1. Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
Direitos Humanos
A mulher negra brasileira
Walkyria Chagas da Silva Santos
Pós-graduanda em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia -
UFBA
E-mail: kyriachagas@yahoo.com.br
“A articulação entre o sexismo e o racismo incide de forma
implacável sobre o significado do que é ser uma mulher negra
no Brasil. A partir do racismo e da conseqüente hierarquia
racial construída, ser negra passa a significar assumir uma
posição inferior, desqualificada e menor. Já o sexismo atua na
desqualificação do feminino”. (II Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres).
Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a
nossa coluna vai tecer comentários sobre as
mulheres negras brasileiras. Vamos à luta
mulheres negras e oprimidas! Ótima Leitura!
Ser mulher e ser negra no Brasil significa está
inserida num ciclo de marginalização e
discriminação social. Isso é resultado de todo um
contexto histórico, que precisa ser analisado na
busca de soluções para antigos estigmas e
dogmas.
A abolição da escravatura sem planejamento e a
sociedade de base patriarcal e machista, resulta
na situação atual, em que as mulheres afro-
descendentes são alvo de duplo preconceito, o
Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
2. Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
racial e o de gênero.
Ascender socialmente é algo muito difícil para a mulher negra, são muitos
obstáculos a serem superados. O período escravocrata deixou como herança o
pensamento popular, em que, elas só servem para trabalhar como domésticas ou
exibindo seus corpos.
As que se destacam, tiveram que provar mais vezes do que as mulheres brancas
a sua competência, por isso, é que é possível afirmar que a questão de gênero é um
complicador, mas se esta for somada a questão de raça, o resultado é maior exclusão e
dificuldades.
Analisando dados de pesquisas realizadas pelo DIEESE e outros órgãos, é
possível verificar que o preconceito resulta em salários mais baixos para os negros em
relação aos brancos, incluindo o item gênero, inferi-se que o homem negro ocupa um
patamar abaixo do da mulher branca quanto ao rendimento salarial. Mas as mulheres
negras se encontram ainda mais abaixo na pirâmide ocupacional.
No que diz respeito a escolaridade, pesquisa realizada em 2006, revela que entre
as mulheres negras com 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo é duas vezes maior
que entre as brancas, no que tange ao trabalho doméstico infantil, 75% das trabalhadoras
são meninas negras.
Devido à extrema pobreza, as meninas ingressam muito cedo no mercado de
trabalho, sendo exploradas pela sociedade, que sabendo da sua condição financeira,
oprime e humilha. Como é possível verificar, para as mulheres afro-descentes o mercado
reserva as posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o
desrespeito.
Apesar dos avanços alcançados pelas mulheres no mercado de trabalho,
ocupando posições importantes a nível profissional, este avanço é muito reduzido quando
se observa o universo negro. Há poucas mulheres negras trabalhando como executivas,
médicas, enfermeiras, juízas, dentre outras profissões de destaque; o que se verifica
ainda é a grande maioria realizando trabalhos domésticos e recebendo baixos salários.
Mesmo as que possuem diploma universitário, sofrem as discriminações do
mercado. Muitas não conseguem exercer a profissão que se dedicaram na universidade
e sem opção continuam exercendo as mesmas profissões de outrora.
Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
3. Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
Quando o item analisado é a saúde, verifica-se a continuidade da desigualdade. O
percentual de mulheres negras que não possuem acesso ao exame ginecológico é 10%
superior ao número de mulheres brancas; pesquisa de 2004 revela que 44,5% das
mulheres negras não tiveram acesso o exame clínico de mamas, contra 27% das
mulheres brancas; entre 2000 e 2004, a infecção por HIV/AIDS subiu de 36% para 42,4%
entre as mulheres negras, enquanto na população feminina branca, a incidência de casos
diminuiu, no mesmo período.
Vale salientar, ainda, que as mulheres negras possuem menor acesso a anestesia
durante o parto e a esterilização cirúrgica; apresentam menor expectativa de vida se
comparada as mulheres brancas; e, 58% dos óbitos de jovens negras por causas
externas referem-se a assassinatos.
Além da violação ao direito a um trabalho digno, a ascensão social, a educação e
saúde, as mulheres negras são as mais vulneráveis quando o assunto é violência, isso
porque, desde a época da escravidão a mulher negra é vista como objeto sexual,
povoando as fantasias dos homens.
A mulher negra então é aquela que não possui vida psicológica, afetiva e
intelectual. Enquanto a mulher branca era ”guardada e vigiada”, a mulher negra era
submetida ao abuso sexual, ao estupro e a humilhações. No período escravocrata
estuprar uma negra não era crime, e sim um sinal de virilidade do homem branco.
A mulher negra, por diversas vezes têm se mostrado a mantenedora da família,
não só no contexto atual, em que sozinha criam e educam seus filhos, como também no
passado. Isso por que, após a abolição e a imigração européia, não havia mercado de
trabalho para o homem negro, coube a mulher negra o sustento da família, trabalhando
nas casas dos ex-senhores ou vendendo quitutes.
Além de criarem seus filhos, abriram casas de candomblé, criaram seus filhos-de-
santo e mantiveram vivos os laços comunitários originários da África. As fundações das
casas de Axé foram imprescindíveis para a preservação da cosmovisão africana, da
identidade e da cultura negra, da religiosidade que perpassa por todas as esferas da vida
do povo africano. Foram estas casas que preservaram a tradição do culto aos orixás,
bacuros, inquices e voduns, e as línguas africanas.
Enquanto na visão do colonizador a mulher possuía uma posição inferior, na
cosmovisão africana as mulheres tinham e têm lugar de destaque, nas religiões de matriz
Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
4. Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
africana elas são guardiãs dos segredos, zeladoras do povo de santo, e um dos atores
responsáveis pela perpetuação da cultura e da reconstrução da identidade negra no país.
Uma questão importantíssima a ser analisada com relação ao vagaroso progresso
da efetivação dos direitos das mulheres negras, é quanto a representatividade política
destas. Não há um contingente significativo de mulheres negras no parlamento, isso
resulta muitas vezes na falta de criação e concretização políticas públicas voltadas para
esta parcela da população.
As políticas implantadas são em sua maioria de cunho genérico, e num universo
de desigualdades social, racial e de gênero é necessário a realização de políticas
públicas específicas para as mulheres negras, posto que, são as mais vulneráveis em
casos de ocorrência de violação de direitos humanos.
A mulher negra precisa ser valorizada não só pelos deliciosos quitutes, pelo seu
molejo contagiante, pelo corpo sensual, mas principalmente pelas suas qualidades como
ser humano, pelos seus dotes intelectuais. O mundo tem mostrado que é tempo de
mudança, os Estados Unidos da América elegeu um presidente negro, os avanços raciais
estão ocorrendo.
A melhoria da posição social do negro e especificamente da mulher negra é
resultado de um esforço gigantesco. Homens e mulheres afro-descendentes têm lutado
para levar dignidade ao povo negro, resgatar a sua identidade e auxiliar na busca da
ascensão social.
O movimento negro brasileiro, algumas autoridades engajadas e outras
pressionadas pela sociedade têm lutado para que o negro tenha o lugar que sempre
mereceu, que o negro seja tratado com dignidade. Nesta luta surgiram os movimentos
feministas, na busca pela implementação de leis que garantam os direitos básicos das
mulheres negras.
É preciso lembrar que algumas contra toda adversidade conseguiram chegar a
universidade, alcançaram um lugar de destaque na sociedade, mas as barreiras
continuam. Não é possível haver satisfação enquanto outras continuam nos guetos
passando fome, sofrendo as humilhações desta sociedade desigual e opressora.
O povo negro brasileiro está se organizando, as mulheres negras precisam
“tomar” o poder, comandar seu destino, lutar, se organizar, transformar. Há de chegar o
dia, em que vê uma negra recebendo diploma na área de medicina, advocacia,
Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
5. Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com
odontologia, não causará mais espanto, porque teremos alcançado a tão almejada
igualdade.
As mulheres negras, necessitam reencontrar a sua identidade, valorizar sua
história e suas raízes, se assumir enquanto afro-descendentes e agentes ativos desse
processo de democratização racial.
PARA SABER MAIS:
SILVA, Maria Nilza da. A mulher negra. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm.
PRAXEDES, Rosângela Rosa. Mulheres negras: reflexões
sobre identidade e resistência. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/026/26rpraxedes.htm.
A mulher negra e pobre no Brasil. Disponível em:
http://www.overmundo.com.br/overblog/a-mulher-negra-e-
pobre-no-brasil.
http://www.dieese.org.br/esp/estpesq14112005_mulhernegra.pdf
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/estado/2007/05/10/ult4530u46.jhtm
www.casadeculturadamulhernegra.org.br
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres, 2008
Revista África e Africanidades – Ano 2 - n. 5 - Maio. 2009 - ISSN 1983-2354
www.africaeafricanidades.com