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do estudanteNúm. 57 - ANO VI Mai – Jun /2017
Folhetim do estudante é uma
publicação de cunho cultural e
educacional com artigos e textos de
Professores, alunos, membros de
comunidades das Escolas Públicas
do Estado de SP e pensadores
humanistas.
Acesse o BLOG do folhetim
http://folhetimdoestudante.blogspot.com.br
Sugestões e textos para:
vogvirtual@gmail.com
"Tenho procurado manter a
atividade crítica ligada à vida do
meu tempo" (Antonio Candido de Mello
e Souza, em janeiro de 1944, na coluna
"Notas de Crítica Literária", que publicava
aos domingos na "Folha da Manhã", antigo
nome da Folha de S. Paulo). ***
Viver 98 anos não deve ser fácil, mas
para ele parece ter sido uma agradável
aventura.
Mais raro ainda é viver quase cem anos
sem nunca mudar de lado, fiel às suas
convicções, aos seus princípios, aos
amigos e à sua própria obra literária, sem
se queixar da vida nem nunca levantar o
tom de voz para convencer ninguém.
Nascido no Rio, criado em Minas e
formado em São Paulo, foi uma síntese
desta brasilidade: divertido como os
cariocas, contido como os mineiros e
sério como os quatrocentões paulistas.
Dos muitos papéis que teve na vida, era
como crítico literário que gostava de ser
apresentado.
Candido nunca pediu que esquecessem o
que escreveu, e ele escreveu muitos
livros _ entre eles, alguns clássicos,
como "Os Parceiros do Rio Bonito" e
"Formação da Literatura Brasileira".
Tive o privilégio de ter conhecido
Antonio Candido, de quem era amigo
distante e admirador permanente, pelo
exemplo de dignidade e honradez que
deu à minha geração.
Por isso, embora não costume escrever
necrológios sobre amigos, me vi no
dever de falar dele na manhã deste
sábado, que tinha reservado para
descansar do computador.
Estivemos juntos na longa luta contra o
arbítrio comandada por D. Paulo
Evaristo Arns na Comissão de Justiça e
Paz da Arquidiocese de São Paulo, entre
tantas outras.
Nos intervalos das reuniões, gostava de
falar com ele sobre como andava a vida
em Porangaba, uma das cidades do velho
interior paulista onde ele fez suas
pesquisas para o livro sobre os parceiros
do Rio Bonito.
Tenho um sítio à beira deste rio e lá eu li
pela primeira vez o seu livro, na rede da
varanda, quando comprei a terra no final
da década de 1970.
Meu sonho literário era revisitar a obra
de Candido para contar o que tinha
mudado na vida do caipira paulista, meio
século depois, desde o lançamento do
seu livro, tema da tese de livre-docência
que defendeu na USP, em 1954, e que só
seria publicado dez anos mais tarde, já
em plena ditadura.
Certa vez, passamos uma tarde inteira em
sua casa de vila no Itaim falando das
lembranças do tempo em que fez a sua
pesquisa de campo.
Candido se empolgou tanto que até
imitou personagens do livro, rabiscou
desenhos, cantou músicas caipiras e
mostrou como se dançava o Cururu, o
ponto de partida da obra, como ele conta
no primeiro parágrafo do prefácio:
"Este livro teve como origem o desejo de
analisar as relações entre a literatura e a
sociedade; e nasceu de uma pesquisa
sobre a poesia popular, como se
manifesta no Cururu _ dança cantada
do caipira paulista _ cuja base é um
desafio sobre os mais vários temas, em
versos obrigados a uma rima constante
(carreira), que muda após cada
rodada".
Com as dicas do amigo, cheguei a
preparar uma sinopse para a Companhia
das Letras, e ele sempre me perguntava
sobre o projeto, mas meu livro nunca
seria escrito. Fiquei devendo isso a ele e
a mim, mas nunca vou esquecer dos seus
ensinamentos e da alegria do mestre ao
oferecê-los.
É a melhor lembrança que guardo dele,
um professor na acepção plena da
palavra, mas que não fazia nenhuma
questão de posar de professor.
Mais lembrava um contador de causos
com um imaginário cigarro de palha no
canto da boca.
Seu contemporâneo Carlito Maia
costumava dizer: alguns vieram ao
mundo a passeio; outros, a serviço.
Antonio Candido certamente veio ao
mundo a serviço dos outros, nas
diferentes frentes em que se destacou,
mas nunca deixou de se divertir com
isso.
E também nunca ligou para o que os
outros falavam dele nestes tempos de
tanta intolerância. Fundador e militante
do PT até o fim da vida, foi muito
cobrado por sua opção política, depois
de passar boa parte da vida lutando
contra duas ditaduras: a do Estado Novo
de Getúlio Vargas e a do Golpe Militar
de 1964.
Deve ter valido a pena, a considerar o
que sobre ele disse à Folha quem melhor
o conhecia, a sua filha Marina de Mello e
Souza, depois de lembrar no velório que
o pai sempre foi otimista, mas
ultimamente andava triste:
"Acho que é o momento de pensar que já
tivemos gente muito boa neste país, que
trabalhou para construir um país
democrático, de pensamento igualitário,
onde as pessoas eram íntegras e
generosas, que pensavam no bem
comum. Ele era uma pessoa que pensava
no bem comum acima de tudo, e nesse
momento em que a gente vive, não só no
país como no mundo, uma situação de
extremo retrocesso de valores e de bens,
que são muito diferentes do humanismo,
ele era humanista acima de tudo".
A neta Laura Escorel, que morou com ele
nos últimos quatro anos, contou como foi
o fim, depois de quase uma semana
internado no Hospital Albert Einstein,
com uma crise gástrica:
"Estamos em paz, ele esteve lúcido até o
fim e não sofreu".
Grande professor Antonio Candido, que
morreu como viveu: em paz.
Vida que segue.
Blog de Ricardo Kotscho
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Folhetim
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do estudante ano VI Mai-Jun/2017
LEITURA
CRÔNICA
Enterrado vivo
“Na mais medonha das trevas
Acabei de despertar
Soterrado sob um túmulo.
De nada chego a lembrar
Sinto meu corpo pesar
Como se fosse de chumbo.
Não posso me levantar
Debalde tentei clamar
Aos habitantes no mundo.
Tenho um minuto de vida
Em breve estará perdida
Quando eu quiser respirar.”
(Vinícius de Moraes).
Sentado na calçada à espera da
minha condução observo os
transeuntes, estes por suas
atividades cotidianas não atentam
para o que estão a sua volta.
Em um súbito despertar das trevas
vejo soterrado em um túmulo
diante da sociedade, aquele que
passa descalço, roupas que outrora
fora bem cuidadas, semblante
vago com um olhar para o infinito
sem esperanças de alcançar uma
realidade que o circunda. Esse ser
é levado pela sua agonia diária
que trepida a sua carruagem de
caixas desmontadas e sucatas
ladeira a baixo, no instante em
que o dedão do pé raspa com ódio
o asfalto, deixando sua marca de
mártir.
De nada chego a lembrar ao
avistar um ser invisível,
disputando uma faixa da via com
automóveis ofegantes e
apressados para chegarem em seus
destinos confortáveis. O barulho,
a agitação e o cair da noite
silencia-o por completo.
Desatento ao meu universo
mergulho no submundo para ver
de perto os ocultos da cidade, os
quais não sei o motivo que os
levaram a se submeterem como
escória da sociedade.
Sinto meu corpo pesar ao procurar
compreendê-los, no instante que
observo um pouco mais sua
expressão corporal, como chumbo
declina-o para a condição de
submissão, sua visão não alcança
o horizonte enxergando apenas
poucos metros à sua frente. Seus
dedos com crostas condicionadas
à uma camada de proteção para
revirar sacos de lixo. Unhas como
garras para sua defesa e disputar
alimentos e cantos dos comércios,
como cães que perambulam pela
cidade repousam seus esqueletos
corcundas pelo peso da miséria.
Não consigo me levantar estou
travado, o tempo parou e diante de
mim o invisível me olhando
aclamando, pedindo com seu
silêncio uma palavra para a
sociedade. Aqui estou emergindo
sem folego aclamando que me
veem, mesmo que por uma
vitrine, a qual tem a função de
segregar da sociedade! Seu grito
estalou em meus ouvidos, sua dor
passou pelos meus sentidos, seu
olhar se cruzou com o meu nas
trevas, sua respiração de fuligem,
sufocou-me, asfixiou-me...
Procurei ar puro não encontrei,
não consigo respirar, quando eu
quiser respirar o ar da sociedade,
indubitavelmente estarei em
minha realidade, na qual observo
os transeuntes que vão e vem no
compasso do relógio, o som da
cidade passa por mim, as luzes
dos comércios chegam aos meus
olhos. Deixo se perder no infinito
da minha visão esse pobre ser
sepultado, vive apenas no minuto
que o observamos.
Wilson Silva
Estudante de licenciatura em física
do IFSP Itapetininga, ex-professor
da E. E. Com. Miguel Maluy,
wilson.silva@usp.br
POESIA
Porque
porque sou feito de cobre e
terra
e nasci com uma
vermelha primavera
atravessada na garganta
me acompanha o antigo
rito do índio universal
em meu caminho
invertido
caminham todos os seres
Juan Latorre
folhetim
3. 3
do estudante ano VI Mai-Jun/2017
EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO INFANTIL:
REGGIO EMILIA UM NOVO
OLHAR PARA A EDUCAÇÃO
Conheça o trabalho realizado
pelo pedagogo Loris Malaguzzi,
juntamente como os pais e a
comunidade de Reggio Emilia.
Esse estudo caracteriza-se por um
momento de reflexão sobre o projeto
idealizado pelo pedagogo Loris
Malaguzzi, implantado nas escolas de
Educação Infantil e que foi realizado na
Itália logo o término da segunda guerra,
na cidade de Reggio Emilia, a proposta
tinha a intenção de mostrar a abordagem
pedagógica voltada para a criança como
protagonista na construção do seu
conhecimento.
A pedagogia de Reggio Emilia admitiu
que os adultos tivessem como tarefa
prioritária a escuta e o reconhecimento
das múltiplas potencialidades de cada
criança, que deve ser atendida em sua
individualidade.
Loris Malaguzzi nasceu em Correggio 23
de fevereiro de 1920, ele se formou em
Pedagogia na Universidade de
Urbino. Em 1940 ele começou a ensinar
nas escolas primárias 1941-1943
em Sologno, uma cidade perto de Reggio
Emilia, no município de Villa Minozzo.
Em abril de 1945 ele se juntou ao projeto
ambicioso de um grupo de pessoas
comuns de origem rural de trabalho e
que, em uma pequena aldeia perto de
Reggio Emilia, decide construir e operar
uma escola para crianças. Desta faísca
vai nascer mais tarde outras escolas nos
subúrbios e nos bairros mais pobres da
cidade, todos autogestão.
Malaguzzi acredita firmemente que não é
o que as crianças aprendem seguir
automaticamente a partir de uma relação
linear de causa e efeito entre os
processos de ensino e os resultados, mas
é em grande parte o trabalho das mesmas
crianças, suas atividades e do uso dos
recursos que têm.
A escola é comparada a um canteiro de
obras, em um laboratório permanente
onde os processos de crianças e adultos
de investigação estão interligados tão
forte, viva e em evolução diária.
Emilia Romana, cuja capital é Bolonha, é
uma região do Norte da Itália com quatro
milhões de habitantes, composta por 109
províncias; uma delas é Reggio Emilia.
Não é uma cidade grande, no entanto
está em plena expansão, tendo sido
definida como “cidade mundo”. Em
1946, logo após a Segunda Guerra
Mundial, no Vilarejo de Vila Cella,
trabalhadores e comerciantes que
perderam tudo se uniram aos novos
moradores que lá se estabeleceram a fim
de construir uma escola para crianças
pequenas. A escola foi erguida com a
venda de um tanque de guerra, seis
cavalos e três caminhões, deixados pelos
alemães. Esse movimento inicial
envolveu toda a comunidade, mas de
modo especial os pais, pois nasceu do
desejo de reconstrução da própria
história e da possibilidade de uma vida
melhor para seus filhos. Então, desde sua
origem, Reggio Emilia é uma escola
diferente, enraizada na vontade das
famílias de construir um mundo melhor
por meio da educação.
Atraído pelo projeto educativo, Loris
Malaguzzi seguiu para Villa Cella e se
encantou com tal experiência.
Esta ideia pareceu-me incrível! Corri até
lá em minha bicicleta e descobri que tudo
aquilo era verdade. Encontrei mulheres
empenhadas em recolher e lavar pedaços
de tijolos. As pessoas haviam-se reunido
e decidido que o dinheiro para começar a
construção viria da venda de um tanque
abandonado de guerra, uns poucos
caminhões e alguns cavalos deixados
para trás pelos alemães em retirada.
(MALAGUZZI, 1999, p.59)
Novas escolas foram construídas, todas
operadas por pais e com o auxílio do
Comitê Nacional para Libertação. Por
meio desse processo de construção e
ampliação das escolas, o maior
ensinamento que os pais passaram a seus
filhos foi à possibilidade de reconstrução
com base nas ruínas e no sentido de
coletividade e união para se alcançar um
objetivo. Portanto, a escola de Reggio
Emilia é inovadora também porque os
pais dos alunos fazem parte dela; porque
os eventos são organizados pelas
famílias, professores e alunos,
objetivando a integração e a
coletividade; porque constitui uma
continuidade do lar; e por causa da
crescente intensificação do seu papel
sociocultural naquela sociedade. Após
permanecer por sete anos em Villa Cella,
Malaguzzi (1999, p. 60) deixou para trás
a cidade e a crítica a uma escola operada
pelo Estado, a qual adere a uma “[...]
estúpida e intolerável indiferença para
com as crianças, à sua atenção
oportunista e obsequiosa para com a
autoridade e à sua esperteza auto-
aproveitadoras, empurrando um
conhecimento pré-embalado”.
À época em que Malaguzzi começou a
acompanhar de perto a construção desse
projeto educativo, os professores eram
formados pelas escolas católicas e eram
muito receptivos à ideia de ensinar as
crianças enquanto eles mesmos
aprendiam. Nesse quadro, a perspectiva
que emerge é a de aprender por meio da
escuta, marcada pela disposição do
professor em aprender enquanto ensina.
A finalidade era que o educador
aprendesse com a criança a dar aulas,
mediante seu esforço em compreender a
lógica de aprendizagem dela, e, a partir
daí, a pensar alternativas eficientes para
ajudá-la a continuar aprendendo. Nesse
sentido, houve uma inversão de posição
com relação ao detentor do saber,
atribuindo mais valor ao conhecimento
da criança.
Esta metodologia educacional orienta,
guia, cultiva o desenvolvimento
intelectual, emocional, social e moral das
crianças. É baseada na crença de que as
crianças têm habilidades em potencial, e
curiosidade e interesse na construção de
sua aprendizagem, encaixar-se em
interações sociais.
folhetim
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do estudante ano VI Mai-Jun/2017
O foco está em cada criança, não
isoladamente, mas em conjunto com
outras crianças, com a família, com os
professores, com o ambiente da escola,
da comunidade e do resto da sociedade.
A origem etimológica do termo remete à
palavra protagonistés que, no idioma
grego, significava o ator principal de
uma peça teatral, ou aquele que ocupava
o lugar principal em um acontecimento
(Ferreira, 2004). As restrições mais
comuns em relação ao uso desse termo,
no jargão sociológico, se devem a fatores
de ordem política, uma vez que a
utilização alternativa da palavra
'participação' parece sugerir "uma
abordagem mais democrática na ação
social, sem colocar em destaque um
protagonista singular" (Ferretti, Zibas &
Tartuce, 2004, p. 3).
A criança-sujeito se constitui na e pela
interação com outras crianças, com os
adultos, com o meio físico, social e
ideológico. Na interação com o meio
físico são importantes as brincadeiras,
principalmente as tradicionais (fazem
parte do folclore, que é cultura) – cultura
infantil, que é constituída de elementos
culturais, quase exclusivos das crianças
caracterizados pela natureza lúdica,
apesar de grande parte dos elementos da
cultura infantil prover da cultura do
adulto.
Segundo Fillipini (2009), a escola é vista
como espaço de vida, acredita no
potencial das crianças e tem dela uma
imagem positiva: “Cada um de nós tem o
direito de ser protagonista, de ter papel
ativo na aprendizagem na relação com os
outros. Esse é o motor da educação”.
A abordagem educacional de Reggio
Emilia destaca-se, em primeiro lugar, por
inovadora desde sua origem, quando, no
pós-guerra, a primeira escola foi
construída em condições econômicas e
sociais era incerto, nascia ali um sonho
de melhorar a vida das famílias e,
sobretudo das crianças. Construída com a
força e a união da comunidade. Não
deixou de ser inovadora, e porque não
dizer inspiradora e que estimula e
entusiasma projetos pelo mundo a fora.
Em segundo, pela quebra de paradigmas
tradicionais de educação, já que
compreensão é contrária a relação
tradicionalista entre o detentor do saber e
o recebedor, professor e aluno. Em tal
projeto educacional propõe-se que o
professor aprenda enquanto ensina,
compreendendo a lógica de
aprendizagem da criança por meio da
escuta – que é o ponto central do
trabalho pedagógico. A escola em
Reggio Emilia está em contínua mudança
porque o projeto de educação que propõe
se baseia no relacionamento e na
participação (rede de comunicação entre
crianças, professores e pais), e,
consequentemente, seu trabalho é
reflexivo, repensa-se e reconstrói-se
constantemente.
A respeito do protagonismo infantil,
conclui-se que para a criança se torne
protagonista do seu conhecimento é
preciso que esteja em um ambiente
social, em intercâmbio com outras
crianças e adultos, participando de
práticas sociais historicamente
construídos, internalizando experiências
vividas que lhe propiciam dominar
conceitos, valores e formas de
comportamento.
Brasil Escola - UOL
POÉTICAS
"Luz do sol
que a folha traga e traduz,
em verde novo,
em folha, em graça, em vida, em
força, em luz..."
Fotocomposiçao – Sensibilidade …
Maria Júlia Rodrigues – 3º
E. E. Com. Miguel Maluhy
folhetim