Este documento discute os desafios da parentalidade durante a pandemia de Covid-19, incluindo o aumento do burnout parental devido ao trabalho remoto e homeschooling, e como os governos estão monitorizando mais de perto os cidadãos. Também enfatiza a importância da família e do papel dos pais na educação dos filhos.
1. Desafios da parentalidade em tempos de Covid-19
É geralmente aceite classificar os nascidos entre 1995 e 2010 como
a “Geração Z”. Nascidos no mundo digital e na cultura da Internet,
habituados a obter respostas às suas dúvidas na Wikipedia e em
canais de Youtube, tem-se entendido que serão muito
independentes e pouco focados nas relações interpessoais.
Quanto aos pais da “Geração Z”, sem resistências de maior,
assoberbados em (des)informação e essencialmente motivados
pelo receio do sofrimento, vão paulatinamente entregando a
terceiros e designadamente ao Estado a capacidade, cada vez maior,
de monotorização das rotinas diárias das famílias.
Enquanto escrevo estas linhas, o Governo anuncia que irá propor à
Assembleia da República a utilização obrigatória da aplicação
“StayAway Covid”.
Tal como anunciava, já em 2015, Yuval Noah Harari, está aberto o
caminho para os Estados levarem a cabo uma “under the skin
surveillance” que lhes permitirá conhecer em tempo real as
emoções dos seus cidadãos, estabelecer modelos de
comportamento e, em última análise, antecipar as decisões de cada
um.
A crise epidemiológica de Covid-19, pelas respectivas implicações
práticas, ficará provavelmente, nas nossas memórias, como um dos
momentos mais disruptivos das nossas vidas. Vidas alteradas pela
implementação de medidas de distanciamento social, obrigando a
formas e ferramentas de trabalho ou de socialização,
2. que antes eram facultativas, secundárias e de utilização
relativamente pontual, se tornassem agora essenciais. Como o
caso do teletrabalho e da telescola.
Na verdade, em 2009, o legislador laboral já identificava o
teletrabalho como “a prestação laboral realizada com subordinação
jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a
tecnologias de informação”; e a realização de reuniões por
videoconferência há muito que é comum em inúmeras empresas;
quanto à telescola (ou “e-learning”) é também uma ferramenta
utilizada por estabelecimentos de ensino de todo o mundo há mais
de 20 anos.
Não obstante, só a partir de Março de 2020 é que o “teletrabalho”
e “telescola” entraram no léxico da maioria das organizações.
A implementação de sistemas mistos (de teletrabalho e trabalho
presencial ou de telescola e escola presencial), nos quais se
alternam a prestação a partir de casa com a prestação nas
instalações do empregador ou na escola, tem impacto, por
exemplo, no redimensionamento das instalações das empresas e
estabelecimentos de ensino e também, por exemplo, na
valorização da vida fora dos centros urbanos. Mas tem-no
sobretudo nas relações familiares e de parentalidade.
Note-se, desde logo, que muitos dos mais novos registam esta
época como aquela em que, subitamente, passaram, como meio
mundo, a andar mascarados. Mas sobretudo como aquela em que
ficaram impedidos de abraçar os seus Avós. E veremos ainda como
será o Natal, bem como no futuro próximo os almoços e jantares
de Família.
Mas, com pais e filhos a trabalhar a partir de casa, o convívio
familiar pode tornar-se um desafio. E sendo certo qua a pandemia
de Covid-19 teve impacto sobre as relações entre pais e filhos, não
é certo que o impacto tenha sido o mesmo em todos os casos.
Por isso, centros de investigação têm dedicado muita da sua
atenção a estudar o burnout parental. Seja em busca de sintomas
de burnout parental, com impacto negativo nos comportamentos
designadamente em relação aos filhos, seja, no sentido oposto, em
busca de um aumento da qualidade da parentalidade e da relação
com os filhos.
3. Naturalmente, esta polarização, marcada de um lado pelo
aumento do bem-estar emocional e aumento da qualidade das
relações com os filhos, e do outro lado pelo sofrimento
psicológico e redução da qualidade da relação com os filhos,
surge associada a uma maior incidência de factores protectores
ou de risco, e nomeadamente a comportamentos de tipo violento
e negligente.
Em suma, o burnout parental é um estado de saúde mental
caracterizado por exaustão e um sentimento de saturação
relacionados com o papel parental, com perda de prazer em estar
com os filhos e distanciamento emocional destes, contrastando
estes sentimentos e estados com os que existiam antes.
Ora, a pandemia de Covid-19, e as consequentes medidas de
distanciamento social, passando pela circunscrição à habitação, o
encerramento das creches, jardins-de-infância e escolas, o
teletrabalho e isolamento social, veio colocar novos desafios ao
equilíbrio anteriormente existente (concentração nas tarefas;
separação entre tempo de trabalho e lazer; tempo de qualidade
com filhos e disponibilidade para as imprescindíveis brincadeiras).
A pandemia também trouxe à evidência as condições em que, por
esse mundo fora, tantos velhos são deixados. Sabendo que
apenas têm futuro as sociedades que olham pelos seus anciãos,
que exemplo queremos deixar?
A Família é, como se sabe, a célula vital da sociedade, sendo a
primeira sociedade natural e de primordial importância para a
pessoa, mas também para a sociedade. Protagonista da vida
social, ali se desenvolve e promove o sentido de solidariedade e o
sentido de pertença a uma comunidade de pessoas (fora de uma
rede social). Enfim a virtude do Amor.
Agarremos a oportunidade para (re)assumir e (re)exercer o
direito a educar os filhos, sob pena de sermos substituídos pelo
Estado – que entretanto já nos conhece melhor que a nós
próprios – à revelia dos princípios fundadores da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Que estes tempos de maior convívio sejam aproveitados para
voltar a chamar aos pais o papel primacial que têm e devem ter
na educação dos filhos; para estreitar laços; para lhes dar a
4. perspectiva que as necessidades de gratificação instantânea
tendem a prejudicar e para, efectivamente, conhecerem os
adultos de amanhã, que estão a formar hoje.
Salvador Ulrich