O documento discute os limites dos efeitos da falta de quitação eleitoral. Aponta que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) entende que a falta de quitação eleitoral não pode impedir o exercício de direitos civis, devendo se limitar à esfera eleitoral. Os TREs podem fornecer certidões circunstanciadas para fins específicos que não envolvam direitos políticos.
Os limites dos efeitos da falta de quitação eleitoral na vida civil
1. OS LIMITES DOS EFEITOS DA FALTA DE QUITAÇÃO ELEITORAL
O comando positivo da norma delimita didaticamente a quitação eleitoral. O § 7º
do artigo 10 da Lei nº 9.504/97 expressa, verbis:
“A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a
plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o
atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os
trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em
caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a
apresentação de contas de campanha eleitoral.”1
O § 8º do mesmo artigo diz que considerar-se-ão quites aqueles que:
“I - condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da
formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o
pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;
II - pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se
qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando
imposta concomitantemente com outros candidatos e em razão do
mesmo fato.
III - o parcelamento das multas eleitorais é direito do cidadão, seja ele
eleitor ou candidato, e dos partidos políticos, podendo ser parceladas
em até 60 (sessenta) meses, desde que não ultrapasse o limite de 10%
(dez por cento) de sua renda.”2
O descumprimento do que é delimitado no §7º gera irregularidade suficiente para
pendências com a Justiça Eleitoral. Estas pendências ficam registradas nos
cartórios das zonas eleitorais, impedindo a expedição de certidão de quitação
eleitoral.
1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm
2
idem
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2
O §8º abre exceção com referência às irregularidades com penas de multas.
Na seara eleitoral a ausência de condições de registrabilidade é a consequência
mais grave pela falta de quitação.
Há tempo se comete graves equívocos referente ao alcance dos efeitos da falta de
quitação eleitoral. O maior deles é a extrapolação dos efeitos para a vida civil. É
comum atos abusivos decorrentes de uma errada hermenêutica.
Constantemente se vê a administração pública negar posse a candidatos
aprovados em concursos públicos por conta da falta de quitação eleitoral, ou
ainda, negar a expedição de passaporte.
O Tribunal Superior Eleitoral já sacramentou a matéria, firmando jurisprudência
no sentido de que os efeitos da falta de quitação deve se limitar à esfera eleitoral.
Vejamos.
“QUITAÇÃO ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS
POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA. EFEITOS.
IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL.
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA.
LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO.
CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL.
A restrição ao fornecimento de quitação eleitoral ao condenado
criminalmente por decisão irrecorrível decorre do alcance do
instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a orientação
inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE nº
21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros
requisitos, a plenitude do gozo dos direitos políticos.
A exigência de documentos originários da Justiça Eleitoral como
condição para o exercício de atos da vida civil, à margem dos
impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento
das obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia
fundamental, haja vista o caráter restritivo das aludidas normas.
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Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que
reflitam a suspensão de direitos políticos, das quais constem a
natureza da restrição e o impedimento, durante a sua vigência, do
exercício do voto e da regularização da situação eleitoral.”3
Extrai-se do destacado voto do eminente Ministro FELIX FISCHER, as seguintes
assertivas, verbis:
“O conceito de quitação eleitoral, por seu turno, definido inicialmente
em resolução deste Tribunal (Res.-TSE nº 21.823, de 15 de junho de
2004), posteriormente, foi positivado pelo legislador ordinário,
passando a dispor o § 7° do art. 11 da Lei nº 9.504, de 1997,
acrescentado pela Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009:
Art. 11. (...)
(...)
§ 7° A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a
plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o
atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os
trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em
caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a
apresentação de contas de campanha eleitoral.
Relativamente ao entrave posto à inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas (CPF) perante a Receita Federal, de igual modo indicado
como documento exigido para a obtenção da vaga de trabalho,
consoante também esclarece a informação da Corregedoria-Geral , a
propna regulamentação daquele órgão, consubstanciada na Instrução
Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, admite a realização de
inscrições de ofício, entre outras hipóteses, por determinação judicial
(art. 11, V). Bastará, portanto, quanto ao ponto, decisão do juízo da
execução penal ordenando a expedição do CPF aos beneficiados com
o programa.
3
Processo Administrativo nº 51920, Resolução nº 23241 de 23/03/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER,
Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/5/2010, Página 34 RJTSE - Revista de jurisprudência
do TSE, Volume 21, Tomo 2, Data 23/3/2010, Página 397
4. Página
4
Observo ainda, em derradeira análise, que as limitações ao gozo de
direitos na órbita civil, estabelecidas pela legislação eleitoral em face
do não cumprimento da obrigação relativa ao exercício do voto, da
satisfação da multa correspondente ou da apresentação de
justificativa para a falta, se restringem aos contornos do § 1° do art.
7° do Código Eleitoral, que assim dispõe:
Art. 7° (...)
§ 1° Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva
multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública,
investir-se ou empossar-se neles;
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função
ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações
governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer
natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam
serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês
subseqüente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa da União,
dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios,
ou das respectivas autarquias;
- obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista,
caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de
previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito
mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com
essas entidades celebrar contratos;
- obter passaporte ou carteira de identidade;
- renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou
fiscalizado pelo governo;
- praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço
militar ou imposto de renda.
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(...).
Tendo em conta que às normas restritivas de direito dar-se-á
interpretação restritiva, reputo, como conclusão, que se harmoniza
com o ordenamento constitucional a de que outros óbices ao
exercício de atos da vida civil, como o noticiado nestes autos, de
exigir-se a quitação eleitoral para a obtenção de emprego - sem
explícito amparo em lei -, representa ofensa a garantia fundamental,
pelo que se contém no art. 5°, li, da Constituição da República.
Em síntese, incompassível se revela - diante do quadro delineado pelo
art. 15, Ili, da Carta Magna - com o ordenamento jurídico, no
contexto fático destes autos, qualquer exigência de documentos
expedidos pela Justiça Eleitoral que desborde da simples certificação
da situação eleitoral (suspensão de direitos políticos), à qual se
acrescerá a natureza da restrição e o impedimento, no curso de sua
vigência, do exercício do voto e da regularização da inscrição.
Meu voto, portanto, Senhor Presidente, é para que o atendimento à
orientação ora firmada se faça pela utilização, na hipótese noticiada
pela Corregedoria Regional Eleitoral do Maranhão, de certidão com
o teor acima enunciado, em modelo já existente no sistema de
alistamento eleitoral (Sistema Elo), a contemplar tanto os apenados
ainda não detentores de título eleitoral como os sentenciados com o
status de eleitores, expedindo-se imediata comunicação aos tribunais
regionais e oficiando-se à Presidência do Conselho Nacional de
Justiça.
É como voto.”4
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro – TRE/RJ na esteira do Tribunal
Superior Eleitoral – TSE também decidiu:
“MANDADO DE SEGURANÇA Nº 54-12.2012.6.19.0000
IMPETRANTE ADVOGADO IMPETRADO
4
idem
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6
MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE CERTIDÃO
DE QUITAÇÃO ELEITORAL DESTINADO À OBTENÇÃO DE
PASSAPORTE. APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA
APÓS O JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. CONCESSÃO
PARCIAL DA ORDEM.
O julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a
emissão de certidão de quitação eleitoral no curso do mandato ao
qual o candidato concorreu (art. 42 da Res. TSE 22.715/2008),
ainda que haja posterior apresentação das contas.
Consoante entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do
RE 710-03 e do MS 776-80, o conceito de quitação eleitoral
delineado pelo artigo 11, §72, da Lei 9.504/97 está intrinsecamente
relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não
cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos
civis.
Por conseguinte, admite-se a expedição de certidão circunstanciada
ao eleitor não quite com a Justiça Eleitoral, reconhecendo-se a
regularidade no exercício do voto, para o fim de atender a exigências
específicas, relacionadas à prática de atos da vida civil, como a
obtenção de passaporte, caso discutido nos autos.
Concessão parcial da segurança.
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de
Janeiro, por unanimidade, em conceder parcialmente a segurança,
nos termos do voto do relator.
Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2012.”5
5
http://tre-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23146247/mandado-de-seguranca-ms-5412-rj-trerj/inteiro-teor-
111595544
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Como se pode ver a jurisprudência pátria explicita que o conteúdo da certidão é
de “cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao
exercício de direitos civis”.6
A Justiça Eleitoral prevê a possibilidade de expedição de certidão
circunstanciada, o que possibilita constar as especificidades dos casos.
O TRE/SP editou orientação nas eleições de 2014 que exemplifica os
procedimentos de expedição de certidão circunstanciada, que é também utilizado
nos demais tribunais regionais:
“A existência de pendências com a Justiça Eleitoral não impede a
obtenção de certidão circunstanciada a ser fornecida pelo cartório
eleitoral, que reproduza fielmente a situação do interessado, no
momento do requerimento, no Cadastro Nacional de Eleitores, nos
assentamentos do Cartório Eleitoral e, se for o caso, na Base de Perda
e Suspensão de Direitos Políticos.
A certidão circunstanciada poderá ser expedida pelo sistema ELO ou
pela intranet no menu Cartórios/Modelos da CRE.
Nos casos de parcelamento da multa eleitoral, o devedor poderá
solicitar ao juiz certidão circunstanciada com efeito de quitação
eleitoral, desde que as parcelas vencidas estejam pagas4.
Nesses casos, deverá ser utilizado o Modelo CRE-19.
Quando o recolhimento da multa inscrita em dívida ativa ocorrer
perante a Fazenda Nacional, o fornecimento da certidão de quitação
estará condicionado à apresentação de guia da multa paga ou de
certidão do referido órgão fazendário, específicos para o débito
apurado pelo cartório eleitoral.
No período de fechamento do Cadastro Nacional de Eleitores, poderá
ser fornecida certidão circunstanciada constante do sistema ELO e/ou
6
idem
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da intranet deste Tribunal no menu Cartórios/Modelos da CRE,
observando-se cada situação, conforme indicado a seguir.
Modelo CRE - 09: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição
suspensa. Nesse caso, orientar o eleitor a apresentar os
documentos que comprovem a cessação dos motivos que ocasionaram
a suspensão.
Modelo CRE – 12 (com prazo de validade até a reabertura do
Cadastro Nacional de Eleitores): poderá ser fornecida aos eleitores
com inscrição cancelada (exceto pelo código de ASE 027,
motivos/formas 1 e 2), após o recolhimento ou dispensa das multas
devidas e constatada a ausência de outras pendências.
Modelo CRE – 13: poderá ser fornecida às pessoas não inscritas
como eleitoras e que procurem o cartório para requerer o alistamento.
Modelo CRE - 24: poderá ser fornecida aos eleitores em situação
regular, desde que ausentes ou regularizadas quaisquer pendências
com a Justiça Eleitoral, e também nos casos de terceiro que não
possua autorização do eleitor.
Modelo CRE - 28: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição
suspensa, desde que comprovada a cessação dos motivos que
ocasionaram a suspensão, bem como o recolhimento de multas
devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 29: poderá ser fornecida aos eleitores com inscrição
regular e com registro de inabilitação para o exercício de função
pública (ASE 515) ou inelegibilidade (ASE 540), desde que
comprovada a cessação dos motivos que ocasionaram a
inabilitação/inelegibilidade, bem como o recolhimento de multas
devidas, se for o caso, e ausentes outras pendências.
Modelo CRE - 30: poderá ser fornecida às pessoas com registro de
perda ou suspensão de direitos políticos em situação “ATIVO” na
Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos. Nesse caso, orientar
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o interessado a apresentar os documentos que comprovem a cessação
dos motivos que ocasionaram a perda/suspensão.”7
Nesta esteira destaca-se a decisão monocrática da juíza ANA HELENA ALVES
PORCEL RONKOSKI da 29a
Zona Eleitoral de São José do Rio Claro, Mato
Grosso, reconhecendo a delimitação aqui discorrida.
“Ante o exposto, considerando que a requerente, XXXXXXX, não se
encontra quite com a Justiça Eleitoral, INDEFIRO a emissão de
certidão de quitação eleitoral, visto não ser o caso. Não obstante,
AUTORIZO a expedição de certidão circunstanciada indicando a
atual situação eleitoral da requerente no Cadastro Nacional de
Eleitores, em especial a informação de que a eleitora se encontra
regular no exercício do voto, se for o caso, não obstante não esteja
quite com a justiça eleitoral, face à ausência de prestação de contas
quando candidata à vereadora nas eleições de 2012.”8
A justa decisão da magistrada, preservando livres os direitos da requerente
tocante aos atos da vida civil, ordenou a expedição de certidão circunstanciada no
seguintes termos:
“Certifico que, de acordo com os assentamentos do Cartório Eleitoral
e com o que dispõe a Res. TSE nº 21.823/2004, o (a) eleitor (a) abaixo
qualificado (a) não está quite com a Justiça Eleitoral na presente data
em razão de irregularidade na prestação de contas. Todavia, a
eleitora se encontra no regular exercício do voto, para o fim de
atender às exigências específicas relacionadas à pratica de atos da
vida civil, como posse em concurso público.”9
Portanto, a falta de quitação eleitoral não pode impedir que os cidadãos
brasileiros pratiquem livremente os atos da vida civil, devendo restringir-se
àquela seara.
7
http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-normas-de-servico-cre-cap-viii-quitacao-eleitoral
8
SADP -Acompanhamento processual -4.792/2016 – 29a
Zona Eleitoral – São José do Rio Claro/MT
9
idem