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RIO DE JANEIRO – MEDICINA E
             PSICANÁLISE
 No Rio de Janeiro, vários dentre os grandes nomes
  que compunham o establishment psiquiátrico em
  vias de constituição se interessaram pela nova
  doutrina.
 O vínculo prioritário desses personagens era com a
  medicina, grande fonte de prestígio é legitimidade.
 A psicanálise ocupava um lugar secundário, como
  um saber ou uma prática acessórios à psiquiatria.
  Por isso não havia interesse na criação de uma
  corporação psicanalítica, isto é, de sociedades de
  formação.
HENRIQUE ROXO (1877-1969)
   Catedrático de psiquiatria da Faculdade de
    Medicina a partir de 1911, introduziu a doutrina
    freudiana em seus cursos.
ARTHUR RAMOS (1903-1949)
JULIO PORTO-CARRERO (1887-1937)
   O maior de todos os divulgadores da teoria
    freudiana e o único dentre os pioneiros a praticar a
    psicanálise e intitular-se psicanalista, foi catedrático
    de Medicina Legal na Faculdade de Direito.
CARACTERÍSTICAS DESSA PRIMEIRA FASE DE INTRODUÇÃO DA PSICANÁLISE NO   BRASIL


 A doutrina psicanalítica, aparentemente tão
  subversiva, seduz figuras notáveis tão bem
  estabelecidas do campo médico.
 Vinculação   desses pioneiros com projetos
  pedagógicos e higiênicos.
ULISSES PERNAMBUCANO
   Grande nome da psiquiatria pernambucana e
    também considerado um dos precursores da
    psicanálise, foi diretor da Escola Normal de
    Pernambuco em 1923, onde fez importante reforma
    pedagógica.
JULIO PORTO-CARRERO (1887-1937)
   Foi colaborador assíduo da Associação Brasileira de Educação.
    Mesmo quando a questão pedagógica não era explícita, a visão
    da psicanálise como uma espécie de "ortopedia moral" era o que
    prevalecia.
   Foi o responsável pela criação de uma clínica psicanalítica na
    Liga Brasileira de Higiene Mental em 1926 e, no decorrer dos
    anos 1930, revelou-se feroz defensor das idéias eugênicas.
   Essa convivência entre psicanálise, higiene e eugenia parece
    inexplicável ao nosso olhar contemporâneo. Torna-se mais
    compreensível quando se levam em conta as preocupações
    desses médicos do início do século, obcecados em viabilizar um
    projeto "civilizador" e modernizador para o país. A teoria
    psicanalítica, apesar de seu viés subversivo (ou mesmo por
    causa dele), era capaz de fornecer uma alternativa moderna e
    científica para os preceitos da moral tradicional, vistos como
    arcaicos e ultrapassados.
   Porto-Carrero foi um dos precursores que mais publicou títulos
    psicanalíticos.
DIFUSÃO LEIGA DA PSICANÁLISE
 A psicanálise, como fator de modernização e
  "civilização", logo ultrapassou as fronteiras da
  academia e da corporação médica.Livros de
  vulgarização começaram a ser publicados,
  surgiram colunas sobre o tema em revistas
  femininas, programas radiofônicos começam a ir ao
  ar.
 Toda essa difusão leiga da psicanálise se dá em
  meio a um interesse generalizado pela chamada
  "questão sexual". No decorrer dos anos 1930,
  assiste-se à realização de cursos populares sobre
  sexologia, de comemorações especiais como o
  "Dia do Sexo", de emissões radiofônicas sobre
  sexo e campanhas de educação sexual.
DIFUSÃO LEIGA DA PSICANÁLISE
 Em termos de mercado editorial, pode-se falar num
  boom sexológico. Em meio a obras de sexólogos
  de renome surgem livros sobre Freud (como na
  coleção "Freud ao alcance de todos", da editora
  Calvino), ou de autoria do próprio Freud e de seus
  discípulos.
 O primeiro livro publicado pela Editora José
  Olympio em 1932 foi Conheça-te pela psicanálise,
  do psicanalista americano J. Ralph. Na década de
  1930 são publicados dez volumes com cerca de 50
  títulos de autoria do próprio Freud, entre
  conferências, ensaios, artigos e livros. Além destes,
  muitos títulos de autores brasileiros sobre
  psicanálise são publicados.
GASTÃO PEREIRA DA SILVA (1897-1987).
   Foi um dos primeiros psicanalistas do Rio de Janeiro, tendo
    iniciado sua prática nos anos 1930, sem nunca ter feito formação
    em qualquer das sociedades de psicanálise fundadas
    posteriormente.
   Afirmava ter praticado "medicina em lombo de burro" no interior
    antes de interessar-se pela psicanálise no final dos anos 1920.
    Com o intuito explícito de tornara doutrina freudiana acessível ao
    leitor comum, publicou em 1931 o livro Para compreender Freud.
   Esse primeiro livro de Pereira da Silva – que em 1942 estará na
    sua sexta edição – foi publicado às expensas do próprio autor.
    Os livros-seguintes serão publicados por editoras diversas,
    incluindo a prestigiosa Jose Olympio.Dentre os inúmeros títulos
    de sua autoria encontramos Lenine e a psicanálise, Crime e
    psicanálise, Neurose do coração, Educação sexual da criança, A
    psicanálise em doze lições, Conhece-te pelos sonhos, O drama
    sexual dos nossos filhos, Vícios da imaginação e O tabu da
    virgindade.
GASTÃO PEREIRA DA SILVA (1897-1987).
   Além dos livros, Gastão manteve intensa atividade na imprensa
    escrita. , Em 1934 criou na revista Carioca a coluna "Psicanálise
    dos sonhos", ilustrado, por uma fotografia de Freud. Na revista
    Vamos Ler manteve uma coluna intitu-lada "Página das mães".
    Posteriormente colaborou na revista Seleções Sexuais com a
    seção "Confidências".
   Ainda nos anos 1930, manteve durante três anos o programa
    "No mundo dos sonhos", na Rádio Nacional, no qual, segundo
    suas palavras, "radiofonizava os sonhos [enviados pelos
    ouvintes], como se fossem pequeninas histórias, em sketchs,
    interpretadas pelo cast do rádio teatro daquela emissora".
    Escreveu rádio novelas que foram ao ar e ainda criou um "Curso
    de psicanálise por correspondência",
   Pode-se dizer que a extensa produção de Gastão Pereira da
    Silva indica a existência, na época, da demanda por uma
    espécie de auto-ajuda psicanalítico-sexológica que parecia fazer
    bastante sucesso. A difusão entre os leigos, portanto, pelo
    menos no Rio de Janeiro, antecipou em alguns anos a
    institucionalização da nova prática.
ALDELHEID KOCH (1896-1980)
   Em São Paulo, o movimento de institucionalização surgiu mais
    cedo, tendo em Durval Marcondes sua figura central. Em
    dezembro de 1936, a partir do contato estabelecido por
    Marcondes com a IPA, a jovem psicanalista Aldelheid Koch
    chegou à cidade de São Paulo com a tarefa de formar o primeiro
    grupo de psicanalistas oficialmente autorizados em solo
    brasileiro.
   Koch iniciara em 1929 sua formação no prestigioso Berliner
    Psychoanalytische Institute, a mais prestigiosa instituição de
    formação em psicanálise na época. Entre 1934 e 1935,
    entretanto, o Instituto Berlinense foi "arianizado" por decreto do
    governo nazista. As obras de Freud e outros analistas judeus
    foram queimadas em praça pública.
   Koch foi obrigada a se filiar diretamente à IPA e, aos 40 anos,
    recém-autorizada como analista, fugiu da Alemanha com a
    incumbência de iniciar o treinamento oficial de analistas no
    Brasil, formando o embrião da futura Sociedade Brasileira de
    Psicanálise de São Paulo, que foi reconhecida pela IPA em
    1951.
PSICANÁLISE E O MOVIMENTO
            MODERNISTA
 É importante lembrar que na São Paulo dos anos
  1920 as idéias psicanalíticas circulavam no
  movimento Modernista. As grandes figuras do
  movimento, Oswald (1914-1972) e Mário de
  Andrade (1893-1945), leram Freud e assimilaram
  suas idéias em maior ou menor grau.
 A própria idéia de antropofagia parece ter se
  inspirado em um dos grandes clássicos freudianos
  - Totem e tabu.
 Além dessa difusão junto às vanguardas artísticas
  e intelectuais, a nova doutrina estava presente em
  espaços institucionais não médicos que certamente
  contribuíram para sua maior aceitação e difusão.
FUNDAÇÃO DA CLÍNICA DE ORIENTAÇÃO INFANTIL NO
SERVIÇO DE HIGIENE MENTAL DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
                  DO ESTADO DE SP

 Durval Marcondes funda a Clínica de Orientação
  Infantil no Serviço de Higiene Mental da Secretaria
  de Educação do Estado de São Paulo, por ele
  dirigido.
 Nessa      clínica,   supervisionava     e   formava
  educadoras, que aprenderam a encarar a criança e
  sua família a partir do ponto de vista psicanalítico.
 No ano seguinte a psicanálise foi introduzida como
  disciplina no curso de sociologia da Escola Livre de
  Sociologia e Política, de novo sob a
  responsabilidade de Durval Marcondes e Aldelheid
  Koch.
BUSCA POR UM PSICANALISTA AUTORIZADO
       PARA DAR INÍCIO À FORMAÇÃO DE
           PSICANALISTAS CARIOCAS
   Enquanto isso, no Rio de Janeiro, ao longo dos anos 1940,
    um pequeno grupo de médicos tentava trazer um psicanalista
    autorizado para dar início à formação de psicanalistas
    cariocas.
   Entre estes estavam Danilo (1916-1989) e Marialzira
    Perestrello (1916-), Alcion Bania (1911-1974) e Walderedo
    Ismael de Oliveira (1917-).
   Após algumas tentativas frustradas, o grupo rumou em
    direção à Argentina em busca de formação junto à Sociedade
    de Psicanálise de Buenos Aires.
   Somente no final dessa década chegaram dois psicanalistas
    enviados pela IPA para dar início à formação de analistas.
   O primeiro a chegar, em fevereiro de 1948, foi Mark Burke
    (1900-1975), membro da Sociedade Psicanalítica Britânica, e
    o segundo, em março de 1949, foi Werner Kemper (1899-
    1975), membro da Sociedade de Berlim.
SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS
 Dois anos depois, um desentendimento entre os
  adeptos de um e outro analista formou dois grupos,
  um dirigido por Kemper e outro por Burke.
 O grupo do analista alemão foi reconhecido em
  1955 pela IPA como Sociedade Psicanalítica do Rio
  de Janeiro - SPRJ.
 Burke retomou à Inglaterra em 1953, em meio a
  boatos sobre sua sanidade mental.
 Seus    seguidores se juntaram aos analistas
  formados em Buenos Aires, e o grupo foi
  reconhecido em 1957 como Sociedade Brasileira
  de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ.
SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS
   Foram assim formadas as duas sociedades
    psicanalíticas que dominaram a cena da formação no
    Rio de Janeiro até os anos 1970.
   Ao contrário da sociedade paulista que, coerente com
    os vínculos desde cedo estabelecidos com o meio não
    médico admitia candidatos "leigos" desde sua fundação,
    as duas sociedades cariocas foram monopolizadas
    pelos psiquiatras que, a exemplo das sociedades
    americanas, exigiam de seus candidatos a posse de um
    diploma de medicina.
   Como se pode perceber, a calorosa recepção da
    psicanálise pelo establishment médico carioca não foi
    sem consequências, e esse vinculo privilegiado com a
    psiquiatria será a marca do movimento carioca.
SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS
 Curiosamente, entretanto, a abertura aos não-
  médicos conferiu ao movimento paulista e à
  sociedade lá fundada um alto grau de estabilidade
  e relativa tranquilidade, quando comparado ao seu
  congênere carioca,
 No Rio, como vimos, desde logo armou-se uma
  dissidência - duas sociedades são formadas no
  lugar de uma.
 Além desse começo já turbulento, em 1953 foi
  fundado um instituto dissidente, vinculado à linha
  "culturalista" norte americana (dissidência das
  sociedades "oficiais"), o Instituto de Medicina
  Psicológica - IMP. Em 1968,
CÍRCULO PSICANALÍTICO
   Kattrin Kemper (1905-1978), esposa de Werner,
    abandonou a SPRJ e fundou, no ano seguinte, com
    alguns de seus analisandos, o Círculo Psicanalítico da
    Guanabara, mais tarde Círculo Psicanalítico do Rio de
    janeiro.
   O Círculo iniciou em 1972 sua primeira turma para
    formação em psicanálise, também aberta a "leigos".
   Em 1971, um grupo de psicólogos que estudavam e
    faziam supervisão com psicanalistas da SPRJ fundou a
    Sociedade de Psicologia Clínica, que oferecia formação
    exclusivamente para psicólogos.
1970
   E esse o momento de maior obscurantismo da ditadura militar
    que havia se instalado em 1964. A Censura, a repressão e a
    tortura de presos políticos chegaram a seu auge.

   Ao mesmo tempo, a psicanálise, que, como vimos, já vinha se
    difundindo desde pelo menos os anos 1930, conquistou
    definitivamente os corações e mentes das camadas médias
    letradas dos grandes centros urbanos.
   Como entender essa convivência, até certo ponto pacífica,
    entre o obscurantismo político e a busca de liberação
    "interior"?



   A resposta mais fácil tem sido explicar a volta sobre si mesmo
    pelo fechamento político. Isto é, a repressão política,
    impedindo uma preocupação com o que estava "lá fora", na
    sociedade, obrigou as pessoas a se preocuparem
    exclusivamente com o que estava "dentro", com sua vida
    interior, sua psicologia.
   A repressão teve como um de seus efeitos uma
    despolitização no sentido tradicional do termo.



   Na década de 1970, porém, já era possível falar de
    um outro tipo de politização, vinculado ao
    movimento contracultural que então florescia nos
    países desenvolvidos do Ocidente.
   Essas questões "menores" produziam uma crítica
    contundente à chamada "moral burguesa", visando
    muito mais aos costumes, aos comportamentos
    cotidianos, aos modos de pensar e sentir, do que à
    grande e abstrata luta capital versus trabalho.
   Na esteira da expansão psicanalítica – expansão
    enquanto terapia enquanto profissão e enquanto
    modo de compreensão do ser humano –, surgiu e
    se expandiu uma nova especialidade: a psicologia.


   Além de se "psicanalizar", a psicologia também
    conheceu uma expansão sem precedentes. Em
    1974, quando entrou em funcionamento o
    Conselho Federal de Psicologia, havia 895
    profissionais inscritos. Em 1975 esse número subiu
    para 4.950 e no ano seguinte chegou a 6.890.
“DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”
   Aqui nos voltamos para o desenrolar do movimento
    psicanalítico na cidade do Rio de Janeiro, local onde o
    embate entre psicólogos e médicos em torno do monopólio
    do título de "psicanalista" atingiu contornos dramáticos.




   A relação dos novos profissionais com os psicanalistas das
    sociedades oficiais – que, como vimos, até o início dos anos
    1970 praticamente monopolizavam a formação em
    psicanálise no Rio de Janeiro – era de reverência e
    ambiguidade.
“DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”
   Esse monopólio, entretanto, estava com seus dias contados.

   Dois movimentos ocorridos no decorrer da década de 1970 já
    indicavam a ameaça que as psicólogas representavam para a
    corporação psicanalítica tal como ela então se constituía.
    Utilizando uma linguagem bélica, vamos chamá-Ias
    de"invasão argentina" e "invasão francesa".
“INVASÃO ARGENTINA”
   A "invasão argentina" ocorreu quando um grande
    número de psicólogos e psicanalistas, vários dentre
    eles afugentados de seu país pela repressão
    política, veio se estabelecer no Rio de
    Janeiro.Trouxeram com eles uma forma de
    trabalhar com a psicanálise que desafiava a
    hegemonia das sociedades "oficiais".
“DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”
   A partir do final da década de 1970, surgiu uma
    série de instituições de formação de psicanalistas
    não "oficiais" cuja clientela vai ser formada
    principalmente por psicólogas.



   A hegemonia das sociedades da IPA foi seriamente
    ameaçada, a ponto de as duas sociedades
    "oficiais" passarem a admitir candidatos-psicólogos
    para formação a partir de 1980.
“PSICANÁLISE E FACISMO”
   Desde o início dos anos 1970 corriam boatos sobre a
    participação de um dos candidatos em formação na
    Sociedade - Amilcar Lobo - como médico junto aos
    aparelhos de repressão da ditadura.
   Denúncias foram formalizadas junto à direção da
    sociedade e também da IPA, sem que qualquer
    providência oficial fosse tomada.
   No final de 1980, numa mesa-redonda promovida na PUC-
    Rio intitulada "Psicanálise e Fascismo", o caso Amílcar
    Lobo é trazido a público através da denúncia de um ex-
    preso político.
   Dois psicanalistas da SPRJ que participavam da mesa-
    redonda - Hélio Pellegrino (1924-1988) e Eduardo
    Mascarenhas (1943-1997) - reafirmaram a denúncia junto
    à direção da sociedade e acabaram por ser excluídos de
    seus quadros.
“PSICANÁLISE E FACISMO”
   No início de 1981, o caso ganhou a manchete dos principais
    jornais cariocas através do depoimento de vários outros
    presos políticos e não foi mais possível ignorar a conivência
    do establishment psicanalítico com as atividades de Lobo
    junto ao DOI-CODI.
   O desfecho do caso só ocorreu após a redemocratização do
    país, em 1986, quando o Conselho Regional de Medicina
    abriu um processo contra Lobo, cassando seu direito de
    exercer a profissão dois anos depois.
   A crise política e moral gerada pelo caso Amílcar Lobo foi o
    golpe final de uma série de outros golpes que vinham
    sofrendo as sociedades ditas "oficiais".
SOCIEDADES DE FORMAÇÃO EM
           PSICANÁLISE
 A partir de 1969, quando ocorreu a primeira cisão
  na SPRJ com a fundação do Círculo de Kattrin
  Kemper, até 1989, foram criadas no Rio de Janeiro
  18 sociedades de formação em psicanálise não
  vinculadas à IPA.
 Destas, 16 surgiram após 1974, e, dentre estas,
  dez se apoiavam de forma mais ou menos explícita
  na teoria LACANIANA como fonte de legitimação.
   Curiosamente, a proliferação de sociedades lacanianas
    ocorreu no Brasil como um todo (embora o Rio de
    Janeiro permaneça sendo uma espécie de recordista), o
    que não acontecera no período do monopólio das
    sociedades "oficiais", nem mesmo na época de maior
    difusão da psicanálise.
   Sem contar cinco sociedades paulistas, entre 1982 e
    1990 foram fundadas 13 instituições de formação
    lacaniana nas seguintes cidades: Brasília, Vitória,
    Salvador, Recife, Belo Horizonte (duas), Curitiba,
    Teresina, Porto Alegre (duas), Fortaleza e São Luís
    (duas).
   Esta informação revela-se finda mais surpreendente
    quando se sabe que até 1987 só havia sociedades
    psicanalíticas "oficiais" no Rio de Janeiro (duas), em
    São Paulo e Porto Alegre, além de núcleos
    psicanalíticos no Recife e em Brasília.
RUPTURA DO MONOPÓLIO EXERCIDO PELAS
         SOCIEDADES VINCULADAS AO IPA


   Mais que a "invasão argentina", portanto, uma espécie de
    "invasão "francesa" – isto é, lacaniana – instrumentou a ruptura
    do monopólio exercido, pelas sociedades vinculadas à IPA (e, no
    Rio de Janeiro, pelos médicos) sobre o controle e a transmissão
    do título de psicanalista.
   Essa reorientação do meio psicanalítico, que atingiu mais
    fortemente o meio carioca, ocorrida no final dos anos 1970 e no
    decorrer dos anos 1980, foi, portanto, provocada pela: intensa
    difusão da psicanálise no meio "psi" não médico e entre o
    público leigo – o que se traduziu numa ampliação sem
    precedentes do mercado e numa pressão muito forte por parte
    dos profissionais não médicos pelo acesso ao título de
    psicanalista.
   A disputa profissional se desdobrava, assim, em uma disputa
    teórica – a teoria lacaniana pretendendo substituir a teoria
    kleiniana que até então reinava absoluta nas sociedades
    "oficiais" – e em uma disputa política pela hegemonia no campo
    e, consequentemente, pela definição tanto da própria psicanálise
    quanto do oficio de psicanalista.
   A definição do que é ser "psicanalista" é uma questão
    candente desde seu surgimento. Quem pode ou deve atribuir
    a alguém o título de psicanalista?
   Sabemos que tudo começou de modo extremamente
    personalizado em torno de figura de Freud. Com o passar do
    tempo, a institucionalização tornou-se inevitável, com a
    fundação da Associação Internacional (IPA) e a implantação
    de um modelo único de formação.
   Pode-se falar aí na escolha de uma via burocrática de
    legitimação, em detrimento do carisma – que se baseia na
    autoridade e na legitimidade do "pai fundador" e seus
    discípulos.
   A     via   carismática,   entretanto,  permanecia     como
    potencialidade sempre presente, expressando-se nos
    diversos casos de rupturas, dissidências e concomitante
    fundação de outras escolas ou instituições como a leitura do
    capitulo anterior nos demonstra.
LACAN - CONTRIBUIÇÕES
   Lacan foi o grande atualizador dessa via, através de sua
    crítica à rigidez burocrática das sociedades "oficiais" e de seu
    chamado a uma "volta a Freud", uma volta às origens da
    psicanálise.
   O que Lacan propunha não era apenas uma releitura dos
    textos do pai fundador, mas sobretudo uma revolução no
    modo de transmissão do título de psicanalista.
   A via carismática é valorizada em detrimento da burocrática. A
    psicanálise não pode ser contida nos limites de uma
    formação pré-programada – tantos anos de análise didática,
    tantas horas de supervisão, um certo número de cursos.
   A ênfase na experiência singular de cada candidato implica,
    além do abandono de esquemas escolares de transmissão,
    um constante testar de sua, adesão irrestrita à doutrina.
   A formação nunca acaba. O analista deve dar provas
    constantes de seu compromisso com a causa.
LACAN - CONTRIBUIÇÕES
   O fundamentalismo lacaniano teve, como vimos, importante papel
    no redirecionamento do movimento psicanalítico brasileiro.
   Este conheceu uma efervescência sem precedentes, em termos de
    produção de textos, encontros, seminários, conferências.
   Ao mesmo tempo, no que tange à sua difusão entre o público leigo,
    a psicanálise passou a competir com as chamadas terapias
    "alternativas" e, no campo psiquiátrico, com uma inclinação cada vez
    mais pronunciada em direção a uma visão biológica dos transtornos
    mentais que se alia, na psicologia, à perspectiva cognitivo-
    comportamental.
   O futuro do próprio movimento vai depender do modo como irão se
    estruturar tanto no campo profissional quanto entre os clientes
    potenciais – essas duas tendências que expressam, sem dúvida
    alguma, um novo "espírito do tempo", uma nova forma de conceber
    o ser humano e suas perturbações.
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Movimento Psicanalitico Brasileiro

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  • 7. RIO DE JANEIRO – MEDICINA E PSICANÁLISE  No Rio de Janeiro, vários dentre os grandes nomes que compunham o establishment psiquiátrico em vias de constituição se interessaram pela nova doutrina.  O vínculo prioritário desses personagens era com a medicina, grande fonte de prestígio é legitimidade.  A psicanálise ocupava um lugar secundário, como um saber ou uma prática acessórios à psiquiatria. Por isso não havia interesse na criação de uma corporação psicanalítica, isto é, de sociedades de formação.
  • 8. HENRIQUE ROXO (1877-1969)  Catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina a partir de 1911, introduziu a doutrina freudiana em seus cursos.
  • 9.
  • 11. JULIO PORTO-CARRERO (1887-1937)  O maior de todos os divulgadores da teoria freudiana e o único dentre os pioneiros a praticar a psicanálise e intitular-se psicanalista, foi catedrático de Medicina Legal na Faculdade de Direito.
  • 12. CARACTERÍSTICAS DESSA PRIMEIRA FASE DE INTRODUÇÃO DA PSICANÁLISE NO BRASIL  A doutrina psicanalítica, aparentemente tão subversiva, seduz figuras notáveis tão bem estabelecidas do campo médico.  Vinculação desses pioneiros com projetos pedagógicos e higiênicos.
  • 13. ULISSES PERNAMBUCANO  Grande nome da psiquiatria pernambucana e também considerado um dos precursores da psicanálise, foi diretor da Escola Normal de Pernambuco em 1923, onde fez importante reforma pedagógica.
  • 14. JULIO PORTO-CARRERO (1887-1937)  Foi colaborador assíduo da Associação Brasileira de Educação. Mesmo quando a questão pedagógica não era explícita, a visão da psicanálise como uma espécie de "ortopedia moral" era o que prevalecia.  Foi o responsável pela criação de uma clínica psicanalítica na Liga Brasileira de Higiene Mental em 1926 e, no decorrer dos anos 1930, revelou-se feroz defensor das idéias eugênicas.  Essa convivência entre psicanálise, higiene e eugenia parece inexplicável ao nosso olhar contemporâneo. Torna-se mais compreensível quando se levam em conta as preocupações desses médicos do início do século, obcecados em viabilizar um projeto "civilizador" e modernizador para o país. A teoria psicanalítica, apesar de seu viés subversivo (ou mesmo por causa dele), era capaz de fornecer uma alternativa moderna e científica para os preceitos da moral tradicional, vistos como arcaicos e ultrapassados.  Porto-Carrero foi um dos precursores que mais publicou títulos psicanalíticos.
  • 15. DIFUSÃO LEIGA DA PSICANÁLISE  A psicanálise, como fator de modernização e "civilização", logo ultrapassou as fronteiras da academia e da corporação médica.Livros de vulgarização começaram a ser publicados, surgiram colunas sobre o tema em revistas femininas, programas radiofônicos começam a ir ao ar.  Toda essa difusão leiga da psicanálise se dá em meio a um interesse generalizado pela chamada "questão sexual". No decorrer dos anos 1930, assiste-se à realização de cursos populares sobre sexologia, de comemorações especiais como o "Dia do Sexo", de emissões radiofônicas sobre sexo e campanhas de educação sexual.
  • 16. DIFUSÃO LEIGA DA PSICANÁLISE  Em termos de mercado editorial, pode-se falar num boom sexológico. Em meio a obras de sexólogos de renome surgem livros sobre Freud (como na coleção "Freud ao alcance de todos", da editora Calvino), ou de autoria do próprio Freud e de seus discípulos.  O primeiro livro publicado pela Editora José Olympio em 1932 foi Conheça-te pela psicanálise, do psicanalista americano J. Ralph. Na década de 1930 são publicados dez volumes com cerca de 50 títulos de autoria do próprio Freud, entre conferências, ensaios, artigos e livros. Além destes, muitos títulos de autores brasileiros sobre psicanálise são publicados.
  • 17. GASTÃO PEREIRA DA SILVA (1897-1987).  Foi um dos primeiros psicanalistas do Rio de Janeiro, tendo iniciado sua prática nos anos 1930, sem nunca ter feito formação em qualquer das sociedades de psicanálise fundadas posteriormente.  Afirmava ter praticado "medicina em lombo de burro" no interior antes de interessar-se pela psicanálise no final dos anos 1920. Com o intuito explícito de tornara doutrina freudiana acessível ao leitor comum, publicou em 1931 o livro Para compreender Freud.  Esse primeiro livro de Pereira da Silva – que em 1942 estará na sua sexta edição – foi publicado às expensas do próprio autor. Os livros-seguintes serão publicados por editoras diversas, incluindo a prestigiosa Jose Olympio.Dentre os inúmeros títulos de sua autoria encontramos Lenine e a psicanálise, Crime e psicanálise, Neurose do coração, Educação sexual da criança, A psicanálise em doze lições, Conhece-te pelos sonhos, O drama sexual dos nossos filhos, Vícios da imaginação e O tabu da virgindade.
  • 18. GASTÃO PEREIRA DA SILVA (1897-1987).  Além dos livros, Gastão manteve intensa atividade na imprensa escrita. , Em 1934 criou na revista Carioca a coluna "Psicanálise dos sonhos", ilustrado, por uma fotografia de Freud. Na revista Vamos Ler manteve uma coluna intitu-lada "Página das mães". Posteriormente colaborou na revista Seleções Sexuais com a seção "Confidências".  Ainda nos anos 1930, manteve durante três anos o programa "No mundo dos sonhos", na Rádio Nacional, no qual, segundo suas palavras, "radiofonizava os sonhos [enviados pelos ouvintes], como se fossem pequeninas histórias, em sketchs, interpretadas pelo cast do rádio teatro daquela emissora". Escreveu rádio novelas que foram ao ar e ainda criou um "Curso de psicanálise por correspondência",  Pode-se dizer que a extensa produção de Gastão Pereira da Silva indica a existência, na época, da demanda por uma espécie de auto-ajuda psicanalítico-sexológica que parecia fazer bastante sucesso. A difusão entre os leigos, portanto, pelo menos no Rio de Janeiro, antecipou em alguns anos a institucionalização da nova prática.
  • 19. ALDELHEID KOCH (1896-1980)  Em São Paulo, o movimento de institucionalização surgiu mais cedo, tendo em Durval Marcondes sua figura central. Em dezembro de 1936, a partir do contato estabelecido por Marcondes com a IPA, a jovem psicanalista Aldelheid Koch chegou à cidade de São Paulo com a tarefa de formar o primeiro grupo de psicanalistas oficialmente autorizados em solo brasileiro.  Koch iniciara em 1929 sua formação no prestigioso Berliner Psychoanalytische Institute, a mais prestigiosa instituição de formação em psicanálise na época. Entre 1934 e 1935, entretanto, o Instituto Berlinense foi "arianizado" por decreto do governo nazista. As obras de Freud e outros analistas judeus foram queimadas em praça pública.  Koch foi obrigada a se filiar diretamente à IPA e, aos 40 anos, recém-autorizada como analista, fugiu da Alemanha com a incumbência de iniciar o treinamento oficial de analistas no Brasil, formando o embrião da futura Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, que foi reconhecida pela IPA em 1951.
  • 20. PSICANÁLISE E O MOVIMENTO MODERNISTA  É importante lembrar que na São Paulo dos anos 1920 as idéias psicanalíticas circulavam no movimento Modernista. As grandes figuras do movimento, Oswald (1914-1972) e Mário de Andrade (1893-1945), leram Freud e assimilaram suas idéias em maior ou menor grau.  A própria idéia de antropofagia parece ter se inspirado em um dos grandes clássicos freudianos - Totem e tabu.  Além dessa difusão junto às vanguardas artísticas e intelectuais, a nova doutrina estava presente em espaços institucionais não médicos que certamente contribuíram para sua maior aceitação e difusão.
  • 21. FUNDAÇÃO DA CLÍNICA DE ORIENTAÇÃO INFANTIL NO SERVIÇO DE HIGIENE MENTAL DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SP  Durval Marcondes funda a Clínica de Orientação Infantil no Serviço de Higiene Mental da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por ele dirigido.  Nessa clínica, supervisionava e formava educadoras, que aprenderam a encarar a criança e sua família a partir do ponto de vista psicanalítico.  No ano seguinte a psicanálise foi introduzida como disciplina no curso de sociologia da Escola Livre de Sociologia e Política, de novo sob a responsabilidade de Durval Marcondes e Aldelheid Koch.
  • 22. BUSCA POR UM PSICANALISTA AUTORIZADO PARA DAR INÍCIO À FORMAÇÃO DE PSICANALISTAS CARIOCAS  Enquanto isso, no Rio de Janeiro, ao longo dos anos 1940, um pequeno grupo de médicos tentava trazer um psicanalista autorizado para dar início à formação de psicanalistas cariocas.  Entre estes estavam Danilo (1916-1989) e Marialzira Perestrello (1916-), Alcion Bania (1911-1974) e Walderedo Ismael de Oliveira (1917-).  Após algumas tentativas frustradas, o grupo rumou em direção à Argentina em busca de formação junto à Sociedade de Psicanálise de Buenos Aires.  Somente no final dessa década chegaram dois psicanalistas enviados pela IPA para dar início à formação de analistas.  O primeiro a chegar, em fevereiro de 1948, foi Mark Burke (1900-1975), membro da Sociedade Psicanalítica Britânica, e o segundo, em março de 1949, foi Werner Kemper (1899- 1975), membro da Sociedade de Berlim.
  • 23. SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS  Dois anos depois, um desentendimento entre os adeptos de um e outro analista formou dois grupos, um dirigido por Kemper e outro por Burke.  O grupo do analista alemão foi reconhecido em 1955 pela IPA como Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro - SPRJ.  Burke retomou à Inglaterra em 1953, em meio a boatos sobre sua sanidade mental.  Seus seguidores se juntaram aos analistas formados em Buenos Aires, e o grupo foi reconhecido em 1957 como Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ.
  • 24. SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS  Foram assim formadas as duas sociedades psicanalíticas que dominaram a cena da formação no Rio de Janeiro até os anos 1970.  Ao contrário da sociedade paulista que, coerente com os vínculos desde cedo estabelecidos com o meio não médico admitia candidatos "leigos" desde sua fundação, as duas sociedades cariocas foram monopolizadas pelos psiquiatras que, a exemplo das sociedades americanas, exigiam de seus candidatos a posse de um diploma de medicina.  Como se pode perceber, a calorosa recepção da psicanálise pelo establishment médico carioca não foi sem consequências, e esse vinculo privilegiado com a psiquiatria será a marca do movimento carioca.
  • 25. SOCIEDADES PSICANALÍTICAS CARIOCAS  Curiosamente, entretanto, a abertura aos não- médicos conferiu ao movimento paulista e à sociedade lá fundada um alto grau de estabilidade e relativa tranquilidade, quando comparado ao seu congênere carioca,  No Rio, como vimos, desde logo armou-se uma dissidência - duas sociedades são formadas no lugar de uma.  Além desse começo já turbulento, em 1953 foi fundado um instituto dissidente, vinculado à linha "culturalista" norte americana (dissidência das sociedades "oficiais"), o Instituto de Medicina Psicológica - IMP. Em 1968,
  • 26. CÍRCULO PSICANALÍTICO  Kattrin Kemper (1905-1978), esposa de Werner, abandonou a SPRJ e fundou, no ano seguinte, com alguns de seus analisandos, o Círculo Psicanalítico da Guanabara, mais tarde Círculo Psicanalítico do Rio de janeiro.  O Círculo iniciou em 1972 sua primeira turma para formação em psicanálise, também aberta a "leigos".  Em 1971, um grupo de psicólogos que estudavam e faziam supervisão com psicanalistas da SPRJ fundou a Sociedade de Psicologia Clínica, que oferecia formação exclusivamente para psicólogos.
  • 27. 1970  E esse o momento de maior obscurantismo da ditadura militar que havia se instalado em 1964. A Censura, a repressão e a tortura de presos políticos chegaram a seu auge.  Ao mesmo tempo, a psicanálise, que, como vimos, já vinha se difundindo desde pelo menos os anos 1930, conquistou definitivamente os corações e mentes das camadas médias letradas dos grandes centros urbanos.
  • 28. Como entender essa convivência, até certo ponto pacífica, entre o obscurantismo político e a busca de liberação "interior"?  A resposta mais fácil tem sido explicar a volta sobre si mesmo pelo fechamento político. Isto é, a repressão política, impedindo uma preocupação com o que estava "lá fora", na sociedade, obrigou as pessoas a se preocuparem exclusivamente com o que estava "dentro", com sua vida interior, sua psicologia.
  • 29. A repressão teve como um de seus efeitos uma despolitização no sentido tradicional do termo.  Na década de 1970, porém, já era possível falar de um outro tipo de politização, vinculado ao movimento contracultural que então florescia nos países desenvolvidos do Ocidente.
  • 30. Essas questões "menores" produziam uma crítica contundente à chamada "moral burguesa", visando muito mais aos costumes, aos comportamentos cotidianos, aos modos de pensar e sentir, do que à grande e abstrata luta capital versus trabalho.
  • 31. Na esteira da expansão psicanalítica – expansão enquanto terapia enquanto profissão e enquanto modo de compreensão do ser humano –, surgiu e se expandiu uma nova especialidade: a psicologia.  Além de se "psicanalizar", a psicologia também conheceu uma expansão sem precedentes. Em 1974, quando entrou em funcionamento o Conselho Federal de Psicologia, havia 895 profissionais inscritos. Em 1975 esse número subiu para 4.950 e no ano seguinte chegou a 6.890.
  • 32. “DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”  Aqui nos voltamos para o desenrolar do movimento psicanalítico na cidade do Rio de Janeiro, local onde o embate entre psicólogos e médicos em torno do monopólio do título de "psicanalista" atingiu contornos dramáticos.  A relação dos novos profissionais com os psicanalistas das sociedades oficiais – que, como vimos, até o início dos anos 1970 praticamente monopolizavam a formação em psicanálise no Rio de Janeiro – era de reverência e ambiguidade.
  • 33. “DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”  Esse monopólio, entretanto, estava com seus dias contados.  Dois movimentos ocorridos no decorrer da década de 1970 já indicavam a ameaça que as psicólogas representavam para a corporação psicanalítica tal como ela então se constituía. Utilizando uma linguagem bélica, vamos chamá-Ias de"invasão argentina" e "invasão francesa".
  • 34. “INVASÃO ARGENTINA”  A "invasão argentina" ocorreu quando um grande número de psicólogos e psicanalistas, vários dentre eles afugentados de seu país pela repressão política, veio se estabelecer no Rio de Janeiro.Trouxeram com eles uma forma de trabalhar com a psicanálise que desafiava a hegemonia das sociedades "oficiais".
  • 35. “DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO CLÍNICO”  A partir do final da década de 1970, surgiu uma série de instituições de formação de psicanalistas não "oficiais" cuja clientela vai ser formada principalmente por psicólogas.  A hegemonia das sociedades da IPA foi seriamente ameaçada, a ponto de as duas sociedades "oficiais" passarem a admitir candidatos-psicólogos para formação a partir de 1980.
  • 36. “PSICANÁLISE E FACISMO”  Desde o início dos anos 1970 corriam boatos sobre a participação de um dos candidatos em formação na Sociedade - Amilcar Lobo - como médico junto aos aparelhos de repressão da ditadura.  Denúncias foram formalizadas junto à direção da sociedade e também da IPA, sem que qualquer providência oficial fosse tomada.  No final de 1980, numa mesa-redonda promovida na PUC- Rio intitulada "Psicanálise e Fascismo", o caso Amílcar Lobo é trazido a público através da denúncia de um ex- preso político.  Dois psicanalistas da SPRJ que participavam da mesa- redonda - Hélio Pellegrino (1924-1988) e Eduardo Mascarenhas (1943-1997) - reafirmaram a denúncia junto à direção da sociedade e acabaram por ser excluídos de seus quadros.
  • 37. “PSICANÁLISE E FACISMO”  No início de 1981, o caso ganhou a manchete dos principais jornais cariocas através do depoimento de vários outros presos políticos e não foi mais possível ignorar a conivência do establishment psicanalítico com as atividades de Lobo junto ao DOI-CODI.  O desfecho do caso só ocorreu após a redemocratização do país, em 1986, quando o Conselho Regional de Medicina abriu um processo contra Lobo, cassando seu direito de exercer a profissão dois anos depois.  A crise política e moral gerada pelo caso Amílcar Lobo foi o golpe final de uma série de outros golpes que vinham sofrendo as sociedades ditas "oficiais".
  • 38. SOCIEDADES DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE  A partir de 1969, quando ocorreu a primeira cisão na SPRJ com a fundação do Círculo de Kattrin Kemper, até 1989, foram criadas no Rio de Janeiro 18 sociedades de formação em psicanálise não vinculadas à IPA.  Destas, 16 surgiram após 1974, e, dentre estas, dez se apoiavam de forma mais ou menos explícita na teoria LACANIANA como fonte de legitimação.
  • 39. Curiosamente, a proliferação de sociedades lacanianas ocorreu no Brasil como um todo (embora o Rio de Janeiro permaneça sendo uma espécie de recordista), o que não acontecera no período do monopólio das sociedades "oficiais", nem mesmo na época de maior difusão da psicanálise.  Sem contar cinco sociedades paulistas, entre 1982 e 1990 foram fundadas 13 instituições de formação lacaniana nas seguintes cidades: Brasília, Vitória, Salvador, Recife, Belo Horizonte (duas), Curitiba, Teresina, Porto Alegre (duas), Fortaleza e São Luís (duas).  Esta informação revela-se finda mais surpreendente quando se sabe que até 1987 só havia sociedades psicanalíticas "oficiais" no Rio de Janeiro (duas), em São Paulo e Porto Alegre, além de núcleos psicanalíticos no Recife e em Brasília.
  • 40. RUPTURA DO MONOPÓLIO EXERCIDO PELAS SOCIEDADES VINCULADAS AO IPA  Mais que a "invasão argentina", portanto, uma espécie de "invasão "francesa" – isto é, lacaniana – instrumentou a ruptura do monopólio exercido, pelas sociedades vinculadas à IPA (e, no Rio de Janeiro, pelos médicos) sobre o controle e a transmissão do título de psicanalista.  Essa reorientação do meio psicanalítico, que atingiu mais fortemente o meio carioca, ocorrida no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, foi, portanto, provocada pela: intensa difusão da psicanálise no meio "psi" não médico e entre o público leigo – o que se traduziu numa ampliação sem precedentes do mercado e numa pressão muito forte por parte dos profissionais não médicos pelo acesso ao título de psicanalista.  A disputa profissional se desdobrava, assim, em uma disputa teórica – a teoria lacaniana pretendendo substituir a teoria kleiniana que até então reinava absoluta nas sociedades "oficiais" – e em uma disputa política pela hegemonia no campo e, consequentemente, pela definição tanto da própria psicanálise quanto do oficio de psicanalista.
  • 41. A definição do que é ser "psicanalista" é uma questão candente desde seu surgimento. Quem pode ou deve atribuir a alguém o título de psicanalista?  Sabemos que tudo começou de modo extremamente personalizado em torno de figura de Freud. Com o passar do tempo, a institucionalização tornou-se inevitável, com a fundação da Associação Internacional (IPA) e a implantação de um modelo único de formação.  Pode-se falar aí na escolha de uma via burocrática de legitimação, em detrimento do carisma – que se baseia na autoridade e na legitimidade do "pai fundador" e seus discípulos.  A via carismática, entretanto, permanecia como potencialidade sempre presente, expressando-se nos diversos casos de rupturas, dissidências e concomitante fundação de outras escolas ou instituições como a leitura do capitulo anterior nos demonstra.
  • 42. LACAN - CONTRIBUIÇÕES  Lacan foi o grande atualizador dessa via, através de sua crítica à rigidez burocrática das sociedades "oficiais" e de seu chamado a uma "volta a Freud", uma volta às origens da psicanálise.  O que Lacan propunha não era apenas uma releitura dos textos do pai fundador, mas sobretudo uma revolução no modo de transmissão do título de psicanalista.  A via carismática é valorizada em detrimento da burocrática. A psicanálise não pode ser contida nos limites de uma formação pré-programada – tantos anos de análise didática, tantas horas de supervisão, um certo número de cursos.  A ênfase na experiência singular de cada candidato implica, além do abandono de esquemas escolares de transmissão, um constante testar de sua, adesão irrestrita à doutrina.  A formação nunca acaba. O analista deve dar provas constantes de seu compromisso com a causa.
  • 43. LACAN - CONTRIBUIÇÕES  O fundamentalismo lacaniano teve, como vimos, importante papel no redirecionamento do movimento psicanalítico brasileiro.  Este conheceu uma efervescência sem precedentes, em termos de produção de textos, encontros, seminários, conferências.  Ao mesmo tempo, no que tange à sua difusão entre o público leigo, a psicanálise passou a competir com as chamadas terapias "alternativas" e, no campo psiquiátrico, com uma inclinação cada vez mais pronunciada em direção a uma visão biológica dos transtornos mentais que se alia, na psicologia, à perspectiva cognitivo- comportamental.  O futuro do próprio movimento vai depender do modo como irão se estruturar tanto no campo profissional quanto entre os clientes potenciais – essas duas tendências que expressam, sem dúvida alguma, um novo "espírito do tempo", uma nova forma de conceber o ser humano e suas perturbações.