O documento descreve uma ferramenta chamada TAToo que transforma dados de rastreamento de pedestres e ciclistas em informações úteis para tomada de decisão. O TAToo permite analisar indicadores como volume de usuários, velocidade média e congestionamento. Testes em várias cidades forneceram resultados valiosos sobre fluxos de pedestres e ciclistas.
Como o TAToo já transformou dados em informação valiosa na área da mobilidade!
1. Monitorização de deslocações
Como o TAToo já transformou
dados em informação valiosa
na área da mobilidade!
O momento deixou de ser aquele em que não existem dados; de facto, os dados (muitos!) existem
e às vezes nem se sabe bem o que fazer com eles. Se não forem transformados
em informação, os dados nunca passarão de dados.
NUM MOMENTO EM QUE OS PROJETOS re-
lacionados com modos suaves se multiplicam
pelo país, as decisões que contribuam para a
adesão dos cidadãos a alternativas mais sus-
tentáveis devem ser bem ponderadas. De fac-
to, ter uma rede de ciclovias ou montar um
sistema de bikesharing implica investimentos
consideráveis para qualquer autarquia portu-
guesa, pelo que dispor de dados que ajudem,
por exemplo, à definição do melhor traçado ou
à correta identificação dos locais onde implan-
tar as estações de bicicletas podem ser, hoje
em dia, um poderoso auxílio na tomada de de-
cisão. O projeto TRACE – Walking and Cycling
Tracking Services (http://h2020-trace.eu), do
Programa Horizonte 2020, terminou em maio
de 2018 e, além de procurar criar ferramentas
que promovessem a mudança de comporta-
mentos através da recolha de dados GPS (das
quais são exemplos as aplicações Positive Drive
e Biklio, criadas durante o projeto, e a iniciati-
va Traffic Snake Game), focou-se também na
avaliação do potencial da análise de trajetórias
pedonais e cicláveis que contribuíssem para
a melhoria dos processos de planeamento e
gestão. Assim, além das aplicações já referi-
das, foi também criada, no âmbito do projeto,
a ferramenta TAToo – Tracking Analysis Tool,
destinada a transformar os dados de tracking
de peões e ciclistas em informação relevante,
e que já foi apresentada em detalhe na edição
n.º 172 da Transportes em Revista.
João Bernardino joao.bernardino@tis.pt
www.transportesemrevista.com
ATUALIDADES
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André Ramos andre.ramos@tis.pt
2. Tratar os dados de forma
inovadora...
As trajetórias GPS das viagens (não só pedo-
nais e cicláveis) são dados que só recentemen-
te passaram a ser usados com frequência na
área da mobilidade, permitindo a visualização
dos comummente denominados “mapas de
calor”, que permitem uma visualização rápida
dos locais onde existe uma maior concentra-
ção de pontos.
Com o TAToo, porém, as análises efetuadas
podem ir mais além: através da operação de
mapmatching (que atribui aos elementos da
rede os pontos das trajetórias registadas), é
possível calcular indicadores para as quatro
“dimensões” de análise da rede (nós, arcos,
zonas e pares origem/destino). Os indicadores
oferecidos vão desde o volume de utilizadores,
a sua velocidade média e distância percorrida,
ao tempo de atraso, congestionamento e nível
de serviço verificados.
A ferramenta permite utilizar tanto um mapa
próprio como aplicar um mapa baseado no
OpenStreetMap (OSM), que está disponível
para todo o mundo de forma gratuita, e per-
mite a segmentação dos resultados por tipo
de utilizador, dia da semana, período do dia,
sendo possível observar os resultados com re-
curso a softwares SIG (sendo logo criados au-
tomaticamente alguns mapas temáticos mais
interessantes pela ferramenta) ou com gráficos
produzidos pelo próprio TAToo.
… para obter resultados inovadores
Na fase final do projeto TRACE, as diversas
cidades envolvidas no projeto, que tinham im-
plementado uma ou mais ferramentas desen-
volvidas (Positive Drive, Biklio e Traffic Snake
Game), tiveram a oportunidade de testar tam-
bém o TAToo, analisando os dados recolhidos
por aquelas ferramentas.
Por exemplo, em Hasselt (Flandres, Bélgica),
usando os dados do Positive Drive, foi possível
confirmar a ideia de que a atratividade dos es-
paços pedonais contribui para que as pessoas
usem esses espaços. Efetivamente, verificou-se
uma grande correlação entre os volumes con-
tabilizados pela aplicação e as ruas que apre-
sentam melhores condições pedonais. Esta
análise já poderia, como é lógico, ser realizada
com a observação dos fluxos in loco, mas a
utilização dos dados recolhidos por uma app
e tratados por uma ferramenta específica vão
mais além, possibilitando a perceção das ori-
gens e destinos destes fluxos e volumes rela-
tivos.
Em Lisboa, foram analisados os dados do Bi-
klio, já que a capital portuguesa foi uma das
primeiras cidades onde foi aplicado este sis-
tema que recompensa quem chega às lojas
aderentes de bicicleta. Das várias centenas de
trajetórias analisadas, cerca de 17% foram
registadas no renovado eixo central, entre En-
trecampos e o Marquês de Pombal, onde a re-
qualificação efetuada criou uma infraestrutura
ciclável que vê a sua procura aumentar de dia
para dia.
Contudo, existia a perceção empírica de que o
fluxo de ciclistas era substancialmente superior
entre Entrecampos e a zona do Saldanha, por
comparação com o troço entre o Saldanha e o
Marquês de Pombal. Esta perceção foi confir-
mada pelos dados do Biklio, tendo sido pos-
sível analisar com detalhe os movimentos nas
imediações do Saldanha para perceber melhor
o fenómeno. Assim, percebeu-se desde logo,
por um lado, que havia uma grande dispersão
de fluxos para a Av. Duque d’Ávila (onde se
localiza uma das primeiras ciclovias construí-
das em Lisboa) e, por outro lado, que uma boa
parte dos fluxos terminava precisamente na
Praça Duque de Saldanha ou se desviava na
Av. Casal Ribeiro.
Esta possibilidade de aferir com facilidade as
origens e destinos dos utilizadores foi tam-
bém um dos principais resultados da análise
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3. dos dados da aplicação SenseMyFEUP (nascida
do projeto SenseMyCity), da Faculdade de En-
genharia da Universidade do Porto, usada por
estudantes e funcionários. Esta aplicação per-
mitiu conhecer os principais fluxos pedonais e
em bicicleta, possibilitando não só a distinção
entre dias úteis e fins de semana, mas também
a perceção da forte relação com os restantes
campus da Universidade do Porto e com as
principais áreas residenciais das imediações
(como Areosa, Asprela ou Paranhos).
Apesar de pensada originalmente para as tra-
jetórias em modos suaves, o TAToo permite
analisar também outros modos de transporte.
O exemplo de maior dimensão de aplicação da
ferramenta foi realizado na área de negócios
do Cloche d’Or, no Luxemburgo, onde cerca
de 750 colaboradores de sete grandes empre-
sas tiveram as suas deslocações monitorizadas
(usando, uma vez mais, a aplicação Positive
Drive) durante cinco semanas consecutivas
(entre maio e junho de 2017). No total, mais
de 18 milhões de pontos foram recolhidos e
analisados, representando mais de 1,5 milhões
de quilómetros percorridos e cerca de 19 mil
viagens.
Com base nas análises efetuadas pelo TAToo
(realizadas sobre cerca de 40% desses pontos,
referentes às viagens em dia útil entre as 6h00
e as 20h00), foi possível não só perceber as
origens e destinos dos fluxos dos trabalhado-
res daquela zona (muitos deles atravessando
as fronteiras com França, Bélgica e Alemanha)
mas também fazer uma análise inovadora re-
lacionada com o potencial de carpooling de
cada um dos pontos da rede. Assim, nos pon-
tos de concentração de fluxos automóveis em
direção à cidade do Luxemburgo – por exem-
plo em Arlon, na Bélgica, ou em Thionville, em
França –, seria possível às companhias daquele
distrito organizarem programas de partilha de
viaturas de modo a reduzir a pegada ecológica
dos seus trabalhadores.
Até onde pode ir a análise
de dados?
A utilização do TAToo estará sempre condi-
cionada à disponibilidade de dados em de-
terminada cidade ou região e mesmo à sua
representatividade, ainda que hoje em dia
grande parte dos cidadãos já disponham de
smartphones com aplicações que fazem tra-
cking dos seus movimentos e que, posterior-
mente, disponibilizam (gratuitamente ou por
venda) esses dados para análise.
Além das análises efetuadas e descritas nos
parágrafos anteriores, a utilização do TAToo
possibilita outro tipo de resultados muito úteis
nos processos de planeamento de uma autar-
quia. A preparação de planos de mobilidade
sustentável ou a definição de redes cicláveis
podem ganhar fortemente com uma perceção
clara dos fluxos e a ligação entre os volumes
(geralmente obtidos por contagem por amos-
tragem). O próprio algoritmo de mapmatching
do TAToo consegue, aliás, obter uma fotogra-
fia mais rigorosa dos volumes numa determi-
nada secção, por comparação com os “mapas
de calor”, cujos resultados podem ser envie-
sados pela existência de maiores declives ou
presença de semáforos, por exemplo.
O cálculo de indicadores como o nível de ser-
viço num arco ou num nó da rede possibilita
também a identificação de pontos de estran-
gulamento, numa era em que o cálculo do de-
sempenho das infraestruturas já não se deve
limitar ao tráfego automóvel.
O TAToo foi um esforço conjunto da TIS (es-
pecificações e user interface), do INESC-ID
(módulo de conversão de mapas do OpenS-
treetMap) e da PTV SISTeMA (algoritmo de
mapmatching e cálculo de indicadores), e con-
tinua a poder ser utilizado para conhecer mais
eficazmente a mobilidade em modos suaves
numa cidade ou área metropolitana.
Se pretender mais informações, pode contac-
tar a equipa através do seguinte endereço ele-
trónico: tatoo@tis.pt
www.transportesemrevista.com
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