1) O documento analisa a obra Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso, contextualizando-a no movimento modernista brasileiro da década de 1930. 2) A narrativa se passa na decadente Chácara dos Meneses e gira em torno da personagem enigmática Nina, cuja chegada desperta desejos adormecidos na família. 3) Personagens como Demétrio, representante das tradições, e Timóteo, o "câncer" dos Meneses, são destacados, assim como as transformações provoc
2. A SEGUNDA GERAÇÃO DO MODERNISMO
e a Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso
Segunda Geração do Modernismo Brasileiro
1959 Representação Alegórica das Elites Agrárias Brasileiras no Início do Século XX
ROMANCE REGIONAL ROMANCE PSICOLÓGICO
engajado intimista
social psicológico
neonaturalista neorrealista
3. A SEGUNDA GERAÇÃO DO MODERNISMO
e a Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso
Lúcio Cardoso e o “Romance de 1930”
Enquanto o “romance de 1930” se destacava pela linguagem concisa, pela contenção vocabular
e pela denúncia social, o estilo de Lúcio Cardoso não é bem aceito pelo público e pela crítica
excessivas analogias derramamento descrições sinestésicas caráter plástico
tom impressionista universo mórbido situações bizarras personagens patológicas
linguagem excessiva transbordamento lírico monólogo interior prosa introspectiva
4. TEMPO, CENÁRIO E PERSONAGENS
crônica da casa assassinada
A Chácara dos Meneses está situada em Vila Velha [cidade imaginária da Zona da Mata mineira].
A família compõe-se de Demétrio, irmão mais velho, casado com Ana; Valdo [q se casará com Nina]
e Timóteo, provavelmente homossexual [jóias, vestidos de Malva] se identifica com a tia-avó, Maria
Sinhá [vestia-se de homem, cavalgava sem sela e chicoteava os escravos]. Betty era a governanta
inglesa. Havia, ainda, as negras da cozinha, lideradas pela ex-escrava Anastácia. Os eventos se
passam na primeira metade do século XX e a família já está em flagrante decadência econômica
[não cultivam, alugam pastos, não desenvolvem qualquer atividade produtiva].
5. O ENREDO
crônica da casa assassinada
Numa viagem ao RJ, Valdo conhece Nina, cujo pai era um militar paralítico que recebia visitas de
um coronel [conta histórias emocionantes e as interrompe nos momentos mais interessantes], que
tinha intenções de ficar com Nina. Valdo se aproxima da jovem, se casa com ela, e a leva para Vila
Velha. Nina é a estranha q semeará a discórdia na chácara – despertará sentimentos adormecidos.
Ana torna-se rival de Nina [ameaça-a de morte]. Alberto, jardineiro, apaixona-se por Nina e tem um
caso com ela. Ana descobre e conta para Demétrio. Ana envolve-se com Alberto. Demétrio sente
atração e repulsão por Nina. O pavilhão é o lugar dos amores de Valdo, Nina e Alberto. Depois que
engravida, Nina é obrigada a abandonar a Chácara. Antes disso, Valdo tenta suicídio com a arma
q Demétrio conseguira com Aurélio. No RJ, Nina é assediada pelo Coronel e escreve cartas a Valdo,
solicitando dinheiro. O filho André é levado para ser criado na Chácara. Nina retorna 15 anos depois.
Alberto suicidou-se após a partida de Nina. Nina comete incesto com André [semelhança jardineiro].
Ana assedia André. Nina retorna ao RJ, mas, extremamente doente, volta à Chácara para morrer.
No último capítulo, ficamos sabendo q André era filho de Ana e Alberto e que o filho de Nina se
chama Glael e ele foi dado para adoção imediatamente após o parto.
6. NINA, ENIGMA DE VIDA E DE MORTE
crônica da casa assassinada
Toda estrutura narrativa da Crônica gira em torno de Nina. Desperta sentimentos ambíguos. Rompe
c/ os valores tradicionais e instaura o desejo, o pecado entre aqueles q pareciam desprovidos d vida:
De que modo brutal não amei eu esta criatura, no tempo em que a amava, para reconhecer e aceitar assim os signos da
minha própria morte, e as possibilidades de minha destruição? Ou – e aqui não ouso mais do que sugerir, sem ter
coragem para ir muito longe – não terá sido precisamente isto, a imagem de minha morte, o que nela me arrebatou de
modo tão decisivo? E no entanto, apesar de tudo isto, achava-me sem o direito de fazer um gesto, imóvel, aniquilado.
Ao falar de Nina, as personagens acabam por falar de si. Em sua primeira confissão, Ana fala como
a esposa de Valdo é capaz de criar a epifania do desejo no outro:
Decerto, quando as pessoas não nos interessam, esmaecem em torno de nós com a indiferença dos objetos. Alberto, para
mim, sempre fora o simples jardineiro, e jamais conseguiria identificar sua presença senão daquele modo. Eis que
agora, pelo simples manejo da existência de Nina, eu o descobria como havia descoberto a mim mesma. Este deve ser,
Padre, o primeiro dom essencial do demônio: despojar a realidade de qualquer ficção, instalando-a na sua impotência e
na sua angústia, nua no centro dos seres. Sim, pela primeira vez eu via Alberto, e o via de vários modos simultâneos:
primeiro, que era moço, segundo, que era belo.
É Nina tb quem mostra Alberto para Timóteo e André para Ana e para o mesmo Timóteo. Mesmo
quando está ausente, é nela que todos pensam. André só passa a entender o silêncio em torno de Nina
quando a viu pela primeira vez. Imediatamente percebe q não está diante de uma mulher qualquer.
7. NINA, ENIGMA DE VIDA E DE MORTE
crônica da casa assassinada
Nina desperta em André os prazeres escondidos [vida], mas ao mesmo tempo é a força que [o] leva
à dilaceração. Esse antagonismo é referido através de metáforas vegetais de cunho mórbido:
O crítico Mário Carelli analisa as significações da violeta na Crônica da casa assasinada:
Para André, Nina era um imenso girassol, secreto e envenenado, que alimentava-se na sombra.
43 ocorrências mancha do grito pavor mortal gesto de delírio
8. NINA, ENIGMA DE VIDA E DE MORTE
crônica da casa assassinada
As violetas são indissociáveis de Nina, de seus amores. [...] São suas flores preferidas. Em seu hino de amor à mãe
morta, André a imagina transfigurada dentro de um halo de eternidade: “E vejo-a finalmente intacta, perfeita no seu
triunfo e na sua eternidade, erguida junto a mim com as violetas apertadas de encontro à face”.
Essa visão superpõe as violetas e a face de Nina porque ela exigiu de [...] Timóteo que este pusesse violetas em seu
caixão. O cunhado será fiel à promessa em uma cena espantosa, carregada para ele de conotações nupciais.
As violetas são [...] símbolo do amor de Alberto. Na chegada, o jovem que se tornará seu amante lhe oferece um
pequeno buquê de violetas e depois depositará um cotidianamente sob sua janela. Elas significam o “laço” que os une e
serão também objeto da discórdia. [...]
No entanto, as violetas, sinônimos de juventude, de paixão amorosa, de transbordamento de vida, tornam-se um
símbolo de morte, isto é, de acesso à vida eterna. Estão ligadas ao imaginário cardosiano, às sacristias barrocas de
Minas Gerais e a cor dos paramentos sacerdotais fúnebres. Essa polissemia sustenta a expressão audaciosa de Timóteo
ao se dirigir à alma da amiga, evocando o “moço das violetas”: “Estava ali, Nina, no milagre daquela ressurreição,
nele, eternamente moço, como também você o fora. Deus, Nina, é como um canteiro de violetas cuja estação não passa
nunca.”
9. DEMÉTRIO, TRADIÇÃO MINEIRA
crônica da casa assassinada
austero incólume distante frio
alegoria
Costumes mineiros provincianos, hipócritas e autoritários. O líder dos Meneses não tem direito à
voz neste romance que corrói as tradições seculares patriarcais e conservadoras.
Segundo Adriano Bitarães Neto, não aparece como narrador na estrutura polifônica do romance [...] pela sua
incapacidade de se expressar, de revelar suas emoções de narrar as suas falhas.
Ana diz: Não tinha ele, como qualquer outro, os recursos de uma confissão ou de um transbordamento daquelas
coisas acumuladas em seu íntimo. Ele é narrado pelos demais. Apesar disso, todos são unânimes:
Ele representa o poder castrador, o eco dos antepassados, o alicerce dos Meneses. Sua máscara de ser
contido e autossuficiente é gradativamente desconstruída pelos demais.
10. BARÃO, IMAGEM NOBILIÁRQUICA
crônica da casa assassinada
Mencionada por todos como representante das tradições nobiliárquicas, aparece caricaturado, zombado.
. Malgrado o respeito e a notoriedade que desperta em Vila Velha é apresentado de forma grotesca por Valdo:
O Barão dirigiu-lhe [a Demétrio] algumas palavras que não cheguei a perceber quais fossem, e subiu majestosamente o
resto da escada. Majestosamente tanto quanto lhe era possível: pequeno, como já disse, gordo, o embornal atrapalhava-
lhe os movimentos, e ele defendia o objeto como se contivesse algo muito precioso. [...] Foi sentar-se afinal no fundo da
sala, bem distante do corpo exposto e numa banqueta de veludo ali disposta especialmente para a ocasião. Seus pés
calçados com botinas de cano alto, ficaram suspensos no ar, balançando. [...] Aí o Barão [...] retirou o embornal do
braço, abriu-o e, metendo lá a mão, retirou de dentro uma comida qualquer – talvez uma guloseima. [...] E todo ele já
começava a dessorar essa coisa açucarada que lhe banhava o rosto, e que lhe emprestava um aspecto repugnante, de
presunto untado.
11. VALDO, FRAGILIDADE E SUBMISSÃO
crônica da casa assassinada
Valdo aparece suplantado pelo autoritarismo de Demétrio, pela sedução de Nina, pela indiferença de
Ana, pela determinação de André. É frágil, incapaz de se fazer notar e respeitar.
pai ausente cunhado distante marido enganado
Nas palavras de Adriano Bitarães Neto, André o define como um ser que possui um “insuportável ar de fidalgo
de província”. Nesse sentido ele também encarna o estigma da máscara dos Meneses, embora não tenha força suficiente
para sustentá-la e nem mesmo para retirá-la. Entre Demétrio e Timóteo, os extremos, Valdo é o ponto pacífico,
neutro, imóvel. Todas as perturbações amorosas vivenciadas com Nina tornaram-no mais cientes de suas limitações, de
seus medos, de sua impotência diante da vida. Por isso, ainda que não tenha forças para mudar a sua postura,
consegue refletir sobre ela e sobre os que estão ao seu redor.
12. TIMÓTEO, O “CÂNCER” DOS MENESES
crônica da casa assassinada
A imagem hiperbólica e monstruosa dessa personagem assombra todos os familiares da Chácara.
Por ser o câncer dos Meneses, deveria ser escondido, apagado, esquecido. Segundo Ana, foi o próprio
Timóteo que optou por viver recolhido para não ser enviado para um manicômio, conforme o
Nas palavras de Demétrio, provavelmente o que ele deseja é enlamear nosso nome para sempre, mas eu não
permitirei que se afaste desta casa enquanto estiver vivo.
Bitarães Neto nos mostra que, preocupado com a sua parte na herança e com as ameaças do irmão, Timóteo,
vencido pelo moralismo dos Meneses, revida a sua derrota, travestindo-se hediondamente com as roupas, as joias e as
maquiagens de sua mãe. Mas o faz de forma grotesca, caricata, como quem deseja agredir a todos com a
agressão que fazia a si.
Timóteo se inspira em Maria Sinhá, com quem se identifica, por ter de viver em função dos valores
sociais: tinham que negar o próprio desejo em nome de uma tradição. Por isso, Timóteo quer destruir essa
tradição que o proibia de assumir publicamente seus desejos. Paradoxalmente, conquista sua liberdade
trancado no quarto. No velório de Nina, assassina a tradição, destrói o que o destruíra, aniquila o
falso moralismo, encarnando toda a virilidade de Maria Sinhá, ao destruir a hipocrisia dos Meneses.
13. ANDRÉ, DUPLO DO HOMEM
crônica da casa assassinada
A personalidade isolada, introspectiva e sombria de André só será modificada quando Nina vier para
a Chácara. Durante os dezesseis anos de sua existência era como se fosse uma figura nula na casa,
tal qual seu pai Alberto. Nina, aliás, o vê como Alberto. Ele tem consciência de ser o outro distante.
Para Bitarães Neto, André, desconhecedor da condição que ocupava, a de duplo de seu verdadeiro pai, procura em
Nina a mãe ausente. Contudo, acaba por se deparar não com a figura materna que sempre desejara, mas com a
sensualidade do corpo feminino que até então não havia conhecido. Diante dos dilemas, conflitos e sentimentos de culpa
que passam a lhe dominar os pensamentos, André também se vê tomado por novas sensações que o fazem superar os
obstáculos e os tabus que o interditavam – as descobertas sobre o seu corpo e a sua própria masculinidade.
14. ANA, PREPARADA PARA SER NINGUÉM
crônica da casa assassinada
Em suas confissões, Ana lamenta como sua vida deixara de existir quando fora escolhida por
Demétrio para ser uma Meneses. Tal escolha custou a anulação de sua feminilidade, de seu prazer.
Toda essa nulidade não a incomodava até o momento da chegada de Nina em Vila Velha.
Na imagem sedutora, passional, vibrante e solar de Nina, Ana reconhece-se no espelho, enxerga como vivera na
sombra, no apagamento de si mesma. Nina era a representação de tudo o que ela poderia ter sido e vivido se não
houvesse se transformado em uma máscara social. Por isso, Ana a odiava, a invejava e a desejava por perto, pois era a
única forma de experimentar o prazer da vida, a vitalidade do corpo, a existência do desejo.
Ela quer ser como Nina, por isso deseja seus desejos. Desta forma, relaciona-se com o jardineiro e
procura André. Se aquele sucumbe, este a nega veementemente. Apesar disso, Ana acusa Nina de
nunca ter dito para o jovem que não estava praticando incesto, de nunca o ter abrandado a culpa
que o dilacerava devido àquela relação pecaminosa.
Para manter seu lugar social, foi capaz de renegar o próprio filho e, simultaneamente, para tentar atingir o erotismo de
Nina, quis praticar com André o verdadeiro incesto. Ao acusar a monstruosidade de Nina por esconder essa história,
Ana não menciona sua própria monstruosidade, que duplamente se manifesta: primeiro por não assumir André,
segundo por desejá-lo, pois, se ele teve coragem de praticar o “falso” incesto com Nina, por que não teria coragem de
praticar, sem o saber, o “legítimo” incesto com ela?
15. ALBERTO, INOCÊNCIA E EROTISMO
crônica da casa assassinada
Embora não permaneça na narrativa, é constantemente aludido pelas demais personagens como
elemento que desencadeou a instabilidade dos Meneses. Eis a leitura de Maria Teresinha Martins:
Alberto, o jardineiro de Crônica da casa assassinada, contrapõe-se como mito da perfeição, do homem natural, sem
a contaminação social de Valdo, Demétrio e Timóteo Meneses; cada um deles é, a seu modo, pervertido e degenerado
pela sociedade expressa, às vezes, em plena decadência na narrativa. Esta mesma sociedade pode ser amiúde
considerada como fonte do mal, porque mascara o homem, reveste-o de hipocrisia como uma segunda pele, uma segunda
natureza, para que possa suportar a si próprio e ao outro. O físico de Alberto – como um deus pagão inocente, sem
noção do bem e do mal – contrasta com o de Demétrio. Reflete Ana, ao ver perdida sua felicidade: “Jamais havia visto
assim um corpo de homem, e o do meu marido, que em certas noites se encostava ao meu para uma carícia amarga e
passageira, eu o adivinhava disforme e sem vitalidade sob a roupa. Aquele não, era o corpo de um adolescente, com
esse rosado seco da carnadura humana quando é pura, pr0onto para o grande salto do pecado; mal acabara de se
tornar homem, e já se percebia claramente, como uma música voando, a vibração que o animava.”
16. PADRE JUSTINO, JUSTIÇA “NO LIMBO”
crônica da casa assassinada
A consciência da condição humana o dilacera tanto quanto às demais personagens. A percepção de
sua impotência em ajudar os outros sobre a verdade de Deus e a existência do Diabo, bem como da
luta do bem contra o mal o afasta da imagem ortodoxa da Igreja, dos valores absolutos do mundo
cristão. Trata-se de uma presença filosófica, questionadora. Talvez por isso tenha sido escolhido
por Lúcio Cardoso para dar fechamento ao livro.
17. O PAI DE NINA E O CORONEL
crônica da casa assassinada
O pai de Nina, imobilizado em uma cadeira de rodas, mantém contato com o mundo exterior por
intermédio das histórias e da presença do Coronel Abreu Gonçalves, que se vale de estrategemas
para conseguir seu fito – Nina. A cena em que o Coronel inventa uma história em que o pai de
Nina figura como protagonista, numa conspiração militar, é metáfora metalinguística da estrutura
espiralada da história, na medida em que a história de Nina não apresenta uma verdade conclusiva.
Do mesmo modo como o pai de Nina não assistiu ao desfecho da história – para continuar ouvindo
a história, aposta a mão da filha, mas não chega a vê-la casada com o militar pq morre antes –, o
leitor não encontra uma verdade conclusiva acerca dos fatos narrados na Crônica da casa assassinada.
18. A CHÁCARA, UMA ALEGORIA
crônica da casa assassinada
o antropomorfismo
a chácara representa tradição mineira conservadora, preconceituosa, hipócrita, preocupada com a opinião pública
Segundo Adriano Bitarães Neto, tal tradição sufoca a todos, principalmente a Demétrio, ser
completamente desumanizado por tentar preservar os valores sociais e culturais de uma Minas Gerais retrógrada e
conservadora.
crônica
1. apesar de ficcional, a obra encena aspectos sócio-político-econômicos da elite agrária pré-1930;
2. relato ancorado em gêneros pessoais [cartas, diários, depoimentos, confissões] = objetivam verossimilhança
3. vários textos apresentam data;
crônica ou romance?
Romance! Trata-se de uma narrativa longa, que apresenta vários eixos dramáticos.
A presença do vocábulo crônica no título da obra visa a conferir verossimilhança aos conflitos
vivenciados pelas personagens que representam a elite agrária mineira da primeira metade do séc. XX.
19. A CHÁCARA, UMA ALEGORIA
crônica da casa assassinada
casa
segundo Lúcio Cardoso, a casa foi usada no título do romance no sentido de família, brasão.
a destruição da casa simboliza a necessidade de o ser humano se libertar das prisões moralistas.
casa centro [códigos rígidos, moral, tradição – Demétrio]
jardim espaço da transgressão [violetas, incesto, adultério – Alberto e André]
pavilhão lugar alternativo [Nina-Valdo longe de Demétrio, amores escusos, fim de Ana]
Vila Velha imagem legendária da família [a cidade dos Meneses]
Rio de Janeiro paraíso ilusório [Nina]
chácara prisão [inferno sobre a terra; imutabilidade das tradições]
Ao longo da narrativa, a casa vai se transformando em entidade viva, captando a alma dilacerada das
criaturas. As marcas da decadência são assinaladas nas pratas empoeiradas, janelas emperradas,
manchas e fendas nas paredes.
20. A CHÁCARA, UMA ALEGORIA
crônica da casa assassinada
assassinada
Nas palavras do autor, assassinada é atingida na sua pretensa dignidade, pelo pecado.
Em Crônica da casa assassinada, a personagem Nina aparece associada à casa dos Meneses, a qual, por
sua vez, representa a tradição e a ostentação de aparências] o câncer que corrói Nina é a base da
metáfora da corrosão das tradições da decadente aristocracia mineira.
A corrosão e a morte estão presentes na epígrafe, extraída do Evangelho de São João:
Disse Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que ele está
aí... Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu: Se creres, verás a glória de Deus? Tiraram, pois, a pedra.
violeta, flor da morte
No romance, há constantes reflexões sobre morte e ressurreição, culpa e castigo, pecado e redenção. O
relacionamento de Nina e Alberto é mediado por essa flor [simbologia: vida, morte; beleza, finitude].
metalinguagem
Segundo Ruth Silviano Brandão, o esquecimento [real ou voluntário] do Coronel metaforiza a
construção do romance, um labirinto de vozes que se acumulam, repetindo-se ou contradizendo-se, o que não
permite ao leitor a apreensão de uma verdade única e acaba enredado num monte de equívocos.
21. A CHÁCARA, UMA ALEGORIA
crônica da casa assassinada
um espaço antropomorfizado
MaisAnaque o seu viva] natal, amava [corpoChácara, que aos seus olhos representa a tradição e a [tradições] dos
do [entidade estado Betty ele a vivo] médico [alma dos Meneses] Demétrio dignidade
costumes mineiros – segundo ele, os únicos autênticos no Brasil. “Podem falar de mim, costumava dizer, mas não
ataquem esta casa. Vem ela do Império, e representa gerações de Meneses q aqui viveram com altaneria e dignidade”.
O fascínio, a beleza e a sedução de Nina libertará esses seres de pedra da monotonia e do moralismo:
Segundo Adriano Bitarães Neto, todos, fascinados por ela, são levados a um processo de deflagração de uma carga
trágica de vida, capaz de compensar em muito a estabilidade monótona e desumana dos costumes cristãos. Nina,
gradativamente, instaura a discórdia entre os integrantes da família, fazendo com que eles não mais se sustentem no
pragmatismo, na austeridade, na anulação da vida em nome de uma moral. Com isso, Lúcio realiza a quebra dos
tabus da tradicional sociedade mineira, o que, aos poucos, faz emergir as ruínas de uma “casa assassinada”.
O assassinato da casa aparece espelhado no corpo de Nina – os dois corpos passam por um processo
de decomposição. Ambos são vitimados pelas feridas do tempo, pela doença que os consumia:
Ruía a casa dos Meneses. [...] Mas a verdade é que de há muito eu pressentia um mal qualquer devorando os alicerces
da Chácara. Aquele reduto, que desde a minha infância [...] eu aprendera a respeitar e admirar como um monumento
de tenacidade, agora surgia vulnerável aos meus olhos, frágil ante a destruição próxima, como um corpo gangrenado
que se abre ao fluxo dos próprios venenos que traz no sangue.
22. A CHÁCARA, UMA ALEGORIA
crônica da casa assassinada
Valdo, durante o estado terminal de Nina, vê a casa como um duplo do corpo de sua esposa:
A Chácara sempre mergulhada em sua calma surgia diferente para quem conhecia seus hábitos. [...] Não me
lembrava de tê-la visto assim tão preparada, e possivelmente me orgulharia de sua nova atitude, se não trouxesse o
coração pesado e não pressentisse que, como certos doentes graves, ela só abrisse os olhos para celebrar o próprio fim.
Assim que Nina morre, os vizinhos e curiosos que sempre quiseram, mas nunca puderam, se sentem
no direito de invadir a Chácara. Até mesmo a desejada visita do Barão se realiza. Providencialmente,
entretanto, Timóteo surge completamente travestido, coberto de jóias e com um vestido feminino,
para desmoralizar a tradicional família mineira. Por fim, a invasão de Chico Herrera decreta o fim da casa:
Ainda tenho presente na memória a última vez em que a vi, quando ia a meio a triste epidemia que liquidou nossa
cidade. A Chácara dos Meneses foi das últimas a tombar se bem que seu interior já houvesse sido saqueado pelo bando
chefiado pelo famoso Chico Herrera. Vejo-a, ainda, com seus enormes alicerces de pedra, simples e majestosa como um
monumento em meio à desordem do jardim. A caliça já tinha quase completamente tombado de suas paredes, as
janelas, despencadas, batiam fora dos caixilhos, o mato invadia francamente as áreas outrora limpas e subia pelos
degraus j[a carcomidos – e, no entanto, para quem conhecia a crônica de Vila Velha, que vida ainda ressumava ela,
pelas fendas abertas, pelas vigas à mostra, pelas telhas tombadas, por tudo enfim que constituía seu esqueleto imóvel,
tangido por tão recentes vibrações.
23. POLIFONIA E FRAGMENTAÇÃO TEMPORAL
crônica da casa assassinada
polifonia
André, diário 11 capítulos [maturidade; funde, em sua narrativa enunciado e enunciação]
Ana, confissão 10 capítulos [confissões: locutor indefinido; acompanha Nina, André, Alberto]
Valdo, cartas 09 capítulos [cartas a Nina, ao Padre Justino e depoimentos]
Betty, diário 05 capítulos [narrativa realista, objetiva e informativa]
Justino, narração 05 capítulos [além das narrações, há um pós-escrito de uma carta]
Nina, cartas 05 capítulos [as cartas são destinadas a Valdo e ao Coronel]
Aurélio,narrativa 04 capítulos [alude a eventos políticos]
Vilaça, narrativa 04 capítulos [médico de Vila Velha]
Timóteo, diário 02 capítulos [trechos extraídos de seu livro de memórias]
Abreu, depoimento 01 capítulo [Coronel Abreu Gonçalves]
24. POLIFONIA E FRAGMENTAÇÃO TEMPORAL
crônica da casa assassinada
polifonia
De acordo com o professor Adriano Bitarães Neto, a polifonia visa a evidenciar como a “verdade” sobre os
fatos é apenas uma versão subjetiva e parcial de alguém em relação a eles. [...] Problematiza as fronteiras entre a
verdade e a mentira ao demonstrar que tais parâmetros dependem do desejo particular de cada ser humano.
estilo e verossimilhança
Alguns críticos afirmam que o fato de todos os relatos apresentarem o mesmo estilo, ainda que as
vozes se alternem, torna o texto pouco verossímil, posto que seres tão díspares não teriam a mesma dicção.
fragmentação temporal
Mário Carelli reconstitui a linearidade da narrativa: na estagnação representada pela lenta decadência dos
Meneses, intervêm acontecimentos cronologicamente reconstituíveis? a partida de Valdo para o Rio de Janeiro e seu
casamento, chegada de Nina à Chácara, permanência, partida de Nina e Ana com o nascimento de André, quinze
anos de ausência de Nina, retorno de Nina e nova permanência, última partida para o RJ e retorno definitivo à
Chácara, onde morre. Após esses episódios, a temporalidade é praticamente abolida, a Chácara recai em seu tempo
cíclico, coroado por sua agonia. [...] Do capítulo 2 ao 16, os episódios centram-se na primeira temporada de Nina em
Vila Velha. Do capítulo 17 ao 37, trata-se da segunda temporada de Nina. A partir do capítulo 38, a curta viagem
de Nina ao Rio precede o último conjunto (do capítulo 41 a 55) – terceira temporada, agonia e morte de Nina.
25. METALINGUAGEM, BUSCA DA “VERDADE”
crônica da casa assassinada
metalinguagem
Há, na Crônica, referência a uma ser que literalmente montou o livro, organizou os relatos, colheu os
depoimentos e as narrativas e os inseriu de forma descontínua no corpo do romance. Percebe-se,
tb, através de considerações metalinguísticas, o processo de reescrita dos narradores-personagens:
Esse sujeito se manifesta através das considerações entre parênteses e descreve para o leitor os
manuscritos a que têm acesso. Manifesta-se, ainda, quando interroga as pessoas que conviveram com Nina:
Em sua narrativa, o médico diz estar rememorando o que sabe sobre os Meneses, a pedido de alguém.
26. METALINGUAGEM, BUSCA DA “VERDADE”
crônica da casa assassinada
Foi a esta palavra que ela me comprimiu com tal força, com tão grande ímpeto, que tive medo de perder o equilíbrio e
arrastá-la numa queda. Dir-se-ia que pretendia arrancar-me alguma coisa interior, fundamental como o hábito que eu
respirassse. (Escrito à margem do Diário, com letra diferente: Só muito tempo depois pude compreender todo o
ímpeto que havia naquele gesto: era como um ato de feitiçaria, e o seu esforço, menos para subjugar-me o corpo, era à
alma que se dirigia)
21 – Creio que fui eu a primeira pessoa a vê-la, desde que desceu do carro e – oh! – jamais, jamais poderei esquecer a
impressão que me causou. Não foi um simples movimento de admiração, pois j[a havia deparado com muitas mulheres
belas em minha vida. Mas nenhuma como esta conseguiu misturar ao meu sentimento de pasmo essa leve ponta de
angústia, essa ligeira falta de ar, mais do que a certeza de me achar ante uma mulher extraordinariamente bela,
forçou-me a reconhecer que se tratava também de uma “presença” – um ser egoísta e definido que parecia irradiar a
própria luz e o calor da paisagem. (Nota à margem do manuscrito: ainda hoje, passado tanto tempo, não creio
que tenha acontecido outra coisa que me impressionou mais do que esse primeiro encontro).
Meu nome é Aurélio dos Santos e há muito tempo que estou estabelecido em nossa pequena cidade com um negócio de
drogas e produtos farmacêuticos.
27. METALINGUAGEM, BUSCA DA “VERDADE”
crônica da casa assassinada
verdade incompleta
Essa busca da verdade acaba por gerar versões contraditórias e incompletas acerca dos eventos:
Questiona-se Mário Carelli: Nina traiu Valdo? Que relações ela mantém com André? O que faz quando está no
Rio de Janeiro? Para os habitantes da Chácara, a vida de Nina é misteriosa. A estrutura fragmentária e os jogos dos
contrapontos espaço-temporais favorecem essa acumulação de segredos, que acabam por criar um clima e sobretudo por
reter a atenção do leitor.