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unioeste
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE TOLEDO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE FILOSOFIA
DANUSA IUNG DA SILVA
A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME
TOLEDO
2011
DANUSA IUNG DA SILVA
A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME
Monografia apresentada ao curso de
Filosofia, do Centro de Ciências
Humanas e Sociais (CCHS), da
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE) – Campus de
Toledo, como requisito final à obtenção
do título de Licenciado em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Bernardo Alfredo
Mayta Sakamoto
TOLEDO
2011
TERMO DE APROVAÇÃO DE MONOGRAFIA
DANUSA IUNG DA SILVA
A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME
Monografia apresentada ao curso de
Filosofia, do Centro de Ciências
Humanas e Sociais (CCHS), da
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE) – Campus de
Toledo, como requisito final à obtenção
do título de Licenciado em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Bernardo Alfredo
Mayta Sakamoto
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto (orientador)
Prof. Nome do professor membro da banca (membro)
Prof. Nome do outro professor membro da banca (membro)
Toledo
2011
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente a Deus agradecendo-
lhe por ter me dado dons naturais com os quais pude
iniciar este trabalho; aos meus pais pela paciência e pela
ajuda durante a graduação; ao meu irmão Márcio pelos
momentos de reflexão que tivemos; aos meus amigos e
colegas pela amizade e pelo caminho percorrido com
ajuda; à Jandir por sempre me motivar nos últimos passos
dessa jornada; ao meu orientador Bernardo pela
orientação, dedicação e paciência.
RESUMO
Através deste trabalho procura-se oferecer uma introdução às considerações de Hume
sobre o surgimento das noções de política e de governo. Para ele, a justiça é resultante
de uma convenção totalmente diferente de um contrato ou de uma promessa. O governo,
por sua vez, nada mais é do que uma instituição necessária para garantir que as regras
da justiça sejam observadas. Para que isso aconteça de fato, é preciso que algumas
regras desta virtude artificial venham a ser respeitadas por todos os homens. A
Justificação da propriedade é uma máxima que deve ser assegurada estavelmente. Os
homens estão predispostos ao egoísmo que vence a benevolência natural. A partir do
momento em que estes percebem que são egoístas e que viver em sociedade é vantajoso,
acrescentam-se então, as convenções para que a ordem social seja implantada. A justiça
humeana se posiciona totalmente em prol da ordem social, assim sendo, o objetivo é
que a segurança na sociedade seja instaurada e a justiça seja fundamentada. A justiça se
torna útil na sociedade, a partir do momento que surge a propriedade. Defender e
proteger os bens, é o objetivo da justiça.
Palavras Chave: Justiça. Utilidade. Fundamento. Virtude.
ABSTRACT
Through this work seeks to provide an introduction to Hume's considerations about the
emergence of notions of politics and government. For him, justice is the result of a
convention totally different from a contract or a promise. The government, in turn, is
nothing more than a necessary institution to ensure that the rules of justice are observed.
For this to actually happen, we need some rules this artificial virtue will be respected by
all men. The justification of the property is a maxim that should be secured stably. Men
are prone to selfishness that overcomes natural benevolence. From the moment they are
selfish and realize that living in society is advantageous to add then, the conventions for
that social order is established. Humean justice stands fully in favor of the social order,
therefore, the goal is that security is established in society and justice is based. Justice
becomes useful in society, from the moment it appears the property. Defend and protect
the assets is the goal of justice.
Keywords: Justice. Usefulness. Foundation. Virtue.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8
2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA......................................11
2.1 A Justiça como uma virtude artificial ........................................................................11
2.2 A Sociedade como vantagem para os homens, regulada nas regras da justiça..........15
3 A JUSTIÇA E AS SOCIEDADES ...................................................................... 19
3.1 A Justiça na Sociedade Virtuosa ..........................................................................19
3.2 A Justiça na Sociedade Viciosa ............................................................................20
4 DA UTILIDADE E DO FUNDAMENTO DA VIRTUDE DE JUSTIÇA........ 23
4.1 Do fundamento da Justiça.......................................................................................23
4.2 Da Utilidade da Justiça ...........................................................................................25
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................................... 30
8
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a justiça é um centro importante da história da
filosofia. Platão, filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, em seu
livro, “A República”, já procurava responder, qual o homem que vive melhor,
se é o justo ou o injusto, toma a justiça como base das virtudes, de temperança,
de coragem e de sabedoria. Nesta mesma linha ele dividiu a alma em três: a
apetitiva (vida dos prazeres), a irascível (coragem), e a racional (sabedoria),
elas constituiriam a virtude fundamental que é a justiça.
Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles impõe: “O justo é,
portanto, o que é conforme a lei e respeita a igualdade, o injusto o que é
contrário à lei e falta igualdade”, - nesta citação de Aristóteles, é possível
perceber as regras da justiça já naquela época. Por ser a justiça, uma discussão
que ocorre ao longo de tantos tempos é um dos maiores motivos para o assunto
deste trabalho, além do mais é um fato visto sempre em nosso cotidiano, em
jornais, revistas, televisão etc.
O interesse próprio é o motivo original para o estabelecimento das
regras da justiça na sociedade, mas, o interesse público é a fonte de aprovação
moral que acompanha esta virtude, o interesse público é fraco para controlar
nossas paixões, mas controla e influência nosso gosto, e nos dá sentimentos de
aprovação ou condenação, é através disso que distingui-se o que é vicioso do
que é virtuoso, por exemplo, justiça e injustiça.
Neste trabalho, buscar-se-á oferecer uma introdução às considerações
sobre as regras de justiça, que segundo Hume, é resultante de uma convenção
totalmente diferente de um contrato ou de uma promessa, o governo, é uma
instituição necessária para garantir que as regras da justiça sejam observadas. O
objetivo principal deste trabalho é, através do que é exposto por HUME
esclarecer: Onde se dá o fundamento e a utilidade da justiça?
Faz-se necessário destacar de que maneira Hume - empirista e filósofo de
destaque do século XVIII, define a justiça e seu surgimento na sociedade humana, bem
como breves considerações sobre o papel exercido pelo governo na manutenção da
justiça e da sociedade humana. Para Hume, a justiça só é válida se for útil à sociedade,
com o fim de garantir a paz e a ordem geral e as representações são dos sentidos e da
auto-percepção. As impressões são sensações, que recebe-se no dia-a-dia. Através da
9
representação o homem forma a idéia, reflexo da impressão. Todas as idéias válidas tem
fundamento na impressão. Esse é o método usado por Hume para fundamentar a moral,
a ética e a estética.
Hume expõe suas posições sobre a justiça principalmente em duas obras: o
Livro III do Tratado da Natureza Humana e Investigação sobre os Princípios da Moral.
Na primeira seção, do livro, “Uma Investigação Sobre os Princípios da
Moral”, Hume expõe que a justiça, assim como a moral, são fundamentadas através da
experiência. Os sentimentos são responsáveis por gerar nossas ações, podendo ser elas
boas ou más, a educação, o hábito, o costume é o que corrige essas nossas ações, a
justiça com suas regras nos regula, permite fazer escolhas entre as ações virtuosas
evitando os vícios.
O conhecimento em David Hume é possível através das impressões que
recebemos do mundo exterior, baseada no método experimental, teoria que desperta
Kant - grande filósofo dos princípios da era moderna, - do sono dogmático. A teoria do
conhecimento de Hume parte de um ceticismo que declara o fim da metafísica, no livro:
Ensaio Sobre o Entendimento Humano.
No primeiro capítulo que a Justiça, não tem, para Hume, origem em um
contrato ou em uma promessa. As regras da justiça, não foram simplesmente
estabelecidas por alguém, elas surgem através das necessidades da sociedade e são
determinadas por convenções visando o bem comum entre todos. Observaremos de
que maneira Hume define a justiça como uma virtude artificial, e como ela surge na
sociedade humana.
No segundo capítulo, analisa-se as suposições feitas, no livro “Uma
Investigação sobre os Princípios da Moral”, à respeito das sociedades que estão
voltadas aos extremos de vício e virtude, verificando se é possível, que a justiça se
estabeleça em alguma dessas sociedades.
Mais adiante, no terceiro capítulo, ficará claro que ela surge juntamente com
a sociedade. O homem vivendo em conjunto precisa de segurança para proteger os bens
que acumula com a força do seu trabalho. As regras da justiça tornarão isso possível.
Essas regras não foram simplesmente criadas por alguém, ao contrário através de
convenções, e por causa da necessidade de proteção aos bens adquiridos, é que elas
surgem.
10
As regras da justiça aparecem na sociedade, para reprimir ou redirecionar,
os nossos desejos, em querer aquilo que é dos outros, já que a nossa bondade é muito
fraca, e não é suficiente para regular esses desejos.
As regras da justiça, só se estabelecem porque ao serem necessárias para a
sociedade elas protegem nossos bens. Através do hábito e do costume, com o passar dos
tempos, percebe-se o que é útil. A sociedade se torna vantajosa para que os homens
possam viver deixando de lado aquilo que é selvagem, - estado de natureza que
antecede a razão, sem a sociedade.
O hábito é o caminho pelo qual o conhecimento é possível, na teoria do
conhecimento de Hume. O interesse é que as regras da justiça sejam seguidas e
obedecidas pelos homens, que eles acabem por se acostumar a essas regras e seus filhos
crescem sabendo que viver em sociedade tem suas vantagens.
11
2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA
2.1 A Justiça como uma virtude artificial
Na parte 2, seção 1, do Tratado da Natureza Humana, Hume faz o seguinte
questionamento: Será a justiça (e a injustiça), uma virtude natural, ou artificial? A
virtude não será natural em todos os casos, algumas delas se aprovam em algum
artifício ou invenção, dependendo das particularidades ou necessidades da humanidade.
Deste modo:
Afirmo agora que a justiça é uma virtude dessa espécie, e procurarei defender
essa opinião por meio de um argumento curto, mas, espero convincente, antes
de examinar a natureza do artifício de que deriva o sentido dessa virtude.
(HUME, 2000, p. 517).
Ao examinar, o artifício da natureza da virtude, em Hume, pode-se perceber
que ao elogiar uma ação, considera-se apenas os motivos que as produziram. Esses
motivos, serão julgados pelos princípios da mente do indivíduo, se ele é um ser moral
ou imoral; bom ou mau; por assim dizer, aqui a realização externa não possui nenhum
mérito. Olha-se para o interior da pessoa, procurando encontrar a qualidade da moral,
como não se pode ver o que se passa no seu interior, fixa-se a atenção na sua ação como
indicador dos seus princípios, da mente e do caráter. A ação é considerada apenas um
signo, e o maior interesse, será o motivo que a produziu, sendo esse o objeto de elogio e
aprovação ou não, sustenta Hume:
Do mesmo modo, sempre que exigimos que uma pessoa realize uma ação, ou a
censuramos por não realizá-la, estamos supondo que alguém nessa situação deveria
ser influenciado pelo motivo próprio dessa ação, e consideramos vicioso que o tenha
desconsiderado. (HUME, 2000, p. 518).
Ao investigar melhor esta situação, descobre-se que, o verdadeiro motivo
virtuoso, estava em seu coração, mesmo que algo desconhecido por nós tenha lhe
impedido. Quando isso acontece, passa-se a ter pela pessoa nosso apreço e admiração,
retirando nossas censuras.
Isso não é mera sutileza metafísica; está presente em todos os raciocínios de
nossa vida corrente, embora às vezes não consigamos exprimi-lo em uma
linguagem filosófica tão distinta. Censuramos um pai que negligencia seu
filho. E por quê? Porque isso mostra uma falta de afeição natural, que é dever
de todo pai. Se a afeição natural não fosse um dever, o cuidado com os filhos
12
tampouco o seria; e seria impossível que tivéssemos em vista o dever ao
darmos atenção a nossa prole. (HUME, 2000, p. 518.)
O mérito das ações virtuosas, derivam de motivos virtuosos, motivos esses
que estão no interior da pessoa, as ações são apenas signos desse interior. O primeiro
motivo virtuoso, que confere mérito a uma ação deve ser um princípio natural, não
devendo ser uma consideração pela virtude da ação, supor isso se torna redundância.
Vou realizar mera ação pela virtude dela, e no fim ela se tornar virtuosa, é algo circular.
Para que possamos ter tal consideração, a ação tem de ser realmente virtuosa;
e essa virtude tem de ser derivada de algum motivo virtuoso;
conseqüentemente, o motivo virtuoso precisa ser diferente da consideração
pela virtude da ação. É preciso um motivo virtuoso para que a ação se torne
virtuosa. (HUME, 2000, p. 518)
A virtude tem que ser virtuosa, para assim tomar consideração por sua
virtude. Algum motivo virtuoso tem de anteceder essa consideração. Censura-se um pai
quando ele negligência seu filho, porque isso mostra uma falta de afeição natural, que é
o dever de todo pai, se não fosse dever a afeição natural, o cuidado com os filhos tão
pouco seria. Nesse caso portanto, todos os homens supõem que a ação possui um
motivo diferente do dever.” (HUME, 2000, p. 519).
Esclarecendo mais, supõe-se um homem que pratica boas ações, como,
aliviar os sofredores; reconfortar os aflitos; além de levar suas boas ações até aos
desconhecidos. Um caráter desse tipo seria muito amável e virtuoso, não havendo outro,
essas ações são provas de um grande sentimento humanitário.
Esse sentimento humanitário confere um mérito as ações. O respeito pelo
mérito é, portanto, uma consideração secundária, derivada do princípio
antecedente do sentimento humanitário, que é meritório e louvável. (HUME,
2000, p. 519).
O sentimento humanitário confere mérito à ação, mas o respeito pelo mérito
já é um sentimento secundário que deriva de um princípio antecedente do sentimento
humanitário, sendo o que é louvável, vem das paixões, do nosso sentimento interno.
“Em resumo, podemos estabelecer como uma máxima indubitável que nenhuma ação
pode ser virtuosa ou moralmente boa, a menos que haja na natureza humana algum
motivo que a produza, distinto do sentido da sua moralidade.” (HUME, 2000, p. 519).
13
A ação só se torna virtuosa quando é realizada através de um motivo da
natureza humana, do sentimento interno, deve ser realmente boa neste sentido de
natureza, e não por somente realizar a ação, apenas porque é certo.
Segundo Hume, um homem que é desprovido de realizar boas ações odeia a
si mesmo por ser desprovido de tal ação, ele sente remorso e esse sentimento faz com
que, se volte a si mesmo, realizando a ação boa sem motivo algum apenas por dever,
com intuito de adquirir esse principio virtuoso (bondade, sentimento humanitário), ou
ao menos para disfarçar para si mesmo sua carência.
Aplique agora, tudo isso a este caso, exemplificado por Hume: Eu peço de
um amigo, uma quantia razoável de dinheiro emprestado, com a condição de devolvê-lo
dentro de alguns dias. Chegando o dia meu amigo o pede de volta. Qual o motivo para
que eu devolva o dinheiro? Talvez meu respeito pela justiça, a minha repulsa pela
vilania, pela desonestidade, são no mínimo para mim motivos suficientes, se possuo
alguma honestidade, ou sentido do dever e da obrigação. Essa é uma resposta suficiente
para um homem civilizado e de boa educação. Uma pessoa em sua condição rude
responderia sobre a devolução do dinheiro “não”, no que consiste a justiça e a
honestidade, que se encontra na devolução do dinheiro, e na obtenção da propriedade?
Certamente não está na ação externa, tem que estar no motivo da qual essa ação foi
derivada. Esse motivo não pode ser a consideração pela honestidade da ação, se o fosse
devolveria imediatamente. Lembrando a redundância acima, seria uma falácia dizer que
é preciso de um motivo virtuoso para tornar a ação honesta (virtuosa), e ao mesmo
tempo, dizer que a consideração pela honestidade é o motivo da ação. Só se pode ter
consideração pela virtude de uma ação se a ação já for de antemão virtuosa. Ora, uma
ação só pode ser virtuosa, se procede de um motivo virtuoso. (HUME, 2000, p. 520).
O motivo virtuoso deve anteceder a consideração pela virtude, não se pode
realizar a ação apenas pela virtude, mas pela honestidade. Essa honestidade, deve
anteceder o sentido de virtude, devolve-lo porque é certo, e percebo isso pelo
sentimento interno, pois é impossível que o motivo virtuoso e a consideração pela
virtude sejam a mesma coisa.” (HUME, 2000, p. 520).
É preciso encontrar nos atos de justiça e honestidade algum motivo diferente
de nossa consideração por elas. Se que a preocupação com a nossa reputação seria o
motivo do ser humano ser honestos, quando essa preocupação terminasse, a honestidade
e a justiça não haveria mais porquê existir.
14
Assim ao agir honestamente, o motivo das ações seria uma consideração
pelo interesse público, onde nada é mais contrário que haver exemplos de injustiça e
desonestidade, Hume nos propõe a prestar atenção em três considerações:
Em primeiro lugar, o interesse publico não está naturalmente ligado à
observância das regras da justiça; conecta-se a ela apenas em virtude de uma
convenção artificial para o estabelecimento dessas regras, como mostrarei
mais detalhadamente adiante. Em segundo lugar, se supusermos que o
empréstimo foi sigiloso, e que é do interesse do prestador que o dinheiro seja
restituído da mesma maneira (por exemplo, se quer ocultar sua riqueza),
nesse caso não há mais exemplaridade, e o publico não tem mais interesse
pelas ações do prestatário; entretanto, suponho que nenhum moralista iria
afirmar que isso elimina o dever ou obrigação. Em terceiro lugar, a
experiência prova de maneira suficiente que os homens, em seu
comportamento cotidiano, não pensam em algo ao distante quanto o interesse
público quando pagam a seus credores, cumprem suas promessas e se abstêm
de roubar, saquear ou cometer todo tipo de injustiça. (HUME, 2000, p. 521).
Desta maneira, Hume dá a primeira introdução à origem da justiça, que é
criada através de uma convenção humana, sendo natural, suas regras foram criadas por
causa da necessidade delas existirem, para separar os bens da população. Essa regra se
torna um bem comum para a sociedade, todos percebem o bem que ela traz.
Se a benevolência pública, ou uma consideração pelo bem da humanidade
não pode ser o motivo da origem da justiça, uma benevolência privada, ou interesse pelo
outro, muito menos o será. As pessoas se ligam mais ao que possuem, do que, ao que,
nunca chegaram a desfrutar, a razão pela qual os homens se prendem a seus bens é por
vê-los como sua propriedade, que está assegurada pelas leis da sociedade.
[...] não temos naturalmente nenhum motivo real ou universal para observar
as leis da equidade, exceto a própria equidade e o mérito dessa observância;
e, uma vez que nenhuma ação pode ser justa ou meritória se não pode surgir
de algum motivo separado, existe aqui um enorme sofisma e um raciocínio
circular. (HUME, 2000, p. 523).
Se não admitir esses sofismas que a natureza estabeleceu, ter-se à que
admitir que o sentido de justiça e injustiça, não deriva da natureza, surgindo antes
artificialmente, e necessariamente, da educação dos homens e das convenções humanas.
São as regras comuns do dever, que nos faz preferir uns aos outros. Os
homens amam seus filhos mais do que os sobrinhos, os sobrinhos mais do que os
primos, os primos mais do que estranhos e assim sucessivamente, amamos mais aquelas
pessoas que estão ao nosso redor, as que estão mais próximas de nós, seguindo assim o
curso natural de nossas paixões.
15
“Tampouco é impróprio utilizar a expressão Leis Naturais para caracterizá-
las, se entendermos por natural aquilo que é comum a uma espécie qualquer, ou mesmo
se restringirmos seu sentido apenas ao que é inseparável dessa espécie.” (HUME, 2000,
p. 524 e 525).
Ao concluir este capítulo, pode-se dizer que quando Hume emprega a
palavra “natural” à justiça, ele quer dizer exatamente o oposto de artificial. O homem é
um inventor, e quando uma invenção é absolutamente necessária, é correto para ele que
a considere natural quanto tudo que proceda imediatamente de princípios originais, sem
ação ou reflexão do pensamento. Usar a expressão leis naturais, para caracterizar as leis
da justiça, não é errado é o que afirma a citação acima.
As regras da justiça foram criadas por uma necessidade, levando em
consideração, que, natural é aquilo que é comum a uma espécie qualquer, ou se limitar
seu sentido apenas ao que é inseparável dessa espécie. Posso, contudo afirmar, a justiça
é uma virtude artificial por naturalidade.
2.2 A Sociedade como vantagem para os homens, regulada nas regras da justiça
De todas as criaturas que habitam nosso planeta, pode-se afirmar que a
natureza foi mais cruel com o homem. Para se proteger do frio ele precisa de roupas,
enquanto outros animais têm pêlos, ou uma pele resistente. Vários animais conseguem
obter facilmente o alimento da natureza, enquanto os seres humanos são frágeis e têm a
necessidade de plantar e colher seus alimentos, fazer suas roupas, usar armas para se
defender, etc. O homem, diferente do leão, não possui força ou qualquer outra
habilidade natural para satisfazer suas necessidades, mas, é através da sociedade que ele
supre suas deficiências, se colocando em igualdade com os outros seres, ou até mesmo
adquirindo superioridade a eles.
Pela sociedade todas as suas debilidades são compensadas, embora, nessas
situações, suas necessidades se multipliquem a cada instante, suas
capacidades se ampliam ainda mais, deixando- o em todos os aspectos, mais
satisfeito e feliz do que jamais poderia se tornar em sua condição selvagem e
solitária. (HUME, 2000, p. 526).
Quando o homem se isola da sociedade, trabalha sozinho, a sua força é
limitada para executar obras ou realizar determinados serviços. Sua força nunca é igual
o tempo todo e a menor falha pode trazer a ele ruína e infelicidade.
16
A sociedade é a solução para esses problemas. Quando junta-se as forças
nosso poder se amplia. Dividindo o trabalho, aumenta-se a capacidade, ficando menos
expostos a acidentes, desta forma a sociedade se torna vantajosa.
A origem mais natural da sociedade surge da maior necessidade, ou seja, do
apetite natural que há entre homens e mulheres, que se unem para formar a prole,
aumentando a sociedade. Os pais têm um exercício natural de autoridade sobre os
filhos, é natural que filhos obedeçam aos pais, essa afeição de autoridade é natural, com
o hábito e o costume logo os filhos percebem as vantagens da vida em sociedade.
É na sociedade, que adquire-se os bens, que satisfazem o espírito (moral), as
qualidades exteriores do nosso corpo (beleza) e a fruição do bem que é adquirido com o
trabalho (casa, carro, etc.). Os dois primeiros podem ser usufruídos com segurança, já o
terceiro que são os materiais podem nos ser tomados, ser expostos à violência alheia, ou
serem transferidos sem sofrer nenhuma perda ou alteração.
“Por isso, assim como o aperfeiçoamento desses bens é a principal
vantagem da sociedade, assim também a instabilidade de sua posse, juntamente com sua
escassez é seu maior impedimento.” (HUME, 2000 p. 528).
Percebe-se assim que quando a sociedade segue as regras da justiça, os bens
se aperfeiçoam, do contrário há caos e desordem.
A justiça não serve como um princípio natural para que os homens tenham
uma conduta justa uns com os outros.
De acordo com Hume, a natureza oferece então ao nosso entendimento, e à
nossa mente um remédio para a solução das irregularidades do afeto. Na sociedade
usufruem do remédio para manterem seus bens em igualdade com as vantagens firmes e
constantes da mente e do corpo. Por meio de uma convenção, onde todos da sociedade
participem, dando estabilidade aos seus bens, cada um pode usufruir daquilo que
conquistou com o trabalho, sabendo também que pode possuir os bens conquistados
com segurança. Esse remédio são as regras da justiça.
“O remédio portanto, não vem da natureza humana, mas do artifício; ou,
mais corretamente falando, a natureza fornece, no juízo e no entendimento, um remédio
para que há de irregularidade e inconveniente nos afetos,” (HUME, 2000, p. 529).
A convenção é de interesse comum, todos da sociedade se estabelecem,
regulando sua conduta segundo certas regras. Quando dois homens remam num barco,
fazem eles por um acordo ou convenção, se não fosse assim o barco ficaria parado não
iriam a lugar algum. Quando se regulariza uma convenção, surge a confiança de sua
17
conduta, e é nessa confiança que tira-se a moderação e abstinência, há uma convenção
onde o outro não toma o que é meu, e eu respeito o que é dele.
Quando essa convenção é formada, quando todos adquirem a estabilidade de
suas posses, surge com isso às idéias de justiça e injustiça. Entendendo por propriedade,
todo ou algum objeto que está relacionado à pessoa, essa relação não é natural é moral,
meritória. Através, do trabalho eu adquiro a propriedade e ela está assegurada nas regras
da justiça, é meu por direito. Não se pode imaginar uma idéia de propriedade sem
compreender a natureza da justiça, nem mostrar sua origem no artifício e na invenção
humana, a origem da justiça explica o da propriedade e ambas são geradas pelo mesmo
artifício.
Não se tem dúvida de que a convenção é para distinguir as propriedades, e
para que se estabilizem os bens de cada um, é a circunstância mais necessária para que
haja estabelecimento da sociedade. Quando se estabelece as regras há harmonia e
concórdia entre os seres. É necessário que haja a convenção de regras, para proteger os
bens, para proteger a propriedade, A vontade de obter posses para nós e nossos amigos é
insaciável, infindável, universal e é destrutiva da sociedade.
A benevolência que se tem para com os estranhos é muito fraca para fazer
com que nossa ganância não se abstenha das coisas alheias, o único modo de controlar
essa afeição de querer os bens alheios é através dessa própria afeição, alterando a
direção, recorre-se a menor reflexão, - há vantagens se eu tomar algo de meu vizinho?
Que conseqüências eu terei ao cometer um furto? São reflexões desse tipo que nos
colocam um freio, satisfazendo a paixão, contendo-nos.
Preservando a sociedade, favoreceremos muito mais a aquisição de bens, do
que quando nos reduzimos à condição necessária e desolada que deve seguir a violência,
quando partimos para a ignorância. Com as regras a paixão de querer aquilo que é dos
outros se restringe para a estabilidade das posses. Nada é mais simples e evidente que
essas regras, para preservar a paz, mesmo entre os filhos um pai deve estabelecê-las.
Conforme a sociedade vai se aprimorando as regras da justiça se aprimoram junto.
O estado de natureza, da qual trataremos nos capítulos seguintes, deve ser
vista como uma ficção da época dos poetas, quando a benevolência é plena, não há os
termos meu e seu. A justiça como já observamos surge das convenções humanas e estas
têm como objetivo remediar as nossas paixões em relação aos objetos externos.
Podemos perceber tudo isso através da experiência e observação, por exemplo, as
pessoas casadas abrem mão de sua propriedade individual, uma em favor da outra,
18
desconhecem o termo meu e seu já na sociedade isso causa uma enorme perturbação.
Cada um quer o que lhe é por direito, o que foi conseguido através de esforço, trabalho
ou mérito.
Embora as regras da justiça sejam estabelecidas, criadas por interesse, ela
tem uma conexão singular com o próprio interesse. No fim das contas cada indivíduo
deverá perceber que saiu ganhando, porque sem a justiça a sociedade se dissolveria,
todos cairiam em uma situação selvagem e solitária. Quando os homens adquirirem
experiência e observarem que essas regras são vantajosas para a sociedade e para cada
um, a justiça e a propriedade não demorará a se estabelecerem.
Portanto, a justiça se estabelece por uma espécie de convenção ou acordo,
com um sentido no interesse que é comum a todos, sem isso alguém jamais teria
sonhado com a justiça. Abraçamos essa virtude para que outros a abracem também, um
método de dar exemplo, e é na experiência e na observação de cada dia que percebemos
o quanto ela satisfaz os interesses da sociedade, acaba ela por se findar na sociedade.
19
3 A JUSTIÇA E AS SOCIEDADES
3.1 A Justiça na Sociedade Virtuosa
Sabe-se que a justiça é uma virtude artificial, por que foi criada por
convenções humanas. E ao dizermos que ela foi criada por uma necessidade, se
torna uma virtude natural, por ser comum a uma única espécie e beneficiar a
todos.
Neste subcapítulo, será explorada a suposição que Hume faz a uma
sociedade voltada para o extremo da virtude de benevolência, onde, todos têm
amor ao próximo, e o seu maior bem é fazer com que seu próximo se sinta bem.
A maior importância que há aqui é o bem do próximo, os seus interesses
pessoais são como os meus próprios interesses.
Suponhamos que a natureza humana houvesse dotado a raça humana
de uma tamanha abundância de todas as conveniências exteriores
[...]. Sua beleza natural, vamos supor, ultrapassaria todos os
ornamentos adquiridos, a perpétua suavidade das estações tornaria
inúteis todas as roupas ou abrigos, [...]. Nenhuma tarefa laboriosa
seria requerida, nenhuma lavoura, nenhuma navegação. (HUME,
1995, p. 35).
Nestas condições afortunadas todas as demais virtudes floresceriam, e iriam
se intensificar, mas com respeito à virtude da justiça dela não ouviríamos falar. Não
haveria necessidade de uma divisão de bens, todos poderiam ter aquilo que lhe
interessasse, então para que serviria a justiça? Ela não faria parte das virtudes. Mesmo
estando o mundo do jeito que está ainda há elementos que são iguais para todos, como a
água e o ar. São estes os elementos mais usados pelos seres humanos, e ninguém comete
injustiça por usar mais que os outros. Há alguns países que possuem grandes extensões
de terra, nestes países elas são tratadas da mesma forma que o ar e a água.
No modo, em que o mundo se encontra hoje, se estivéssemos todos
engrandecidos de espírito, repletos de sentimentos amigáveis e generosos, uns para com
os outros, um sentimento de carinho, inigualável, nossa maior preocupação seria os
assuntos do outro, já que nos importamos muito com as outras pessoas.
“Por que eu deveria, por meio de uma promessa, obrigar outra pessoa a
prestar-me um serviço quando sei que ela já está disposta, pela mais forte inclinação, a
20
buscar minha felicidade, e irá de vontade própria satisfazer o serviço desejado?”
(HUME, 1995, p. 37 e 38).
A justiça aqui será inútil, não precisará haver divisões e barreiras entre o
que é meu e o que é do outro. Não serão necessárias preocupações com um contrato,
promessa ou pagamento, pois como as pessoas estão acostumadas a agradar umas às
outras, o farão por prazer em ajudar sem cobrar. E mesmo que com isso ganhemos um
maior beneficio, ela saberá que não será deixado que aconteça tal imprudência a sua
generosidade.
Nossos corações têm os mesmos interesses nos bens que nos são comuns. Se
assim fosse cada outro seria um, não haveria distinções entre os seres humanos, não
haveria desconfiança, nem divisões seriam necessárias a raça humana, seriamos num
todo uma única família, tudo seria igualmente distribuído. Possuindo as coisas em
comum e usando-as livremente, sem que isso seja apenas meu, e aquilo apenas seu,
todos dariam atenção as necessidades dos alheias como se fossem seus próprios
interesses envolvidos nos dos outros.
Dada a disposição anterior, quanto maior for a benevolência entre os seres
humanos, mais rapidamente as distinções de propriedade irão desaparecer. Um homem
e uma mulher, ao se unirem através do matrimonio abrem mão daquilo que é particular,
tornando-se de ambos.
Deste modo, “É certo, portanto, que esta virtude deriva sua existência
inteiramente de seu indispensável uso para o relacionamento humano e a vida em
sociedade.” (HUME, 1995, p. 39).
Nesta sociedade de pura benevolência a justiça seria em todo algo inútil. Na
citação de Hume, a palavra uso está em itálico fixando aquilo que é útil. Sem este uso a
virtude de justiça desapareceria. Não há necessidade de tais regras de justiça, numa
sociedade virtuosa, não há o que ser protegido já que o bem do próximo é a maior
preocupação, e vice-versa.
3.2 A Justiça na Sociedade Viciosa
Para tornarmos tudo que dissemos até agora como uma verdade, vamos
levar as coisas ao extremo do vício. Supomos agora uma sociedade em total miséria,
onde a máxima frugalidade e trabalho não são capazes de impedir, a morte de muitas
21
pessoas e a extrema miséria. Nesta situação as leis da justiça deixariam de ser
necessárias, e daríamos maior valor às necessidades mais importantes.
Assim, “Para tornar esta verdade mais evidente, vamos interver as
suposições anteriores e, levando tudo para o extremo oposto, considerar qual seria o
efeito dessas novas situações.” (HUME, 1995, p. 39).
Numa sociedade onde o vício está inserido, em total decadência,
onde nem o trabalho pode salvar vidas, e a fome toma conta de grande parte da
população, o único método de sobrevivência é se armar, e lutar por alimento,
Neste extremo, a justiça, tão pouco poderá fundamentar. Ninguém será julgado
por matar para comer, por homens se tornarem “animais” para conseguirem
sobreviver.
Estando numa cidade, em decadência total pararíamos para julgar pessoas
matando umas as outras por estarem com fome? Vejamos as palavras de Hume: “[...]
cada homem estará livre, então, para zelar por si próprio empregando todos os meios
que a prudência lhe ditar ou seus sentimentos humanitários permitirem. (HUME, 1995,
p. 41).
Se estivéssemos em um naufrágio nos agarraríamos à primeira coisa que
pudéssemos, não pensaríamos, “esta coisa não é minha”. Agarrar-se a algo nesta
condição é uma necessidade de sobrevivência. De todo, segue-se Hume:
O uso e o fim dessa virtude é proporcionar felicidade e segurança pela
preservação da ordem na sociedade, mas quando a sociedade está prestes a
sucumbir de extrema penúria, não se pode temer nenhum mal maior
decorrente da violência e injustiça. (HUME, 1995, p. 40).
As regras da justiça existem para nos proporcionar ordem, segurança e
felicidade. Em uma sociedade que está sucumbindo o homem será por si só, e procurará
zelar por sua vida com todas as forças e com todas as armas que puder agarrar.
Mesmo um homem virtuoso, que vive em uma sociedade onde possui suas
leis, caso caísse em uma sociedade de bandidos, o que faria ele para sobreviver, iria
impor as leis criadas na sua sociedade? Procuraria ele viver justamente? Não, esse
homem procuraria a melhor forma de se proteger e ao máximo, proteger aqueles que são
mais próximos de si. Ele agarraria as armas que estivesse ao seu alcance para guardar
sua vida. Em uma sociedade voltada ao vicio, de nada adianta a justiça. Na sociedade de
22
extrema decadência, é necessário que se faça o possível para sobreviver, podendo ser de
qualquer forma, violenta ou não. Nesta sociedade a justiça não terá utilidade.
Uma guerra nada mais é que, a ausência da justiça, cada arma utilizada para
se proteger, assume o lugar das leis. São regras calculadas em vista de sua vantagem e
utilidade, mesmo que tornando qualquer ação e confronto o mais sangrento possível
para se obter vantagem e para se proteger.
Que é a fúria e a violência da guerra civil senão uma suspensão da justiça
entre as partes deliberantes, que se apercebem de que essa virtude não tem
mais qualquer uso ou vantagem para elas? As leis da guerra que assumem
então o lugar das leis da equidade e justiça, são regras calculadas em vista de
sua vantagem e utilidade naquela peculiar situação que os homens então se
encontram. (HUME, 1995, p. 41).
Concluindo este capítulo, podemos agora deixar claro que, ao se produzir
extrema abundância ou extrema penúria, se for plantado, no coração do homem, perfeita
moderação e humanidade ou perfeita capacidade e malícia, tornaremos a justiça
totalmente inútil. Acabaremos com a essência da justiça em ambas as extremidades.
É necessária uma condição ordinária da humanidade, que seja o meio termo
entre os extremos de vício e virtude, os homens são parciais consigo mesmo e com seus
amigos, somos capazes de perceber a vantagem de uma conduta equilibrada e serena.
São poucos os prazeres que recebemos da natureza, mas, com a força de trabalho,
usando de técnicas, poderemos extraí-lo em abundância. Com este equilíbrio e esta
concordância, as idéias de propriedade também se tornam necessárias para a sociedade
civil, a justiça ganha sua utilidade para o público, origina-se também seu mérito e seu
caráter moralmente obrigatório.
Por fim a história, a experiência e a razão nos instruem suficientemente para
vermos as vantagens da sociedade, instruem ainda nossos sentimentos humanos,
ampliando nosso respeito pela justiça à medida que nos familiarizamos com a extensa
utilidade dessa virtude.
23
4 DA UTILIDADE E DO FUNDAMENTO DA VIRTUDE DE JUSTIÇA
4.1 Do fundamento da Justiça
No segundo capítulo deste trabalho, vimos que para que a justiça seja
útil é preciso uma condição ordinária, que seja o meio termo entre os extremos de
virtude e vicio. A justiça seria desnecessária se a bondade do homem fosse
suficientemente grande.
Através da obediência a justiça é sustentada. Nos extremos ela perde sua
essência. A condição da humanidade e da justiça será o meio-termo entre esses
extremos. Como não recebemos da natureza, nosso alimento, temos que trabalhar para
adquiri-lo bem como as demais coisas.
“Daqui as ideias de propriedade torna-se necessárias em toda sociedade
civil; daqui a justiça se deriva sua utilidade para o publico; e só daqui origina-se seu
mérito e seu caráter moralmente obrigatório.” (HUME, 1995, p. 42).
Neste trecho, em que citamos Hume, percebemos que a justiça se
fundamenta apenas em uma sociedade equilibrada. Os poetas, em suas poesias já
escreviam acerca de que a justiça não seria necessária em extrema abundância das
coisas, seus poemas eram envoltos naquilo que agradava. Mostravam as brisas leves, os
corpos perfeitos que não era preciso de roupas, não era preciso trabalhar para adquirir as
coisas, tudo havia em abundância extraída da natureza.
Naquele primeiro período da natureza, as estações – se darmos créditos a
essas agradáveis ficções – eram tão temperadas que não havia necessidade de
que as pessoas se provessem de roupas ou moradias, como segurança contra a
violência do frio e do calor. Nos rios fluíam vinho e leite, os carvalhos
forneciam mel e a natureza produzia espontaneamente suas iguarias. Mas
essas não eram as principais vantagens daquela época feliz. As tempestades
não estavam ausentes apenas da natureza, mas o coração humano também
desconhecia aquelas tempestades mais furiosas que hoje causam tal alvoroço
e engendram tanta desordem. De avareza, ambição, crueldade, egoísmo,
nunca se ouvira falar; um afeto cordial, compaixão, simpatia eram os únicos
impulsos com os quais o espírito estava familiarizado. Mesmo a meticulosa
distinção entre o meu e o teu estava banida daquela feliz raça de mortais, e
levara consigo as próprias idéias de propriedade e obrigação, justiça e
injustiça. (HUME, 1995, p. 42).
Nesta passagem, Hume nos faz lembrar as boas coisas que seriam a
sociedade virtuosa -, nos mostra que já os poetas diziam de como seria a vida virtuosa
se todos vivessem em plena abundância das coisas, sem as leis da justiça.
24
Os seres humanos nascem em uma sociedade familiar. São instruídos por
seus pais em algumas regras ou condutas de comportamento. Ao nascerem não
conhecem nenhuma regra de conduta, ou seja, não estão preparados para viver em
sociedade, com ajuda da família aos poucos vão sendo educados para viver nesta
sociedade de leis, que é vantajosa para eles.
Toda vez que procurarmos levar a sociedade seja ao extremo de abundância
das coisas e da virtude, ou ao extremo de violência ou ao estado natural do homem,
ficará confirmado que a justiça não será possível nos extremos, e que a sua
fundamentação se dá numa sociedade civil, regida por leis, divida em propriedades.
Quanto mais variamos nossos pontos de vista sobre a natureza humana, e
quanto mais novas e inusitadas as luzes sob as quais a inspecionamos, tanto
mais nos convencemos de que a origem aqui atribuída à virtude da justiça é
verdadeira e satisfatória. (HUME, 1995, p. 45).
Durante nossa pesquisa, verificamos que Hume expõe ainda um terceiro
estado de natureza, em que a justiça também não terá utilidade. Suponhamos que
existisse outra classe, entre a classe humana, e que apesar de serem racionais, seu
espírito e seu vigor corporal, seriam tão baixos que não teriam capacidade de resistir
contra qualquer ação nossa ou a qualquer ordem, e que não conseguiriam nos fazer
sentir o efeito de seus ressentimentos. Tratá-los-íamos com brandura e no que diz
respeito à justiça ela não lhes seria imposta em relação a nós. Lembremos aqui com toda
certeza, que na época de escravidão, o senhor dono de um escravo, fazia com ele o que
bem entendesse, sem que fosse imposto sobre o si alguma lei ou justiça. Ele poderia
maltratá-lo ou provocar até a sua morte, por ser, o escravo, uma de suas propriedades,
nada sofreria por parte da justiça. Esses seres inferiores não podem, nem possuíam
qualquer tipo de propriedade, apenas eram mandados e deviam obedecer a seus
senhores. A convivência mutua destes indivíduos, não era denominada sociedade. Neste
tipo de relação, que há autoridade maior de um dos lados, não faz caso as leis da justiça.
Hume faz citações sobre essa relação que pode haver, com os seres inferiores: a relação
dos europeus com os índios e em algumas situações com o sexo feminino.
Esta é claramente a situação dos seres humanos diante dos animais, e deixo a
outros a tarefa de determinar em que medida pode-se dizer que estes são
dotados de razão. A grande superioridade dos europeus em relação aos índios
selvagens inclinou-nos a imaginar que estamos, perante eles, em idêntica
situação, e fez com que nos desembaraçássemos de todas as restrições
derivadas da justiça e mesmo de considerações humanitárias em nosso trato
25
com eles. Em muitas nações, os indivíduos de sexo feminino estão reduzidos
a uma condição próxima da escravidão, e são declarados inabilitados a
qualquer propriedade, ao contrário de seus amos e senhores. (HUME, 1995,
p. 46).
Outra situação, se o criador cortasse do mundo toda relação social e de
comunicação e se todos tivéssemos, aquilo que desejássemos, ainda assim um ser
humano solitário não necessitaria da justiça. Por estar esta pessoa sozinha, ela sempre
daria crédito a si mesma, exigiria sempre preferência para si do que para os outros seres,
confiaria apenas nela para sua segurança e felicidade.
Diversas sociedades distintas, mantém entre si uma convivência mútua de
regras e vantagens, para que haja sempre essa convivência entre elas, as barreiras da
justiça crescem junto com essas sociedades, vendo suas vantagens os homens aceitam
novas regras, que com o tempo se fixam. Citando um trecho de Hume podemos
perceber que a historia é feita em uso para se ter exemplos e confirmações de suas
teorias.
A história, a experiência e a razão nos instruem o suficiente sobre este
progresso natural dos sentimentos humanos e sobre a gradual ampliação de
nosso respeito pela justiça à medida que nos familiarizamos com a extensa
utilidade desta virtude. (HUME, 1995, p. 48).
Pode-se perceber que os sentimentos e as experiências humanas, criaram as
regras, e as leis para essa convivência em sociedade surgiram naturalmente no decorrer
dos tempos. Para a convivência em harmonia os homens aprenderam a se respeitar,
respeitar divisões de propriedade, de bens. Sendo assim, o bem da humanidade é o
único objetivo das leis e regulamentações da justiça.
4.2 Da Utilidade da Justiça
As regras são criadas em nossas sociedades, para se impor ou manter a
ordem. Pode-se dizer que a justiça tem em vista esta ordem. Para se estabelecer a paz
social, é preciso que a propriedade de bens materiais seja assegurada por regras. Mas o
senso de justiça não se deriva em primeira instância na natureza humana, surge
artificialmente, - “Para que ninguém se sinta ofendido, devo aqui observar que, quando
nego que a justiça seja uma virtude natural, estou empregando a palavra natural como
significando exclusivamente o oposto de artificial. (HUME, 2001 p.44). - pois “nosso
26
senso do dever segue sempre o curso usual e natural de nossas paixões” (Hume, 2001,
p. 524). É necessário, portanto, que convenções humanas sejam criadas, para o bem
comum de todos na sociedade. Numa sociedade onde todos tivessem tudo, a justiça
seria inútil.
Se os homens dispusessem de tudo com a mesma abundância, ou se todos
tivessem por todos a mesma afeição e terna consideração que tem por si
mesmos, a justiça e a injustiça seriam igualmente desconhecidas dos homens.
(HUME, 2001, p. 535).
Desta feita, a justiça encontra sua utilidade quando aplicada aos casos de
propriedade, que há na nossa sociedade, por exemplo, nossas casas, lojas, mercados,
enfim tudo que é por lei propriedade de alguém. Como nos diz Hume:
Somos naturalmente parciais em relação a nós mesmos e nossos amigos, mas
somos capazes de compreender a vantagem resultante de uma conduta mais
equânime. Poucos prazeres nos são dados pela mão aberta e liberal da
natureza, mas, pela técnica, trabalho e diligência, podemos extraí-los em
grande abundância. Por isso, as idéias de propriedade tornam-se necessárias
em toda a sociedade civil, é disso que a justiça deriva, sua utilidade para o
público; e é só desse fato que decorre seu mérito e seu caráter moralmente
obrigatório. (HUME, 2004, p. 247).
O fim da justiça é instituir e preservar a ordem na sociedade, e para isso, a
justiça deve garantir e por regras nas nossas posses, em nossas propriedades. Por posses,
ou propriedades, consideramos tudo aquilo que adquirimos por meio do trabalho,
herança ou mérito. Para que a paz reine, é preciso que se criem regras para dividir as
posses, dando a cada um, o que lhe cabe por direito:
Deve-se, na verdade, confessar que a natureza é tão liberal para com a
humanidade que, se todas as suas dádivas fossem igualmente divididas entre
a espécie e cultivadas pela técnica e pelo trabalho, cada indivíduo poderia
dispor de todas as coisas necessárias para sua existência e mesmo da maioria
dos confortos da vida, e não estaria sujeito a quaisquer males, com exceção
dos que podem acidentalmente decorrer de uma constituição corporal
doentia. (HUME, 2004, p. 255).
Todavia, podem ocorrer momentos em que a utilidade da justiça será
obstruída. Há exceções tais, como em situações de guerras e catástrofes naturais, por
exemplo, em uma guerra quando determinado exército, ganhava a batalha, tomavam dos
perdedores suas terras, seus reinados. Nestes casos, a auto-preservação fala mais alto
27
que a própria justiça. Portanto, as regras para observação da justiça dependem do estado
e da situação em que se encontra a sociedade:
A necessidade da justiça para subsistência da sociedade é o único
fundamento dessa virtude, e como nenhuma qualidade moral é mais
valorizada do que essa, podemos concluir que a característica de utilidade é,
de modo geral, a que tem mais força e exerce um controle mais completo
sobre novos sentimentos. (HUME, 2004, p. 257).
A justiça e a propriedade estão interligadas, e a primeira, como artifício
humano, garante a segunda. O homem possui fragilidades e necessidades, precisam de
alimentos, roupas, entre muitas outras coisas. É a sociedade que supre todas essas
necessidades. Daí a necessidade da divisão do trabalho para a satisfação de todas as
necessidades humanas:
Porque, quando os homens, em sua primeira educação na sociedade, tornam-
se sensíveis às infinitas vantagens que dela resultam, e, além disso,
adquiriram um novo gosto pelo convívio e pela conversação; e quando
observaram que a principal perturbação da sociedade se deve a esses bens
que denominamos externos, a sua mobilidade é a facilidade com que se
transmitem de uma pessoa a outra, então precisam buscar um remédio que
ponha esses bens, tanto quando possível, em pé de igualdade com as
vantagens firmes e constantes da mente e do corpo. (HUME, 2001, p. 532).
As vantagens percebidas pelo convívio e conservação conferem o
fundamento para se efetuar a justa divisão de bens externos, para que se instauram as
convenções assegurando os bens que o trabalho ou a boa sorte conferem aos homens.
Mas como dar a cada um, o que lhe cabe por meio de convenções? Hume
considera que isso se faz primariamente de quatro maneiras: “Considero as quatro
seguintes como as mais importantes: a ocupação, o usucapião, a acessão e a sucessão”
(HUME, 2001, p. 545).
A ocupação está estritamente ligada à primeira posse. A posse prolongada,
que garantiria a ocupação, é a usucapião. Quanto à acessão, como Hume nos diz, ela se
refere a objetos:
Quando estão estreitamente conectados com os outros objetos que já são de
nossa propriedade e, ao mesmo tempo, são inferiores a estes. Assim, por
exemplo, os frutos de nosso jardim [...] todos são considerados nossa
propriedade, antes mesmo de os possuirmos. (HUME, 2001, p. 549).
28
Quanto à sucessão, Hume a considera um direito natural, exemplo dessa
sucessão natural, é explicito quando diz que os homens amam mais seus filhos, que seus
sobrinhos, seus sobrinhos mais que a seus primos, seus primos mais que estranhos.
Além disso, a conduta humana deve respeitar a estabilidade da posse, a
transferência por consentimento e a abstinência de bens alheios. A convenção da
abstinência dos bens alheios traz em si a idéia de justiça e injustiça, propriedade, direito
e obrigação:
Nossa propriedade não é senão aqueles bens cuja posse constante é
estabelecida pelas leis da sociedade, isto é, pelas leis da justiça [...]. A
propriedade de uma pessoa é algum objeto a ela relacionado; essa relação não
é natural, mas moral, e fundado na justiça. (HUME, 2001, p. 531).
Pela utilidade é que os homens respeitam as regras da justiça. É simples e
evidente que a preservação da paz é um interesse generalizado. Tendo a propriedade
assegurada e a posse estável, só há uma situação que necessita de explicação, que é a
transferência a outrem.
Dessa maneira, os homens se auto-restringem por estas regras gerais da
justiça. A natureza humana se adapta e o processo se amplia por meio da educação, de
costumes e de hábitos que obstruam uma possível violação das propriedades, que
poderia ocorrer motivada por paixões particulares provenientes do egoísmo humano.
29
CONCLUSÃO
As leis que mantém a ordem em nossa sociedade são as regras
convencionadas pela população e têm um bem comum a todos, que é a proteção
dos bens, das propriedades de cada um. Através do hábito – princípio que Hume dá
ao conhecimento - e do costume, que com o passar do tempo vão sendo fixadas na
sociedade. Constrói-se a natureza humana com base em exemplos e em
experimentos de pensamento.
A escassez de terra faz com que os homens delimitem seus espaços, suas
posses, colocando muros entre o que é seu e do seu vizinho. Se ao contrário os homens
perseguissem o interesse público, se importando mais pelo próximo, com sincera
devoção, não precisaria haver delimitações de terras e sim restrições de regras. Porém se
perseguissem seus interesses sem importarem-se com as conseqüências, sem terem
nenhuma precaução, mergulhariam em todo tipo de injustiça e violência.
Para concluir, pode-se afirmar que as paixões e os interesses são limitados
pela justiça, senão ampliadas, estendidas. A justiça não é uma reflexão sobre o interesse,
mas, uma espécie de torção da paixão, uma virtude. A vontade constante e perpétua de
dar a cada um, o que lhe é devido.
O sentido da justiça não se remete a um instinto, mas a uma obrigação
natural, e sobretudo uma obrigação natural para com a justiça uma vez constituída. A
justiça é em parte capaz de compelir nossas paixões, isso não significa que tenha outro
fim que o da sua satisfação nem outra origem que a sua determinação.
Pode-se dizer, que ela traz para ao homem, e para a sociedade, uma certa
segurança e se não houver utilidade, não há necessidade de existir.
A utilidade da justiça surge quando aplicada aos casos de propriedade, na
finalidade de instruir e preservar a ordem, diante de nós e de nossas posses. Ela encontra
sua utilidade quando aplicada de forma conveniente.
A estabilidade da posse é uma lei natural. A ideia principal de Hume é esta:
a essência da sociedade não é a lei, é a instituição.
30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
HUME, David. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução Anoar Aiex.
Homepage do grupo: Disponível em: http://br.egroups.com/group/acropolis/
HUME, David. Investigação Acerca do Entendimento Humano e Ensaios Morais,
Políticos e Literários. Tradução de João Paulo Gomes Monteiro, Anoar Aiex e
Armando Moura A. de Oliveira. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1999.
HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano e sobre os princípios da
moral. São Paulo: Unesp, 2004.
STIVAL, Mônica Loyola. Hábito-Expectativa: Uma Noção de Sujeito a Partir de
David Hume. Disponível em:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-
09102007-141926/. Página visitada em 06/07/2009, Hora: 10h27min.

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A utilidade e o fundamento da justiça em David Hume

  • 1. unioeste UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE TOLEDO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE FILOSOFIA DANUSA IUNG DA SILVA A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME TOLEDO 2011
  • 2. DANUSA IUNG DA SILVA A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME Monografia apresentada ao curso de Filosofia, do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) – Campus de Toledo, como requisito final à obtenção do título de Licenciado em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto TOLEDO 2011
  • 3. TERMO DE APROVAÇÃO DE MONOGRAFIA DANUSA IUNG DA SILVA A UTILIDADE E O FUNDAMENTO DA JUSTIÇA EM DAVID HUME Monografia apresentada ao curso de Filosofia, do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) – Campus de Toledo, como requisito final à obtenção do título de Licenciado em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto (orientador) Prof. Nome do professor membro da banca (membro) Prof. Nome do outro professor membro da banca (membro) Toledo 2011
  • 4. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus agradecendo- lhe por ter me dado dons naturais com os quais pude iniciar este trabalho; aos meus pais pela paciência e pela ajuda durante a graduação; ao meu irmão Márcio pelos momentos de reflexão que tivemos; aos meus amigos e colegas pela amizade e pelo caminho percorrido com ajuda; à Jandir por sempre me motivar nos últimos passos dessa jornada; ao meu orientador Bernardo pela orientação, dedicação e paciência.
  • 5. RESUMO Através deste trabalho procura-se oferecer uma introdução às considerações de Hume sobre o surgimento das noções de política e de governo. Para ele, a justiça é resultante de uma convenção totalmente diferente de um contrato ou de uma promessa. O governo, por sua vez, nada mais é do que uma instituição necessária para garantir que as regras da justiça sejam observadas. Para que isso aconteça de fato, é preciso que algumas regras desta virtude artificial venham a ser respeitadas por todos os homens. A Justificação da propriedade é uma máxima que deve ser assegurada estavelmente. Os homens estão predispostos ao egoísmo que vence a benevolência natural. A partir do momento em que estes percebem que são egoístas e que viver em sociedade é vantajoso, acrescentam-se então, as convenções para que a ordem social seja implantada. A justiça humeana se posiciona totalmente em prol da ordem social, assim sendo, o objetivo é que a segurança na sociedade seja instaurada e a justiça seja fundamentada. A justiça se torna útil na sociedade, a partir do momento que surge a propriedade. Defender e proteger os bens, é o objetivo da justiça. Palavras Chave: Justiça. Utilidade. Fundamento. Virtude.
  • 6. ABSTRACT Through this work seeks to provide an introduction to Hume's considerations about the emergence of notions of politics and government. For him, justice is the result of a convention totally different from a contract or a promise. The government, in turn, is nothing more than a necessary institution to ensure that the rules of justice are observed. For this to actually happen, we need some rules this artificial virtue will be respected by all men. The justification of the property is a maxim that should be secured stably. Men are prone to selfishness that overcomes natural benevolence. From the moment they are selfish and realize that living in society is advantageous to add then, the conventions for that social order is established. Humean justice stands fully in favor of the social order, therefore, the goal is that security is established in society and justice is based. Justice becomes useful in society, from the moment it appears the property. Defend and protect the assets is the goal of justice. Keywords: Justice. Usefulness. Foundation. Virtue.
  • 7. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8 2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA......................................11 2.1 A Justiça como uma virtude artificial ........................................................................11 2.2 A Sociedade como vantagem para os homens, regulada nas regras da justiça..........15 3 A JUSTIÇA E AS SOCIEDADES ...................................................................... 19 3.1 A Justiça na Sociedade Virtuosa ..........................................................................19 3.2 A Justiça na Sociedade Viciosa ............................................................................20 4 DA UTILIDADE E DO FUNDAMENTO DA VIRTUDE DE JUSTIÇA........ 23 4.1 Do fundamento da Justiça.......................................................................................23 4.2 Da Utilidade da Justiça ...........................................................................................25 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................................... 30
  • 8. 8 1 INTRODUÇÃO Ao longo dos anos, a justiça é um centro importante da história da filosofia. Platão, filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, em seu livro, “A República”, já procurava responder, qual o homem que vive melhor, se é o justo ou o injusto, toma a justiça como base das virtudes, de temperança, de coragem e de sabedoria. Nesta mesma linha ele dividiu a alma em três: a apetitiva (vida dos prazeres), a irascível (coragem), e a racional (sabedoria), elas constituiriam a virtude fundamental que é a justiça. Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles impõe: “O justo é, portanto, o que é conforme a lei e respeita a igualdade, o injusto o que é contrário à lei e falta igualdade”, - nesta citação de Aristóteles, é possível perceber as regras da justiça já naquela época. Por ser a justiça, uma discussão que ocorre ao longo de tantos tempos é um dos maiores motivos para o assunto deste trabalho, além do mais é um fato visto sempre em nosso cotidiano, em jornais, revistas, televisão etc. O interesse próprio é o motivo original para o estabelecimento das regras da justiça na sociedade, mas, o interesse público é a fonte de aprovação moral que acompanha esta virtude, o interesse público é fraco para controlar nossas paixões, mas controla e influência nosso gosto, e nos dá sentimentos de aprovação ou condenação, é através disso que distingui-se o que é vicioso do que é virtuoso, por exemplo, justiça e injustiça. Neste trabalho, buscar-se-á oferecer uma introdução às considerações sobre as regras de justiça, que segundo Hume, é resultante de uma convenção totalmente diferente de um contrato ou de uma promessa, o governo, é uma instituição necessária para garantir que as regras da justiça sejam observadas. O objetivo principal deste trabalho é, através do que é exposto por HUME esclarecer: Onde se dá o fundamento e a utilidade da justiça? Faz-se necessário destacar de que maneira Hume - empirista e filósofo de destaque do século XVIII, define a justiça e seu surgimento na sociedade humana, bem como breves considerações sobre o papel exercido pelo governo na manutenção da justiça e da sociedade humana. Para Hume, a justiça só é válida se for útil à sociedade, com o fim de garantir a paz e a ordem geral e as representações são dos sentidos e da auto-percepção. As impressões são sensações, que recebe-se no dia-a-dia. Através da
  • 9. 9 representação o homem forma a idéia, reflexo da impressão. Todas as idéias válidas tem fundamento na impressão. Esse é o método usado por Hume para fundamentar a moral, a ética e a estética. Hume expõe suas posições sobre a justiça principalmente em duas obras: o Livro III do Tratado da Natureza Humana e Investigação sobre os Princípios da Moral. Na primeira seção, do livro, “Uma Investigação Sobre os Princípios da Moral”, Hume expõe que a justiça, assim como a moral, são fundamentadas através da experiência. Os sentimentos são responsáveis por gerar nossas ações, podendo ser elas boas ou más, a educação, o hábito, o costume é o que corrige essas nossas ações, a justiça com suas regras nos regula, permite fazer escolhas entre as ações virtuosas evitando os vícios. O conhecimento em David Hume é possível através das impressões que recebemos do mundo exterior, baseada no método experimental, teoria que desperta Kant - grande filósofo dos princípios da era moderna, - do sono dogmático. A teoria do conhecimento de Hume parte de um ceticismo que declara o fim da metafísica, no livro: Ensaio Sobre o Entendimento Humano. No primeiro capítulo que a Justiça, não tem, para Hume, origem em um contrato ou em uma promessa. As regras da justiça, não foram simplesmente estabelecidas por alguém, elas surgem através das necessidades da sociedade e são determinadas por convenções visando o bem comum entre todos. Observaremos de que maneira Hume define a justiça como uma virtude artificial, e como ela surge na sociedade humana. No segundo capítulo, analisa-se as suposições feitas, no livro “Uma Investigação sobre os Princípios da Moral”, à respeito das sociedades que estão voltadas aos extremos de vício e virtude, verificando se é possível, que a justiça se estabeleça em alguma dessas sociedades. Mais adiante, no terceiro capítulo, ficará claro que ela surge juntamente com a sociedade. O homem vivendo em conjunto precisa de segurança para proteger os bens que acumula com a força do seu trabalho. As regras da justiça tornarão isso possível. Essas regras não foram simplesmente criadas por alguém, ao contrário através de convenções, e por causa da necessidade de proteção aos bens adquiridos, é que elas surgem.
  • 10. 10 As regras da justiça aparecem na sociedade, para reprimir ou redirecionar, os nossos desejos, em querer aquilo que é dos outros, já que a nossa bondade é muito fraca, e não é suficiente para regular esses desejos. As regras da justiça, só se estabelecem porque ao serem necessárias para a sociedade elas protegem nossos bens. Através do hábito e do costume, com o passar dos tempos, percebe-se o que é útil. A sociedade se torna vantajosa para que os homens possam viver deixando de lado aquilo que é selvagem, - estado de natureza que antecede a razão, sem a sociedade. O hábito é o caminho pelo qual o conhecimento é possível, na teoria do conhecimento de Hume. O interesse é que as regras da justiça sejam seguidas e obedecidas pelos homens, que eles acabem por se acostumar a essas regras e seus filhos crescem sabendo que viver em sociedade tem suas vantagens.
  • 11. 11 2 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA 2.1 A Justiça como uma virtude artificial Na parte 2, seção 1, do Tratado da Natureza Humana, Hume faz o seguinte questionamento: Será a justiça (e a injustiça), uma virtude natural, ou artificial? A virtude não será natural em todos os casos, algumas delas se aprovam em algum artifício ou invenção, dependendo das particularidades ou necessidades da humanidade. Deste modo: Afirmo agora que a justiça é uma virtude dessa espécie, e procurarei defender essa opinião por meio de um argumento curto, mas, espero convincente, antes de examinar a natureza do artifício de que deriva o sentido dessa virtude. (HUME, 2000, p. 517). Ao examinar, o artifício da natureza da virtude, em Hume, pode-se perceber que ao elogiar uma ação, considera-se apenas os motivos que as produziram. Esses motivos, serão julgados pelos princípios da mente do indivíduo, se ele é um ser moral ou imoral; bom ou mau; por assim dizer, aqui a realização externa não possui nenhum mérito. Olha-se para o interior da pessoa, procurando encontrar a qualidade da moral, como não se pode ver o que se passa no seu interior, fixa-se a atenção na sua ação como indicador dos seus princípios, da mente e do caráter. A ação é considerada apenas um signo, e o maior interesse, será o motivo que a produziu, sendo esse o objeto de elogio e aprovação ou não, sustenta Hume: Do mesmo modo, sempre que exigimos que uma pessoa realize uma ação, ou a censuramos por não realizá-la, estamos supondo que alguém nessa situação deveria ser influenciado pelo motivo próprio dessa ação, e consideramos vicioso que o tenha desconsiderado. (HUME, 2000, p. 518). Ao investigar melhor esta situação, descobre-se que, o verdadeiro motivo virtuoso, estava em seu coração, mesmo que algo desconhecido por nós tenha lhe impedido. Quando isso acontece, passa-se a ter pela pessoa nosso apreço e admiração, retirando nossas censuras. Isso não é mera sutileza metafísica; está presente em todos os raciocínios de nossa vida corrente, embora às vezes não consigamos exprimi-lo em uma linguagem filosófica tão distinta. Censuramos um pai que negligencia seu filho. E por quê? Porque isso mostra uma falta de afeição natural, que é dever de todo pai. Se a afeição natural não fosse um dever, o cuidado com os filhos
  • 12. 12 tampouco o seria; e seria impossível que tivéssemos em vista o dever ao darmos atenção a nossa prole. (HUME, 2000, p. 518.) O mérito das ações virtuosas, derivam de motivos virtuosos, motivos esses que estão no interior da pessoa, as ações são apenas signos desse interior. O primeiro motivo virtuoso, que confere mérito a uma ação deve ser um princípio natural, não devendo ser uma consideração pela virtude da ação, supor isso se torna redundância. Vou realizar mera ação pela virtude dela, e no fim ela se tornar virtuosa, é algo circular. Para que possamos ter tal consideração, a ação tem de ser realmente virtuosa; e essa virtude tem de ser derivada de algum motivo virtuoso; conseqüentemente, o motivo virtuoso precisa ser diferente da consideração pela virtude da ação. É preciso um motivo virtuoso para que a ação se torne virtuosa. (HUME, 2000, p. 518) A virtude tem que ser virtuosa, para assim tomar consideração por sua virtude. Algum motivo virtuoso tem de anteceder essa consideração. Censura-se um pai quando ele negligência seu filho, porque isso mostra uma falta de afeição natural, que é o dever de todo pai, se não fosse dever a afeição natural, o cuidado com os filhos tão pouco seria. Nesse caso portanto, todos os homens supõem que a ação possui um motivo diferente do dever.” (HUME, 2000, p. 519). Esclarecendo mais, supõe-se um homem que pratica boas ações, como, aliviar os sofredores; reconfortar os aflitos; além de levar suas boas ações até aos desconhecidos. Um caráter desse tipo seria muito amável e virtuoso, não havendo outro, essas ações são provas de um grande sentimento humanitário. Esse sentimento humanitário confere um mérito as ações. O respeito pelo mérito é, portanto, uma consideração secundária, derivada do princípio antecedente do sentimento humanitário, que é meritório e louvável. (HUME, 2000, p. 519). O sentimento humanitário confere mérito à ação, mas o respeito pelo mérito já é um sentimento secundário que deriva de um princípio antecedente do sentimento humanitário, sendo o que é louvável, vem das paixões, do nosso sentimento interno. “Em resumo, podemos estabelecer como uma máxima indubitável que nenhuma ação pode ser virtuosa ou moralmente boa, a menos que haja na natureza humana algum motivo que a produza, distinto do sentido da sua moralidade.” (HUME, 2000, p. 519).
  • 13. 13 A ação só se torna virtuosa quando é realizada através de um motivo da natureza humana, do sentimento interno, deve ser realmente boa neste sentido de natureza, e não por somente realizar a ação, apenas porque é certo. Segundo Hume, um homem que é desprovido de realizar boas ações odeia a si mesmo por ser desprovido de tal ação, ele sente remorso e esse sentimento faz com que, se volte a si mesmo, realizando a ação boa sem motivo algum apenas por dever, com intuito de adquirir esse principio virtuoso (bondade, sentimento humanitário), ou ao menos para disfarçar para si mesmo sua carência. Aplique agora, tudo isso a este caso, exemplificado por Hume: Eu peço de um amigo, uma quantia razoável de dinheiro emprestado, com a condição de devolvê-lo dentro de alguns dias. Chegando o dia meu amigo o pede de volta. Qual o motivo para que eu devolva o dinheiro? Talvez meu respeito pela justiça, a minha repulsa pela vilania, pela desonestidade, são no mínimo para mim motivos suficientes, se possuo alguma honestidade, ou sentido do dever e da obrigação. Essa é uma resposta suficiente para um homem civilizado e de boa educação. Uma pessoa em sua condição rude responderia sobre a devolução do dinheiro “não”, no que consiste a justiça e a honestidade, que se encontra na devolução do dinheiro, e na obtenção da propriedade? Certamente não está na ação externa, tem que estar no motivo da qual essa ação foi derivada. Esse motivo não pode ser a consideração pela honestidade da ação, se o fosse devolveria imediatamente. Lembrando a redundância acima, seria uma falácia dizer que é preciso de um motivo virtuoso para tornar a ação honesta (virtuosa), e ao mesmo tempo, dizer que a consideração pela honestidade é o motivo da ação. Só se pode ter consideração pela virtude de uma ação se a ação já for de antemão virtuosa. Ora, uma ação só pode ser virtuosa, se procede de um motivo virtuoso. (HUME, 2000, p. 520). O motivo virtuoso deve anteceder a consideração pela virtude, não se pode realizar a ação apenas pela virtude, mas pela honestidade. Essa honestidade, deve anteceder o sentido de virtude, devolve-lo porque é certo, e percebo isso pelo sentimento interno, pois é impossível que o motivo virtuoso e a consideração pela virtude sejam a mesma coisa.” (HUME, 2000, p. 520). É preciso encontrar nos atos de justiça e honestidade algum motivo diferente de nossa consideração por elas. Se que a preocupação com a nossa reputação seria o motivo do ser humano ser honestos, quando essa preocupação terminasse, a honestidade e a justiça não haveria mais porquê existir.
  • 14. 14 Assim ao agir honestamente, o motivo das ações seria uma consideração pelo interesse público, onde nada é mais contrário que haver exemplos de injustiça e desonestidade, Hume nos propõe a prestar atenção em três considerações: Em primeiro lugar, o interesse publico não está naturalmente ligado à observância das regras da justiça; conecta-se a ela apenas em virtude de uma convenção artificial para o estabelecimento dessas regras, como mostrarei mais detalhadamente adiante. Em segundo lugar, se supusermos que o empréstimo foi sigiloso, e que é do interesse do prestador que o dinheiro seja restituído da mesma maneira (por exemplo, se quer ocultar sua riqueza), nesse caso não há mais exemplaridade, e o publico não tem mais interesse pelas ações do prestatário; entretanto, suponho que nenhum moralista iria afirmar que isso elimina o dever ou obrigação. Em terceiro lugar, a experiência prova de maneira suficiente que os homens, em seu comportamento cotidiano, não pensam em algo ao distante quanto o interesse público quando pagam a seus credores, cumprem suas promessas e se abstêm de roubar, saquear ou cometer todo tipo de injustiça. (HUME, 2000, p. 521). Desta maneira, Hume dá a primeira introdução à origem da justiça, que é criada através de uma convenção humana, sendo natural, suas regras foram criadas por causa da necessidade delas existirem, para separar os bens da população. Essa regra se torna um bem comum para a sociedade, todos percebem o bem que ela traz. Se a benevolência pública, ou uma consideração pelo bem da humanidade não pode ser o motivo da origem da justiça, uma benevolência privada, ou interesse pelo outro, muito menos o será. As pessoas se ligam mais ao que possuem, do que, ao que, nunca chegaram a desfrutar, a razão pela qual os homens se prendem a seus bens é por vê-los como sua propriedade, que está assegurada pelas leis da sociedade. [...] não temos naturalmente nenhum motivo real ou universal para observar as leis da equidade, exceto a própria equidade e o mérito dessa observância; e, uma vez que nenhuma ação pode ser justa ou meritória se não pode surgir de algum motivo separado, existe aqui um enorme sofisma e um raciocínio circular. (HUME, 2000, p. 523). Se não admitir esses sofismas que a natureza estabeleceu, ter-se à que admitir que o sentido de justiça e injustiça, não deriva da natureza, surgindo antes artificialmente, e necessariamente, da educação dos homens e das convenções humanas. São as regras comuns do dever, que nos faz preferir uns aos outros. Os homens amam seus filhos mais do que os sobrinhos, os sobrinhos mais do que os primos, os primos mais do que estranhos e assim sucessivamente, amamos mais aquelas pessoas que estão ao nosso redor, as que estão mais próximas de nós, seguindo assim o curso natural de nossas paixões.
  • 15. 15 “Tampouco é impróprio utilizar a expressão Leis Naturais para caracterizá- las, se entendermos por natural aquilo que é comum a uma espécie qualquer, ou mesmo se restringirmos seu sentido apenas ao que é inseparável dessa espécie.” (HUME, 2000, p. 524 e 525). Ao concluir este capítulo, pode-se dizer que quando Hume emprega a palavra “natural” à justiça, ele quer dizer exatamente o oposto de artificial. O homem é um inventor, e quando uma invenção é absolutamente necessária, é correto para ele que a considere natural quanto tudo que proceda imediatamente de princípios originais, sem ação ou reflexão do pensamento. Usar a expressão leis naturais, para caracterizar as leis da justiça, não é errado é o que afirma a citação acima. As regras da justiça foram criadas por uma necessidade, levando em consideração, que, natural é aquilo que é comum a uma espécie qualquer, ou se limitar seu sentido apenas ao que é inseparável dessa espécie. Posso, contudo afirmar, a justiça é uma virtude artificial por naturalidade. 2.2 A Sociedade como vantagem para os homens, regulada nas regras da justiça De todas as criaturas que habitam nosso planeta, pode-se afirmar que a natureza foi mais cruel com o homem. Para se proteger do frio ele precisa de roupas, enquanto outros animais têm pêlos, ou uma pele resistente. Vários animais conseguem obter facilmente o alimento da natureza, enquanto os seres humanos são frágeis e têm a necessidade de plantar e colher seus alimentos, fazer suas roupas, usar armas para se defender, etc. O homem, diferente do leão, não possui força ou qualquer outra habilidade natural para satisfazer suas necessidades, mas, é através da sociedade que ele supre suas deficiências, se colocando em igualdade com os outros seres, ou até mesmo adquirindo superioridade a eles. Pela sociedade todas as suas debilidades são compensadas, embora, nessas situações, suas necessidades se multipliquem a cada instante, suas capacidades se ampliam ainda mais, deixando- o em todos os aspectos, mais satisfeito e feliz do que jamais poderia se tornar em sua condição selvagem e solitária. (HUME, 2000, p. 526). Quando o homem se isola da sociedade, trabalha sozinho, a sua força é limitada para executar obras ou realizar determinados serviços. Sua força nunca é igual o tempo todo e a menor falha pode trazer a ele ruína e infelicidade.
  • 16. 16 A sociedade é a solução para esses problemas. Quando junta-se as forças nosso poder se amplia. Dividindo o trabalho, aumenta-se a capacidade, ficando menos expostos a acidentes, desta forma a sociedade se torna vantajosa. A origem mais natural da sociedade surge da maior necessidade, ou seja, do apetite natural que há entre homens e mulheres, que se unem para formar a prole, aumentando a sociedade. Os pais têm um exercício natural de autoridade sobre os filhos, é natural que filhos obedeçam aos pais, essa afeição de autoridade é natural, com o hábito e o costume logo os filhos percebem as vantagens da vida em sociedade. É na sociedade, que adquire-se os bens, que satisfazem o espírito (moral), as qualidades exteriores do nosso corpo (beleza) e a fruição do bem que é adquirido com o trabalho (casa, carro, etc.). Os dois primeiros podem ser usufruídos com segurança, já o terceiro que são os materiais podem nos ser tomados, ser expostos à violência alheia, ou serem transferidos sem sofrer nenhuma perda ou alteração. “Por isso, assim como o aperfeiçoamento desses bens é a principal vantagem da sociedade, assim também a instabilidade de sua posse, juntamente com sua escassez é seu maior impedimento.” (HUME, 2000 p. 528). Percebe-se assim que quando a sociedade segue as regras da justiça, os bens se aperfeiçoam, do contrário há caos e desordem. A justiça não serve como um princípio natural para que os homens tenham uma conduta justa uns com os outros. De acordo com Hume, a natureza oferece então ao nosso entendimento, e à nossa mente um remédio para a solução das irregularidades do afeto. Na sociedade usufruem do remédio para manterem seus bens em igualdade com as vantagens firmes e constantes da mente e do corpo. Por meio de uma convenção, onde todos da sociedade participem, dando estabilidade aos seus bens, cada um pode usufruir daquilo que conquistou com o trabalho, sabendo também que pode possuir os bens conquistados com segurança. Esse remédio são as regras da justiça. “O remédio portanto, não vem da natureza humana, mas do artifício; ou, mais corretamente falando, a natureza fornece, no juízo e no entendimento, um remédio para que há de irregularidade e inconveniente nos afetos,” (HUME, 2000, p. 529). A convenção é de interesse comum, todos da sociedade se estabelecem, regulando sua conduta segundo certas regras. Quando dois homens remam num barco, fazem eles por um acordo ou convenção, se não fosse assim o barco ficaria parado não iriam a lugar algum. Quando se regulariza uma convenção, surge a confiança de sua
  • 17. 17 conduta, e é nessa confiança que tira-se a moderação e abstinência, há uma convenção onde o outro não toma o que é meu, e eu respeito o que é dele. Quando essa convenção é formada, quando todos adquirem a estabilidade de suas posses, surge com isso às idéias de justiça e injustiça. Entendendo por propriedade, todo ou algum objeto que está relacionado à pessoa, essa relação não é natural é moral, meritória. Através, do trabalho eu adquiro a propriedade e ela está assegurada nas regras da justiça, é meu por direito. Não se pode imaginar uma idéia de propriedade sem compreender a natureza da justiça, nem mostrar sua origem no artifício e na invenção humana, a origem da justiça explica o da propriedade e ambas são geradas pelo mesmo artifício. Não se tem dúvida de que a convenção é para distinguir as propriedades, e para que se estabilizem os bens de cada um, é a circunstância mais necessária para que haja estabelecimento da sociedade. Quando se estabelece as regras há harmonia e concórdia entre os seres. É necessário que haja a convenção de regras, para proteger os bens, para proteger a propriedade, A vontade de obter posses para nós e nossos amigos é insaciável, infindável, universal e é destrutiva da sociedade. A benevolência que se tem para com os estranhos é muito fraca para fazer com que nossa ganância não se abstenha das coisas alheias, o único modo de controlar essa afeição de querer os bens alheios é através dessa própria afeição, alterando a direção, recorre-se a menor reflexão, - há vantagens se eu tomar algo de meu vizinho? Que conseqüências eu terei ao cometer um furto? São reflexões desse tipo que nos colocam um freio, satisfazendo a paixão, contendo-nos. Preservando a sociedade, favoreceremos muito mais a aquisição de bens, do que quando nos reduzimos à condição necessária e desolada que deve seguir a violência, quando partimos para a ignorância. Com as regras a paixão de querer aquilo que é dos outros se restringe para a estabilidade das posses. Nada é mais simples e evidente que essas regras, para preservar a paz, mesmo entre os filhos um pai deve estabelecê-las. Conforme a sociedade vai se aprimorando as regras da justiça se aprimoram junto. O estado de natureza, da qual trataremos nos capítulos seguintes, deve ser vista como uma ficção da época dos poetas, quando a benevolência é plena, não há os termos meu e seu. A justiça como já observamos surge das convenções humanas e estas têm como objetivo remediar as nossas paixões em relação aos objetos externos. Podemos perceber tudo isso através da experiência e observação, por exemplo, as pessoas casadas abrem mão de sua propriedade individual, uma em favor da outra,
  • 18. 18 desconhecem o termo meu e seu já na sociedade isso causa uma enorme perturbação. Cada um quer o que lhe é por direito, o que foi conseguido através de esforço, trabalho ou mérito. Embora as regras da justiça sejam estabelecidas, criadas por interesse, ela tem uma conexão singular com o próprio interesse. No fim das contas cada indivíduo deverá perceber que saiu ganhando, porque sem a justiça a sociedade se dissolveria, todos cairiam em uma situação selvagem e solitária. Quando os homens adquirirem experiência e observarem que essas regras são vantajosas para a sociedade e para cada um, a justiça e a propriedade não demorará a se estabelecerem. Portanto, a justiça se estabelece por uma espécie de convenção ou acordo, com um sentido no interesse que é comum a todos, sem isso alguém jamais teria sonhado com a justiça. Abraçamos essa virtude para que outros a abracem também, um método de dar exemplo, e é na experiência e na observação de cada dia que percebemos o quanto ela satisfaz os interesses da sociedade, acaba ela por se findar na sociedade.
  • 19. 19 3 A JUSTIÇA E AS SOCIEDADES 3.1 A Justiça na Sociedade Virtuosa Sabe-se que a justiça é uma virtude artificial, por que foi criada por convenções humanas. E ao dizermos que ela foi criada por uma necessidade, se torna uma virtude natural, por ser comum a uma única espécie e beneficiar a todos. Neste subcapítulo, será explorada a suposição que Hume faz a uma sociedade voltada para o extremo da virtude de benevolência, onde, todos têm amor ao próximo, e o seu maior bem é fazer com que seu próximo se sinta bem. A maior importância que há aqui é o bem do próximo, os seus interesses pessoais são como os meus próprios interesses. Suponhamos que a natureza humana houvesse dotado a raça humana de uma tamanha abundância de todas as conveniências exteriores [...]. Sua beleza natural, vamos supor, ultrapassaria todos os ornamentos adquiridos, a perpétua suavidade das estações tornaria inúteis todas as roupas ou abrigos, [...]. Nenhuma tarefa laboriosa seria requerida, nenhuma lavoura, nenhuma navegação. (HUME, 1995, p. 35). Nestas condições afortunadas todas as demais virtudes floresceriam, e iriam se intensificar, mas com respeito à virtude da justiça dela não ouviríamos falar. Não haveria necessidade de uma divisão de bens, todos poderiam ter aquilo que lhe interessasse, então para que serviria a justiça? Ela não faria parte das virtudes. Mesmo estando o mundo do jeito que está ainda há elementos que são iguais para todos, como a água e o ar. São estes os elementos mais usados pelos seres humanos, e ninguém comete injustiça por usar mais que os outros. Há alguns países que possuem grandes extensões de terra, nestes países elas são tratadas da mesma forma que o ar e a água. No modo, em que o mundo se encontra hoje, se estivéssemos todos engrandecidos de espírito, repletos de sentimentos amigáveis e generosos, uns para com os outros, um sentimento de carinho, inigualável, nossa maior preocupação seria os assuntos do outro, já que nos importamos muito com as outras pessoas. “Por que eu deveria, por meio de uma promessa, obrigar outra pessoa a prestar-me um serviço quando sei que ela já está disposta, pela mais forte inclinação, a
  • 20. 20 buscar minha felicidade, e irá de vontade própria satisfazer o serviço desejado?” (HUME, 1995, p. 37 e 38). A justiça aqui será inútil, não precisará haver divisões e barreiras entre o que é meu e o que é do outro. Não serão necessárias preocupações com um contrato, promessa ou pagamento, pois como as pessoas estão acostumadas a agradar umas às outras, o farão por prazer em ajudar sem cobrar. E mesmo que com isso ganhemos um maior beneficio, ela saberá que não será deixado que aconteça tal imprudência a sua generosidade. Nossos corações têm os mesmos interesses nos bens que nos são comuns. Se assim fosse cada outro seria um, não haveria distinções entre os seres humanos, não haveria desconfiança, nem divisões seriam necessárias a raça humana, seriamos num todo uma única família, tudo seria igualmente distribuído. Possuindo as coisas em comum e usando-as livremente, sem que isso seja apenas meu, e aquilo apenas seu, todos dariam atenção as necessidades dos alheias como se fossem seus próprios interesses envolvidos nos dos outros. Dada a disposição anterior, quanto maior for a benevolência entre os seres humanos, mais rapidamente as distinções de propriedade irão desaparecer. Um homem e uma mulher, ao se unirem através do matrimonio abrem mão daquilo que é particular, tornando-se de ambos. Deste modo, “É certo, portanto, que esta virtude deriva sua existência inteiramente de seu indispensável uso para o relacionamento humano e a vida em sociedade.” (HUME, 1995, p. 39). Nesta sociedade de pura benevolência a justiça seria em todo algo inútil. Na citação de Hume, a palavra uso está em itálico fixando aquilo que é útil. Sem este uso a virtude de justiça desapareceria. Não há necessidade de tais regras de justiça, numa sociedade virtuosa, não há o que ser protegido já que o bem do próximo é a maior preocupação, e vice-versa. 3.2 A Justiça na Sociedade Viciosa Para tornarmos tudo que dissemos até agora como uma verdade, vamos levar as coisas ao extremo do vício. Supomos agora uma sociedade em total miséria, onde a máxima frugalidade e trabalho não são capazes de impedir, a morte de muitas
  • 21. 21 pessoas e a extrema miséria. Nesta situação as leis da justiça deixariam de ser necessárias, e daríamos maior valor às necessidades mais importantes. Assim, “Para tornar esta verdade mais evidente, vamos interver as suposições anteriores e, levando tudo para o extremo oposto, considerar qual seria o efeito dessas novas situações.” (HUME, 1995, p. 39). Numa sociedade onde o vício está inserido, em total decadência, onde nem o trabalho pode salvar vidas, e a fome toma conta de grande parte da população, o único método de sobrevivência é se armar, e lutar por alimento, Neste extremo, a justiça, tão pouco poderá fundamentar. Ninguém será julgado por matar para comer, por homens se tornarem “animais” para conseguirem sobreviver. Estando numa cidade, em decadência total pararíamos para julgar pessoas matando umas as outras por estarem com fome? Vejamos as palavras de Hume: “[...] cada homem estará livre, então, para zelar por si próprio empregando todos os meios que a prudência lhe ditar ou seus sentimentos humanitários permitirem. (HUME, 1995, p. 41). Se estivéssemos em um naufrágio nos agarraríamos à primeira coisa que pudéssemos, não pensaríamos, “esta coisa não é minha”. Agarrar-se a algo nesta condição é uma necessidade de sobrevivência. De todo, segue-se Hume: O uso e o fim dessa virtude é proporcionar felicidade e segurança pela preservação da ordem na sociedade, mas quando a sociedade está prestes a sucumbir de extrema penúria, não se pode temer nenhum mal maior decorrente da violência e injustiça. (HUME, 1995, p. 40). As regras da justiça existem para nos proporcionar ordem, segurança e felicidade. Em uma sociedade que está sucumbindo o homem será por si só, e procurará zelar por sua vida com todas as forças e com todas as armas que puder agarrar. Mesmo um homem virtuoso, que vive em uma sociedade onde possui suas leis, caso caísse em uma sociedade de bandidos, o que faria ele para sobreviver, iria impor as leis criadas na sua sociedade? Procuraria ele viver justamente? Não, esse homem procuraria a melhor forma de se proteger e ao máximo, proteger aqueles que são mais próximos de si. Ele agarraria as armas que estivesse ao seu alcance para guardar sua vida. Em uma sociedade voltada ao vicio, de nada adianta a justiça. Na sociedade de
  • 22. 22 extrema decadência, é necessário que se faça o possível para sobreviver, podendo ser de qualquer forma, violenta ou não. Nesta sociedade a justiça não terá utilidade. Uma guerra nada mais é que, a ausência da justiça, cada arma utilizada para se proteger, assume o lugar das leis. São regras calculadas em vista de sua vantagem e utilidade, mesmo que tornando qualquer ação e confronto o mais sangrento possível para se obter vantagem e para se proteger. Que é a fúria e a violência da guerra civil senão uma suspensão da justiça entre as partes deliberantes, que se apercebem de que essa virtude não tem mais qualquer uso ou vantagem para elas? As leis da guerra que assumem então o lugar das leis da equidade e justiça, são regras calculadas em vista de sua vantagem e utilidade naquela peculiar situação que os homens então se encontram. (HUME, 1995, p. 41). Concluindo este capítulo, podemos agora deixar claro que, ao se produzir extrema abundância ou extrema penúria, se for plantado, no coração do homem, perfeita moderação e humanidade ou perfeita capacidade e malícia, tornaremos a justiça totalmente inútil. Acabaremos com a essência da justiça em ambas as extremidades. É necessária uma condição ordinária da humanidade, que seja o meio termo entre os extremos de vício e virtude, os homens são parciais consigo mesmo e com seus amigos, somos capazes de perceber a vantagem de uma conduta equilibrada e serena. São poucos os prazeres que recebemos da natureza, mas, com a força de trabalho, usando de técnicas, poderemos extraí-lo em abundância. Com este equilíbrio e esta concordância, as idéias de propriedade também se tornam necessárias para a sociedade civil, a justiça ganha sua utilidade para o público, origina-se também seu mérito e seu caráter moralmente obrigatório. Por fim a história, a experiência e a razão nos instruem suficientemente para vermos as vantagens da sociedade, instruem ainda nossos sentimentos humanos, ampliando nosso respeito pela justiça à medida que nos familiarizamos com a extensa utilidade dessa virtude.
  • 23. 23 4 DA UTILIDADE E DO FUNDAMENTO DA VIRTUDE DE JUSTIÇA 4.1 Do fundamento da Justiça No segundo capítulo deste trabalho, vimos que para que a justiça seja útil é preciso uma condição ordinária, que seja o meio termo entre os extremos de virtude e vicio. A justiça seria desnecessária se a bondade do homem fosse suficientemente grande. Através da obediência a justiça é sustentada. Nos extremos ela perde sua essência. A condição da humanidade e da justiça será o meio-termo entre esses extremos. Como não recebemos da natureza, nosso alimento, temos que trabalhar para adquiri-lo bem como as demais coisas. “Daqui as ideias de propriedade torna-se necessárias em toda sociedade civil; daqui a justiça se deriva sua utilidade para o publico; e só daqui origina-se seu mérito e seu caráter moralmente obrigatório.” (HUME, 1995, p. 42). Neste trecho, em que citamos Hume, percebemos que a justiça se fundamenta apenas em uma sociedade equilibrada. Os poetas, em suas poesias já escreviam acerca de que a justiça não seria necessária em extrema abundância das coisas, seus poemas eram envoltos naquilo que agradava. Mostravam as brisas leves, os corpos perfeitos que não era preciso de roupas, não era preciso trabalhar para adquirir as coisas, tudo havia em abundância extraída da natureza. Naquele primeiro período da natureza, as estações – se darmos créditos a essas agradáveis ficções – eram tão temperadas que não havia necessidade de que as pessoas se provessem de roupas ou moradias, como segurança contra a violência do frio e do calor. Nos rios fluíam vinho e leite, os carvalhos forneciam mel e a natureza produzia espontaneamente suas iguarias. Mas essas não eram as principais vantagens daquela época feliz. As tempestades não estavam ausentes apenas da natureza, mas o coração humano também desconhecia aquelas tempestades mais furiosas que hoje causam tal alvoroço e engendram tanta desordem. De avareza, ambição, crueldade, egoísmo, nunca se ouvira falar; um afeto cordial, compaixão, simpatia eram os únicos impulsos com os quais o espírito estava familiarizado. Mesmo a meticulosa distinção entre o meu e o teu estava banida daquela feliz raça de mortais, e levara consigo as próprias idéias de propriedade e obrigação, justiça e injustiça. (HUME, 1995, p. 42). Nesta passagem, Hume nos faz lembrar as boas coisas que seriam a sociedade virtuosa -, nos mostra que já os poetas diziam de como seria a vida virtuosa se todos vivessem em plena abundância das coisas, sem as leis da justiça.
  • 24. 24 Os seres humanos nascem em uma sociedade familiar. São instruídos por seus pais em algumas regras ou condutas de comportamento. Ao nascerem não conhecem nenhuma regra de conduta, ou seja, não estão preparados para viver em sociedade, com ajuda da família aos poucos vão sendo educados para viver nesta sociedade de leis, que é vantajosa para eles. Toda vez que procurarmos levar a sociedade seja ao extremo de abundância das coisas e da virtude, ou ao extremo de violência ou ao estado natural do homem, ficará confirmado que a justiça não será possível nos extremos, e que a sua fundamentação se dá numa sociedade civil, regida por leis, divida em propriedades. Quanto mais variamos nossos pontos de vista sobre a natureza humana, e quanto mais novas e inusitadas as luzes sob as quais a inspecionamos, tanto mais nos convencemos de que a origem aqui atribuída à virtude da justiça é verdadeira e satisfatória. (HUME, 1995, p. 45). Durante nossa pesquisa, verificamos que Hume expõe ainda um terceiro estado de natureza, em que a justiça também não terá utilidade. Suponhamos que existisse outra classe, entre a classe humana, e que apesar de serem racionais, seu espírito e seu vigor corporal, seriam tão baixos que não teriam capacidade de resistir contra qualquer ação nossa ou a qualquer ordem, e que não conseguiriam nos fazer sentir o efeito de seus ressentimentos. Tratá-los-íamos com brandura e no que diz respeito à justiça ela não lhes seria imposta em relação a nós. Lembremos aqui com toda certeza, que na época de escravidão, o senhor dono de um escravo, fazia com ele o que bem entendesse, sem que fosse imposto sobre o si alguma lei ou justiça. Ele poderia maltratá-lo ou provocar até a sua morte, por ser, o escravo, uma de suas propriedades, nada sofreria por parte da justiça. Esses seres inferiores não podem, nem possuíam qualquer tipo de propriedade, apenas eram mandados e deviam obedecer a seus senhores. A convivência mutua destes indivíduos, não era denominada sociedade. Neste tipo de relação, que há autoridade maior de um dos lados, não faz caso as leis da justiça. Hume faz citações sobre essa relação que pode haver, com os seres inferiores: a relação dos europeus com os índios e em algumas situações com o sexo feminino. Esta é claramente a situação dos seres humanos diante dos animais, e deixo a outros a tarefa de determinar em que medida pode-se dizer que estes são dotados de razão. A grande superioridade dos europeus em relação aos índios selvagens inclinou-nos a imaginar que estamos, perante eles, em idêntica situação, e fez com que nos desembaraçássemos de todas as restrições derivadas da justiça e mesmo de considerações humanitárias em nosso trato
  • 25. 25 com eles. Em muitas nações, os indivíduos de sexo feminino estão reduzidos a uma condição próxima da escravidão, e são declarados inabilitados a qualquer propriedade, ao contrário de seus amos e senhores. (HUME, 1995, p. 46). Outra situação, se o criador cortasse do mundo toda relação social e de comunicação e se todos tivéssemos, aquilo que desejássemos, ainda assim um ser humano solitário não necessitaria da justiça. Por estar esta pessoa sozinha, ela sempre daria crédito a si mesma, exigiria sempre preferência para si do que para os outros seres, confiaria apenas nela para sua segurança e felicidade. Diversas sociedades distintas, mantém entre si uma convivência mútua de regras e vantagens, para que haja sempre essa convivência entre elas, as barreiras da justiça crescem junto com essas sociedades, vendo suas vantagens os homens aceitam novas regras, que com o tempo se fixam. Citando um trecho de Hume podemos perceber que a historia é feita em uso para se ter exemplos e confirmações de suas teorias. A história, a experiência e a razão nos instruem o suficiente sobre este progresso natural dos sentimentos humanos e sobre a gradual ampliação de nosso respeito pela justiça à medida que nos familiarizamos com a extensa utilidade desta virtude. (HUME, 1995, p. 48). Pode-se perceber que os sentimentos e as experiências humanas, criaram as regras, e as leis para essa convivência em sociedade surgiram naturalmente no decorrer dos tempos. Para a convivência em harmonia os homens aprenderam a se respeitar, respeitar divisões de propriedade, de bens. Sendo assim, o bem da humanidade é o único objetivo das leis e regulamentações da justiça. 4.2 Da Utilidade da Justiça As regras são criadas em nossas sociedades, para se impor ou manter a ordem. Pode-se dizer que a justiça tem em vista esta ordem. Para se estabelecer a paz social, é preciso que a propriedade de bens materiais seja assegurada por regras. Mas o senso de justiça não se deriva em primeira instância na natureza humana, surge artificialmente, - “Para que ninguém se sinta ofendido, devo aqui observar que, quando nego que a justiça seja uma virtude natural, estou empregando a palavra natural como significando exclusivamente o oposto de artificial. (HUME, 2001 p.44). - pois “nosso
  • 26. 26 senso do dever segue sempre o curso usual e natural de nossas paixões” (Hume, 2001, p. 524). É necessário, portanto, que convenções humanas sejam criadas, para o bem comum de todos na sociedade. Numa sociedade onde todos tivessem tudo, a justiça seria inútil. Se os homens dispusessem de tudo com a mesma abundância, ou se todos tivessem por todos a mesma afeição e terna consideração que tem por si mesmos, a justiça e a injustiça seriam igualmente desconhecidas dos homens. (HUME, 2001, p. 535). Desta feita, a justiça encontra sua utilidade quando aplicada aos casos de propriedade, que há na nossa sociedade, por exemplo, nossas casas, lojas, mercados, enfim tudo que é por lei propriedade de alguém. Como nos diz Hume: Somos naturalmente parciais em relação a nós mesmos e nossos amigos, mas somos capazes de compreender a vantagem resultante de uma conduta mais equânime. Poucos prazeres nos são dados pela mão aberta e liberal da natureza, mas, pela técnica, trabalho e diligência, podemos extraí-los em grande abundância. Por isso, as idéias de propriedade tornam-se necessárias em toda a sociedade civil, é disso que a justiça deriva, sua utilidade para o público; e é só desse fato que decorre seu mérito e seu caráter moralmente obrigatório. (HUME, 2004, p. 247). O fim da justiça é instituir e preservar a ordem na sociedade, e para isso, a justiça deve garantir e por regras nas nossas posses, em nossas propriedades. Por posses, ou propriedades, consideramos tudo aquilo que adquirimos por meio do trabalho, herança ou mérito. Para que a paz reine, é preciso que se criem regras para dividir as posses, dando a cada um, o que lhe cabe por direito: Deve-se, na verdade, confessar que a natureza é tão liberal para com a humanidade que, se todas as suas dádivas fossem igualmente divididas entre a espécie e cultivadas pela técnica e pelo trabalho, cada indivíduo poderia dispor de todas as coisas necessárias para sua existência e mesmo da maioria dos confortos da vida, e não estaria sujeito a quaisquer males, com exceção dos que podem acidentalmente decorrer de uma constituição corporal doentia. (HUME, 2004, p. 255). Todavia, podem ocorrer momentos em que a utilidade da justiça será obstruída. Há exceções tais, como em situações de guerras e catástrofes naturais, por exemplo, em uma guerra quando determinado exército, ganhava a batalha, tomavam dos perdedores suas terras, seus reinados. Nestes casos, a auto-preservação fala mais alto
  • 27. 27 que a própria justiça. Portanto, as regras para observação da justiça dependem do estado e da situação em que se encontra a sociedade: A necessidade da justiça para subsistência da sociedade é o único fundamento dessa virtude, e como nenhuma qualidade moral é mais valorizada do que essa, podemos concluir que a característica de utilidade é, de modo geral, a que tem mais força e exerce um controle mais completo sobre novos sentimentos. (HUME, 2004, p. 257). A justiça e a propriedade estão interligadas, e a primeira, como artifício humano, garante a segunda. O homem possui fragilidades e necessidades, precisam de alimentos, roupas, entre muitas outras coisas. É a sociedade que supre todas essas necessidades. Daí a necessidade da divisão do trabalho para a satisfação de todas as necessidades humanas: Porque, quando os homens, em sua primeira educação na sociedade, tornam- se sensíveis às infinitas vantagens que dela resultam, e, além disso, adquiriram um novo gosto pelo convívio e pela conversação; e quando observaram que a principal perturbação da sociedade se deve a esses bens que denominamos externos, a sua mobilidade é a facilidade com que se transmitem de uma pessoa a outra, então precisam buscar um remédio que ponha esses bens, tanto quando possível, em pé de igualdade com as vantagens firmes e constantes da mente e do corpo. (HUME, 2001, p. 532). As vantagens percebidas pelo convívio e conservação conferem o fundamento para se efetuar a justa divisão de bens externos, para que se instauram as convenções assegurando os bens que o trabalho ou a boa sorte conferem aos homens. Mas como dar a cada um, o que lhe cabe por meio de convenções? Hume considera que isso se faz primariamente de quatro maneiras: “Considero as quatro seguintes como as mais importantes: a ocupação, o usucapião, a acessão e a sucessão” (HUME, 2001, p. 545). A ocupação está estritamente ligada à primeira posse. A posse prolongada, que garantiria a ocupação, é a usucapião. Quanto à acessão, como Hume nos diz, ela se refere a objetos: Quando estão estreitamente conectados com os outros objetos que já são de nossa propriedade e, ao mesmo tempo, são inferiores a estes. Assim, por exemplo, os frutos de nosso jardim [...] todos são considerados nossa propriedade, antes mesmo de os possuirmos. (HUME, 2001, p. 549).
  • 28. 28 Quanto à sucessão, Hume a considera um direito natural, exemplo dessa sucessão natural, é explicito quando diz que os homens amam mais seus filhos, que seus sobrinhos, seus sobrinhos mais que a seus primos, seus primos mais que estranhos. Além disso, a conduta humana deve respeitar a estabilidade da posse, a transferência por consentimento e a abstinência de bens alheios. A convenção da abstinência dos bens alheios traz em si a idéia de justiça e injustiça, propriedade, direito e obrigação: Nossa propriedade não é senão aqueles bens cuja posse constante é estabelecida pelas leis da sociedade, isto é, pelas leis da justiça [...]. A propriedade de uma pessoa é algum objeto a ela relacionado; essa relação não é natural, mas moral, e fundado na justiça. (HUME, 2001, p. 531). Pela utilidade é que os homens respeitam as regras da justiça. É simples e evidente que a preservação da paz é um interesse generalizado. Tendo a propriedade assegurada e a posse estável, só há uma situação que necessita de explicação, que é a transferência a outrem. Dessa maneira, os homens se auto-restringem por estas regras gerais da justiça. A natureza humana se adapta e o processo se amplia por meio da educação, de costumes e de hábitos que obstruam uma possível violação das propriedades, que poderia ocorrer motivada por paixões particulares provenientes do egoísmo humano.
  • 29. 29 CONCLUSÃO As leis que mantém a ordem em nossa sociedade são as regras convencionadas pela população e têm um bem comum a todos, que é a proteção dos bens, das propriedades de cada um. Através do hábito – princípio que Hume dá ao conhecimento - e do costume, que com o passar do tempo vão sendo fixadas na sociedade. Constrói-se a natureza humana com base em exemplos e em experimentos de pensamento. A escassez de terra faz com que os homens delimitem seus espaços, suas posses, colocando muros entre o que é seu e do seu vizinho. Se ao contrário os homens perseguissem o interesse público, se importando mais pelo próximo, com sincera devoção, não precisaria haver delimitações de terras e sim restrições de regras. Porém se perseguissem seus interesses sem importarem-se com as conseqüências, sem terem nenhuma precaução, mergulhariam em todo tipo de injustiça e violência. Para concluir, pode-se afirmar que as paixões e os interesses são limitados pela justiça, senão ampliadas, estendidas. A justiça não é uma reflexão sobre o interesse, mas, uma espécie de torção da paixão, uma virtude. A vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que lhe é devido. O sentido da justiça não se remete a um instinto, mas a uma obrigação natural, e sobretudo uma obrigação natural para com a justiça uma vez constituída. A justiça é em parte capaz de compelir nossas paixões, isso não significa que tenha outro fim que o da sua satisfação nem outra origem que a sua determinação. Pode-se dizer, que ela traz para ao homem, e para a sociedade, uma certa segurança e se não houver utilidade, não há necessidade de existir. A utilidade da justiça surge quando aplicada aos casos de propriedade, na finalidade de instruir e preservar a ordem, diante de nós e de nossas posses. Ela encontra sua utilidade quando aplicada de forma conveniente. A estabilidade da posse é uma lei natural. A ideia principal de Hume é esta: a essência da sociedade não é a lei, é a instituição.
  • 30. 30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS HUME, David. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Tradução Anoar Aiex. Homepage do grupo: Disponível em: http://br.egroups.com/group/acropolis/ HUME, David. Investigação Acerca do Entendimento Humano e Ensaios Morais, Políticos e Literários. Tradução de João Paulo Gomes Monteiro, Anoar Aiex e Armando Moura A. de Oliveira. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1999. HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004. STIVAL, Mônica Loyola. Hábito-Expectativa: Uma Noção de Sujeito a Partir de David Hume. Disponível em:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde- 09102007-141926/. Página visitada em 06/07/2009, Hora: 10h27min.