Ação para demolição de prédios em área de preservação
1. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Comarca - Criciúma
2ª Vara da Fazenda
Autos n° 0013686-05.2013.8.24.0020
Ação: Ação Civil Pública/Liminar
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Construtora Locks Ltda
Vistos etc.
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado
de Santa Catarina em face de Construtora Locks Ltda., alegando, em síntese, que instaurou
inquérito civil para apurar se o empreendimento da ré situado na Rua Artur Pescador, bairro
Santa Bárbara, Criciúma/SC, matrícula n. 86.789, estava em conformidade com a legislação
ambiental. Asseverou que a construção não observou o recuo mínimo do curso d'água
existente, em desrespeito à legislação pertinente.
Requereu a procedência do pedido para determinar à ré a demolição da
edificação construída, com a retirada dos restos de materiais decorrentes da demolição,
seguida da recomposição da mata ciliar existente na área de preservação permanente;
sucessivamente, caso não seja possível a demolição, pugnou pela condenação da ré ao
pagamento de indenização pelos danos materiais coletivos. Ainda, requereu a condenação
da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos.
Deferida em parte a liminar, foi a ré citada, apresentando contestação na
qual asseverou que adquiriu do Município de Criciúma os terrenos em que edificou a
construção ora questionada, sendo alertado que o recuo necessário seria de apenas 15
metros. Narrou que o projeto de construção foi apresentado ao Município e à FAMCRI,
tendo ambos aprovado o projeto com o recuo de 15 metros. Invocou, para defender a
suficiência do recuo obedecido, a lei inerente ao parcelamento urbano do solo, o plano
diretor à época vigente, bem como termos de ajustamento de conduta firmados pelo
Município e FAMCRI com o Ministério Público. Sustentou a regularidade do
empreendimento, que recebeu todas as licenças necessárias e se encontra em área
consolidada, além de o curso d´água ser canalizado e poluído, não cumprindo sua função
ambiental e, consequentemente, não podendo ser considerado de preservação
permanente. Rechaçou a existência de dano ambiental e de moral coletivo, pugnando, ao
fim, pela improcedência do pedido.
Houve réplica.
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Comarca - Criciúma
2ª Vara da Fazenda
Foi juntado aos autos estudo pericial preliminar, com a devida
manifestação das partes, bem como produzida a prova testemunhal, dando-se por
encerrada a instrução
Com a juntada dos memoriais vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
Não há questões preliminares pendentes, razão pela qual adentro
diretamente ao mérito.
O objeto da presente lide é em última análise o desfazimento de prédios
de alvenaria pertencentes aos chamados Residencial Frankfurt e Residencial Berlim,
segundo o Ministério Público erigidos em área de preservação permanente, nas
proximidades de um curso d' água.
É incontroverso nos autos que parte dos residenciais não respeitou o
recuo de 30 metros desde a margem do rio, recuo este estabelecido no art. 4º, I, a, da Lei n.
12.651/12, considerando que o Rio Criciúma, na indigitada área, possui largura aproximada
de 7 metros, conforme documento expedido pela FAMCRI a folhas 174 do Caderno 2 do
Objeto 1 (que acompanhou a petição inicial, conforme certidão a folhas 21).
Conforme estudo preliminar a folhas 263/298, mais especificamente pelo
contido a folhas 267 e 268, as Torres A de ambos os empreendimentos (Residencial
Frankfurt e Residencial Berlim) foram erguidas com recuo de 15,42 metros e 15,83 metros,
respectivamente.
Apenas a título de informação, as Torres B respeitam com folga o limite
legal (42,56 metros e 38,21 metros, respectivamente), de modo que não serão atingidas
pela presente decisão, uma vez que as Torres A e B são autônomas e independentes entre
si.
Delimitada a lide, da íntegra dos autos tenho que a área em discussão
está longe de ter suas características originais preservadas, resultado da ocupação urbana
desordenada ao longo de décadas, fruto do equívoco dos nossos antepassados que, por
ignorância que o tempo tratou de perdoar, tinham como incompatíveis o crescimento urbano
e a preservação do meio ambiente saudável. Por ser fato público e notório, o ora subscritor
pode afirmar que desconhece cidades brasileiras de grande e médio porte que tenham rios
despoluídos em toda a sua extensão (leia-se água potável com oxigenação plena).
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Comarca - Criciúma
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O Rio Criciúma não foge à regra, bastando circular por suas proximidades
para constatar a veracidade do que suficientemente demonstrado nas fotografias a folhas
227/231, corroboradas pelo experto a folhas 287 e 291.
As imagens na parte inicial do Caderno 3 do Objeto 2 (que acompanhou a
contestação, conforme certidão a folhas 133) mostram a exata realidade de como a
construção do perímetro urbano de Criciúma pura e simplesmente desprezou o curso de um
rio que já não guarda nenhum de seus caracteres primitivos, sendo em boa parte
"canalizado e fechado" (por onde passa a Avenida Centenário – a principal artéria que corta
a cidade).
Quanto ao caso em tela, observo do estudo preliminar que no terreno em
que estão edificados os prédios o Rio Criciúma corre a céu aberto (e não canalizado e
fechado, como em outras partes da cidade), apesar de contar com intervenção antrópica
em suas margens, inclusive com paredes de pedra e construções que iniciam a partir da
margem do rio.
Neste pormenor, as fotos a folhas 227/231 aclaram que a obra impugnada
situa-se em meio a paisagem urbana vulgar, com outras construções de alvenaria, porém
com um resquício de vegetação marginal, ainda que reduzida à gramíneas e árvores
isoladas.
Em outras palavras, não ocorreu uma completa descaracterização daquele
local, embora urbanizado, ainda existindo o que se preservar em um meio já degradado,
mas com possibilidade de recuperação, desde que se atente ao disposto na lei protetora.
O ora subscritor não olvida de precedentes da e. Corte Catarinense em
sentido contrário, acerca da não incidência das normas do Novo Código Florestal, e tão-somente
da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (vide a propósito APCMS 2013.056913.3,
de Joinville, rel. Des. José Volpato de Souza; AI 2011.036170.6, de Pomerode, rel. Des.
Nelson Schaefer Martins), todavia, o caso dos autos parece-me distinto.
Nos referidos precedentes, salvo melhor juízo, a antropia foi completa e de
caráter irreversível, o que não é o caso dos autos.
Não fosse isso, entendo que deve prevalecer o fato de que aquela área é
sim de preservação permanente, e em sendo assim "note-se que a Lei Federal
12.651/2014 (Novo Código Florestal), seguindo a inteligência da legislação anterior,
manteve no conceito de área de preservação permanente, em zona urbana ou rural,
as faixas marginais em largura mínima de 30 metros para os cursos d'água de menos
de 10 metros de largura" (TJSP, Apelação nº 0001268-61.2009.8.26.0653, da Comarca de
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Vargem Grande do Sul, j. 03.11.2014).
No mesmo precedente acima mencionado, colho ensinamento que deve
ser sempre observado:
"Ressalte-se, ademais, que a existência de construções irregulares
no Município, provavelmente fruto de negligência das gestões anteriores, não tem o
condão de impedir que a Administração atual zele pelo fiel cumprimento das normas
de parcelamento do solo urbano, de modo a impedir edificações em áreas que não
permitem construções de qualquer natureza tal como as margens de rios e córregos -
, a fim de evitar prejuízos futuros, com a condenação de edificações acarretadas
pelas costumeiras enchentes sazonais".
Em síntese, erros do passado não justificam erros do presente,
condenando as futuras gerações, sob o frágil argumento – ab ovo falho – de que a tão-só
urbanização de uma área de preservação permanente pode servir de escusa para a
perpetuidade da destruição urbana.
A demolição das torres dos empreendimentos que desrespeitem o recuo
de 30 metros da margem do curso d'água é, então, a medida que se impõe.
Considerando a complexidade da obra (prédio com oito pavimentos),
concedo o prazo de 90 (noventa) dias para cumprimento da ordem demolitória, contados do
trânsito em julgado da sentença.
Por óbvio, para resguardar a função ambiental daquele local, a demolição
deve ser seguida da recuperação da área de preservação permanente — faixa de 30
metros da margem do rio, o que implica na retirada de todos os restos de materiais
decorrentes da demolição, bem como na recomposição da mata ciliar.
Quanto aos "danos morais coletivos", permissa venia, entendo não assistir
razão ao Ministério Público.
Já decidiu-se que " 'é admissível a indenização por dano moral
ambiental nos casos em que a ofensa ao meio ambiente acarreta sentimentos difusos
ou coletivos de dor, perda, sofrimento ou desgosto. A caracterização do dano moral
ambiental, entretanto, não se revela pelo só fato de ter havido uma repercussão física
lesiva ao meio ambiente em local ou imóvel particular, sem maiores consequências
lesivas para o entorno coletivo. (Apelação Cível n. 2010.024915-3, da Capital, rel. Des.
Newton Janke, Segunda Câmara de Direito Público, j. 13.03.2012)' " (Apelação Cível n.
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2ª Vara da Fazenda
2010.015480-9, da Capital, Relator: Des. Nelson Schaefer Martins, j. 09.10.2012).
Ora, respeitadas a razoabilidade e proporcionalidade, embora as Torres A
do Residencial Frankfurt e do Residencial Berlim devam ser mesmo destruídas pelas razões
acima expostas, não se deve considerá-las como causadoras de uma ofensa anormal à
coletividade durante o período de tempo em que se mantém de pé.
A uma porque a edificação em si não trouxe maiores prejuízos à paisagem
urbana, existindo outras construções nas proximidades. A duas porque foi respeitado um
recuo de pouco mais de 15 metros, o que, mesmo sendo insuficiente, ao menos não
aumentou a degradação que já existia.
Basta a demolição da obra ilegal.
ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido
formulado na inicial, e em consequência CONDENO a ré na demolição da Torre A do
Residencial Frankfurt e da Torre A do Residencial Berlim, no prazo de 90 (noventa) dias a
contar do trânsito em julgado da presente sentença, com a retirada de todos os restos de
materiais decorrentes da demolição.
Ainda, CONDENO a ré a efetuar a recomposição da mata ciliar na área de
preservação permanente, através de Projeto de Recuperação de Área Degradada a ser
aprovado pela Fundação do Meio Ambiente de Criciúma (FAMCRI).
Tendo o autor decaído no pleito de dano moral coletivo, sendo exitoso no
de demolição, CONDENO a ré ao pagamento de metade das custas processuais.
Sem honorários.
Em reexame necessário.
P. R. I.
Criciúma, 18 de novembro de 2014.
Pedro Aujor Furtado Júnior
Juiz de Direito
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