1. A Persecução Criminal do Estado
Roberto Genofre
1. Considerações preliminares; bem jurídico, fato típico e “jus puniendi”.
A “persecutio criminis” do Estado.
Para entender a persecução criminal do Estado é preciso primeiro
explicitar o conceito de “jus puniendi”, bem como a noção de bem jurídico.
1.1. Bem jurídico. O bem jurídico nasce de uma seleção de valores de
uma determinada sociedade que, num certo momento, resolve eleger direitos e
garantias indispensáveis à sobrevivência do ser humano na sociedade. Assim,
são escolhidos valores importantes, indispensáveis à existência do próprio
Estado, como; o direito a vida, o direito à integridade física, direito ao
patrimônio, direito à honra, etc. Em face disso, o Estado assume a
responsabilidade de proteger e tutelar esses direitos, denominados bens
jurídicos. Daí decorre que a função do Direito Penal é a proteção dos bens
jurídicos. O bem seria o interesse juridicamente tutelado e a norma penal o
meio para a sua proteção.
É com essa visão que o saudoso Francisco Assis Toledo conceituou bens
jurídicos como, “aqueles valores éticos que o direito seleciona, com o objetivo
de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam
expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.
O conjunto consolidado de normas de várias áreas da vida social de uma
sociedade, estabelecendo regras de convivência entre as pessoas e entre elas
e a sociedade (esfera civil, comercial, constitucional, tributária, criminal, etc) é o
que denominamos de Direito Objetivo.
1.2. Fato típico e jus puniendi. Em defesa e na tutela desses bens
jurídicos a sociedade edita normas penais, aplicando sanções para os que
violam tais bens, editando normas penais. Tais sanções são explicitadas nas
normas criadas pelo Estado visando à manutenção da paz social. São normas
penais que possuem coercibilidade para garantir a sua aplicabilidade, eis que
descrevem uma conduta não desejada pela sociedade. É o chamado fato
típico, constituído de normas primárias e normas secundárias.
Normas primárias penais são aquelas que descrevem uma conduta, uma
ação não desejada pelo Estado, como por exemplo, o art. 121 do Código Penal
- “matar alguém”. As normas secundárias penais são aquelas que prevêem
uma conseqüência jurídica, uma sanção, como por exemplo; “pena – reclusão
de 06 a 20 anos”, daí, com o fato típico, o nascedouro do “jus puniendi” (o
dever- direito de punir) do Estado.
A esse conjunto de normas penais estabelecidas pelo Estado para evitar o
crime e proteger a paz social, o professor Basileu Garcia, da USP denominou
de Direito Penal Objetivo. Assim surgem na sociedade os crimes tipificados
no Código Penal, cada um deles protegendo um ou mais bens jurídicos (vida,
patrimônio, honra, etc) através de normas abstratas. No momento em que
esses bens são violados, ofendendo a ordem jurídica, a paz social, colocando
em risco a segurança pública e individual da comunidade, o direito abstrato,
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2. previsto hipoteticamente na norma penal, se transforma em direito concreto do
Estado, surgindo o direito denominado de “direito de punir”.
Como descrevem alguns doutrinadores, “o jus puniendi equivale à legítima
defesa do Estado”, pois a sociedade tem a obrigação de defender seus
conviventes contra qualquer pessoa que ponha em risco sua tranqüilidade e a
paz social, adotando as medidas pertinentes, desencadeando a denominada
“persecutio criminis”, visando aplicar a sanção prevista na norma secundária
penal. Daí o conceito de Frederico Marques; “O direito de punir é o direito que
tem o Estado de aplicar a pena cominada na norma penal contra quem praticou
a ação ou omissão descrita, causando um dano ou lesão jurídica a outrem”.
1.3. A “persecutio criminis”. O caminho adotado pelo Estado, para
atingir o objetivo de punir o autor de ações violadoras dos bens jurídicos, é o
que denominamos de persecução criminal do Estado ou “persecutio
criminis”, visando aplicar a sanção prevista na norma penal secundária. Mas
como essa atividade não é auto-aplicável, o Estado o faz, utilizando o “princípio
do devido processo legal” (due process of law), representado por um conjunto
de princípios constitucionais (juiz natural, contraditório, ampla defesa, etc). O
papel do Estado se distribui pelo Estado-Executivo (Polícia Judiciária, na 1ª
fase) Estado titular do “jus puniendi” e Estado - Jurisdição (Ministério Público e
Magistratura na 2ª fase) e o Estado – Executivo (Dirigentes do sistema da
execução da pena).
Por isso que, desencadeando a “persecutio criminis” do Estado, a
instauração do inquérito policial se justifica, bastando somente que o fato
noticiado seja típico, senão ensejará a impetração de “habeas corpus” para
trancar o inquérito policial por atipicidade caracterizando constrangimento ilegal
contra o indiciado, por faltar a “justa causa” para o prosseguimento do inquérito
policial. O mesmo ocorrendo em juízo, no tocante à denuncia ou a queixa, eis
que ambas devem conter elementos suficientes de tipicidade e também de
autoria para serem recebidas pelo juiz criminal.
2. Conceitos de persecução criminal.
2.1.“A atividade estatal de persecução criminal ocorre”, como dizia
Pessina, 1882, “quando o dever de punir do Estado sai de sua abstração
hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva. O surgimento
do delito, por obra do ser humano, torna imperativa sua persecução por parte
da sociedade, a fim de que seja submetido o delinqüente à pena prevista em
lei”.
Pessina partiu do conceito de que o direito penal é um direito abstrato e
hipotético e o direito processual penal, concreto e efetivo, a partir da ocorrência
da infração penal.
O Estado, tomando conhecimento da ocorrência de uma infração penal, de
um fato aparentemente delituoso, desencadeia uma atividade no sentido de
perseguir o autor da infração para a aplicação da sanção preconizada na
norma penal, desencadeando a propositura da ação penal que visa à
condenação do infrator.
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3. 2.2. “É aquela em que o Estado, responsável pela paz social, tem o direito
da persecução criminal com que procura tornar efetivo o “jus puniendi”
resultante do crime para impor, assim, ao delinqüente, a sanção penal”.
( Berner).
2.3. “É a atividade estatal de proteção penal da sociedade”. (Ernst
Belling, 1939).
3. Objeto da persecução criminal.
A “persecutio criminis” tem um tríplice objetivo para realizar o “jus puniendi
do Estado;
a) preparar a acusação, por intermédio de um procedimento preliminar.
b) invocar a tutela jurisdicional do Estado-Juiz para julgar a acusação
apresentada, através da propositura de uma ação penal. Os doutrinadores
denominam esta fase de “persecutio criminis in judicio” (fase judicial da
persecução criminal.
c) executar a sentença condenatória, aplicando à pena ou conseqüência
jurídica prevista na norma penal. Representa a fase do cumprimento da
sentença judicial.
4. Formas da persecução penal.
4.1 Fases. Em face do tríplice objetivo acima assinalado, podemos identificar
as formas com que se apresenta a persecução penal, em três fases:
a) 1ª. fase; da investigação criminal;
b) 2ª. fase; da ação penal;
c) 3ª. fase; da execução penal.
A primeira fase, realizada pelo Poder Executivo, por intermédio da polícia
Judiciária, estadual ou federa, que se torna responsável pela apuração de um
fato criminoso ou aparentemente criminoso, até seu completo esclarecimento,
procedendo a autoridade policial uma verdadeira reconstituição dos fatos, no
procedimento denominado inquérito policial ou termo circunstanciado, da
mesma forma que o juiz criminal, no fórum, também o fará no processo penal,
porém investido da jurisdição e sob a égide do contraditório, com a participação
obrigatória das partes.
A segunda fase, de responsabilidade constitucional do Ministério Público,
pleiteando a condenação do réu, através de uma denúncia que, recebida pelo
juiz, desencadeia o início da ação penal. Poderá, ainda, ser realizada por queixa
crime, se a ação penal for de iniciativa privada.
A terceira fase é a da execução da sentença, com o cumprimento da pena
determinada pelo Poder Judiciário, estendendo-se até o término da aplicação da
sanção.
4.2. Natureza das fases. A primeira fase é eminentemente administrativa e
não judicial; a segunda, eminentemente jurisdicional e, a terceira fase, é
denominada mista, pois há momentos de atividades administrativas e outros
momentos de atividades jurisdicionais previstas na Lei de Execução Penal. (lei
11.761/2008).
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