2. Autocarros sem condutor
Eles estão a chegar!
Em 2016, as notícias sobre veículos autónomos (“sem condutor”) são cada vez mais frequentes.
Enquanto nos Estados Unidos a Google prossegue os testes e planeia comercializar o seu veículo
já em 2020, os principais construtores (e até a Uber!) seguem as pisadas do “gigante” de Silicon
Valley e investem fatias cada vez maiores do seu orçamento na investigação e produção
deste tipo de veículos.
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DESTAQUE
22 TR 160 JUNHO 2016
3. André Ramos andre.ramos@tis.pt
A aplicação dos sistemas autónomos ao trans-
porte coletivo, porém, já se tornou realidade
há mais tempo, mas sempre num contexto
com canal de circulação segregado e predomi-
nantemente unidirecional: destacam-se neste
âmbito o sistema de Morgantown (West Vir-
ginia, EUA), inaugurado em 1975, ou o per-
sonal mover do aeroporto de Heathrow, em
Londres, em funcionamento desde 2011.
O shuttle do Business Park Rivium, em Ro-
terdão, é, no entanto, o exemplo mais
antigo do que se podem denominar “au-
tocarros sem condutor”. Este serviço, em
funcionamento desde 1999, possui 6 veícu-
los elétricos e serve oito estações, percor-
rendo uma via reservada numa extensão de
1.800 metros, com seis intersecções com o
restante tráfego e peões. Transporta, em
média, cerca de 3.500 pessoas por dia, com
circulações a cada 2 minutos e meio, entre
as 6:00 e as 21:00 dos dias úteis.
Na última década, o estudo de uma nova
geração de veículos sem condutor atraiu a
atenção da Comissão Europeia, como com-
provam os projetos CATS e CityMobil2, cofi-
nanciados no âmbito do 7º Programa-Qua-
dro de Inovação e Desenvolvimento, e que
desde 2010 têm contribuído para aproximar
a tecnologia dos cidadãos e dar a conhecer
o que promete vir a ser uma nova forma de
mobilidade nas cidades.
Os projetos
O primeiro daqueles projetos (CATS – City
Automated Transport System) decorreu en-
tre 2010 e 2014, e visava o desenvolvimen-
to de um sistema de transporte urbano e
mais eficiente, capaz de cobrir o chamado
last mile das viagens urbanas, nomeada-
mente entre os locais de habitação e/ou
trabalho e uma interface de transportes pú-
blicos “pesados”, através da utilização de
veículos “limpos” (elétricos) e de pequenas
dimensões.
Os primeiros testes (com três viaturas) fo-
ram realizados nos primeiros meses de 2014
no Illkirch Innovation Park, em Estrasburgo,
ainda que sem transportar passageiros (por
motivos legais). Em julho de 2014, os testes
prosseguiram no campus da Ecole Polytech-
nique Fédérale de Lausanne (EPFL), numa
rota de 1,8 km que conectava diferentes
pontos de interesse (como a biblioteca e o
setor de inovação, com sedes de várias star-
tups). Finalmente, em outubro do mesmo
ano, foi realizado um showcase em Ploiesti
(Roménia), com o intuito de mostrar à po-
pulação o potencial destes veículos.
O CityMobil2, por sua vez, tinha o prin-
cipal objetivo de encontrar as formas de
contornar e eliminar as principais barreiras
detetadas nos projetos anteriores: o enqua-
dramento legal e as dificuldades de imple-
mentação inerentes.
A utilização dos veículos sem condutor foi,
por isso, elevada até um novo nível: no to-
tal, foram realizadas, no âmbito deste proje-
to, três demonstrações de maior escala – La
Rochelle (França), Lausanne (Suíça) e Trikala
(Grécia) – e 4 demonstrações de menor es-
cala – Oristano (Itália), Vantaa (Finlândia),
Sophia Antipolis (França) e San Sebastián
(Espanha) –, além de 3 showcases: León
(Espanha), Bordeaux (França) e Warsaw (Po-
lónia).
Os veículos testados…
Nas demonstrações do projeto CATS, o
veículo escolhido denominava-se “Navya”,
e não tinha lugares sentados, mas antes
um corrimão que permitia aos passageiros
encostarem-se. No projeto CityMobil2, por
sua vez, dois veículos diferentes foram usa-
dos: o “RoboCITY” e o “EasyMile EZ10”. O
primeiro foi criticado por não ser acessível
a passageiros em cadeiras-de-rodas, o que
comprometia o título de “transporte do fu-
turo” e ditou a sua descontinuação em de-
trimento do “EZ10”.
Estes veículos operam num nível de auto-
mação “SAE 4”, o penúltimo de seis níveis
de automação definidos pelo comité da
SAE International que estuda os requisitos
de engenharia dos veículos autónomos, o
que corresponde a um grau de “alta auto-
mação”, em que é o sistema que controla
acelerações e travagens e monitoriza a en-
volvente ao veículo.
No interior das viaturas, o computador de
bordo gera continuamento um mapa 3D da
envolvente, monitorizando a sua posição e
o comportamento do veículo. Para o efeito,
estão equipadas com sistemas GPS, câma-
ras com visão estereoscópica e 4 sensores
LIDAR, com um alcance de até 300 metros
e que permite avaliar a envolvente até 25
vezes por segundo, com uma precisão de
5 centímetros. O veículo consegue detetar
qualquer obstáculo (objeto, peão, ciclista ou
outra viatura) e adaptar a sua velocidade em
concordância, parando se necessário.
… e as condicionantes dos testes
Apesar de se tratarem de veículos sem con-
dutor, foi exigida a presença de um ope-
rador a bordo em praticamente todos os
testes realizados. Nas demonstrações de
larga escala, apenas em Trikala essa pre-
sença não foi exigida, sendo compensada
pela existência de um centro de operações
remoto. Por motivos de segurança, a capa-
cidade das viaturas foi também limitada em
alguns casos (de 12 para 9 ocupantes), tal
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4. fuselagem ou ainda problemas de softwa-
re (como perda de localização) que foram
resolvidos graças à intervenção pronta do
operador, quando presente.
Há ainda registo de pequenos incidentes
nas experiências de Trikala (onde um dos
veículos perdeu o sinal e acabou por subir
o passeio, embatendo num quiosque) e de
Lausanne (uma colisão entre duas viaturas
de teste, sem danos assinaláveis, e uma co-
lisão com um ciclista, também sem conse-
quências).
Os veículos “Navya” terão revelado uma
autonomia suficiente para aguentar todo
o dia de operação, sendo o carregamento
das baterias feito apenas durante a noite.
Contudo, a demonstração de Lausanne do
CityMobil2 experienciou uma “onda de ca-
lor” que obrigou a um funcionamento ex-
traordinário do ar condicionado das viaturas
e, como consequência, limitou a autonomia
destas.
A avaliação dos utilizadores
No total, mais de 60.000 passageiros terão
sido transportados durante as demonstra-
ções do CityMobil2, com avaliações glo-
balmente muito positivas. Ainda assim, os
inquéritos realizados a bordo nas diferentes
demonstrações mostram que a utilização
de veículos sem condutor não é necessaria-
SOPHIA ANTIPOLIS (FRANÇA)
DATA Janeiro 2016 – Março 2016
VEÍCULO EasyMile EZ10
N.º DE VEÍCULOS 4
EXTENSÃO DA ROTA 1,9 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via segregada com peões
e bicicletas em campus
tecnológico
NÚMERO DE PARAGENS 5
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 3.400
EXTENSÃO PERCORRIDA 2.924 km
VANTAA (FINLÂNDIA)
DATA Julho 2015 – Agosto 2015
VEÍCULO EasyMile EZ10
N.º DE VEÍCULOS 2
EXTENSÃO DA ROTA 2,0 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via segregada com peões
e bicicletas durante feira
de imobiliário
NÚMERO DE PARAGENS 2
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 19.021
EXTENSÃO PERCORRIDA 3.962 km
TRIKALA (GRÉCIA)
DATA Setembro 2015 – Fevereiro 2016
VEÍCULO RoboCITY
N.º DE VEÍCULOS 6
EXTENSÃO DA ROTA 2,6 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via dedicada (paralela
ao tráfego automóvel)
no centro da cidade
NÚMERO DE PARAGENS 6
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 12.138
EXTENSÃO PERCORRIDA 4.030 km
ORISTANO (ITÁLIA)
DATA Julho 2014 – Setembro 2014
VEÍCULO RoboCITY
N.º DE VEÍCULOS 2
EXTENSÃO DA ROTA 2,6 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Passeio pedonal à beira-
-mar em zona turística
NÚMERO DE PARAGENS 7
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 2.681
EXTENSÃO PERCORRIDA 1.836 km
como a velocidade máxima destas (apesar
de atingirem 45 km/h, a velocidade máxima
durante as demonstrações não excedeu os
12-13 km/h).
Foram também necessários diferentes tipos
de intervenção nas vias por onde se pre-
tendia que estes veículos circulassem – pa-
vimentação, delimitação da via segregada,
colocação de postiletes ou sinais para o res-
tante tráfego automóvel (nomeadamente
perdas de prioridade).
Em La Rochelle, o estacionamento ilegal e os
trabalhos na via foram alguns dos principais
obstáculos, contornados pela presença do
operador a bordo, indispensável para man-
ter a marcha dos veículos. A rota também
foi ajustada durante a operação, pois o sinal
GPS ficava particularmente instável junto a
um parque público, condicionando a circu-
lação autónoma dos veículos. Em Vantaa, o
sistema terá registado em média 1,7 proble-
mas técnicos a cada 100 km, entre paragens
de emergência e outros incidentes, enquan-
to em Sophia Antipolis o sistema terá sido
obrigado a parar cerca de 5% do tempo de-
vido às condições climatéricas (uma vez que
a chuva, em certas condições, é identificada
como obstáculo). Outros problemas ocor-
reram também durante as demonstrações,
como perdas de alinhamento dos sensores,
afrouxamento dos parafusos, problemas na
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5. mente entendida como valiosa, se o tempo
de viagem e a tarifa foram as mesmas que
num autocarro convencional – em La Ro-
chelle foi destacada a possibilidade de estes
sistemas poderem levar a tarifas mais redu-
zidas, derivadas da ausência de custos com
os condutores.
Também nesta cidade francesa, as baixas
velocidades e a baixa interação com o res-
tante tráfego motorizado revelaram-se insu-
ficientes para convencer o público que os
automóveis sem condutor podem funcionar
bem em condições reais, especialmente no
ta com custos operacionais inferiores aos
dos autocarros convencionais, bem como
uma maior flexibilidade na adaptação da
oferta à procura.
Além disso, a proliferação dos veículos sem
condutor deverá evitar os acidentes provo-
cados pelo erro humano (distrações, exces-
so de velocidade, álcool, drogas ou fadiga),
que se crê serem a causa de 90% dos aci-
dentes rodoviários. Da mesma forma, se os
acidentes se tornarem eventos cada vez mais
raros, será possível reduzir os custos de pro-
dução dos veículos, tornando-os mais leves.
As demonstrações do projeto CityMobil2
terminaram em junho deste ano, mas outros
sistemas começam a ser testados: num pro-
jeto denominado WEpods, a decorrer na Ho-
landa, os veículos “EZ10” estão a ser utiliza-
dos desde janeiro para ligar a estação de Ede
à Universidade de Wageningen, na província
de Genderland, numa extensão total de 11
km. Contudo, apenas em julho foi dada au-
torização para o transporte de passageiros.
Por sua vez, em Sion (Suíça), dois shuttles
de um modelo mais recente da “Navya”
operam desde dia 23 de junho no centro
da cidade, ao longo de uma rota de 1,5 km
operada pela CarPostal (operador local) e
por um período de 2 anos. As condições são
muito semelhantes às das demonstrações do
projeto CityMobil2 (operador remoto e ope-
rador auxiliar a bordo, com uma velocidade
máxima de 20 km/h e com um máximo de
11 passageiros), partilhando o espaço públi-
co com os peões e ciclistas.
O mesmo veículo está também a ser testado
na Austrália e deverá chegar às ruas de Perth
ainda em 2016.
LA ROCHELLE (FRANÇA)
DATA Dezembro 2014 – Abril 2015
VEÍCULO RoboCITY
N.º DE VEÍCULOS 6
EXTENSÃO DA ROTA 2,6 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via segregada com peões
e bicicletas no centro
da cidade
NÚMERO DE PARAGENS 6
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 14.661
EXTENSÃO PERCORRIDA 3.777 km
SAN SEBASTIÁN (ESPANHA)
DATA Abril 2016 – Junho 2016
VEÍCULO RoboCITY
N.º DE VEÍCULOS 2
EXTENSÃO DA ROTA 2,4 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via partilhada
com restante tráfego
em campus tecnológico
NÚMERO DE PARAGENS 6
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 1.794
EXTENSÃO PERCORRIDA 2.023 km*
* dados referentes às primeiras semanas de operação
que diz respeito aos benefícios de seguran-
ça: apenas 25% dos inquiridos acredita que
os carros autónomos serão mais seguros
que os veículos tradicionais. A segurança
pessoal dos passageiros – principalmente
nas viagens noturnas – foi outras das preo-
cupações mais reveladas.
O futuro… ou o presente?
A introdução de sistemas de transporte co-
letivo baseados em veículos sem condutor
tem o potencial de, no limite, permitir fre-
quências elevadas fora dos períodos de pon-
Veículo Navya Veículo EasyMile EZ10
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6. Também ainda durante este ano, Singapu-
ra prevê ter em funcionamento um sistema
de miniautocarros sem condutor em alguns
percursos, e Zhengzhou, na China, está a
testar a implementação de um autocarro
“sem condutor” num percurso em autoes-
trada.
Num estudo recente realizado na Califórnia,
perto de 70% dos inquiridos acreditam que
os veículos autónomos chegarão às estradas
americanas antes de 2025. Outra pesquisa
indica que 26% dos inquiridos acreditam que
os veículos tradicionais (“com condutor”) dei-
xarão de existir nos próximos 20 anos.
Estas opiniões e o sucesso dos testes reali-
zados parece sugerir que a questão deixou
de ser o “se” para passar a ser o “quando”.
O projeto CityMobil2 terá contribuído para
difundir estes veículos junto do público, não
sem ter de ultrapassar alguns protestos pelo
caminho.
Em León, por exemplo, a autarquia retirou a
candidatura à demonstração no âmbito do
CityMobil2, ficando-se pela realização do
showcase; no entanto, quando a população
local teve a oportunidade de experimentar
o sistema, os elogios foram tão numerosos
que o arrependimento pela decisão da de-
sistência era notório. Por sua vez, em Orista-
no, apesar da campanha publicitária adver-
sa com que os responsáveis se debateram
no início da demonstração, os comentários
mais entusiásticos no final desta acabaram
por vir dos condutores contratados tempo-
rariamente para serem os operadores da de-
monstração.
Demonstrações em Trikala Shuttle em Sion, Suiça, operado pela CarPostal
LAUSANNE (SUÍÇA)
DATA Abril 2015 – Agosto 2015
VEÍCULO EasyMile EZ10
N.º DE VEÍCULOS 6
EXTENSÃO DA ROTA 3,0 km (2 sentidos)
TIPO DE ROTA Via partilhada com peões
e com tráfego automóvel
(“zonas 30”) em campus
universitário
NÚMERO DE PARAGENS 5
PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 7.000
EXTENSÃO PERCORRIDA 6.970 km*
* demonstração incluiu um período com serviço on-demand
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