de
domínio escolhido pelo blog (falhadesaopaulo.com.br ).
Concluiu que "Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que
implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a
indução dos consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita
nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 37de 53
Superior Tribunal de Justiça
recorrida".
Na mesma oportunidade, pedi vista regimental dos autos para melhor
refletir sobre a controvérsia neles versada, em consideração, ainda, aos argumentos
explanados pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão.
VOTO
Não obstante as ponderações delineadas pela divergência, ratifico meu
voto, com os acréscimos que seguem.
1. Apenas para rememorar, em apertada síntese, trata-se, na origem, de
ação cominatória e indenizatória ajuizada pela ora recorrida em face do ora
recorrente, requerendo a condenação do réu a se abster de utilizar marca, conteúdo
do jornal e nome de domínio da autora no website falhadespaulo.com.br , haja vista
o tipo gráfico utilizado pelo réu ser idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio
eletrônico (folhadespaulo.com.br ou folha.com.br ), bem como o nome usado ser
extremamente semelhante, com alteração apenas de uma vogal, caracterizando
assim violação da sua marca, a qual se encontra devidamente registrada no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial – INPI.
De início, pontua-se o papel constitucional do Superior Tribunal de
Justiça, consistente na uniformização da interpretação da legislação federal,
preservando sua correta aplicação. Desse modo, os parâmetros aqui estabelecidos
repercutem nos julgamentos realizados em todo o país, revelando justamente essa
função de uniformizar a jurisprudência.
Mister observar que, como bem destacado pelo e. Ministro Luis Felipe
Salomão, a matéria aqui tratada é nova na Corte, razão pela qual as peculiaridades
do caso concreto ganham ainda mais relevância. Aliás, foi o que ocorreu no recente
julgamento do Recurso Especial nº 1.342.266 - PE (ainda não publicado), no qual
esta Turma atentou-se para uma singularidade daquele caso - o fato de a obra em
questão ser uma caricatura, que não se confunde com o símbolo/mascote oficial do
clube esportivo então recorrente - e reconheceu, por maioria, que o referido
desenho está acobertado pela proteção da Lei dos Direitos Autorais.
Em relação à controvérsia subjacente a esta demanda, cumpre
asseverar, em acréscimo ao voto anteriormente prolatado, que a Constituição
Federal, ao dispor sobre liberdade de expressão - aqui entendida em sentido lato, a
englobar a liberdade de imprensa e de informação - prevê, em seu artigo 220, que a
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 38de 53
Superior Tribunal de Justiça
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, atendido o disposto
no próprio texto constitucional. Dentre as demais garantias estabelecidas pela
Lei Maior, destacam-se a livre iniciativa, já insculpida no art. 1º como um dos
fundamentos da República, e a proteção à propriedade das marcas, aos nomes de
empresas e a outros signos distintivos, assegurada em seu art. 5º, inciso XXIX.
Com efeito, é possível inferir, por meio de uma interpretação sistemática
e sob a perspectiva do princípio da unidade da Constituição, que essa prescreve o
caráter não absoluto da liberdade de informação jornalística, a ser mitigada nas
hipóteses em que conflitar com outros direitos igualmente por ela garantidos.
Nesse contexto, portanto, é que deve ser observada a controvérsia
veiculada no apelo extremo, ou seja, se o blog criado pelo recorrido excedeu os
limites da liberdade de expressão, ensejando violação da proteção legal assegurada
à marca da recorrida. No particular, ainda, merece especial destaque as conclusões
delineadas no âmbito das instâncias ordinárias, que conduziram à procedência do
pedido cominatório.
Na hipótese, o Tribunal a quo, mantendo a sentença proferida pelo
magistrado singular, salientou que, além do teor depreciativo e de reprimenda da
marca Folha de São Paulo, o referido sítio eletrônico possui também conteúdo com
conotação comercial, o que extrapola o alegado propósito de atuar com
intenção meramente jocosa e crítica, contaminando assim o respectivo domínio,
motivo pelo qual deve ser mantido seu congelamento.
Destacam-se os seguintes trechos (fl. 1024, e-STJ):
A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios
fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste
Tribunal.
Eis os referidos fundamentos:
Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz
algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante
prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o
titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em
discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde
que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter
distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website
falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135)
percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de
links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro
deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há,
ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital
Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 39de 53
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Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

  • 1. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 EMENTA RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURADA. 1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. 3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do humor. 4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 de 53
  • 2. Superior Tribunal de Justiça 5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em verdade, regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República. 6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização do seu titular. 8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998). 9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma, porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº 9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas, porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada. 10. Recurso especial parcialmente provido. ACÓRDÃO Prosseguindo no julgamento, após o voto- vista do Ministro Raul Araújo dando parcial provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência instaurada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão. Vencido o relator, que negava provimento ao recurso especial. Votaram com o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira. Brasília (DF), 20 de junho de 2017(Data do Julgamento) MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 2 de 53
  • 3. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 RELATÓRIO EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por MARIO ITO BOCCHINI, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, no intuito de reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Na origem, a ora recorrida EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ajuizou ação cominatória e indenizatória, requerendo a condenação do réu a se abster de utilizar marca, conteúdo do jornal e nome de domínio da autora no website falhadespaulo.com.br , por ele registrado perante o Núcleo de Informação e Coordenação de Ponto – NIC.Br, competente para o registro de nomes de domínio no Brasil, e ao pagamento de indenização por danos morais. Fundamentou seu pedido no fato de o tipo gráfico utilizado pelo réu ser idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio eletrônico (folhadespaulo.com.br ou folha.com.br ), bem como o nome usado ser extremamente semelhante, com alteração apenas de uma vogal, caracterizando assim violação da sua marca, a qual se encontra devidamente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Devidamente citado, o réu apresentou defesa em forma de contestação. O magistrado singular julgou parcialmente procedente o pedido, obstando o uso do sítio eletrônico utilizado pelo réu, sem, entretanto, condená-lo ao pagamento de indenização por danos morais. Entendeu que não há risco de confusão entre os domínios, por tratar-se claramente de sátira/paródia, revelada pelo próprio nome do endereço eletrônico, a qual não pode ser vedada em respeito à livre manifestação do pensamento. Contudo, assentou que o sítio eletrônico, além do teor crítico, possui também conteúdo com conotação comercial, o que extrapola o alegado propósito de atuar com intenção meramente jocosa e crítica, contaminando assim o respectivo domínio, motivo pelo qual deve ser congelado. Inconformado, o réu interpôs apelação cível, à qual a Quinta Câmara de Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 de 53
  • 4. Superior Tribunal de Justiça Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos, em acórdão que restou assim ementado (fl. 1019, e-STJ): DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade de confusão com Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha da Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquela anterior, do Código de Propriedade Industrial - Ação cominatória c.c. perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente - Prejudicial afastada - Recursos desprovidos. Opostos embargos de declaração (fls. 1030-1034, e-STJ), esses foram rejeitados (fls. 1037-1042, e-STJ). Em suas razões recursais (fls. 1045-1069, e-STJ), o recorrente aponta violação do disposto nos artigos 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil de 1973 e 47 da Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais). Alega, preliminarmente, contradição do acórdão recorrido ao reconhecer violação da marca e, concomitantemente, confirmar a sentença por seus próprios fundamentos, tendo em vista que, para o juízo singular, trata-se de paródia. No mérito, sustenta a inexistência de conteúdo comercial no domínio eletrônico e a aplicação indevida de legislação pelo Tribunal de origem, não podendo ser coibida a livre manifestação de seu pensamento por meio da paródia, em consonância com o disposto no art. 47 da Lei nº 9.610/98. Afirma, outrossim, “Não há, também, que se falar em concorrência desleal, seja pelos argumentos acima, seja pelo fato de que, todos os veículos que publicam paródias, charges, colunas de humor – como o faz a própria FOLHA -, podem ou não ter patrocionadores e anunciantes, fato que não descarateriza a paródia, o conteúdo cômico ou caricato do trabalho; que não afasta a liberdade que advém do artigo 47 da Lei nº 9.610/98, inspirada, parece-nos evidente, nos artigos 5º, IV e 220, da Constituição Federal” (fl. 1068, e-STJ). Apresentadas contrarrazões às fls. 1104-1130 (e-STJ), nas quais a recorrida argumenta, em suma, que: i) o decisum impugnado não incorreu em omissão ou contradição; ii) aplica-se ao caso a Súmula nº 7/STJ; e iii) a paródia realizada pelo recorrente é ilícita por ter violado a proteção legal garantida à marca da recorrida, ao possuir conteúdo com conotação comercial, não havendo negativa de vigência ao art. 47 da Lei nº 9.610/98 e sim sua correta aplicação em consonância com outros dispositivos legais que regulam a questão, notadamente o Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 4 de 53
  • 5. Superior Tribunal de Justiça artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96. Em juízo prévio de admissibilidade, negou-se o processamento ao apelo extremo, sob o fundamento de ausência de violação ao artigo 535 do CPC/73, além da incidência do óbice inserto na Súmula nº 7/STJ. Diante desta decisão, foi interposto agravo, no qual o ora recorrente refutou os retrocitados óbices, pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso especial (fls. 1165-1174, e-STJ) Contraminuta apresentada às fls. 1188-1202 (e-STJ). Em decisão monocrática, este Relator deu provimento ao agravo para melhor exame da controvérsia, determinando sua autuação como recurso especial (fls. 1225-1226, e-STJ). É o relatório. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 5 de 53
  • 6. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) EMENTA RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, "a", CF/88) - AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA - PARÓDIA E PROTEÇÃO DA MARCA - SÍTIO ELETRÔNICO COM CONTEÚDO JOCOSO E CRÍTICO EM RELAÇÃO AO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS VEICULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, DETERMINANDO O CONGELAMENTO DO DOMÍNIO, SOB O ARGUMENTO DE QUE, EM QUE PESE SE TRATE DE PARÓDIA, HOUVE A SUA CONTAMINAÇÃO EM RAZÃO DA PRESENÇA DE CONTEÚDO COM CONOTAÇÃO COMERCIAL. INSURGÊNCIA DO RÉU. 1. As questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões ou contradições, merecendo ser afastada a alegada violação ao artigo 535, incisos I e II, do CPC/73. Precedentes. 2. Para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência de conteúdo com conotação comercial no website do recorrente, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do Recurso Especial neste ponto. 3. Incidentes à hipótese em exame o artigo 47 da Lei nº 9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da paródia, mas também as normas atinentes à proteção da marca, notadamente o disposto no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96, devendo ocorrer a aplicação harmônica de ambos os dispositivos. 4. O titular pode impedir a citação da marca com conotação comercial. Inteligência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96. 4.1 O Tribunal de origem, ponderando a posição preferencial da liberdade de expressão e a tutela de proteção da marca, reputou flagrantemente preponderante ao caso sub judice esta última, em razão da insuperável comprovação do uso econômico do site eletrônico. 4.2 Impossibilidade de adequação do conteúdo do site. Medida sufragada pelo Tribunal de origem (determinação de suspensão definitiva do domínio do recorrente) que se revela a mais adequada para o caso concreto em análise. 5. Recurso especial DESPROVIDO. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 6 de 53
  • 7. Superior Tribunal de Justiça VOTO VENCIDO EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O presente recurso não merece prosperar, consoante exposto a seguir. 1. De início, quanto à apontada infringência ao artigo 535, incisos I e II, do CPC/73, não assiste razão ao recorrente, porquanto clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte (Precedentes: AgRg no Ag 1.402.701/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp 1.264.044/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg nos EDcl no Ag 1.304.733/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe 31.08.2011). Não há também que se falar em contradição do acórdão recorrido, o qual confirmou a sentença por seus próprios fundamentos. Nas razões do recurso especial, o recorrente fundamenta a alegada contradição no seguinte trecho do voto do Desembargador Relator: "Quem detinha registro da marca nominativa no INPI era a Autora. Daí marca de renome ou não, não poderia vê-la afrontada por simples domínio na internet, a teor do artigo 129 da legislação sobre propriedade industrial. Devidamente registrada no INPI o nome (marca nominativa) "FOLHA", passava o titular a dispor da proteção legal correspondente, mais ainda quando se trata de marca de 'alto renome', ou marca 'notoriamente conhecida', a teor dos artigos 125 e 126 da lei 9279/96" (fl. 1026, e-STJ), afirmando que, com essas palavras, o Tribunal paulista entendeu tratar-se de violação de marca e não de livre exercício da paródia, diferentemente do que teria afirmado o juízo de primeira instância na sentença. Ora, em nenhum momento a Corte de piso afirmou que houve violação da marca da recorrida pelo simples fato de ter sido parodiada por meio de sítio eletrônico e, muito menos, aduziu não se tratar de paródia. O que assinala, nesse trecho, é que a recorrida goza da proteção legal de seu nome (marca nominativa) devidamente registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que é indiscutível. Isso não significa dizer que esse direito, regulamentado na legislação sobre propriedade industrial e uso de marca, foi violado pela mera existência de Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 7 de 53
  • 8. Superior Tribunal de Justiça uma paródia da marca, divulgada por meio de site na internet. Na verdade, ao confirmar a sentença por seus próprios fundamentos, o Tribunal local reconhece que houve uma afronta à marca da recorrida, conforme o fez o magistrado de primeiro grau, não pelo fato de ter sido criado endereço eletrônico muito semelhante ao seu (as instâncias ordinárias reconheceram que o nome dado ao site pelo recorrente já em si constitui-se em uma paródia), com intenções jocosas e críticas, e sim por ele possuir também conteúdo comercial, com divulgação da marca de uma das principais concorrentes da recorrida. Em outros termos, o que restou estabelecido, na decisão vergastada, é que não se admite o uso do site nos moldes como ocorre, isto é, não se autoriza a citação (no caso, a paródia) da marca da recorrida com conotação comercial, para a promoção de sua concorrente, não importando se o recorrente não possuía o intuito de auferir lucro para si mesmo. E é isso que, para o acórdão recorrido, viola a proteção legal a ela conferida, em especial pelo art. 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial). Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a decisão de primeiro grau pela suspensão definitiva (congelamento) do nome de domínio utilizado pela recorrente em seu site, não pelo nome em si e muito menos por não ter o recorrente direito de parodiar o jornal Folha de São Paulo utilizando-se de página na internet, mas sim em virtude de estar o sítio eletrônico contaminado por conteúdo revelador de conotação comercial, entendendo não ser razoável a determinação de adequação ou ajuste no mesmo. Diante disso, o que se vê, na verdade, é que a tese defensiva do ora recorrente não foi acolhida pelo órgão julgador, gerando sua irresignação. Desta forma, considerando que as questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões ou contradições, merece ser afastada a alegada violação ao artigo 535, incisos I e II, do CPC/73. 2. Outrossim, para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência de conteúdo com conotação comercial no website do recorrente, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado nesse sentido, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do Recurso Especial neste ponto. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 8 de 53
  • 9. Superior Tribunal de Justiça Confira-se trecho do acórdão combatido (fl. 1024, e-STJ): A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal. Eis os referidos fundamentos: Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital entre os seguidores do réu no Twitter (#falhadespaulo). Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com a reprodução dos jornais da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o website do réu como tendo conteúdo comercial. A revista Carta Capital é concorrente da autora no mercado jornalístico, com ela disutando leitores, assinantes e verbas publicitárias. (…) há no website do réu, também, conteúdo comercial, pelo qual o usuário, seja pelo link, seja pelo sorteio da assinatura da revista, é direcionado, relembrado, ou apresentado a veículo de comunicação concorrente da autora. [grifou-se] Desse modo, para que fosse afastada a afirmação da sentença (confirmada pelo acórdão) no sentido de que, além de conteúdo crítico, o endereço eletrônico do recorrente possui também conteúdo comercial, seria necessária a revisão das premissas firmadas pela Corte de origem, o que demandaria revisão do acervo fático-probatório dos autos, providência descabida na estreita via do recurso especial, incidindo o óbice da Súmula 7 desta Corte, in verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Por conseguinte, cinge-se a controvérsia em torno de saber se, considerando que a página da internet falhadespaulo.com.br - paródia criada pelo recorrente ao jornal Folha de São Paulo - possui, além do teor jocoso e crítico, conteúdo com conotação comercial, aplicam-se, na hipótese, as regras previstas na Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 9 de 53
  • 10. Superior Tribunal de Justiça Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) ou na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e, para além disso, se é cabível a determinação de congelamento (suspensão definitiva) do referido domínio. 3. Nesse aspecto, a matéria federal ventilada foi devidamente prequestionada e possui cunho eminentemente jurídico, não incidindo o óbice da Súmula 7/STJ, por não haver necessidade de reexame de prova para julgamento do apelo nobre, senão a mera revaloração de fatos e provas expressamente mencionados na sentença e acórdão recorridos, revelando-se cognoscível o recurso especial no ponto. 3.1. No concernente à legislação aplicável à hipótese em exame, muito acertadamente o Juízo de primeira instância e o Tribunal a quo, ao reproduzir a sentença proferida pelo primeiro, assentaram que se aplica ao caso o artigo 47 da Lei nº 9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da paródia, mas também os princípios do direito da propriedade industrial e da marca devem ser levados em consideração e respeitados. De fato, a incidência de uma legislação não exclui a aplicação da outra. Muito pelo contrário, o ordenamento jurídico deve ser visto como um todo, que comporta a aplicação concomitante de regras previstas em diferentes leis e searas do Direito. Cabe ao intérprete harmonizar os diplomas. Nessa linha, a legislação que regula os direitos autorais no Brasil permite a existência de paródias, notadamente no referido artigo 47 da Lei nº 9.610/98 ("São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito" ), não havendo qualquer restrição a sua forma de divulgação, especialmente pela internet, que é sabidamente um dos veículos de comunicação social mais utilizados na atualidade. Assim, em que pese a peculiaridade do instrumento utilizado (website ) no caso em exame, restou incontroverso nos autos que as publicações na página da internet falhadespaulo.com.br apresentam-se como paródia do nacionalmente conhecido jornal Folha de São Paulo, o que é permitido por lei. Sob a égide da norma protetiva dos direitos autorais, a paródia encontra limite apenas na impossibilidade de (i) constituir reprodução da obra originária; e (ii) implicar seu descrédito. Bem se vê, pelo delimitado no acórdão recorrido, que o domínio do recorrente não atenta contra esse preceito, mantendo-se, neste ponto, dentro da moldura de atuação que lhe é permitida. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 10de 53
  • 11. Superior Tribunal de Justiça Ocorre que as temáticas dos direitos autorais e dos direitos de marca, embora eventualmente confluentes, possuem distinto escopo de atuação, sobretudo em virtude da diversidade de bens jurídicas tutelados. O legislador pretendeu, com a edição da Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), proteger obras intelectuais definidas no artigo 7 do mencionado diploma, como “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. Confere-se ao autor os mecanismos assecuratórios dos direitos sobre a obra que criou. Daí porque a paródia encontra essa previsão na norma: garante-se a livre expressão sem descuidar dos direitos autorais, campo no qual as sátiras usualmente atuam. Contudo, a paródia também pode, como ocorre nestes autos, referir-se a marca devidamente registrada e submetida à tutela legal instituída pela Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). Trata-se de proteção mais específica que a de direitos autorais, porquanto condicionada ao prévio registro da marca (o qual, no caso em apreço, foi devidamente comprovado pela recorrida, conforme apontou o Tribunal de origem). Perceba-se, portanto, que é possível a aplicação harmônica de ambas as normas, desde que a paródia em tela colida com o bem jurídico merecedor de proteção dos dois regramentos. Desse modo, partindo-se da irretocável premissa de que é cabível in casu a aplicação concomitante de ambas as legislações e, uma vez assentada a necessidade de observância do art. 47 da Lei nº 9.610/98, resta analisar se o conteúdo do domínio falhadespaulo.com.br ofende o disposto no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96, o qual determina: Art. 132. O titular da marca não poderá: [...] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. [grifou-se]. Mais especificamente, é necessário averiguar se o fato de a paródia em questão possuir conteúdo comercial, com divulgação de uma das principais concorrentes da recorrida, consiste em violação da proteção legal garantida a sua marca, nos termos do referido dispositivo. O supracitado artigo tem por escopo harmonizar valores de especiais grandezas, como os direitos de marca e a liberdade de expressão. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 11de 53
  • 12. Superior Tribunal de Justiça Nesse sentido, busca-se tutelar a importância econômica da marca, por ser essa sua característica primordial, isto é, garante-se ao titular o direito exclusivo de sua exploração comercial, razão pela qual não se impede a sua citação em publicações contanto que não possuam caráter econômico. Assim, permite-se a utilização da marca para fins literários e científicos, desde que não consubstancie violação ao núcleo essencial de sua proteção, sob pena de esvaziamento completo de seu conteúdo (direito exclusivo de exploração comercial). Em outras palavras, a partir desse preceito legal, o legislador visou estabelecer balizas para equacionar, no caso concreto, a aplicação do princípio da liberdade de expressão quando em conflito com a tutela da propriedade industrial. Não se ignora o sistema constitucional de amparo à liberdade de expressão nem mesmo a proteção supralegal outorgada ao tema, conforme entendimento dominante na doutrina e jurisprudência brasileiras. Consoante destaca Aline Osorio, em sua já merecidamente festejada obra Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão , O Supremo Tribunal Federal já destacou, em diversas ocasiões, a posição preferencial da liberdade de expressão. O voto proferido pelo Ministro Ayres Britto na ADPF Nº 130 é um dos mais ilustrativos dessa posição. Nas suas palavras, "a Constituição brasileira se posiciona diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, cravar uma primazia ou precedência: a das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu". No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux defendeu, em seu voto na ADPF nº 187, em que se permitiu a utilização da "marcha da maconha", que "a liberdade de expressão (...) merece proteção qualificada, de modo que, quando da ponderação com outros princípios constitucionais, possua uma dimensão de peso prima facie maior". Idêntica posição foi adotada pelo STF no emblemático julgamento da ADI nº 4.815, que declarou insconsitucionais os dispositivos do Código Civil que previam a necessidade de autorização para publicação de biografias. No caso, o Ministro luís Roberto barroso observou que a Constituição de 1988 reconheceu uma prioridade prima facie da liberdade de expressão, na colisão com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com os direitos da personalidade. (Osorio, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão . Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2017. Págs. 90/91) Todavia, o Tribunal de origem, ponderando a posição preferencial da liberdade de expressão e a tutela de proteção da marca, reputou flagrantemente preponderante ao caso sub judice esta última, em razão da insuperável comprovação do uso econômico do site eletrônico. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 12de 53
  • 13. Superior Tribunal de Justiça Nesse contexto, ressalta-se que restou claro na sentença, confirmada pelo acórdão recorrido por seus próprios fundamentos, que o recorrente utiliza-se de elementos visuais muito semelhantes ao da recorrida e faz referências ao conteúdo do jornal Folha de São Paulo. Fato é que essa identidade (visual e de conteúdo), inevitavelmente, acaba por consubstanciar a citação da marca da recorrida e, assim, atrair a incidência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96. Dessa forma, o quadro delineado revela situação na qual o recorrente utiliza elementos essenciais da marca da recorrida para construir paródia – publicação, portanto – com conotação comercial, ainda que sem o intuito de auferir lucro, consoante assentado pelo Tribunal de origem. Está-se diante de inequívoca subsunção do arcabouço fático à proibição expressa no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96. 3.2 Nesse contexto, considerando o enquadramento da atuação do recorrente no mencionado preceito, o Tribunal de origem também entendeu que o site em questão foi irreversivelmente contaminado pelo conteúdo com conotação comercial, com a consequente determinação de suspensão definitiva (congelamento) do nome de domínio utilizado pelo recorrente. Nesse ponto, o acórdão combatido também não merece reparos. Isso porque, a partir do momento em que o conteúdo com conotação comercial foi inserido no sítio eletrônico do recorrente (consubstanciado nos links, anúncios e referências a uma das principais concorrentes da Folha de São Paulo), o site falhadespaulo.com.br inevitavelmente restará sempre associado, perante os leitores/consumidores, à marca concorrente da recorrida, ainda que o referido conteúdo fosse retirado. Dessa forma, não sendo possível dissociar a imagem do website da imagem da marca da recorrente, a subsistência do domínio implicará em concorrência desleal, independentemente de ser ou não essa a intenção do recorrente e de existir ou não vínculo empregatício entre ele e a empresa concorrente da recorrida no mercado jornalístico. Transcreve-se, por oportuno, trecho da sentença, confirmada pelo acórdão recorrido (fls. 1024/1025, e-STJ; grifou-se): Neste ponto, cabe a indagação quanto à possibilidade de ajuste no website do réu, com a retirada do link, da promoção e das reproduções de Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 13de 53
  • 14. Superior Tribunal de Justiça veículos de comunicação concorrentes da autora. Tanto o estatuto federal quanto os precedentes norte-americanos sugerem que, detectada a ofensa aos direitos do titular da marca, caracteriza-se uma contaminação do nome de domínio. A solução dada é sua retirada da disponibilidade do ofensor, sem possibilidade de adeuqação. No caso OBH, Inc. v. Spotlight Magazine, Inc., a Corte Distrital dos Estados Unidos, Distrito Oeste de Nova York, ordenou a interrupção das atividades de um website parodiando o jornal The Buffalo News, porque, além do conteúdo crítico, o site exibia link direcionando o usuário para um serbiço de classificados de imóveis, o que caracterizava concorrência ao jornal, que também oferecia este tipo de serviço. A possibilidade de adequação ou ajuste do website seria, de qualquer forma, artificial e frágil. O nome de domínio traria consigo, por tempo considerável, a conotação comercial derivada da página a ele relacionada. Outrossim, uma vez publicada uma informação na internet, não há mais como eliminá-la definitivamente, devido às inúmeras cópias eletrônicas que podem ter sido feitas. Isto é, notadamente em virtude da dinamicidade do meio utilizado in casu para realização e divulgação da paródia (internet), o qual permite que em poucos minutos milhares de pessoas visualizem e façam cópias do conteúdo com conotação comercial, uma determinação de adequação do conteúdo do site não traria nenhuma eficácia prática. Assim, a toda evidência, a medida sufragada pelo Tribunal de origem (determinação de suspensão definitiva/congelamento do domínio do recorrente) revela-se a mais adequada para o caso concreto apresentado. Há de se ressaltar, por fim, que, conforme destacado pelas instâncias ordinárias (fl. 1025, e-STJ), nada impede que haja o registro de outros nomes de domínio semelhantes ao da marca da autora e nem a utilização de imagens, logomarcas e excertos da Folha de São Paulo, pois não se cuida aqui de uma proibição genérica de se parodiar o referido jornal, mas tão-somente de um reconhecimento que, nos moldes como a paródia foi realiza na hipótese em análise (possuindo, além do crítico e jocoso, conteúdo com conotação comercial), houve violação do direito de proteção da marca estabelecido no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96. 4. Do exposto, nega-se provimento ao recurso especial. É como voto. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 14de 53
  • 15. Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342 PAUTA: 13/12/2016 JULGADO: 13/12/2016 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Após o voto do relator negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 15de 53
  • 16. Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342 PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/02/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado por indicação do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 16de 53
  • 17. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 EMENTA RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURADA. 1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. 3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do humor. 4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. 5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 17de 53
  • 18. Superior Tribunal de Justiça verdade, regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República. 6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização do seu titular. 8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998). 9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma, porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº 9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas, porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada. 10. Recurso especial parcialmente provido. VOTO-VENCEDOR O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: 1. Folha da Manhã S.A. ajuizou ação cominatória em face de Mario Ito Bocchini, pretendendo o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente na abstenção de utilização, pelo réu, da marca, imagem de jornalistas, conteúdo da autora e do nome de domínio www.falhadesaopaulo.com ou qualquer outro que guarde semelhança com a marca Folha de São Paulo ou uso da marca Folha. Requereu, ainda, o pagamento de indenização por danos morais (fl. 4). Alegou que o réu, "ao registrar nome de domínio com grafia semelhante à de sua marca e, no respectivo website da internet , utilizar tipo gráfico e diagramação similares aos da marca, além de reproduzir conteúdo do jornal, violou sua propriedade de marca, podendo, ainda, induzir o consumidor em erro" (sentença, fl. 696) O juízo de piso julgou parcialmente procedente o pedido da autora, para determinar a suspensão definitiva do nome de domínio falhadesaopaulo.com (fls. 1670-1699). Considerou, pelo nome registrado pelo réu e o conteúdo crítico do website correspondente, não haver violação aos direitos de marca (fl. 704). Rejeitou, da mesma forma, o pedido de dano moral formulado, reconhecendo como paródia o conteúdo crítico do website do autor, “a qual, sendo exercício da liberdade de manifestação Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 18de 53
  • 19. Superior Tribunal de Justiça constitucionalmente garantida, não caracteriza ato ilícito” (fl. 705). No entanto, tendo em vista o reconhecimento de conteúdo com conotação comercial, determinou o congelamento do site (suspensão definitiva). Em face da decisão referida, as partes interpuseram apelação (fls. 730-758 e 789-804). Julgados os recursos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento a ambos, nos termos da ementa reproduzida abaixo (fl. 1019): DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade de confusão com o Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha da Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquele anterior c.c. Perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente - Prejudicial afastada - Recursos desprovidos. Foram opostos embargos de declaração pelo réu (fls. 1030-1034), que foram rejeitados. Confira-se a ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Alegação de omissão e contradição - Inocorrência - Acórdão que ratifica o teor da sentença, com fundamento no artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal - Enfrentamento de todas as questões suscitadas no recurso - Caráter infringente, estranho à função integrativa dos embargos - Prequestionamento - Desnecessidade de mencionar artigos de lei a cada ponto do julgado - Julgador que não está adstrito a enfrentar a integralidade dos artigos citados - Embargos rejeitados. Inconformado, o réu interpõe recurso especial com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional e alegação de violação ao art. 535, I e II, do CPC, assim como ao art. 47 da Lei n. 9.610/98. Alega o recorrente que o acórdão paulista, apesar de confirmar a sentença de piso por seus próprios fundamentos, com ela não se harmoniza. Enquanto o juízo singular afirma não haver violação dos direitos de marca da autora, por tratar-se de paródia, o colegiado paulista reconhece tal violação. Assevera que a discussão dos autos consiste em definir se o domínio fAlhadesaopaulo.com.br , uma paródia em si mesmo, se submete às restrições do direito que cuida das Marcas, Lei n. 9.279/1996 ou à prevista no art. 47 da Lei n. 9.610/1996. Aduz que a singularidade, no caso dos autos, é o fato de que a paródia se realiza pela internet , no próprio domínio do recorrente, "uma sacada inteligente de seu criador; um domínio que brinca com o parodiado, assim como o faz um comediante, que não se limita ao humor crítico; que vai além, travestindo-se e imitando voz e trejeitos do parodiado" (fl. 1063). Afirma o recorrente que o site fAlhadesaopaulo.com não tem conotação comercial e que não tem o propósito de retirar os leitores da Folha de São Paulo, mesmo porque estes não encontrariam em sua página informações e notícias que encontram na Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 19de 53
  • 20. Superior Tribunal de Justiça Folha de São Paulo. Sua razão, acrescenta, é tão somente produzir crítica bem humorada de alguma matéria publicada pela Folha. Contrarrazões apresentadas às fls. 1104-1130. O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 1161-1162), ascendendo a esta Corte por meio de provimento do agravo de instrumento interposto (fls. 1225-1226). Na Sessão de Julgamento ocorrida em 13.12.2016, o eminente Ministro Relator, Marco Buzzi, proferiu voto negando provimento ao recurso especial (fl. 1232). Entendeu que a paródia realizada pelo recorrente possuía, além de tom crítico e jocoso, conotação comercial, havendo, ademais, violação de proteção da marca, nos termos do que estabelece o art. 132, IV da Lei n. 9.279/96. Este o relatório, em acréscimo ao já apresentado. Pedi vista para melhor exame da causa. 2. Acompanhando o eminente relator no ponto, observo que não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. 3. No mérito, a controvérsia está em definir se o domínio de internet fAlhadesaopaulo.com.br, por sua semelhança com o domínio fOlhadesaopaulo.com.br , consiste em violação a direito de marca e, ainda, se revela situação de concorrência desleal, capazes de levar ao congelamento (suspensão definitiva) do primeiro domínio. registre-se, inicialmente, que a matéria é nova na Corte. A ação foi proposta pela empresa Folha da Manhã S.A., cujo objetivo era impedir que o blog Falha de São Paulo, disponibilizado em site de domínio www.falhadesaopaulo.com.br, se mantivesse no ar, sob argumento de que o tipo gráfico e diagramação utilizados pelo réu eram idênticos ao da autora, e o nome extremamente semelhante, com alteração apenas de uma vogal, podendo confundir seus consumidores, caracterizando-se tal conduta como violação da marca, assim como concorrência desleal. A ré, Falha de São Paulo, por sua vez, defende-se afirmando a impossibilidade de caracterização de violação de marca. A uma, por serem as marcas, identificadas pelos respectivos nomes, diferentes, apesar de semelhantes. A duas, por serem as partes empresas prestadoras de serviços também absolutamente diferentes. A ré, acusada de violar os direitos de marca não é nem pretende ser jornal, não provê a Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 20de 53
  • 21. Superior Tribunal de Justiça seus leitores o mesmo tipo de informação que a autora produz. A Falha, afirma a ré, produz crítica, por meio da sátira e da paródia. A Folha é um jornal que veicula informações institucionais e de utilidade pública. Assevera, ademais, que a contenda merece ser solucionada a partir das regras de Direitos Autorais. 4. Ao apreciar o REsp n. 1.466.212/SP, julgado recentemente abordando temática em certa medida assemelhada, esta egrégia Turma assentou que a marca, como se sabe, é qualquer sinal distintivo (tais como palavra, letra, numeral, figura), ou combinação de sinais, capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor, distinguindo-os de outros idênticos, de origem diversa. Cuida-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o privilégio de uso ou exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal. Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas visa, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço. De outra banda, objetiva evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Consoante reconhecido pela doutrina nacional e estrangeira, há, pelo menos, quatro funções das marcas: (I) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do congênere existente no mercado; (II) assinalar a origem e a procedência do produto ou serviço; (III) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de qualidade; e (IV) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante catalisador de vendas. Outrossim, importante assinalar que a aquisição do direito de exclusividade sobre a marca rege-se por três sistemas jurídicos: (I) atributivo (que exige a formalidade do registro da marca para conferir a propriedade e a respectiva proteção ao titular, revelando-se insuficiente o mero uso do sinal no mercado); (II) declarativo (no qual se reconhece a proteção àquele que comprovar ter sido o primeiro a utilizar o sinal distintivo, o que é chamado de "ocupação" pela doutrina); e (III) misto (a proteção pode advir do registro ou da ocupação). A Lei 5.772/1971, que instituiu o antigo Código de Propriedade Industrial, adotou explicitamente o sistema atributivo, ao garantir a propriedade da marca e seu uso exclusivo no território nacional somente àquele que obtivesse o registro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), por sua vez, fixou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária, Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 21de 53
  • 22. Superior Tribunal de Justiça estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo direito de precedência ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129, verbis: Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro. 4.1. No entanto, como sabido, o direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, havendo dois princípios que limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da especialidade (ou especificidade) e o princípio da territorialidade. De acordo com o princípio da especialidade, positivado no inciso XIX do artigo 124 da Lei 9.279/96, a exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, dada a possibilidade de indução do consumidor em erro ou de associação com marca alheia. Desse modo, o princípio da especialidade autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. Nesse passo, vejo no princípio da especialidade o primeiro fundamento pelo qual não se pode acolher o pleito exordial. É que, com efeito, o serviço por ela prestado em nada se assemelha ao da recorrida, Folha de São Paulo. A Falha de São Paulo produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e humor. Não havia nem se pretendia no site suspenso falhadesaopaulo.com.br prestar informações sobre o tempo, cotação de moeda estrangeira, números de inflação, notícias políticas, de moda ou cultura, dentre outras facilmente encontradas no domínio da recorrida. O objeto explorado pela Falha, reconhecido inclusive pela recorrida (fl. 4), é a crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da Folha, sem qualquer intenção de autopromoção de matérias concorrentes. E isso pelo simples fato de que não haveria em seu sítio eletrônico as mesmas reportagens procuradas pelos consumidores da Folha. Nesse passo, penso que, pela diferença dos objetos explorados por uma e outra empresa, pela especificidade de seus serviços, já seria possível afastar a alegação de violação de direito de marca invocada pela ora recorrida. 4.2. De outra parte, há, no meu entendimento, fundamento ainda mais Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 22de 53
  • 23. Superior Tribunal de Justiça consistente, apto a desconstituir a alegação de violação ao direito de marca. É que a atividade exercida pela recorrente encontra regramento no direito de autor, mais específico, para o caso, que o direito de marcas, capaz de, por si só, resguardá-lo. Destarte, sendo indiscutível que a conduta da recorrente se enquadra como paródia, o que se vê, no caso sob exame, é prática perfeitamente admitida e de acordo com o direito de liberdade de expressão, tais como garantidos pela Constituição da República. Com efeito, a paródia , forma de expressão do pensamento e obra artística, é uma das limitações do direito de autor e sua previsão está no art. 47 da Lei na 9.610/1998, que tratou da permissão às paráfrases e paródias . Confira-se: Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Quanto às limitações e exceções aos direitos de autor, cumpre mencionar importante documento denominado Direito ao Compartilhamento: Princípios sobre a Liberdade de Expressão e Direitos Autorais na Era Digital - 2013, elaborado pela Artigo 19, Associação Civil sem fins lucrativos criada em Londres, em 1986, com o objetivo principal de proteger e promover o direito à liberdade de expressão e o acesso à informação previstos no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. (https://www.article19.org/data/files/medialibrary/3716/13-04-23-right-to-share-PO.pdf) A título de conhecimento, confira-se o Princípio n. 6 do Documento que diz: Princípio 6: Tratamento justo e trabalhos derivados 6.1. As limitações e exceções aos direitos autorais, sobretudo o tratamento justo, devem ser interpretadas de uma forma ampla para garantir uma maior proteção ao direito à liberdade de expressão. 6.2. A utilização criativa e transformadora de trabalhos originais sujeitos aos direitos autorais deve se beneficiar de uma proteção mais ampla de acordo com a exceção do tratamento justo dos direitos autorais. Nessa linha de ideias, é possível afirmar que a paródia é imitação cômica de uma composição literária, filme, música, uma obra qualquer. Quase sempre dotada de comicidade, utilizando-se do deboche e da ironia para entreter. É fruto de interpretação nova, é adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. Na jurisprudência desta Casa, foram localizadas poucas decisões monocráticas e apenas um acórdão com o termo de pesquisa "paródia". No acórdão referido, o eminente relator, Ministro Raul Araújo, define muito brevemente o instituto, mas, no caso, a paródia teria sido descaracterizada. Confira-se: Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 23de 53
  • 24. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. OBRA MUSICAL. LETRA ALTERADA. UTILIZAÇÃO EM PROPAGANDA VEICULADA NA TELEVISÃO. PARÓDIA OU PARÁFRASE. INEXISTÊNCIA. DANOS MATERIAIS DEVIDOS. ALTERAÇÃO DO CONTEÚDO DA OBRA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. 1. O autor da obra detém direitos de natureza pessoal e patrimonial. Os primeiros são direitos personalíssimos, por isso inalienáveis e irrenunciáveis, além de imprescritíveis, estando previstos no art. 24 da Lei 9.610/98. Os segundos, regulados pelo art. 28 da referida Lei, são passíveis de alienação. 2. Nesse contexto, nada há a reparar na decisão guerreada quando afirma ser o segundo recorrido ainda titular de direitos morais que podem ser vindicados em juízo, tendo direito à reparação por danos morais em face das modificações perpetradas em sua obra sem autorização, pois apenas alienou seus direitos autorais de ordem patrimonial. 3. Na hipótese dos autos, a letra original da canção foi alterada de modo a atrair consumidores ao estabelecimento da sociedade empresária ré, não havendo falar em paráfrase, pois a canção original não foi usada como mote para desenvolvimento de outro pensamento, ou mesmo em paródia, isto é, em imitação cômica, ou em tratamento antitético do tema. Foi deturpada para melhor atender aos interesses comerciais do promovido na propaganda. 4. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1131498/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 08/06/2011) Importante mencionar que o fato de a paródia estar disposta entre as exceções aos limites ao direito autoral significa que aquele que realiza a paródia está dispensado de obter a autorização do autor da obra parodiada. De fato, o artigo 47 da Lei n. 9.610/1998 permite a utilização da obra sem a anuência do titular, para a composição de paródia, mas sob as seguintes condições: que a paródia não configure verdadeira reprodução e que não cause descrédito à obra originária. No que respeita à verdadeira reprodução da obra parodiada, a doutrina ensina que “o texto legal veda-lhe a 'verdadeira reprodução', implicitamente admitindo certa imitação , ou melhor, parcial imitação. Não fosse assim, não haveria paródia, visto que o legislador utilizou a expressão 'verdadeira reprodução' e não apenas o vocábulo 'reprodução'. Assim, a paródia sempre é imitação da obra originária, porém, não em demasia. O que é certo é que a paródia necessita de alguma imitação para que o público identifique a obra originária, reconhecendo a nova versão como imitação cômica de obra anteriormente conhecida por este mesmo público”. (PEREZ, Priscila de Carvalho Ruiz. Paródia como violação de direito autoral. In: Revista da ABPI, n. 137, p. 32-43, jul./ago. 2015). Noutro ponto, há ainda a condição que não cause descrédito à obra originária , de modo a que a paródia seja considerada lícita e permitida. Referida condição Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 24de 53
  • 25. Superior Tribunal de Justiça traz consigo, no entanto, considerável carga subjetiva, dificultando demasiadamente a análise de sua presença, não havendo por parte da legislação a fixação de qualquer parâmetro para determinar o que seja descrédito . De fato, a ironia e a crítica são a essência da paródia. Quando a lei prevê e protege esse tipo de manifestação e expressão está protegendo a irreverência do conteúdo apresentado. Interessante lembrar ainda que a proteção à paródia, além de uso e costume do direito ao entretenimento, é tradição brasileira, cuja matéria fora prevista já no Código Civil de 1916, antes mesmo da edição da primeira lei especial sobre o direito do autor. Confira-se: Art. 665. É igualmente necessária, e produz os mesmos efeitos da permissão de que trata o artigo antecedente, a licença do autor da obra primitiva a outro, para de um romance extrair peça teatral, reduzir a verso obra em prosa, e vice-versa, ou dela desenvolver os episódios, o assunto e o plano geral. (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998) Parágrafo único. São livres as paráfrases, que não forem verdadeira reprodução da obra original. (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998) No que respeita a casos emblemáticos dessa forma de expressão, cumpre mencionar que já nos anos 1920, Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, posteriormente autointitulado Barão de Itararé, mantinha, sob sua autoria, o suplemento satírico denominado A Manha. O próprio nome do periódico, tal qual o caso dos autos, parodiava um dos grandes Jornais da época, A Manhã. Na verdade, aqui, trocou-se uma letra – o por a, lá, retirou-se um til. "A Manha começou a circular no dia 13 de maio de 1926 com o subtítulo "Órgão de ataques... de riso". Propunha-se abertamente a "morder o calcanhar das autoridades", especialmente a classe política. Com estilo irreverente e inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à frente das publicações concorrentes. A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades". (http://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-manha-2). Não há notícias de que o nome do periódico tenha sido um problema para o Barão de Itararé. Em linha semelhante de paródia, mais recentemente, na década de 1990, o renomado escritor e cartunista Ziraldo, criou revista de tiragem mensal, pela editora Pererê, com nome um tanto quanto inusitado, Bundas, utilizando-se da mesma diagramação da revista Caras, da editora Abril e, assim como a fonte de seu título, branca em fundo vermelho (na capa), tornava claro o tom paródico e satírico pretendido. “As comparações e menções frequentemente apareciam em algum lugar da revista. Bom exemplo está no primeiro editorial da revista, quando Veríssimo afirma que assim como Caras, Bundas “mostrará brasileiros em situações ridículas, dizendo coisas desconexas, Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 25de 53
  • 26. Superior Tribunal de Justiça em cores”. Em outro exemplo, na terceira edição, o autor visando ironizar e criticar as privatizações ocorridas no governo FHC, afirma que assim como Caras possui uma ilha, Bundas compraria um país: O Brasil – que estaria sendo vendido “por uma ninharia”. (LAPA, Bruna. Caras X bundas. VIII Encontro de Programas de Pós Graduação em Comunicação de Minas Gerais. www.ecomig2015.wordpress.com) No caso de Ziraldo, houve o ajuizamento de ação por danos morais, com interposição de Recurso especial julgado pela egrégia Terceira Turma deste Tribunal. No recurso proposto, todavia, não foram questionadas as semelhanças entre uma e outra publicação. Não havia reivindicação de marca por apropriação de diagramação, fonte, cores, estilo da revista Caras, tampouco havia disputa de domínio na rede mundial de computadores. No julgamento proferido pela Terceira Turma, apenas a título de ilustração, interessante notar que a eminente Ministra relatora, Nancy Andrighi, em seu voto condutor, destacou as características da paródia, na linha que aqui se expõe: Nesse aspecto, nota-se que o meio de comunicação é explicitamente satírico, o que se evidencia – se não por menos – pela proposta editorial calcada na possibilidade de fazer rir a partir da comparação com outra revista de grande circulação, cujo 'mote' é publicizar a vida íntima daquilo que se convencionou chamar de 'celebridades': pessoas que utilizam a mídia – expondo despudoradamente aspectos privados de sua personalidade – com o intuito de obter projeção pessoal. (...) A revista 'Bundas' tinha, claramente, nítido propósito editorial de apontar os excessos de um fenômeno social novo, surgido em meados da última década do século passado, que se consubstanciou na explosão do interesse público a respeito da vida de pessoas abastadas ou célebres, nacionais e estrangeiras. (...) Afirma-se, portanto, que, no contexto de uma publicação humorística destinada a ridicularizar outra revista, esta exibindo pessoas que mantêm um estilo de vida fulcrado na ostentação, a expressão “Barão da merda”, utilizada no humorístico, para além de representar um trocadilho popular com a atividade empresarial do construtor do castelo, atinge perfeitamente o objetivo do magazine ao associar um título nobiliárquico – semelhante ao que muitos dos 'colunáveis' daqueloutra revista exibem – a um termo que se contradiz absolutamente com a distinção da nobre comenda, assim causando impacto cômico pela inesperada associação de idéias que as expressões, uma vez relacionadas, provocam. Abaixo a ementa do acórdão: Civil. Ação de compensação por danos morais. Revista humorística. Matéria satírica que teria maculado a honra de antepassado das recorrentes. Crítica social que transcende a memória do suposto ofendido para analisar, por meio da comparação jocosa, tendência cultural de grande repercussão no Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 26de 53
  • 27. Superior Tribunal de Justiça país. - Dentro do que se entende por exercício da atividade humorística, a matéria não teve por objetivo a crítica pessoal ao antepassado das recorrentes, mas a sátira de certos costumes modernos que ganharam relevância e que são veiculados, hodiernamente, por mais de uma publicação nacional de grande circulação. - O 'mote' supostamente lesivo, ademais, foi atribuído ao domínio público. - A conduta praticada não carrega a necessária potencialidade lesiva, seja porque carecedora da menor seriedade a suposta ofensa praticada, seja porque nada houve para além de uma crítica genérica de tendências culturais, esta usando a suposta injúria como mera alegoria. - Não cabe aos Tribunais dizer se o humor praticado é 'popular' ou 'inteligente', porquanto à crítica artística não se destina o exercício da atividade jurisdicional. Recurso especial não conhecido. (REsp 736.015/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 533) No caso sob análise, é mister sublinhar, a meu juízo, que a diferença em relação ao casos citados acima está apenas no meio utilizado para parodiar, a internet. Nem mesmo o fato de a paródia já se expressar no nome de domínio é novidade, como se percebeu ter ocorrido com a paródia da magazine A Manha. 5. Ademais, examinando a questão por outro ângulo, a recorrida alega que a existência do site de paródia, com o domínio falhadesaopaulo.com.br, causaria concorrência desleal em relação ao jornal Folha de São Paulo, por sua conotação comercial. Quanto à conotação comercial, o acórdão recorrido, reproduzindo os dizeres da sentença, se manifestou como a seguir: Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semanal Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de sorteio de assinatura da revista Carta Capita entre os seguidores da conta do réu no Twitter. Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com as reproduções do jornal da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o website do réu como tendo conotação comercial. Ora, a meu ver, observada sempre a máxima vênia, a análise feita pelas instâncias de origem, acerca da conotação comercial, não pareceram corretas e adequadas. É que a sentença e o acórdão extraíram de uma situação comum, permitida, sanção desassociada dos fatos, utilizando interpretação de legislação inadequada a reger o caso sob análise. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 27de 53
  • 28. Superior Tribunal de Justiça Com efeito, a sentença buscou arrimo no seguinte dispositivo da Lei de Marca, Lei n. 9.279/1996: Art. 132. O titular da marca não poderá: (...) IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. No entanto, a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela paródia não prevê como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir conotação comercial. Conforme visto, este não é requisito de sua perfeição. Ainda, importante ressaltar que a concorrência desleal acusada pela recorrida também não se caracteriza nesse caso. Em primeiro lugar, a meu juízo, porque falha e folha não são concorrentes, não prestam serviços da mesma natureza. Em segundo lugar, porque a conduta da recorrente não tipifica concorrência desleal, questão, esta sim, definida no âmbito da Lei nº 9.279/96. De fato, a Lei da Propriedade Industrial disciplina, em seu art. 2º, os modos pelos quais a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial se efetiva e, em seu inciso V, faz constar a repressão à concorrência desleal. Dispõe, ainda, no art. 195: Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave; IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 28de 53
  • 29. Superior Tribunal de Justiça a concorrente do empregador; XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. 6. Por fim, no que respeita à alegação de confusão que o domínio falhadesaopaulo.com.br possa causar aos leitores da Folha de São Paulo, da mesma forma, penso que não prospera a argumentação. Confiram-se, abaixo, por sua adequação, as palavras proferidas na decisão de piso, confirmadas integralmente pelo acórdão (fls.): No presente caso, a possibilidade de confusão não existe, pois a paródia é revelada, inteiramente, já pelo nome de domínio. O trocadilho anuncia, ao mesmo tempo, que se trata de uma sátira, e que é objeto dela. Nem mesmo um “tolo apressado” seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia anunciada pelo nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website. Além disso, dadas as posições das letras “A” e “O” no teclado QWERTY, tradicionalmente utilizado nos computadores pessoais e demais eletrônicos por meio dos quais a internet é acessada, fica afastada qualquer possibilidade de typosquatting, modalidade de cybersquatting em que o usuário, por simples erro de digitação, acaba por acessar website diverso do pretendido. Nesse ponto, vale ressaltar que um dos elementos distintivos da inexistência de confusão entre as marcas refere-se ao grau de especialização dos adquirentes dos serviços prestados por aquelas empresas, segundo o qual seria capaz de afastar a possibilidade de confusão ou associação entre as marcas. Dessarte, a questão, em regra, deve ser analisada sob a perspectiva do homem médio (homus medius ), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade. Nessa linha de intelecção, confira-se o entendimento doutrinário: Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 29de 53
  • 30. Superior Tribunal de Justiça Por fim, a apreciação deve ser procedida segundo a ótica do consumidor comum, desatento e despreparado por natureza [...]. Jamais deve ser a impressão causada ao julgador em litígio, normalmente mais preparado e instruído. Nesse caso, o julgador deve afastar-se da postura de árbitro do litígio e postar-se como se fosse um cidadão, um consumidor, auferindo se, nesta situação tranquila, faria a associação ou confundiria as marcas. (SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade industrial . Campinas: Servanda, 2013, p. 115-116). Todavia, não se olvide que determinados produtos ou serviços são colocados no mercado para consumidores bem específicos. Entre outras características, leva-se em consideração o nível social, o conhecimento intelectual, o grau de formação e outras condições especiais dos eventuais adquirentes. Em outros casos, a atividade de comércio tem como clientes apenas pessoas jurídicas de pequeno, médio ou grande porte. Portanto, essa é a tônica do mercado cada vez mais globalizado e setorizado. Nessa linha de entendimento, não é difícil concluir pelo elevado grau de discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui, mormente da Folha de São Paulo. É difícil imaginar que um leitor integrante de grupo tão restrito não seja capaz de reconhecer os donos dos textos que lê, se não imediatamente, em poucos minutos. Isso, porque se presume a capacidade intelectual avançada desse grupo, caracterizada, ao menos, pelo maior interesse pela leitura e informação. 7. Interessante destacar, ademais, que o nome de domínio (domain name) é o sinal designativo utilizado para identificar e localizar o endereço eletrônico ou a home page de agentes que, de algum modo, exerçam atividade (econômica ou não) na internet. Como bem elucida a doutrina: (...) do ponto de vista estritamente técnico, o nome de domínio nada mais é do que uma sequência alfanumérica (não podendo ser exclusivamente numérica) que representa um determinado host, e por meio da qual se acessa esse host. Os endereços dos hosts são, na verdade, representados por uma sequência de números, que são os endereços IP. Como a memorização desses números seria pouco conveniente para as pessoas, desenvolveu-se um sistema descentralizado de dados em que letras que formam o nome de domínio são convertidas e associadas aos números dos endereços IP, facilitando a forma de operar na internet para as pessoas (que preferem as letras, pois estas são passíveis de associação), e para os computadores (que utilizam com mais eficiência os números, pois trabalham no sistema binário). Portanto, o nome de domínio é o reflexo, numa forma amigável e mnemônica, do endereço IP de um host. (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Nomes de domínio no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 93) O Sistema de Nomes de Domínio (ou Domain Name System - DNS) é uma estrutura de identificação hierárquica, que foi designada para garantir que cada nome seja globalmente único e que corresponda a um valor numérico distinto. Ele resolve um nome de domínio, como "stf.gov.br", em um endereço IP único, um nome numérico que contém Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 30de 53
  • 31. Superior Tribunal de Justiça quatro blocos de até três dígitos cada, como 32.104.87.2, que irá apontar para apenas um lugar na Internet. O DNS foi designado, primariamente, como um mecanismo mnemônico que faz com que as pessoas se lembrem do "endereço" das páginas Web mais facilmente. A hierarquia DNS é estruturada em domínios separados, em que uma entidade administrativa mantém controle de cada nível. Quando uma pessoa digita um domínio, o pedido é direcionado primeiro ao servidor DNS, geralmente operado por um provedor de serviços Internet (Internet Service Provider - ISP), que então localiza as bases de dados para cada subdomínio, da direita para a esquerda. O servidor DNS, a princípio, localiza um host/servidor, e no final, localiza a página correspondente e manda a mensagem de volta ao computador originário. (KAMINSKI, Omar. Conflitos sobre nomes de domínio: e outras questões jurídicas da internet. Ronaldo Lemos e Ivo Waisberg (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais/Fundação Getúlio Vargas. 2003, pp. 244/245) Assim, "sendo o nome de domínio um sinal distintivo passível de apropriação mediante o registro no órgão próprio; podendo seu titular usá-lo, gozá-lo e dispô-lo; e, somando-se a isso, o fato de ter valor econômico, sendo objeto de milhares de transações, não haveria maior dificuldade em considerá-lo como um bem imaterial, sobre o qual o seu dono (quem o registrou) tem um direito de propriedade, numa típica relação de direito real" (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Op. Cit., p. 113). A despeito da divergência doutrinária, é certo que a Constituição da República de 1988, consoante afirmado alhures, reconhece não só proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas, mas também a quaisquer outros signos distintivos (inciso XXIX do artigo 5º), expressão que abrange, por óbvio, o nome de domínio. A Portaria Interministerial 147/95 (editada em conjunto pelos Ministros das Comunicações e da Ciência e Tecnologia) criou o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com as atribuições, dentre outras, de coordenar os registros de nomes de domínios no país (inciso V do artigo 1º). De início, as funções atinentes ao registro de nomes de domínio foram delegadas à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Em 2005, contudo, foi criado o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) que passou a ser responsável pela atividade de registro de domínios ".br". Em 1998, o Comitê Gestor promulgou resolução fixando as regras de funcionamento do registro dos nomes de domínio no Brasil (Resolução CGI.br 1/98). O artigo 1º do citado normativo - vigente à época dos fatos narrados na inicial - erigiu princípio fundamental denominado "First Come, First Served" (adotado até os dias atuais), segundo o qual o direito ao nome de domínio será conferido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do pedido, as exigências para o registro. Nesse Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 31de 53
  • 32. Superior Tribunal de Justiça contexto, a concessão do registro não dependia de prévia apuração de eventual conflito com marcas ou nomes comerciais registrados em outros órgãos, atribuindo-se ao requerente a integral responsabilidade pela escolha do nome de domínio. Nesse ponto, o artigo 2º, do Anexo I, da referida resolução preceituava que o nome escolhido pelo requerente para registro não poderia tipificar nome não registrável, o qual compreendia, entre outros, signos que pudessem induzir terceiros em erro, "como no caso de nomes que representam marcas de alto renome ou notoriamente conhecidas, quando não requeridos pelo respectivo titular". Consequentemente, nem todo registro de nome de domínio, composto por signo distintivo equivalente à marca comercial de outrem, configura violação do direito de propriedade industrial, mas apenas aquele capaz de gerar perplexidade ou confusão dos consumidores, desvio de clientela, aproveitamento parasitário, diluição de marca ou que revele o intuito oportunista de pirataria de domínio. Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução CGI.br 8/2008, que continua a responsabilizar o requerente pela escolha de nome de domínio que induza terceiros em erro ou que viole direitos de outrem (artigo 1º). Diante desse quadro, também por essas razões, penso que não há qualquer prejuízo às titulares da marca ou aos consumidores com a utilização do sítio na internet. Isso porque o nome de domínio escolhido pelo blog Falha de São Paulo, falhadesaopaulo.com.br, não se revela capaz de causar confusão entre o serviço jornalístico virtual prestado pela Folha de São Paulo e o prestado pela Falha, destinado a oferecer crítica por meio de paródia às matérias jornalísticas da recorrida. Em recente julgamento realizado em dezembro de 2016 (ainda não publicado), REsp n. 1.466.212/SP, esta egrégia Quarta Turma apreciou recurso, cuja controvérsia era definir se a anterioridade de registro de marca, em uma classe específica, conferia ao titular o direito à utilização exclusiva de nome de domínio equivalente no âmbito da rede mundial de computadores (internet ). Naquela oportunidade, diferente do caso sob análise, mas com ele semelhante em certa medida (tratou-se de marcas, aqui prepondera o direito de autor), este colegiado negou provimento ao apelo, reconhecendo a possibilidade de coexistência de nomes semelhantes de marcas, sem que isso representasse violação a direito de qualquer espécie. Do voto condutor, destaca-se trecho que resume a deliberação, Confira-se: Isso porque o nome de domínio escolhido pela sociedade empresária ré ("paixao.com.br") não se revela capaz de causar confusão entre os produtos comercializados pelas autoras (cosméticos Paixão) e o serviço Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 32de 53
  • 33. Superior Tribunal de Justiça virtual a ser disponibilizado no site, destinado a aproximar pessoas para relacionamentos amorosos. Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro. Ou seja, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pelas demandantes. (...) A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no registro da marca demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de domínio compostos pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de atividade do titular. Assim, não há que se falar em violação do direito das autoras, que ainda podem proceder a registro de nome de domínio representativo da sua marca, a exemplo de "cosmeticospaixao.com.br" ou "paixaocosmeticos.com.br". Uma vez mais anoto que, assim como no julgado citado acima, as partes demandantes oferecem serviços absolutamente diversos, sendo este um dos fundamentos aqui explicitados, assim como o foi no REsp n. 1.466.212/SP. 8. Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui recorrida. A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no registro da marca, demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de domínio compostos até pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de atividade do titular, o que não se reflete nos presentes autos, em que os domínios, apesar de semelhantes, são diferentes. 9. Ante o exposto, peço licença para divergir do voto proferido pelo eminente e culto relator, e dou parcial provimento ao recurso especial para reconhecer a inexistência de violação de direito de marca da recorrida e liberar o uso do domínio falhadesaopaulo.com.br . Honorários advocatícios em favor da recorrente, que fixo em R$10.000,00 (dez mil reais). Saliente-se, por fim, quanto ao dano moral negado na origem, não há qualquer discussão acerca da questão em sede de recurso especial, tendo a matéria transitado em julgado após a sentença (fl. 705). É como voto. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 33de 53
  • 34. Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342 PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 21/02/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando parcial provimento ao recurso especial, divergindo do relator, PEDIU VISTA regimental o relator. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 34de 53
  • 35. Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342 PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 14/03/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 35de 53
  • 36. Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342 PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/03/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Presidente da Sessão Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 36de 53
  • 37. Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) VOTO-VISTA EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI: A discussão subjacente é relacionada à existência ou não de violação ao direito de marca da recorrida EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A pelo sítio eletrônico criado pelo recorrente MARIO ITO BOCCHINI. Submetido o recurso à apreciação desta Quarta Turma em data de 13.12.2016, pediu vista dos autos o e. Ministro Luis Felipe Salomão, que, na assentada de 21.02.2017, inaugurou divergência, no sentido de dar parcial provimento ao apelo extremo, a fim de reconhecer a inexistência da referida ofensa e liberar o uso do domínio falhadesaopaulo.com.br. Dos fundamentos elencados pela divergência, destaca-se, em suma: i) "o direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, havendo dois princípios que limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da especialidade (ou especificidade) e o princípio da territorialidade" e, considerando o princípio da especialidade, o serviço prestado pelo website criado pelo recorrente "em nada se assemelha ao da recorrida, Folha de São Paulo"; ii) "a atividade exercida pelo recorrente encontra regramento no direito de autor, mais específico, para o caso, que o direito de marcas, capaz de, por si só, resguardá-lo. Destarte, sendo indiscutível que a conduta do recorrente se enquadra como paródia, o que se vê no caso sob exame é prática perfeitamente admitida e de acordo com o direito de liberdade de expressão, tais como garantidos pela Constituição da República"; iii) o art. 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/1996 não traduz o regramento adequado a reger o caso sob análise, pois "a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela paródia não prevê como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir conotação"; iv) "falha e folha não são concorrentes, não prestam serviços da mesma natureza" e "a conduta da recorrente não tipifica a concorrência desleal"; v) "impossibilidade de confusão ou associação entre as marcas", diante do "elevado grau de discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui" e do próprio nome de domínio escolhido pelo blog (falhadesaopaulo.com.br ). Concluiu que "Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 37de 53
  • 38. Superior Tribunal de Justiça recorrida". Na mesma oportunidade, pedi vista regimental dos autos para melhor refletir sobre a controvérsia neles versada, em consideração, ainda, aos argumentos explanados pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão. VOTO Não obstante as ponderações delineadas pela divergência, ratifico meu voto, com os acréscimos que seguem. 1. Apenas para rememorar, em apertada síntese, trata-se, na origem, de ação cominatória e indenizatória ajuizada pela ora recorrida em face do ora recorrente, requerendo a condenação do réu a se abster de utilizar marca, conteúdo do jornal e nome de domínio da autora no website falhadespaulo.com.br , haja vista o tipo gráfico utilizado pelo réu ser idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio eletrônico (folhadespaulo.com.br ou folha.com.br ), bem como o nome usado ser extremamente semelhante, com alteração apenas de uma vogal, caracterizando assim violação da sua marca, a qual se encontra devidamente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. De início, pontua-se o papel constitucional do Superior Tribunal de Justiça, consistente na uniformização da interpretação da legislação federal, preservando sua correta aplicação. Desse modo, os parâmetros aqui estabelecidos repercutem nos julgamentos realizados em todo o país, revelando justamente essa função de uniformizar a jurisprudência. Mister observar que, como bem destacado pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão, a matéria aqui tratada é nova na Corte, razão pela qual as peculiaridades do caso concreto ganham ainda mais relevância. Aliás, foi o que ocorreu no recente julgamento do Recurso Especial nº 1.342.266 - PE (ainda não publicado), no qual esta Turma atentou-se para uma singularidade daquele caso - o fato de a obra em questão ser uma caricatura, que não se confunde com o símbolo/mascote oficial do clube esportivo então recorrente - e reconheceu, por maioria, que o referido desenho está acobertado pela proteção da Lei dos Direitos Autorais. Em relação à controvérsia subjacente a esta demanda, cumpre asseverar, em acréscimo ao voto anteriormente prolatado, que a Constituição Federal, ao dispor sobre liberdade de expressão - aqui entendida em sentido lato, a englobar a liberdade de imprensa e de informação - prevê, em seu artigo 220, que a Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 38de 53
  • 39. Superior Tribunal de Justiça manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, atendido o disposto no próprio texto constitucional. Dentre as demais garantias estabelecidas pela Lei Maior, destacam-se a livre iniciativa, já insculpida no art. 1º como um dos fundamentos da República, e a proteção à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, assegurada em seu art. 5º, inciso XXIX. Com efeito, é possível inferir, por meio de uma interpretação sistemática e sob a perspectiva do princípio da unidade da Constituição, que essa prescreve o caráter não absoluto da liberdade de informação jornalística, a ser mitigada nas hipóteses em que conflitar com outros direitos igualmente por ela garantidos. Nesse contexto, portanto, é que deve ser observada a controvérsia veiculada no apelo extremo, ou seja, se o blog criado pelo recorrido excedeu os limites da liberdade de expressão, ensejando violação da proteção legal assegurada à marca da recorrida. No particular, ainda, merece especial destaque as conclusões delineadas no âmbito das instâncias ordinárias, que conduziram à procedência do pedido cominatório. Na hipótese, o Tribunal a quo, mantendo a sentença proferida pelo magistrado singular, salientou que, além do teor depreciativo e de reprimenda da marca Folha de São Paulo, o referido sítio eletrônico possui também conteúdo com conotação comercial, o que extrapola o alegado propósito de atuar com intenção meramente jocosa e crítica, contaminando assim o respectivo domínio, motivo pelo qual deve ser mantido seu congelamento. Destacam-se os seguintes trechos (fl. 1024, e-STJ): A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal. Eis os referidos fundamentos: Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 39de 53