1. N
a segunda metade do século XVIII, o
absolutismo monárquico ainda reina
va soberano em quase toda a Europa.
Com exceção da Inglaterra e Holanda, os outros paí-
ses do continente europeu ainda ostentavam o poder
das monarquias absolutas. A França era a estrela mais
brilhante desta constelação. A monarquia francesa no
século XVIII ainda era exemplo de ostentação, luxo e
poder, continuando a história que havia começado no
reinado de Luís XIV — o Rei Sol. Mas exatamente na
França, onde mais brilhava o absolutismo, os revolu-
cionários levantaram barricadas, levando à guilhotina
o rei e parte de sua corte real. O que teria acontecido
de tão diferente no reinado de Luís XVI? Como expli-
car tal fenômeno?
Com efeito, a França era um dos países mais
desenvolvidos da Europa, porém sua população era
marcada por uma profunda disparidade. Dos 25 mi-
lhões de habitantes, 90% vivia nas áreas rurais e, pior
ainda, submetidos a uma rígida estrutura econômica e
social onde persistiam nas terras da nobreza, inúmeros
privilégios herdados do feudalismo.
Os camponeses eram obrigados ao pagamento
do censo — inusitada taxa que sugava metade das co-
lheitas, e banalidades — tributo pela utilização de pon-
tes, moinhos etc. A utilização da terra nos padrões ca-
pitalistas, era uma exceção restrita ao nordeste da Fran-
ça. Na região a burguesia implantara uma estrutura
mais dinâmica interligada ao comércio das grandes ci-
dades. No restante a produtividade agrícola era medí-
ocre em comparação com os padrões atuais. Não ha-
via estímulo à produção e os métodos de cultivo eram
primitivos, bem inferiores aos da agricultura inglesa.
“Os mercados de Paris são sujos, repulsivos —
um caos. Todas as mercadorias são amontoadas ao aca-
so; os poucos depósitos não são suficientes para pro-
teger os alimentos do ataque do tempo. Os arredores
dos mercados são impraticáveis. Os espaços são míni-
mos, estreitos. As carruagens quase esmagam as pes-
soas enquanto estão tratando com os camponeses; os
riachos sempre cheios, às vezes levam a mercadoria
que eles trouxeram da roça. Peixes do mar podem ser
vistos boiando em poças de lama”. 1
“Brevemente as nações esclarecidas colocarão em julgamento aqueles
que têm até aqui governado os seus destinos. Os reis fugirão para os
desertos, para a companhia dos animais selvagens que a eles se assemelham;
e a natureza recuperará seus direitos”.
Saint-Just. Sur la Constitution de la France
Revolução
Francesa
Revolução
Francesa
2. RevoluçãoFrancesa
“Resumindo: na agricultura francesa do final
do século XVIII, os antigos hábitos feudais e medie-
vais ainda dominavam, sob as formas mais grosseiras
e bárbaras possíveis. O proprietário das terras afer-
rava-se com uma obstinação invencível, à rotina de
seus antepassados, nas suas relações com os campo-
neses. Arruinando o camponês com uma exploração
sem peias, que o reduzia à miséria, o senhor feudal
destruía, assim, os fundamentos da sua própria
existência e os da economia do país inteiro,
que permanecia, como acabamos de ver, um
país agrícola. Isto, porém era o que menos
preocupava o senhor feudal. Ele vivia dia
por dia procurando satisfazer às suas ne-
cessidades cada vez maiores, e idealizando
novos métodos de arrancar mais lucros do
camponês.” 2
A produção manufatureira era vigia-
da de perto pela monarquia absoluta. As ma-
nufaturas francesas representavam em 1785,
a metade dos produtos exportados pelo país.
Contudo, o desenvolvimento era desigual e
concentrado em Paris; cidade mais populo-
sa da França, com 500 mil habitantes
enquanto as outras cidades não atingiam a
cifra de 100 mil habitantes. Mesmo desenvolven-
do-se a produção de maquinário têxtil e a vapor, o
incipiente mercado impedia a recuperação do atraso
francês em relação à Inglaterra.
De outro lado, as exportações de móveis, reló-
gios, baixelas, louças etc drenavam recursos para os
cofres do Estado, mas as rigorosas imposições reais e
o regime corporativo impediam que as manufaturas
pudessem crescer livremente. Os altos impostos e ta-
xas e os rigores do absolutismo retiravam pesadas so-
mas de capital da burguesia, detentora das manufatu-
ras. Procurando escapar desse bloqueio, muitos bur-
gueses investiam na compra de terras, diversifi-
cando o capital. A aquisição das terras dava à
burguesia o “status” de nobreza togada, per-
mitindo algumas regalias na corte e um certo
prestígio junto ao rei.
A nobreza tradicional era uma cas-
ta fechada e desligada da atividade mer-
cantil, sob pena de se “desclassificar”. Vi-
via da renda e das pensões do Estado, era
isenta de impostos, desfrutava vários be-
nefícios e estava bem próxima do rei.Todo
o aparelho administrativo e político do
Estado estava nas mãos da nobreza. En-
tretanto, não bastava ser nobre para par-
ticipar do governo; mais do que tudo, era
preciso ser aristocrata, condição adquiri-
da no nascimento. Em termos políticos, a
condição de nobreza togada obtida pela
burguesia era o que se chama de “canoa furada”, pois
não lhe dava acesso aos cargos políticos e administra-
tivos.
“O alarido nas
ruas é tão alto que uma
pessoa, para se fazer ou-
vir, deve berrar ao máxi-
mo; a torre de babel não
propiciaria um espetácu-
lo de maior confusão. Há
25 anos, construiu-se um
depósito para a farinha
mas é muito pequeno.
Seria perfeito para uma
cidade de terceira cate-
goria, enquanto é insufi-
ciente para os enormes
gastos da capital: os sa-
Vista da
Praça Luís
XV. Ao lado, o
palácio do
Louvre.
Quadro de
1788
“Com efeito, o rei e sua administração estavam marginalizados
pela pobreza em um reino que a elevação contínua de preços, o
aumento da massa monetária e o desenvolvimento industrial e
comercial tinham enriquecido: enriquecimento sem dúvida seletivo,
que favoreceu principalmente os beneficiários da renda imobiliária,
os produtores e comerciantes, e evitava cuidosamente assalariados
e pequenos camponeses cujo nível de vida baixara. Mas o próprio
Estado não tirara proveito dessa prosperidade que não recaía sobre
o tesouro”.
Chaussinand Nogaret
3. RevoluçãoFrancesa
cos de farinha estão expostos às intempéries; e não
compreendo qual mesquinhez possa inspirar os cons-
trutores modernos para impedi-los de edificar algo
de grande”. 3
Incapaz de se modernizar, o absolutismo fran-
cês tinha um sistema de governo confuso e complica-
do. As províncias haviam conservado muito do
particularismo feudal. A cobrança do fisco exigia uma
multidão de funcionários reais, custando ao governo
um valor maior do que o total arrecadado. Em 1780, a
monarquia francesa era um gigante abalado, pouco
lembrando a época de Luís XIV.
“Apesar de fraco e pusilânime, Luís XVI gosta-
va de proclamar que só a sua vontade é que ditava as
leis, e que era o monarca “por direito divino”. Duran-
te o seu reinado, vigorou na França o mais completo
despotismo. As temíveis cartas de prisão, que aterrori-
zavam a população, mandavam para as masmorras
centenas de pessoas em todas as regiões do país.” 4
A burocracia e a inércia, em 1780, estrangulavam
a corte de Luís XVI. Indiferente aos problemas o rei
gastava o que tinha e o que não tinha para gastar.
Repetiam-se as festas, os bailes e as comemorações no
Palácio de Versalhes, reunindo centenas de nobres, bis-
pos e cortesãos. Apesar da incompetência, Luís XVI
governava com poder ilimitado, sendo bajulado pela
corte parasita conivente com o luxo e ostentação, obti-
dos com impostos exorbitantes cobrados da população
excluída da corte.
A fracassada política externa amargava a derro-
ta francesa na Guerra dos SeteAnos (1756-1763), quan-
do o país perdeu quase todas as colônias da América
do Norte. Ao final do conflito a monarquia contraiu
outras dívidas agravando o déficit do governo. O ambi-
ente político na Europa não era propício a novas alian-
ças: a Inglaterra dominava os mares e provinha o “equi-
líbrio europeu”.
A Prússia aliara-se à Rússia e à Áustria, para
liquidação da Polônia, aliada tradicional dos franceses.
Os turcos recuavam pouco a
pouco na Europa, à mercê da
Rússia, que desejava herdar a re-
gião balcânica. Os reinos
italianos estavam também à
mercê dos interesses austríacos,
e não queriam conversa com os
franceses.
Contrastando com o luxo
da corte, 99% da população for-
mava o chamado Terceiro Esta-
do — conjunto heterogêneo de
diversos segmentos da socieda-
de.
Vista de Paris
em ilustração
de 1788 de L.
N.
Lespinasse
“O rei exercia sempre um
autocrático e ilimitado poder; a
ele competia decidir, em última
instância, todos os negócios do
país, internos e externos; ele no-
meava e demitia ministros e funci-
onários, fazia e anulava leis, punia
e perdoava”.
A vida é
agradável nesta
cidade, ao
menos para os
que podem - e
são em menor
número - para
aproveitar os
espetáculos nas
Tulheries, como
mostra a
gravura ao lado.
4. RevoluçãoFrancesa
A burguesia ao longo da Idade Moderna, havia
obtido grandes fortunas. Estava porém, afastada da
corte e pressionada por uma série de limitações e bar-
reiras. É certo que os burgueses viam o povo com des-
confiança, mas sabiam também que seria impossível o
aumento do mercado interno, sem uma recomposição
do poder aquisitivo das camadas mais baixas.Além do
mais, a explosão da bomba revolucionária, pressupu-
nha a aliança com o povo. Apesar das diferenças de
classe, o agravamento das tensões sociais e a crise
econômica traçaram um objetivo comum para os inte-
grantes do Terceiro Estado: derrubar a ordem absolu-
tista.
A pobreza gritante da população mais humilde
gerou a Guerra Camponesa de 1636-1637, a Revolta dos
Encamisados de 1702-1705 e a Guerra das Farinhas de
1735.Apesar da amplitude, essas rebeliões caracteriza-
vam-se pela ausência de um projeto político que pro-
porcionasse aos camponeses grandes conquistas po-
líticas.
Em contrapartida, a elite burguesa discutia avi-
damente as idéias iluministas, como o evangelho dos
novos tempos. Os outros segmentos —artesãos e ope-
rários — não possuíam organização e consistência en-
quanto classe. Participariam como força motriz da re-
volução, a partir de violentas ações nas ruas.
“Tudo conspira para que o momento atual se
torne crítico na França: a todo momento chegam das
províncias notícias de rebeliões, desordens e a neces-
sidade de recorrer às tropas para manter a paz (...).
Os preços que menciono são os mesmos que encon-
trei em Amiens e Abbeville: 5 soldos e libra e um pão
branco e 3,5 soldos ou 4 pelo pão inferior, que é
comido pelos pobres; estes preços ultrapassam os
seus recursos, provocando uma grande miséria. (...)
No dia do mercado assisti à venda do trigo (...) Um
grupo de soldados ficara no meio da praça, para
impedir qualquer violência. O povo discutia com os
padeiros, argumentando que o preço que pagavam
pelo pão era muito alto em relação ao preço do tri-
go; das injúrias passou-se à agressão e, neste tu-
multo, alguns levaram pão e trigo sem pagar nada;
isto se deu quando cheguei a Nangia, e também em
muitos outros mercados.” 5
O agravamento da crise econômica abriu a porta
da Revolução, piorando com as péssimas colheitas de
1787-1788 e a desastrosa participação francesa na
Guerra de Independência dos EUA (1786), arromban-
do as finanças do reino. Com os cofres vazios e uma
dívida externa brutal, Luís XVI resolveu tardiamente,
reformar a estrutura financeira do país.
AS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADASAS REFORMAS FRUSTRADAS
Como “salvador da pátria”, foi nomeado Turgot
para o cargo de ministro das finanças. Economista
liberal de origem burguesa, fez um estudo minucioso
das condições da economia francesa chegando às se-
guintes conclusões.
• Início de nova política tributária, sus-
pendendo as isenções e privilégios concedi-
dos à nobreza e ao clero.
• Diminuir a intervenção do Estado na
economia, incentivando medidas menos or-
todoxas.
• Suspensão das pensões aos nobres da
Corte.
Mas quando começar a
Revolução?
OTempo da História
1785
MONARQUIA
FRANCESA EM
CRISE
1788
CONVOCAÇÃO DA
ASSEMBLÉIA DOS
NOTÁVEIS
REUNIÃO
DOS ESTADOS
GERAIS
QUEDA
DA
BASTILHA
DECLARAÇÃO
DOS DIREITOS
DO HOMEM
E DO CIDADÃO
Na gravura, uma
alegoria da
opressão ao
Terceiro Estado,
por parte das
duas classes
privilegiadas.
5. RevoluçãoFrancesa
As medidas de Turgot atingiam especialmente
a aristocracia, que prontamente reagiu à implantação
das reformas. A tensão provocada gerou a demissão
do ministro, em maio de 1776. Demitido, Turgot disse
ao rei: “Não esqueçais, senhor, que foi a fraqueza de
Carlos I que colocou a sua cabeça sobre o tronco”.
Em seguida Luís XVI convocou Necker. O novo
ministro endossou as medidas de Turgot, acrescen-
tando a cobrança dos impostos diretamente pelo go-
verno. Necker publicou o orçamento do Estado de 1776,
criando propositadamente um escândalo, onde
evidenciava as pensões e os gastos exagerados da
Corte. Pressionado pelos nobres, Necker, se demitiu
emmaiode1781.
No mesmo ano, Calonne assumiu o cargo de
ministro, alegando como bom aristocrata que: “O go-
verno precisa salvar as aparências, não dando a im-
pressão que está em crise, portando, nada de reduzir
as despesas da Corte.” Para tanto, fez empréstimos
improdutivos, agravando mais ainda a situação. En-
tretanto, a seca de 1785 fez Calonne recorrer ao expe-
diente das reformas consultando a “Assembléia dos
Notáveis”, em fevereiro de 1787. Como era de se espe-
rar, os nobres não concordaram com as mudanças. Iso-
lado e sem apoio, mais um ministro foi demitido em
maio de 1787.
Diante da recusa dos nobres sobrou a Luís XVI
a opção de convocar os Estados Gerais, assembléia
que não era convocada desde o século XVI. O critério
de votação indicava um voto para cada estado, apro-
ximando nobreza e clero na defesa de seus interesses,
provavelmente derrotando o Terceiro Estado. Porém
o que os nobres não percebiam, é que a situação mina-
va os pilares de sustentação do Estado Absolutista.
Apesar da intensidade da crise, Luís XVI ten-
tou emplacar um esquema nefasto de empréstimo com
a Inglaterra, sem discuti-lo com os nobres. Em represá-
lia, a nobreza publicou um manifesto contra o rei, em
maio de 1788, com grande repercussão em todo o país.
Enquanto isso, o país explodia em agitações clamando
por reformas. Cada vez mais apavorado, o rei convocou
os Estados Gerais em
agosto de 1788, ao
mesmo tempo que
chamava Necker de
volta ao Ministério
das Finanças.
O SO SO SO SO S
ESTADOSESTADOSESTADOSESTADOSESTADOS
GERAISGERAISGERAISGERAISGERAIS
Após a esco-
lha dos representan-
tes, em maio de 1789,
finalmentecomeçaram
as discussões nos Estados Gerais. Eram 611
representantes do Terceiro Estado, 306 do Clero e 282
da Nobreza. Note que os representantes do clero e no-
breza totalizavam 588 deputados contra 611 doTerceiro
Estado. Durante as eleições, as paróquias e vilas elabo-
raram as famosas cartas de súplicas, que serviram de
base na assembléia. Como era de se esperar, Luís XVI
fez um pronunciamento patético na abertura da assem-
bléia.
Negava qualquer possibilidade de elaborar uma
Constituição e recusava à igualdade perante a lei. Indi-
ferente aos problemas, o rei não podia imaginar o que
aconteceria logo depois!
No dia 10 de julho de 1789, as três ordens inicia-
ram os debates, no local denominado “Hotel Menus
Plaisirs”. O início da sessão mobilizou o povo da Fran-
ça que esperava ansioso o desfecho dos acontecimen-
O ócio e o vício
“Ao meio-dia o pessoal se encontra no
quadrante do Palais Royal. Alguns ociosos, relógio
na mão, colocam os ponteiros em onze e sessenta
minutos, e disso contam vantagem durante todo o
dia. No caveau outros desocupados agitam
ociosas e literárias questões, mil vezes debatidas e
das quais a tímida geração dos nossos jovens
autores não parece querer ainda sair”.
Se vocês querem ver belos quadros, visitem
a galeria do Palais Royal; se quiserem ver lindas e
graciosas mulheres com as roupas mais elegantes e modernas, coloquem-se na
passagem da grande escadaria; se querem saborear bons sorvetes; vão ao caveau; mas
se querem ouvir novidades picantes, é inútil perguntar aos livreiros do lugar. É no
coutevilleque no domingo se junta uma multidão que dedica esse dia às bebedeiras e
àquela forma de libertinagem que nas classes superiores é chamada galanteria”. 6
A situação
parecia não ter
outro caminho
senão a
convocação dos
Estados Gerais:
estes são de fato
convocados em
agosto de 1788. Na
gravura, o anúncio
da convocação.
COLOQUE ESSE
QUADRO
APENAS SE
HOUVER ESPAÇO.
6. RevoluçãoFrancesa
tos. Na impossibilidade de um acordo
decidiu-se pela votação das reformas.
Foi nesse momento que a burguesia es-
tragou a festa da aristocracia aceitando
apenas a votação individual. Na conta-
bilidade mais pessimista, tinham maioria
em relação aos outros Estados.Anobreza
e clero rejeitaram a proposta, impedindo
então a votação.
“O que é o terceiro
estado?
Tudo. O que tem sido até
agora
Na ordem política? Nada.
O que pretende ser?
Alguma coisa.
Abade sieyès. Abade francês.
A situação empurrou o Terceiro Estado para a
“guerra”, quando os burgueses começaram a Assem-
bléia Nacional, no dia 7 de junho.Adecisão foi tomada
com a adesão de vários representantes do baixo clero,
que concordavam com a linha de ação burguesa. Quan-
do Luís XVI mandou fechar o “Hotel Menus Plaisirs”,
os rebeldes reagiram celebrando um pacto, onde pro-
metiam permanecer em assembléia até a elaboração da
Constituição do povo da França.
Quando o Marquês de Brézé,
líder do Primeiro Estado, exigiu que
os líderes burgueses desfizessem a
Assembléia, Mirabeau, um dos
líderes do Terceiro Estado,
respondeu: “Ide dizer àqueles que
vos enviaram que estamos aqui pela
vontade do povo e que só sairemos
daqui a poder de baionetas”.
Ao enfrentar o rei, a burgue-
sia gerou uma grande reviravolta
nos acontecimentos. Na prática, o rei
perdeu o poder político, e foi
obrigado a aceitar a incômoda
Assembléia Nacional. Nos seus primeiros passos, a
Revolução se deparou com as tropas reais em frente à
Assembléia, com o objetivo de encerrá-la.Diante da
ameaça, a Revolução ganhou as ruas. A 13 de julho
sob liderança burguesa, organizaram-se as milícias de
Paris.
E
m 14 de julho, o delírio: o povo
atacou a fortaleza da Bastilha, sím
bolo da opressão e arbítrio. Bailly
assumiu a chefia do Comitê Permanente e Lafayette o
comando da Guarda Nacional — reunião das milícias
com cerca de 12.000 voluntários.
Logo em seguida Laffayette entregou ao rei, o
símbolo da Revolução: uma insígnia com as cores bran-
ca, vermelha e azul, representando a união das classes
O início dos Estados
Gerais na visão de Stephan
Zwieg:
“As carruagens pararam ante o
templo. O rei, a rainha e a corte apea-
ram-se. Ali os esperava um espetáculo
insólito. Os representantes da aristocra-
cia, pomposos nos seus mantos de seda
agaloados de ouro, com chapéus de plu-
mas brancas altivamente levantadas, já
era para eles familiares em todas as fes-
tas e bailes, familiar também o fausto
do clero, do vermelho chamejante dos
cardeais ao roxo dos bispos. Aquelas
duas classes, a primeira e a segunda,
há um século cercavam fielmente o tro-
no, adornando todas as festas. Mas, que
seria aquela massa fosca, aqueles ho-
mens vestidos com desejada simplici-
dade, todos de negro, onde brilhava apenas a alvura das gravatas, aquela gente que levava um modesto
tricórnio, os desconhecidos, ainda hoje, anônimos, que se aglomeravam ante a igreja como um só bloco
escuro?
Que pensamentos ocultariam os vultos enigmáticos e nunca vistos, em que brilhavam olhares
cheios de audácia, de altivez e de severidade? O rei e a rainha fixaram os seus adversários que, sentin-
do-se fortes pela união, nem se inclinaram, nem prorromperam em aclamações, mas esperavam em viril
silêncio o momento de tomar parte na obra de renovação, com equivalência decidida, ao lado dos pom-
posos privilegiados de nomes ilustres. Com seu aspecto austero e impenetrável, pareciam muito mais
juízes que conselheiros obedientes”.
Esse retrato
pintado por A.
Callet mostra o rei
Luís XVI
resplandecente
em trajes de
coroação que
falam dos
oitocentos anos
ininterruptos da
monarquia na
França.
ESSE QUADRO ABAIXO PODE SER RETIRADO SE NÃO HOUVER ESPAÇO
7. RevoluçãoFrancesa
contra a tirania. Mas nem tudo corria tão bem
para os burgueses da Assembléia: no campo, os
lavradores assaltavam castelos, queimavam do-
cumentos que fixavam a servidão e os direitos
feudais. O aumento das tensões preocupava a
burguesia, que se viu na iminência de perder o
controle e o comando da revolução.
Para conter a fúria camponesa, em 4 de
agosto, foram anunciadas novas medidas
constituintes: extinção dos direitos feudais, a aboli-
ção do dízimo e o fim das corporações. Foi também
aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão.
Considerando a opinião do historiador A.
Manfred. “A revolucionária resolução da burgue-
sia, que nessa época ainda era uma classe jovem e
progressista, expressou-se nessa Declaração. Ela re-
fletia, ao mesmo tempo, com mais clareza e mais vigor
do que qualquer outro documento desse tempo, a in-
fluência das enormes massas populares, mobilizadas
para a luta contra a feudalidade. A célebre divisa
A Queda da
Bastilha
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO
1 OS HOMENS NASCEM IGUAIS E LIVRES E ASSIM PERMANECEM QUANTO A SEUS
DIREITOS.
2 ESSES DIREITOS SÃO: A LIBERDADE, A SEGURANÇA E A RESISTÊNCIA À OPRESSÃO.
3 A LIBERDADE CIVIL E POLÍTICA CONSISTE NO PODER DE FAZER O QUE QUER QUE NÃO
PREJUDIQUE OS OUTROS.
4 NINGUÉM DEVE SER PUNIDO A NÃO SER DE ACORDO COM A LEI PROMULGADA ANTES
DA OFENSA.
5 UM HOMEM É CONSIDERADO INOCENTE ATÉ SER CONDENADO.
6 NINGUÉM DEVE SER PERSEGUIDO POR SUAS OPINIÕES EM QUALQUER CAMPO, DESDE
QUE SUA EXPRESSÃO NÃO PERTURBE A ORDEM PÚBLICA ESTABELECIDA PELA LEI.
7 A PROPRIEDADE É UM DIREITO SAGRADO E INVIOLÁVEL; NINGUÉM DELA SERÁ
DESTITUÍDO SEM PRÉVIA E JUSTA INDENIZAÇÃO.8
“A lei é a expressão da vontade
geral. Ela tem de ser a mesma para
todos, quer seja protegendo, quer seja
punindo. Todos os cidadãos, sendo
iguais aos seus olhos, são igualmente
admíssiveis a todas as dignidades”.
8. RevoluçãoFrancesa
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, extraída da
Declaração de 1789, repercutiu com o estrépito de
um trovão em todos os recantos da Europa. Num sécu-
lo em que o regime absolutista e feudal ainda domi-
nava todo o continente, esse audacioso manifesto da
burguesia revolucionária, proclamando a igualdade
jurídica de todos os homens, a liberdade individual e
o direito de resistência à opressão, representou um
papel progressista. ” 9
Todavia o caráter progressista da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão era historicamen-
te limitado. Proclamado o caráter “inviolável e sagrado”
da propriedade privada, seus autores acentuavam a na-
tureza burguesa do documento existindo igualdade ape-
nas no aspecto jurídico. Analisando atentamente o do-
cumento percebe-se que a burguesia advogava em cau-
sa própria. Cuidava de preservar e assegurar os inte-
resses da sociedade capitalista liberal que acabara de
nascer consagrando, sobretudo, o direito de proprie-
dade, verdadeiro alicerce do modelo capitalista.
Ainda assim a Declaração consiste no primeiro
documento de alcance universal da História. Um dos
representantes burgueses mais em evidência, Du Port,
dizia que “a Declaração deveria servir de modelo para
todos os homens e para todas as nações.” Realmente,
não há como negar, a importância histórica desse do-
cumento, que norteia inúmeras constituições de países
democráticos.
De outro lado, os sucessivos problemas impe-
diam a estabilidade da Revolução. Em primeiro lugar,
o rei não aceitava a Revolução. Ironicamente, Luís XVI
acordou do “sono político” disposto a articular a con-
tra-revolução. A rainha Maria Antonieta, insuflava o
rei encorajando-o a buscar auxilio nas monarquias vi-
zinhas.
Nas ruas, o povo se agitava nas Jornadas de
Outubro, literalmente invadindo o Palácio deVersalhes.
Em 21 de outubro de 1789, a Assembléia aprovou a
lei marcial autorizando o ataque à população civil.
Marat, no seu jornal, dizia: “Para acorrentar o povo
que os amedronta, para se voltar contra ele, para
opor a ele a milícia nacional, os inimigos públicos
recorreram à lei marcial, esta lei sanguinária”.
A situação financeira beirava o caos, afinal a
Revolução se deu em meio a grave crise econômica. A
Assembléia tentou amenizar o problema, dividindo as
províncias francesas, objetivando superar os antigos
entraves feudais. Foi também aprovada a Constitui-
ção Civil do Clero jogando a Igreja no chão. As propri-
edades eclesiásticas foram transformadas em bens na-
cionais e colocadas à venda. Com essa medida, a As-
sembléia procurava o duplo benefício de obter rique-
zas e ao mesmo tempo golpear a Igreja Católica, im-
portante aliada dos nobres feudais.
Fora do país, sob liderança da Áustria organi-
zou-se a ofensiva dos países absolutistas, decididos a
invadir a França. Animado, Luís XVI resolveu jogar
mais lenha na fogueira, fugindo com a família real. O
plano visava a fuga para a Áustria e quase deu certo,
não fosse a captura da família real na cidade de
Varennes, a poucos quilômetros da fronteira austría-
ca. Por um triz, o rei não escapou. A frustrada fuga da
família real exaltou os ânimos do povo, expondo a
indefinição da burguesia. em 1792, acabou o reinado
A reunião dos
Estados Gerais é
realizada no dia 1
de maio. A
situação do país
nesse meio-
tempo, se
agravou: para
isso contribuiu
uma crise breve
mas de extrema
violência.
“Chegou o tempo de julgar
os homens pelo que têm aqui,
sob a a testa, entre as
sombrancelhas”.
Mirabeau
Para acorrentar o povo que os amedronta, para opor a ele a milícia nacional,
9. RevoluçãoFrancesa
de Luís XVI quando o povo inflamado pressionou a
aprovação da República, inaugurando a etapa mais
radical da Revolução.
A REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINAA REPÚBLICA JACOBINA.....
Após a deposição de
Luís XVI se radicalizou a
disputa política entre
girondinos e jacobinos. Os
girondinos insistiam numa
estrutura mais liberal, mas
perderam para os jacobinos
que tinham mais influência
na população mais humilde.
Logo após o começo da
República os jacobinos
assumiram o poder com
amplo respaldo popular.
Visando conter os
preços, foi decretado o
máximum fixando o preço do pão e de outros artigos
essenciais, além do congelamento dos salários. A de-
cisão radical provocou polêmica desgastando os
jacobinos que não conseguiam estabilizar a Revolu-
ção como haviam prometido. Segundo Robespierre que
liderava os jacobinos, “Não tem a liberdade, essa bên-
ção inestimável (...) o direito de sacrificar vidas, for-
tunas e até mesmo, por algum tempo, as liberdades
individuais? Não é a Revolução Francesa uma guer-
ra de morte entre os que desejam ser livres e os que
pretendem ser escravos: Não há meio-termo; a Fran-
ça deve ser totalmente livre ou perecer nessa tentati-
va, e qualquer meio é justificado na luta por uma
causa tão bela.”
Com base nesses ideais os jacobinos decidi-
ram aplicar a pena de morte na guilhotina, aos acusa-
dos de conspiração. De forma implacável eliminaram
todos os adversários à direita e à esquerda. Nobres e
sans-culottes indistintamente perderam a cabeça na
guilhotina.Ao todo morreram mais de 20.000 pessoas,
marcando o período jacobino como a época do Terror.
Isolados e sem apoio, os jacobinos foram víti-
mas do próprio remédio. Depois da condenação de
Danton, foi a vez de Robespierre, em julho de 1794,
devolvendo à burguesia o poder, quando então, for-
mou o governo do Diretório. Desenvolvendo uma po-
lítica igualmente implacável, o Diretório esmagou, ao
mesmo tempo, revoltas da nobreza e dos sans-culottes,
dentre elas, a Conjuração dos Iguais, que lutava por
igualdade social, antecedendo o comunismo do sécu-
loXIX.
Na verdade, o retorno da burguesia não signi-
ficou a estabilidade no poder. Visando a segurança da
revolução e tudo o que isso representava, a burguesia
apostou em outra solução. Buscou uma saída que efe-
tivasse a revolução com medidas de força que não
fossem antipatizadas pela maioria. Procurando apoio
nos militares, o Diretório, cada vez mais, dependia do
Exército; isso abriu caminho para a entrada em cena do
vitorioso general Napoleão Bonaparte.
A
Revolução Francesa foi descrita como
uma série de revoluções concorrentes.
Além da revolução da burguesia, houve
uma revolução camponesa autônoma, precipitada pela
pobreza crescente, pelo ódio à ordem senhorial e pelas
crescentes esperanças despertadas pela convocação dos
Estados Gerais. Ocorreu também um terceiro levante,
o dos jornaleiros urbanos, assalariados, lojistas bur-
gueses menores e artesãos, todos violentamente atin-
gidos pela falta de alimentos e pela elevação dos pre-
ços. A Revolução Francesa acabou com o predomínio
da aristocracia. Eliminados os seus direitos, privilégios
e títulos feudais, confiscadas as terras dos emigrados e
reduzida a sua influência, os nobres tornaram-se sim-
ples cidadãos comuns. A Igreja, tendo perdido seus
tribunais, assembléias, propriedades e dízimos, já não
era um Estado dentro do Estado, mas apenas uma co-
munidade espiritual.
A burguesia liderou a Revolução e foi sua prin-
cipal beneficiária. O princípio da abertura de carreiras
aos homens de talento deu-lhes acesso às mais altas
posições no Estado. A destruição dos resquícios feu-
dais — impostos sobre circulação interna — e das
guildas apressou a expansão de uma economia de mer-
cado competitiva.
Dotada de talento, riqueza, ambição e, agora, de
oportunidades, a burguesia dominaria o futuro. Em todo
o continente europeu as reformas da Revolução Fran-
cesa serviram de modelo aos burgueses progressistas
que, mais cedo ou mais tarde, desafiaram o Antigo
Regime em seus respectivos países.
A Revolução Francesa transformou o Estado
os inimigos públicos recorreram à lei marcial, esta lei sanguinária”.
Na gravura, a
massa saqueia o
arsenal real a 13
de julho. Na manhã
seguinte, ocuparia
o Hotel dos
Inválidos e depois
a Bastilha.
COLOQUE ESSE
TEXTO
APENAS SE
HOUVER ESPAÇO.
10. RevoluçãoFrancesa
dinástico do antigo Re-
gimenoEstadomoderno:
nacional, liberal, secular
e racional. Quando a De-
claração dos Direitos do
Homem e do Cidadão
afirmou que “a fonte de
toda soberania reside es-
sencialmente na nação”,
o conceito de Estado as-
sumiu um significado
novo.
O Estado já não
era apenas um território
ou federação de províncias; não era apenas a posse
privada de reis que pretendiam ser delegados de Deus
na Terra. De acordo com a nova concepção, o Estado
pertencia ao povo como um todo, e o indivíduo, antes
súdito, era agora cidadão com direitos e deveres, go-
vernado por leis que não estabeleciam distinções ba-
seadas na descendência. (...)
A Revolução Francesa também deu origem ao
nacionalismo moderno. Durante seu desenvolvimento,
a lealdade era dirigida para toda a nação, e não a uma
aldeia ou província, ou à pessoa do rei. Toda a França
se transformou na pátria. Sob os jacobinos, os france-
ses se converteram à fé secular, pregando a reverência
total à nação. “Em 1794 não acreditávamos na religião
sobrenatural; nossos sentimentos interiores sérios es-
tavam todos resumidos na única idéia, a de ser útil à
pátria. Tudo mais (...) era, a nossos olhos, apenas trivi-
al. (...) Era a nossa única religião”. Poucos suspeita-
vam que a nova religião do nacionalismo estava cheia
de perigos. Saint-Just, um jovem e ardente partidário
de Robespierre, parecia ver o nosso século, quando
disse: “Há algo de terrível no amor sagrado à pátria. É
um amor tão exclusivo que sacrifica tudo ao interesse
público, sem piedade, sem medo, sem respeito pelo
indivíduo humano”.
MarvinPerry—HISTÓRIADACIVILIZA-
ÇÃO OCIDENTAL— Martins Fontes Editora, pág.
440-443.
1 In. Louis-Sebastian Mercier. Tableau de Pa-
ris.1782.Apud.Invernizzi,Gabriele.ARevoluçãoFran-
cesa. IstoÉ. 1989.
2 In. A Manfred, A Grande Revolução France-
sa. Cone Editora. Pág. 11.
3 In. Louis-Sebastian Mercier. 1782-1788. Op.
Cit. Pág. 6.
4 In. A
Manfred. Op. Cit.
Pág. 17.
5 In. A.
Y o u n g ;
Voyages en
France, citado
por L. Gouthier e
A. Troux, Les
Temps Modernos.
pág. 373 Apud. Jobson Arruda. Hist. Moderna e Con-
temporânea. Editora Ática.
6 In. Louis-Sebastian Mercier. Op. Cit. 1782-
1788.
7 In. Zwieg, Stefan. Maria Antonieta . Nova
Fronteira Editora. Pág. 87.
8 In. Leite, Miriam Moreira. Iniciação à Histó-
ria Social Contemporânea. Terceira Edição. São Paulo,
Curtis, 1890, pág. 196.
9 In.AManfred. Op cit. Pág. 84.
10 In. Florenzano, Modesto. As Revoluções
Burguesas. Editora Brasiliense. pág. 48-49.
11 In. Florenzano, Modesto. Op. cit. Pág. 63.
Robespierre
participa como
deputado na
reunião dos
Estados Gerais,
em Versalhes,
quando a
Assembléia se
declara
Constituinte
(Óleo de
Couder.)
O governo jacobino repre-
sentava uma aliança de classes
sociais cuja manutenção só podia
existir em condições excepcionais
e com medidas excepcionais, uma
vez que seus interesses econômi-
cos, sociais e políticos não eram,
naturalmente, os mesmos, pelo
contrário,
Na gravura acima
e no destaque, a
execução de Luís
XVI