Este documento fornece um resumo histórico da evolução do estudo da liderança ao longo dos séculos. Inicialmente, os pesquisadores se concentraram nos traços de personalidade dos líderes, mas posteriormente passaram a estudar também os estilos de liderança e como o contexto organizacional influencia a eficácia dos líderes. As teorias mais modernas enfatizam a importância de combinar as características dos líderes, seguidores e situação para o sucesso da liderança.
1. ,...,
LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇAO
DO SENTIDO
ARTIGO * Cecília Whitaker Bergamini
Uma revisão da evolução histórica dos estudos e pesquisas sobre liderança
enfatiza a importância de líderes organizacionais eficazes.
A review of ihe historical eoolution of the studies and surveys on leadership strengh the
imporiance of effective organizacional leadere.
PALAVRAS-CHAVE:
Liderança, interação, poder, ÚJ-
ttuêncie, autoridade, carisma,
cultura organizacional, motiva-
ção, atitude.
KEY WOROS:
Leaders/Jip, interaction, power,
inttuence. authority, cnerism,
organizationa/ cu/ture, motiva-
tion, altitude.
, Professora do Departamento
de Administração Geral e Re-
cursos Humanos da EAESPI
FGV.
102 Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 3, p.102-114 Mai./Jun. 1994
3. iJ!J/J ARTIGO
Cronologicamente, a seqüência históri- como os responsáveis pelos primeiros
ca do estudo da liderança mostra várias passos rumo à sistematização do estudo
etapas. A teoria dos traços originou-se de em liderança. A contribuição desses pes-
pesquisas disponíveis a respeito de lide- quisadores ficou, por assim dizer, mais
rança dentro dos períodos compreendi- restrita ao estudo do líder em si, tendo
dos entre 1904-1948.Uma revisão dessas suas pesquisas se omitido na considera-
pesquisas conseguiu isolar cerca de 34 ção de aspectos ligados às circunstâncias
traços de personalidade considerados ambientais que envolvem o vínculo líder-
como típicos de bons líderes. O enfoque seguidor. Avaliando o trabalho desenvol-
dos estilos de liderança aparece logo no vido dentro desses primeiros enfoques,
início da década de 50. Nesse momento, Smith e Peterson comentam: "Esses pes-
um grande esforço de pesquisa foi mobili- quisadores em liderança agiam como se eles
zado buscando saber como o bom líder fossem alquimistas medievais à procura da pe-
deve agir. dra filoeofal", 5 Está subentendido nessa
Essa segunda etapa da história da lide- crítica que esses pesquisadores preten-
rança inicia-se no pós-guerra, especial- diam como que" destilar a essência" da li-
mente nos Estados Unidos. Nesse mo- derança para encontrar aquilo que pudes-
mento foram criados inúmeros instru- se distinguir os líderes como pessoas es-
mentos de análise do comportamento em peciais, diferentes, portanto, do restante
liderança, representados principalmente dos mortais.
pelos questionários. Como testemunha Numa etapa subseqüente surgem as
Guiot: "Numerosas pesquisas foram levadas a teorias situacionais que possuem como
efeito tendo em vista colocar em evidência as principal foco de interesse o estudo do
relações entre os tipos de comportamento do comportamento contingente em lideran-
líder e a eficácia de sua liderança. A hipótese ça. A ênfase já não é mais colocada unica-
subjacente, orientadora da pesquisa, é aquela mente sobre uma variável isolada cir-
que propõe ser o estilo de liderança manifesto cunscrita à ação do líder sobre um tipo de
pelo líder, o determinante do nível de desem- atitude passiva do subordinado. De ma-
penho atingido pelo grupo (ou unidade orga- neira um pouco mais complexa, a princi-
nizacional por ele comandada)".» É sabido pal preocupação desse novo grupo de es-
que nesse momento todo o esforço de tudos será dirigida também às caracterís-
pesquisa contava com ambientes onde ha- ticas comportamentais dos liderados. Os
via maior controle das variáveis. defensores das proposições conhecidas
A liderança tem sido também estudada como contingenciais levantam novas va-
como um processo de interação que envol- riáveis que passam a ser objeto de investi-
ve trocas sociais. Sob esse aspecto, o líder é gação. Esse posicionamento determina o
visto como alguém que traz um benefício, caráter de maior abrangência dessas teo-
não só ao grupo em geral, como a cada rias com relação às anteriores. O ambiente
membro em particular, fazendo nascer organizacional, bem como as característi-
desse intercâmbio o valor que seus segui- cas comportamentais dos seguidores, pas-
dores lhe atribuem. Em troca, os membros sa agora a fazer parte integrante do qua-
do grupo devolverão ao líder seu reconhe- dro geral das investigações voltadas ao
cimento e aceitação como forma de lhe estudo sistemático da ciência da lideran-
conferir a autoridade para dirigir pessoas. ça. Os enfoques contingenciais propuse-
Dentro desse apanhado de estudos ram que as organizações poderiam contar
mais sistemáticos, alguns nomes se desta- com bons líderes desde que lhes dispen-
cam. Nas pesquisas sobre traços de perso- sassem treinamento adequado e promo-
nalidade surgem Stogdil e Mann. Lewin, vessem um ambiente favorável onde pu-
Fleshman, Coons, Likert e outros conheci- dessem agir com eficácia.
4. GUIOT, J. M. Organisations dos, como os pesquisadores dos grupos Hampton, Summer e Weber assim re-
socia/es et comportements.
Montreal: Les Éditions Agenee das Universidades de Ohio e Michigan, sumem a contribuição oferecida nessa
d'Are INC, 1987, p. 142. foram os principais responsáveis pelas in- fase do estudo da liderança: "Os três enfo-
vestigações feitas em tomo dos estilos de ques situacionais acrescentam muito à nossa
5. SMITH, R., PETERSON, M. F.
Leadership, organization and-
liderança. McClellan e Minner investiga- atual compreensão de liderança. O modelo
cu/ture. London: Sage Publica- ram a motivação para a liderança. Todos contingencial de Fiedler mostra que existe si-
tion, 1989, p. 11. eles são reconhecidamente considerados tuações favoráveis e desfavoráveis para o líder
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4. LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
e que alguns tipos de líderes saem-se melhor /I A função motivacional do líder reside nas
em situações favoráveis, enquanto que outros, crescentes recompensas pessoais dos subordi-
em situações desfavoráveis. O enfoque do ca- nados no sentido da chegada aos objetivos do
minho-objetivo deu vida à noção de que os su- trabalho, fazendo com que o caminho para es-
bordinados tentam ser pessoas bem-intencio- sas recompensas se torne mais fácil de ser per-
nadas e que o líder que puder ajudá-las nesse corrido ao deixá-lo mais evidente, reduzindo
processo terá sucesso. Finalmente, os enfoques os bloqueios do percurso e as armadilhas, bem
de Tannembaum/Schimit e Vroom/Yetton como aumentando as oportunidades de satis-
mostram como realmente podem ser comple- fação pessoal em curso", 7 O papel do líder,
xas asforças que estão em jogo na tentativa do conforme o enfoque do caminho-objetivo,
líder em adequar seu comportamento à situa- caracteriza-se como aquele de agente a
ção",> Com isso, maior profundidade é quem cabe desbloquear a força motiva-
acrescentada ao estudo da liderança. cional contida no interior do seguidor.
Se, para as colocações teóricas iniciais,
o traço de liderança era inato, agora, com
os teóricos da contingência, essa caracte-
rística pode ser desenvolvida. Instala-se, a
partir desse novo enfoque, a crença de
que qualquer um pode ser um bom líder,
basta que seja preparado para tanto. A
partir desse momento é que começa a sur-
gir um grande número de programas de
treinamento e desenvolvimento em lide-
rança, avidamente consumido pelas orga-
nizações empresariais do mundo todo.
LIDERANÇA COMO SINÔNIMO DE MOTIVAÇÃO
Devem existir razões muito especiais
que justifiquem o crescente interesse de
pesquisadores e autores a respeito da ine-
vitável união entre aqueles pontos co-
muns que interligam a dinâmica motiva- A contribuição feita pelas teorias que
cional e a eficácia da liderança. Esses dois ressaltaram a importância da motivação
termos, a partir de um determinado mo- dentro do processo de liderança é inesti-
mento, parecem definitivamente unidos mável. Já foi possível perceber que, na
na teoria e na prática por uma relação de busca da eficácia, não cabe ao líder moti-
causa e efeito. var seus seguidores. Quando aceitam um
Em 1964, Hollander propõe a teoria novo emprego, as pessoas, em geral, es-
das trocas, destacando como importante tão cheias de esperanças e acalentam ex-
fator de eficácia na liderança o equilíbrio pectativas, sendo, por isso, depositárias
que deve ocorrer entre as expectativas de de um rico manancial de motivação. O
um subordinado e as respostas compor- potencial sinergético contido nas necessi-
tamentais oferecidas por seu líder. Isso dades motivacionais constitui um reper-
sugere que a aceitação de um líder será tório básico de forças pessoais que é ine-
tanto maior quanto mais ele for conside- rente a cada um. Desconhecer essa fonte
rado como facilitador da consecução da- natural de motivação representa um im-
queles objetivos almejados pelos seus su- pulso fatal rumo à desmotivação. Ignorar 6. HAMPTON, D. R., SUMMER,
bordinados. essa predisposição natural é como assu- C. E., WEBER, R. A. Organizatio-
Concomitantemente House e Mitchel mir a filosofia taylorista que preconiza a nal behavior and pratice of ma-
nagement. USA: Sccot Fores-
propõem a teoria caminho-objetivo, a par- indolência natural do ser humano.
man and Company, 1978, p.
tir da qual o líder não somente deve co- Ao descobrir que a motivação repre- 615.
nhecer os objetivos almejados por seus senta um elemento-chave à eficácia do lí-
subordinados, como também desempe- 7. HOUSE, R. J. A path-goal
der, entende-se que, talvez, o maior de to-
theory of leader etteciiveness.
nha o papel de facilitador do percurso até dos os desafios que ele enfrenta seja in- USA: Adminlstrative Science
esses objetivos. O próprio House afirma: viabilizar o processo de degenerescência Quartely, 1971, p. 324.
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5. iJ~1J
ARTIGO
do potencial da sinergia motivacional. tores complementares de satisfação des-
Pode-se perceber, através desse novo en- sas necessidades, poderá então ser consi-
foque, que o ingênuo" chefe" esteja inva- derado como um importante agente na
riavelmente à procura de regras para mo- construção de climas mais favoráveis de
tivar seu novo funcionário, enquanto o lí- trabalho.
der eficaz estará atento para que a rique- Kouzes e Posner deixam bem evidente
za contida nas necessidades de cada um a ligação entre liderança e motivação
não seja drenada e se perca, talvez para quando propõem: "A motivação absoluta a
sempre. motivadores extrínsecos limita severamente a
Cada vez com maior freqüência, os au- habilidade de uma organização ultrapassar-se.
tores contemporâneos mostram-se unâni- Ela limita a habilidade dos gerentes de usar o
mes ao enfatizar a necessidade de se ter potencial integral dos empregados. Desperdiça
clara a diferença entre o comportamento o talento humano e drena os recursos organi-
simplesmente condicionado por motiva- zacionais. É certo que se deva pagar aos em-
dores extrínsecos ao indivíduo e aquele pregados com justiça e oferecer benefícios
que tipifica as ações do empregado real- eqüitativos. Isso, definitivamente, está fora de
mente motivado. A motivação intrínseca cogitação. Todavia, a ênfase sobre incentivos
orienta cada um na busca daquilo que é externos e pr.essões constrange as pessoas. Isso
valorizado pelas suas predisposições in- não as libera para darem o melhor de si. Cons-
ternas. Ao considerar a liderança como si- trange também os gerentes em conseguir
nônimo de motivação, o líder percebe aprender como conseguir que os outros quei-
esse claro divisor de águas no fluxo das ram fazer aquilo que necessita ser feito. E,
ações humanas. Muito daquilo que se tem caso não se consiga aprender a conseguir que
produzido na literatura atual em admi- as pessoas queiram, nunca se poderá liderá-
nistração aponta como praticamente in- las". 8 Não há dúvida que liderar sendo
viável liderar sem distinguir o comporta- capaz de conhecer, valorizar e satisfazer
mento estimulado de fora para dentro das os apelos vindos das necessidades interio-
ações emitidas pela força das pulsões mo- res exige muito maior perícia do que ma-
tivacionais interiores. nipular prêmios e castigos disponíveis no
Aqueles que acreditam que se possa ambiente da empresa.
motivar as pessoas estão partindo do Os teóricos da motivação intrínseca
pressuposto de que elas devam ser chefia- destacam a importância da percepção no
das e não lideradas. Isso estabelece um processo de satisfação dos desejos interio-
importante diferencial entre o clássico res, embora considerem, tanto um quanto
chefe, que, por força da sua autoridade outro, como elementos pertencentes ao
formal tem recursos para distribuir prê- mundo subjetivo. "Uma vez que a satisfação
mios e punições ao acaso, e o verdadeiro envolva a interação entre a pessoa e seu am-
líder. Este último percebe com clareza biente, sua valorização liga-se, em parte, à na-
que o mundo exterior, cheio de benefícios tu reza objetiva do mundo exterior da pessoa.
e restrições, não tem sentido para o indi- A satisfação depende de ambos, a forma real
víduo. Aquilo que qualificará tais elemen- do mundo ser e como essa realidade é percebi-
tos como verdadeiros prêmios ou castigos da pela pessoa"." A percepção exerce, as-
reais é o tipo de carência existente, naque- sim, função importante na valorização
le momento, no interior de cada um. Por dos traços do meio ambiente, mas para
exemplo, o prêmio de um trabalho mais tanto, retira dos desejos não satisfeitos as
complexo só é visto como tal pela pessoa informações necessárias para atribuir sen-
que sinta real necessidade de livrar-se da tido ao mundo objetivo.
8. KOUZES, J. M., POSNER, B.
Z. O desafio da liderança - aborrecida rotina de tarefas repetitivas. A
como conseguir feitos extraor- motivação está, portanto, contida nas ne- LIDERANÇA COMO ADMINISTRAÇÃO DO
dinários em organizações. Rio cessidades de cada um. Sendo assim, ao SENTIDO
de Janeiro: Campus, 1991, p.
34. se aceitar que a motivação seja sinônimo
de necessidades, só se conseguirá traba- Considerando liderança e motivação
9. ALDERFER, D. P. Existence, lhar com pessoas realmente motivadas como dois assuntos tão entrelaçados, é
relatedness and growth - nu-
man needs in organizational caso se tenha suficiente sensibilidade para possível concluir que guardam uma liga-
settings. London: Collier-McMil- conhecer tais necessidades. Se além de co- ção de parentesco forte entre si, a ponto
lan, 1972, p. 8. nhecê-las o líder for capaz de oferecer fa- de serem considerados como sinônimos.
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6. LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
Assim, a figura do líder toma novo aspec- ta por Tack: "Os gerentes, muitas vezes, ge-
to, como propõe Pondy: "A eficácia do líder renciam departamentos, gerenciam pessoas,
repousa na sua habilidade de tornar uma ativi- mas não as lideram. A liderança eficaz os mo-
dade significativa para aqueles que estão nesse tiva voluntariamente, e esta é a palavra-chave,
conjunto de papéis - não é mudar comporta- a dedicarem suas mentes e atributos físicos
mentos, mas dar aos outros o senso de com- para um objetivo maior". 12 Para o autor é
preensão daquilo que estão fazendo e especial- axiomático que o valor da boa liderança
mente articulá-los para que possam comunicar- esteja com freqüência esquecido, para que
se sobre o sentido do comportamento deles (...). o valor da boa administração seja, guase
Essa dupla capacidade, dar sentido às coisas e que inevitavelmente, enaltecido. E por
colocá-las em linguagem significativa para um isso que para ele gerência e liderança não
grande número de pessoas, dá ao líder enorme são necessariamente parentes, embora
alatancagem"." Para administrar o sentido acredite que a liderança seja sinônimo de
que as pessoas dão ao trabalho que fazem, motivação.
é necessário conhecer como suas necessi-
dades motivacionais o valorizam.
Durante muitos anos, a forma pela
qual os candidatos a cargos de chefia, ge-
rência ou administração foram escolhidos
'(1:
baseou-se em padrões que pouco tinham
1íd4i1!: .será tanto maior
a ver com o futuro papel de liderança a
ser desempenhado por essas pessoas. As-
'" "
qúantdm,ais ele for 1*
sim sendo, a realidade atual das organiza- .. .'.. 'tt'
ções empresariais brasileiras acusa uma
tons"iderado como
ausência marcante daqueles que, no exer-
cício de tais cargos, poderiam ser qualifi-
facilifador'tJê· consecação
cados como verdadeiros líderes. Por ou-
tro lado, os programas de treinamento e
desenvolvimento dos novos chefes foram
principalmente planejados para oferecer
pesadas doses de conhecimentos técnicos
e administrativos e muito pouco era men-
cionado sobre aquilo que dizia respeito ao
processo de interação pessoal no contexto Em que pese as diferenças individuais
da liderança. Sem os cuidados necessá- entre o líder e seus seguidores, é pela
rios, instaurou-se em pouco tempo um consciência dessas diferenças que a ação
clima de desmotivação generalizada. do líder reconhecidamente eficaz faz sen-
Conseguir que a motivação não desapa- tir a importância da sua presença. Sob
reça é fazer com que se continue vendo esse aspecto, o líder sabe que pode contar
sentido naquilo que se está fazendo no com as necessidades interiores originárias
trabalho, como salienta Sievers ao propor da busca de realização pessoal e da pre-
que "a motivação só passou a ser um tópico- servação da auto-imagem daqueles que
tanto para as teorias organizacionais, quanto aceitam ser dirigidos por ele. Essas pre-
para a organização do trabalho em si - quando disposições naturais são interpretadas
o sentido do trabalho desapareceu ou então foi pelo líder como "forças que organizam nos- 10. SMITH, P., PETERSON, M.
perdido (...) Como conseqüência, as teorias mo- F. Op. cit., p. 10.
sas percepções, julgamentos e ações para atin-
tivacionais se têm transformado em sucedâ- gir a competência. A existência de um estado 11. SIEVERS, S. Além do suce-
neos do sentido do trabalho". 11 O desapareci- de necessidades pressupõe que haja uma con- dâneo da motivação. In: SER·
mento desse sentido pode ser atribuído GAMINI, C., CODA, R. Psicod»
dição a ser preenchida. Todos têm necessida- nâmica da vida organizacional:
principalmente ao descaso das organiza- des complexas que pedem satisfação e que são motivação e liderança. São Pau-
ções quanto à motivação para o trabalho. a expressão das personalidades nas quais exis- lo: Biblioteca Pioneira de Acmi-
A maioria daqueles que ocupam cargos nistração de Negócios, 1990, p.
tem. A ampla gama de comportamentos hu- 117,
que deveriam ser preenchidos por líderes manos é composta de múltiplos padrões de ne-
nem mesmo acredita que para trabalhar cessidades. Interpretar esses padrões indivi- 12. TACK, A. A liderança moti-
seja necessário estar motivado. O panora- vacional. São Paulo: Siamar,
duais é um dos desafios para compreender e Serviço Cultural Interamericano
ma organizacional lembra a descrição fei- aceitar as diferentes necessidades das pessoas e e Editora ttda, 1989, p. 26.
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7. i1~lJ
ARTIGO
pode abrir um longo percurso no sentido de zão de ser é identificar e responder às necessi-
apreciá-las bem como resolver dificuldades ad- dades manifestas ou latentes dos consumido-
ministroiioas"." A utilização dos recursos res. O administrador levará em conta, princi-
pessoais de cada um envolve aquele apro- palmente, os recursos disponíveis dentro da
veitamento produtivo que se possa fazer empresa e as oportunidades ou ameaças exis-
das diferenças individuais características tentes em um determinado mercado. Na outra
dos estilos comportamentais. Esse uso im- extremidade, o líder, no entanto, apresenta-se
plica como se percebe e se configura o como uma pessoa que dirige e inicia a empre-
mundo à volta de cada um, como se che- sa, centrada, antes de mais nada, em sua visão
ga ao sentimento de identidade, satisfa- pessoal. Este indivíduo reagirá de acordo com
ção e competência pessoal, além de como a sua realidade interior, pro-agindo posterior-
se capitalizam sobre as forças pessoais mente em um ambiente ou em determinado
para lidar com situações conflitantes - mercado. Isto pode implicar - e geralmente
nisso reside a essência básica da adminis- implica - que o líder acabe levando menos em
tração do sentido. conta os recursos disponíveis, ou então, que
Propondo que o líder tenha oportuni- inicie ou leve a efeito as mudanças necessárias
dade de administrar o sentido que as pes- no ambiente ou em determinado mercado. O
soas dão ao seu trabalho em particular e à modo de estruturação é freqüentemente mais
organização como um todo, aceita-se seu orgânico, mais centrado na pessoa do próprio
poder de interferir junto à cultura organi- líder, menos regulamentado e hierarquizado.
zacional. Esta maneira de conceber a lide- Utilizando a tipologia elaborada por Reisman
rança reclama não somente a inclusão dos (1964), Zalesnick e Ketz de Vries (1975), há
seguidores, como também dos pares e su- de um lado o dirigente heterodeterminado (ou
periores, pois muito raramente o sentido extradeterminado), que corresponde ao concei-
percebido pode ser definido de maneira to de administrador e, de outro, o dirigente in-
unilateral. Isso pode ultrapassar os limites tradeterminado, representando aqui a defini-
da vida consciente, como coloca Burns: ção adotada de líder". 15 De maneira mais
"Mas o processo fundamental, um pouco mais ampla, o administrador parece fazer uso
amplo, é, em larga escala, tomar consciente mais intenso dos processos racionais, en-
aquilo que permanece inconsciente em seus se- quanto o líder, na maior parte do tempo,
guiâores"." A eficácia do líder, enquanto nutre-se da sua própria intuição.
administrador do sentido e conseqüente- Esclarecer as diferenças entre os tipos
mente agente de mudança, apóia suas ba- de ações administrativas e de liderança
ses no profundo conhecimento não so- tem sido alvo de destaque por parte de
mente do contexto cultural da organiza- importantes autores em administração,
ção, mas também na sua habilidade inter- como foi recentemente publicado por
pessoal em conhecer aqueles que depen- Bennis:
dem dele, facilitando sua chegada até a
auto-realização. • "o gerente administra; o líder inova;
• o gerente é uma cópia; o líder é original;
ADMINISTRADORES E LíDERES • o gerente focaliza-se em sistemas e estrutu-
ras; o líder focaliza-se nas pessoas;
13. BENFARI, R., KNOX, J. Un- Embora o pensamento leigo nem sem- • o gerente tem uma visão a curto prazo; o lí-
derstanding your management pre o admita, é importante que se ressalte der tem a perspectiva do longo prazo;
sty/e - beyond the Meyers- a diferença já sacramentada por muitos • o gerente pergunta como e quando; o líder
Briggs type indicators. USA: Le-
xington books, 1991, p. 25. autores no tocante ao que se entende por pergunta o que e por quê;
líderes e administradores. Lapierre coloca • o gerente tem seus olhos sempre nos limites;
14. BURNS, J. M. Leadership. essa distinção nos seguintes termos: o líder tem seus olhos sempre nos horizon-
New York: Harper & Raw Pu-
blishers, 1978, p, 40. "Numa extremidade do contínuo, o adminis- tes;
trador é caracterizado como uma pessoa que • o gerente limita; o líder dá origem;
15. LAPIERRE, L. Imaginário, reage, sobretudo em resposta à situação exte- • o gerente aceita o status quo; o líder o de-
Administração e Liderança. In:
BERGAMINI, C., CODA, R. Op. rior. Trata-se de alguém que dirige uma em- safia;
cit. p. 129. presa (aqui considerada na acepção mais am- • o gerente é o clássico bom soldado; o líder é
pla do termo) de maneira a procurar eficiência a própria pessoa;
16. BENNIS, W. On becaming a
/eader. New York: Reading Ass., e eficácia dentro de uma estrutura interna or- • o gerente faz certo as coisas; o líder faz as
Adilson Wesley, 1989, p. 45. denada, regulamentada e hierarquizada. A ra- coisas certas". 16
108 RAE. V.34 • n.3 • Mai./Jun.1994
8. LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
Diferentemente do administrador que de erro grosseiro confundir ou pressupor
necessita de grande quantidade de conhe- que toda pessoa em posição de direção na
cimentos técnicos e administrativos, o lí- empresa seja, necessariamente, líder.
der eficaz se louva, antes de mais nada, no
seu próprio autoconhecimeto como ponto TRANSAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO
de partida para o desenvolvimento da sua
habilidade interpessoal. Essa característica Embora apresentada em 1978, a teoria
não só provê os líderes de controle inter- de Bums que distingue dois importantes
no, como também os habilita a não proje- aspectos da liderança ainda é pouco conhe-
tar nos seguidores e nas situações que ge- cida, especialmente dentro das empresas
ralmente enfrenta distorções da realidade brasileiras. Como propõe textualmente:
próprias à sua maneira pessoal de ser. "Tratarei a liderança como algo distinto do
Freqüentemente se vê destacado o fato mero detentor de poder e oposto à força bruta.
de a influência que pode Serão identificados dois tipos
exercer um líder fluirá tanto básicos de liderança: a transa-
mais facilmente quanto cional e a transformacio-
mais apto ele esteja em «a:» Essa diferen-
apoiar suas ações no co- ciação não deve ser
nhecimento tão próxi- considerada como
mo quanto possível das uma simples sutileza
crenças, valores e ex- semântica, mas como
pectativas dos seus se- uma importante se-
guidores. Apoiando-se paração entre duas fi-
nesse conhecimen- losofias frontalmente
to, ele terá capaci- discordantes em
dade de facilitar termos da teoria e
as pessoas a da prática admi-
atingirem seus nistrativa.
próprios objeti- Os estudos de
vos. Tal predispo- [ames McGregor
sição pode impli- Burns inspiraram
car eventualmente mudanças no próprio diferentes autores como, por exemplo,
contexto da cultura organizacional. Fre- Smith: "Na liderança transacional, uma troca
qüentes pesquisas mostram que os líderes ocorre entre o líder e o seguidor. A troca pode-
mais favoravelmente avaliados são aque- rá ser econômica, política ou psicológica, mas
les que possuem mais ampla abrangência não existiria ligação duradoura entre as partes.
de influenciação, o que necessariamente Essa troca continua somente à medida que am-
inclui superiores e colaterais. Kouzes e bas as partes acham que isso vem em benefício
Posner afirmam: "As pessoas preferem traba- próprio. Tais relacionamentos de troca são di-
lhar para gerentes que sejam influentes para fundidos em muitas organizações de trabalho,
cima e para fora. Os líderes de sucesso sabem nas quais os subordinados concordam em acei-
que é necessário e importante fazer os outros tar a liderança por parte dos líderes específicos
saberem o que podem e usam seu poder para em bases de seu emprego remunerado". 19 Esse
conseguir que completem seu trabalho". 17 O tipo de liderança aproxima-se muito mais
poder de influência, paradoxalmente, nas- das formas de comportamento anterior-
ce da percepção e do respeito às caracte- mente caracterizadas como condicionan-
rísticas individuais daqueles que circun- tes. Seguindo essa estratégia, o típico ad-
dam o líder. ministrador consegue manter o subordi-
Os gerentes e administradores, de uma nado preso a si pelo poder formal que
forma geral, nem sempre apresentarão possui, habilitado, por ele, a oferecer van-
atributos comportamentais que os caracte- tagens. Trata-se, nesses casos, de uma 17. KOUZES, J. M., POSNER, B.
rizem como líderes eficazes. Isso também transação pura e simples, envolvendo, na Z. Op. cit., p. 117.
equivale a dizer que verdadeiros líderes, maioria das vezes, benefícios de caráter
18. BURNS, J. M. Op. cit., p. 4.
na maioria das vezes, podem não possuir extrínseco. O poder exercido pelo supe-
características gerenciais ou de adminis- rior, enquanto líder transacional, desapa- 19. SMITH, P., PETERSON, M.
tradores. Portanto, trata-se de uma espécie recerá à medida que não for mais detentor P. Op. cit., p. 115.
RAE. v.34 • n.3 • Mai./Jun.1994 109
9. i1~~
ARTIGO
da prerrogativa de conceder benefícios ou mundo de trabalho. É esse mundo que se
infligir punições. consubstancia e materializa o principal fa-
Dentro de uma perspectiva nitidamen- tor de satisfação das necessidades de se-
te oposta, o próprio Bums se refere à lide- gurança daqueles que vivem na sociedade
rança transformadora propondo: "A lide- industrial contemporânea.
rança transformadora é uma necessidade exis- Confrontado pelas diferentes solicita-
tente ou solicitação de um seguidor potencial. ções oriundas desses dois mundos, inte-
Mas além disso, o líder transformacional pro- rior e exterior, na maioria das vezes o in-
cura motivos potenciais nos seguidores, pro- divíduo é levado a questionar a validade
cura satisfazer necessidades de alto nível e as- daquelas crenças que nele já se achavam
sume o seguidor como uma pessoa total. O re- enraizadas. Nesse processo, não raro as
sultado da liderança transformacional é o rela- pessoas podem acabar sucumbindo dian-
cionamento de estímulo mútuo e a elevação te da necessidade de fazer uma opção
que converte os seguidores em líderes (... )".20 pessoal em favor de apenas uma dessas
Neste caso, está implícita a existência da propostas que lhe parecem dissonantes,
grande sensibilidade com relação aos de- senão até mutuamente excludentes. Surge
sejos e necessidades dos seguidores. a necessidade de distanciar-se do proble-
Pela própria definição, o líder trans- ma para poder vê-lo por inteiro e por isso
formacional exemplifica com suas ações cada pessoa sai à busca de uma terceira
o verdadeiro modelo motivacional de re- opinião. É nessa oportunidade que o líder
lacionamento interpessoal. Supõe-se en- pode administrar o significado das op-
tão que o líder eficaz conheça as autênti- ções com as quais se defronta o seu segui-
cas necessidades dos seus seguidores, es- dor. Não se pode, no entanto, confundi-lo
tando, assim, em condições de interferir com a figura de pai, terapeuta ou conse-
com maior acerto ao facilitar a satisfação lheiro, embora esses personagens também
motivacional. possam ser, à sua maneira, líderes espe-
A liderança transformacional propõe ciais. Ao assumir o papel que lhe é pró-
que a influência ocorra em dupla direção prio, o líder natural aparece como alguém
para que se estabeleça o clima de respeito que está apto a equacionar as duas reali-
ao outro enquanto pessoa integral. É da dades existentes no mundo e na vida pes-
convivência com o seguidor que o líder re- soal de cada um, naquilo que tanto um
tira a maior fonte de informações de que como outro possuem de fantasias, de ima-
necessita para o exercício do seu papel; ginário e de simbólico.
portanto, não somente o influencia como Não somente Bums, mas quase todos
também é influenciado por ele, como diz o os teóricos defensores dos enfoques con-
próprio Bums: "Líderes reais, líderes que en- tingenciais em liderança são unânimes
sinam e são ensinados por seus seguidores - em afirmar que líderes e seguidores exer-
adquirem muitas das suas habilidades na expe- cem papéis ativos na transformação e mu-
riência do dia-a-dia, no treinamento em situa- dança organizacional. Essa proposição co-
ção de trabalho ao liderarem com outros líderes meça com Hollander e a teoria das trocas.
e seguidores".21 Colocando-se praticamente Isso fica também evidente no modelo de
no papel de parceiro do liderado, o líder Fiedler ao ressaltar que há condições es-
não necessita de sua autoridade formal, o peciais que asseguram a eficácia do líder.
subordinado voluntariamente o segue Igualmente, os pontos de. vista da teoria
pelo vínculo tipicamente afetivo que se es- caminho-objetívo de House e Mitchel rati-
tabelece entre os dois. ficam a hipótese de que o líder tem papel
Devido a uma série de contingências decisivo na conciliação daqueles objetivos
dos mais diferentes tipos, o ser humano eleitos pelos subordinados e aqueles pro-
sozinho tem mostrado uma espantosa vul- postos ou implícitos à cultura organiza-
nerabilidade quanto ao seu equilíbrio pes- cional. Para o conjunto desses teóricos,
soal. Quando ele adota caracteristicamen- ater-se ao estudo do líder simplesmente é
te uma atitude indefesa, a desorganização questionável e precário. Assim como os
intrapsíquica ocorre, principalmente fren- seguidores precisam forçosamente conhe-
te a solicitações conflitantes vindas, de um cer as intenções dos líderes, esses líderes;
20. BURNS, J. M. Op. cit., p. 4.
lado, do seu mundo interior e de outro, do por sua vez, encontram-se diante da con-
21. Idem, ibidem, p. 169. mundo em que vive, em especial do seu tingência de considerar atentamente os
110 RAE. v.34 • n.3 • Mai./Jun.1994
10. LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
propósitos delineados pelos seguidores. A possibilidade de interferir na cultu-
Alguém só se deixará liderar por pessoas ra da organização confere ao líder quali-
a quem qualifique favoravelmente. Isso dades carismáticas que o torna mestre da
permite afirmar que o líder depende da mudança, inspirando as pessoas a corre-
aquiescência do seguidor para exercer so- rem riscos pelo fato de possuir acentua-
bre ele qualquer influência. Portanto, an- do senso de oportunidade estratégica.
tes de mais nada, a eficácia do processo Conger, no entanto, propõe que esse tipo
tem que se louvar na autorização explícita de ação do líder carismático pode se per-
ou implícita do liderado. der, caso as organizações não ofereçam
condições favoráveis às mudanças. NA
CULTURA, CARISMA E PODER grande tragédia da administração atualmente
é a falta de liderança em muitas de nossas or-
Dentro desse contexto de influência mú-
tua é que o líder desempenha também um
importante papel junto à cultura organiza-
cional. Diferentemente dos administrado- o§ gerentes e
res e dos consultores externos, aqueles que
assumem papéis de liderança conseguem
adp1iQistraaores, no
mudar a cultura organizacional devido ao
profundo conhecimento que têm dela. Em-
geral, nem, sempre
bora de maneira lenta, a ação empreendi-
da por eles modificando o status quo se fará
apresentam características
sentir de forma profunda e duradoura.
Teóricos e pesquisadores da atualidade & z ~ .
, comportamentals que os
enfatizam cada vez mais insistentemente
que a cultura organizacional seja, na sua
essência, o conjunto de realidades social-
mente construídas. Esse enfoque admite
que os significados a ela atribuídos estão
muito mais nas cabeças e mentes dos seus
membros do que explicitadas em conjun-
tos concretos de regras ou formas especí- ganizações. Devido à escassez de boa lideran-
ficas de relacionamento. Os aspectos mui- ça, a maioria de nós supõe que ela seja algo
to mais caracteristicamente operacionais que poucas pessoas podem exercer. No entan-
são o reflexo daquilo que se encontra den- to, o potencial para liderar encontra-se laten-
tro do pensamento comum, como propõe te em muitos de nossos administradores,
Morgan: "A estrutura organizacional, re- mais do que julgamos. A liderança não é uma
gras, políticas, objetivos, missões, descrições habilidade mágica limitada a uns poucos. Na
de cargos e procedimentos operacíonais padro- verdade, a capacidade e o desejo de liderar
nizados desempenham igualmente uma fim- com freqüência se perdem por falta de opor-
ção interpretativa. Isso porque atuam como tunidade e pouco investimento nos processos
pontos primários de referência devido à ma- e recompensas que incentivam o seu cresci-
neira pela qual as pessoas pensam neles e dão mento. Assim, é uma questão de extrair, de-
sentido aos contextos nos quais trabalham. senvolver e fomentar essas capacidades laten-
Embora tipicamente vistos entre as caracterís- tes. Contudo, muitas organizações, o mais
ticas mais objetivas de uma organização, uma das vezes, fazem o oposto, ativamente deses-
visão representada enfatiza que eles são artifí- timulando as qualidades de liderança com
cios culturais que ajudam a esboçar a realida- sua negligência e preocupação com a 'admi-
de habitual dentro de uma organização". 22 nistração' e preservação do status quo. O
Isso permite concluir que cada aspecto in- preço que pagam é uma grande perda de po-
tegrante do todo organizacional conserva tencial de liderança e, por sua vez, de eficácia
22. MORGAN, G. Images of 0[-
uma respeitável dose de significado ima- organizacional, que jamais se materiali- ganization. London: Sage Publi-
ginário e implícito que pode ser entendi- zam".23 Talvez, por isso, na maioria das cations, 1986, p. 132.
do como o sentido dado à realidade que organizações se tenham dificuldades de
23. CONGER, J. A. Líder caris-
é, por sua vez, compartilhado por todos assistir mudanças organizacionais con- mático. São Paulo: Makron
os integrantes dessa cultura. duzidas por verdadeiros líderes. Books, 1991, p. 167.
RAE. v.34 • n.3 • Mai./Jun. 1994 111
11. i1~[J
ARTIGO
Aceitar que os administradores qualifi- isso, invadidos em suas individualidades
cados como verdadeiros líderes possam ou ameaçados em sua auto-estima. O vín-
influenciar na mudança da cultura orga- culo da liderança é assim visto como um
nizacional pelo fato de conhecerem as relacionamento de duplo sentido e feito
conseqüências simbólicas de suas ações em pé de igualdade sem que a ação de
não é admitir que sejam capazes de mani- um jamais pressuponha a passividade do
pular a realidade das pessoas ou das or- outro. Os autores, em geral, concordam
ganizações através dos valores por ele que o carisma seja uma qualidade atribuí-
promovidos. É possível construir ou mo- da ao líder pelos subordinados e não uma
dificar a realidade, mas sempre e em últi- característica inerente à sua personalida-
ma análise, será essa realidade que ditará de. "Acredita-se que o carisma seja resultado
as linhas mestras das ações organizacio- das percepções que os seguidores têm sobre as
nais que não necessariamente seguem o qualidades e comportamentos dos líderes. Es-
curso da própria escolha do líder. sas percepções são influenciadas pelo contexto
Administrar através da liderança mo- da situação de liderança, assim como pelas ne-
difica a perspectiva de uma filosofia orga- cessidades dos seguidores individuais e coleti-
nizacional de maior rigidez. A sofistica- vos". 24 Trata-se, portanto, de uma atribui-
ção tecnológica não tem deixado lugar ção feita pelos seguidores que toma como
para a adoção de sistemas de controle base certos comportamentos manifestos
como aqueles que foram originalmente do líder.
recomendados pelos representantes da Quanto mais se aprofundam as pesqui-
antiga escola de Administração Científica. sas a respeito das características do víncu-
A produção totalmente automatizada e lo líder-seguidor, mais se evidencia o
eletronicamente controlada vai expulsan- peso praticamente igual que possuem es-
do das organizações as tão conhecidas, ul- ses dois elementos integrantes de um
trapassadas e desgastadas figuras do ca- mesmo e único processo. Aceitar isso, na
pataz, do contramestre, do chefe e, final- prática, é uma questão que pode determi-
mente, do patrão. Surgem modelos admi- nar, em grande parte, o sucesso organiza-
nistrativos que enfatizam não só a impor- cional. "A confusão entre liderança e autori-
tância como também a oportunidade de dade oficial tem efeito letal sobre as grandes
uma administração 'flexível, Dentro de organizações. Corporações e repartições gover-
muitas outras recomendações é sugerido, namentais, em toda parte, têm executivos que
de forma enfática, o achatamento da pirâ- imaginam que o lugar que ocupam nas orga-
mide de comando. Com isso é incentiva- nizações lhes deu um corpo de seguidores, e
da a eliminação da maior quantidade pos- isso, evidentemente, não acontece. Eles ganha-
sível de níveis intermediários de controle ram subordinados. Se os subordinados se tor-
e tomada de decisão. Por força do am- narão seguidores, dependerá do fato de o exe-
biente de urgência instaurado pelo ritmo cutivo agir como lider"," Inúmeros exem-
acelerado de mudanças, a empresa que se plos práticos confirmam a importância de
proponha a assegurar a sua sobrevivência aceitar a veracidade dessa suposição.
tem que necessariamente agilizar seus O verdadeiro poder está vinculado à
procedimentos administrativos. Um teste- habilidade interpessoal, sendo assim an-
munho concreto dessa renovação é dado terior ao poder formal e não podendo ser
pelo crescente número de organizações confundido com autoritarismo. Personali-
que vêm procurando adotar modelos par- dades autoritárias tendem naturalmente a
ticipativos de gestão. reagir através de ações que privilegiam
A revisão atual dos modelos de lide- esquemas punitivos, tais como penalida-
rança tem permitido a retomada do con- des financeiras ou avaliações negativas
ceito de carisma, bem como uma reavalia- dos subordinados. Esse poder se liga,
ção das fontes de póderdentro das orga- portanto, à credibilidade que o adminis-
24. YUKL, G. A. Leadership in trador consegue construir em tomo de si.
organizations. USA: Prentice-
nizações. A simples posição hierárquica
Hall, 1989, p. 205. não parece garantir mais a obediência dos "Credibilidade, como reputação, é algo conse-
seguidores. Inquestionavelmente, o poder guido com o tempo. Ela não vem automatica-
25. GARDNER, J. W. Liderança. maior do líder emana do fato de que seus mente com o cargo ou título. Começa cedo em
Rio de Janeiro: Distribuidora
Record de Serviços de Impren- seguidores o acompanham de maneira nossas vidas e carreiras. As pessoas tendem a
sa, 1990, p. 19. habitual sem se sentirem diminuídos por assumir, de início, que alguém que foi elevado
112 RAE • v. 34 • n. 3 • Mai./Jun. 1994
12. LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
a um certo status na vida, galgou degraus, ou não existem líderes universais que se
atingiu objetivos significativos, merece a sua saiam bem em qualquer circunstância,
confiança. Mas a confiança completa é assegu- com qualquer tipo de grupo ou em qual-
rada (ou não) somente depois que as pessoas quer espécie de ambiente organizacional.
tiveram a oportunidade de conhecer mais o in- Num exame mais amplo do histórico
divíduo. Os alicerces da credibilidade são da liderança é possível destacar três
construídos tijolo por tijolo". 26 Esse clima de grandes aspectos que podem ser conside-
credibilidade pressupõe transparência e rados como verdadeiramente relevantes.
honestidade de princípios evidentes nas Numa primeira fase, atribui-se à figura
ações do líder em qualquer momento e do líder traços pessoais específicos, certos
diante de qualquer desafio. tipos de motivações e determinados esti-
O autoconhecimento, a segurança pes- los comportamentais considerados como
soal e a maturidade emocional parecem elementos-chave do processo de lideran-
ser ingredientes indispensáveis ao líder. É ça. Para os primeiros teóricos, os subordi-
importante que não se sinta ameaçado ao nados são entendidos como sujeitos que
admitir a influência ascendente que ema- sofrem passivos a ação do líder.
na do seguidor sobre ele. A influenciação
exercida em duplo sentido e a transfor-
mação mútua são requisitos de valor in-
questionável quando se pretende liderar
eficazmente."Nunca deveríamos fingir sobre
aquilo que não sabemos, não deveríamos ter
medo de perguntar e aprender com pessoas in-
feriores e deveríamos ouvir cuidadosamente os
quadros de pessoal nos mais baixos níveis. Ser
um aluno, antes de tornar-se professor, apren- organização
) .
confere ao
der com os quadros de níveis inferiores antes
de expedir ordens" . 27 rder quª,lidades .
CONCLUSÕES carismátiGas"'qop o torna
Yi; .•
Como foi possível acompanhar através
da evolução histórica pela qual passaram
mestre da mudança.
~ .
os principais estudos e pesquisas sobre li-
derança, muitos trabalhos sistemáticos fo-
ram desenvolvidos. Cada um desses dife-
rentes enfoques foi responsável pelo en- Em segundo lugar na seqüência de es-
tendimento de aspectos indispensáveis ao tudos, surge a figura do liderado como
processo de interação e influência entre o uma importante variável interferindo de-
líder e seu seguidor, tanto no sentido des- cisivamente no contexto da eficácia dos
cendente como ascendente. líderes. Os seguidores são reconhecidos
A principal lição que se pode extrair como possuidores de necessidades, moti-
dessas inúmeras abordagens continua vações e expectativas que devem ser co-
sendo aquela que, de maneira geral, apli- nhecidas pelo líder, cabendo a ele facili-
ca-se à grande maioria dos temas que tar que esse seguidor chegue aos fins que
compõem o corolário dos assuntos liga- deseja. Passa-se a aceitar que liderar efi-
dos às ciências comportamentais. A lide- cazmente esteja ligado à aquiescência dos
rança, como tantos outros aspectos, guar- liderados. Os líderes precisam ser favora-
da dimensões profundas que nascem das velmente percebidos por seus seguidores
características próprias às personalidades a fim de exercerem sua influência.
de cada um. Não pode existir, portanto, Finalmente, depois de explorados os 26. KOUZES, J. M., POSNER, B.
Z. CredilJitity - how leaders gain
uma fórmula única, uma receita pronta aspectos que dizem respeito à comple- and tose it, why peopte demand
ou uma solução geral que forneça com mentaridade do vínculo líder-subordina- it. San Francisco: Jossey-Bass
precisão matemática aquelas recomenda- do, são levantadas as variáveis e princi- Publishers, 1993.
ções capazes de promover a indiscutível pais características do ambiente que po- 27. BURNS, J. M. Op. cít., p.
eficácia dos líderes. A proposta é de que dem facilitar ou comprometer a eficácia 238.
RAE • v. 34 • n. 3 • Mai./Jun. 1994 113
13. jJ~tJARTIGO
da liderança. Descobre-se que as organi- no status quo. Sua ação na mudança da
zações podem treinar seus líderes, mas cultura, diferentemente daquela em-
que além disso precisam garantir condi- preendida por consultores externos e ad-
ções para que os potenciais de liderança ministradores em geral, se faz sentir de
se transformem em ações efetivas. maneira duradoura, embora gradual e
Em condições organizacionais propí- lenta.
cias, os líderes são aqueles que têm o po- O mais importante em todas essas
der de atuarem como reais agentes da mu- constatações não é apontar aquilo que
dança organizacional. Sendo profundos ainda está por ser feito dentro do campo
conhecedores do significado contido na de estudo da liderança. Já existem condi-
rede de simbologias dessa cultura, pos- ções suficientes para retirar de todas es-
suem condições de agir sintonizando as sas descobertas o produto que podem
expectativas dos contribuintes individuais oferecer em termos do que representam
e grupais com o sentido dessa dimensão de verdadeiramente científico a respeito
organizacional percebida por eles. do assunto. É preciso compreender a im-
Cabendo ao líder eficaz administrar o portância de se contar com líderes real-
sentido que seus seguidores atribuem à mente eficazes para que as organizações
cultura organizacional, ele pode interferir possam se suplantar.
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114 Artigo recebido pela Redação da RAE em março/94, avaliado e aprovado para publicação em maio/94.