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Resumo do CANTO I
O rei de Mombaça convida a armada portuguesa a entrar no porto a fim
de a destruir.
Vasco da Gama, por medida de segurança, manda desembarcar dois
condenados portugueses, encarregados por ele de obterem
informações acerca da terra.
Baco disfarça-se de sacerdote cristão e os dois portugueses são levados à
casa onde ele se encontra e vêm Baco como um sacerdote cristão,
junto a um altar onde estavam representados Cristo e os seus
Apóstolos.
Quando os portugueses regressam à armada, dão informações falsas a
Vasco da Gama, convencidos de que estavam entre gente Cristã.
Vasco da Gama resolve entrar com a armada no porto de Mombaça.
Vénus apercebe-se do perigo e, com a ajuda das Nereides, impede os
barcos de entrar no porto.
Perante o espanto de todos, apesar do vento empurrar os barcos em
direção à cilada, eles não avançam.
O piloto mouro e os companheiros que também tinham sido embarcados na ilha de Moçambique,
pensando que os seus objetivos tinham sido descobertos, fogem precipitadamente lançando-se
ao mar, perante a admiração de Vasco da Gama, que acaba por descobrir a traição que lhe estava
preparada e à qual escapou milagrosamente.
Vasco da Gama agradece à Divina Guarda o milagre concedido e pede-lhe que lhe mostre a terra que
procura.
Vénus, ouvindo as suas palavras, fica comovida e vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter pela falta de
proteção dispensada pelos deuses aos Portugueses.
Júpiter fica comovido e manda Mercúrio a terra para preparar uma receção em Melinde aos
Portugueses e inspirar a Vasco da Gama qual o caminho a seguir.
Análise ao Canto Primeiro
O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às Ninfas do
Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião.
Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da Gama, referindo
brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no
momento em que os Deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio
convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão
chegar á Índia.
Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte,
a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto chegam á
Ilha de Moçambique.
Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas.
Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o
caminho certo ate Mombaça.
No final do Canto, o Poeta reflete acerca dos perigos que em toda a
parte espreitam o homem.
N OTA : C a n t o I t e m 1 0 6 e s t r o fe s
Proposição
As armas e os barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Reflexão:
A proposição permite ao poeta
enunciar o propósito de cantar
aos feitos alcançados pelos heróis
portugueses, apresentando-os
com heróis coletivos mistificados
que se superiorizaram em relação
aos heróis da antiguidade
clássica.
Invocação
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipoerene.
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
Reflexão:
O poeta pede inspiração às Tágides,
entidades míticas nacionais, com o
seu espírito de gratidão ao
recordar-lhes que sempre as
celebrou na sua poesia e pede-lhes
que lhe mostre a terra que procura.
Dedicatória
Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a
quem louva por aquilo que ele representa
para a independência de Portugal e para a
dilatação do mundo cristão; louva-o ainda
pela sua ilustre e cristianíssima
ascendência e ainda pelo grande império
de que é Rei (estrofes 6, 7 e 8).
E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antígua liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Para do mundo a Deus dar parte grande;
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
(Vede-o no vosso escudo, que
presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou)
Vós, poderoso Rei, cujo alto
Império
O Sol, logo em nascendo, vê
primeiro;
Vê-o também no meio do
Hemisfério,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e
vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco oriental, e do Gentio,
Que inda bebe o licor do santo rio;
Termina o seu discurso incentivando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses,
combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18).
E enquanto eu estes canto, e a vós não
posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,
Tomai as rédeas vós do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
(Que pelo mundo todo faça espanto)
De exércitos e feitos singulares,
De África as terras, e do Oriente os marços,
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tethys todo o cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado;
Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,
Deseja de comprar-vos para genro.
Em vós se vêm da olímpica morada
Dos dois avós as almas cá famosas,
Uma na paz angélica dourada,
Outra pelas batalhas sanguinosas;
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.
Mas enquanto este tempo passa lento
De regerdes os povos, que o desejam,
Dai vós favor ao novo atrevimento,
Para que estes meus versos vossos sejam;
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas, por que vejam
Que são vistos de vós no mar irado,
E costumai-vos já a ser invocado.
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  • 2. Resumo do CANTO I O rei de Mombaça convida a armada portuguesa a entrar no porto a fim de a destruir. Vasco da Gama, por medida de segurança, manda desembarcar dois condenados portugueses, encarregados por ele de obterem informações acerca da terra. Baco disfarça-se de sacerdote cristão e os dois portugueses são levados à casa onde ele se encontra e vêm Baco como um sacerdote cristão, junto a um altar onde estavam representados Cristo e os seus Apóstolos. Quando os portugueses regressam à armada, dão informações falsas a Vasco da Gama, convencidos de que estavam entre gente Cristã. Vasco da Gama resolve entrar com a armada no porto de Mombaça. Vénus apercebe-se do perigo e, com a ajuda das Nereides, impede os barcos de entrar no porto. Perante o espanto de todos, apesar do vento empurrar os barcos em direção à cilada, eles não avançam.
  • 3. O piloto mouro e os companheiros que também tinham sido embarcados na ilha de Moçambique, pensando que os seus objetivos tinham sido descobertos, fogem precipitadamente lançando-se ao mar, perante a admiração de Vasco da Gama, que acaba por descobrir a traição que lhe estava preparada e à qual escapou milagrosamente. Vasco da Gama agradece à Divina Guarda o milagre concedido e pede-lhe que lhe mostre a terra que procura. Vénus, ouvindo as suas palavras, fica comovida e vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter pela falta de proteção dispensada pelos deuses aos Portugueses. Júpiter fica comovido e manda Mercúrio a terra para preparar uma receção em Melinde aos Portugueses e inspirar a Vasco da Gama qual o caminho a seguir.
  • 4. Análise ao Canto Primeiro O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da Gama, referindo brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os Deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar á Índia. Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte, a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto chegam á Ilha de Moçambique. Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo ate Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflete acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o homem. N OTA : C a n t o I t e m 1 0 6 e s t r o fe s
  • 5. Proposição As armas e os barões assinalados Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta. Reflexão: A proposição permite ao poeta enunciar o propósito de cantar aos feitos alcançados pelos heróis portugueses, apresentando-os com heróis coletivos mistificados que se superiorizaram em relação aos heróis da antiguidade clássica.
  • 6. Invocação E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipoerene. Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso. Reflexão: O poeta pede inspiração às Tágides, entidades míticas nacionais, com o seu espírito de gratidão ao recordar-lhes que sempre as celebrou na sua poesia e pede-lhes que lhe mostre a terra que procura.
  • 7. Dedicatória Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a quem louva por aquilo que ele representa para a independência de Portugal e para a dilatação do mundo cristão; louva-o ainda pela sua ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grande império de que é Rei (estrofes 6, 7 e 8). E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antígua liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande; Vós, tenro e novo ramo florescente De uma árvore de Cristo mais amada Que nenhuma nascida no Ocidente, Cesárea ou Cristianíssima chamada; (Vede-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a vitória já passada, Na qual vos deu por armas, e deixou As que Ele para si na Cruz tomou) Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando desce o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco oriental, e do Gentio, Que inda bebe o licor do santo rio;
  • 8. Termina o seu discurso incentivando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18). E enquanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Dareis matéria a nunca ouvido canto. Comecem a sentir o peso grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exércitos e feitos singulares, De África as terras, e do Oriente os marços, Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em quem vê seu exício afigurado; Só com vos ver o bárbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Tethys todo o cerúleo senhorio Tem para vós por dote aparelhado; Que afeiçoada ao gesto belo e tenro, Deseja de comprar-vos para genro. Em vós se vêm da olímpica morada Dos dois avós as almas cá famosas, Uma na paz angélica dourada, Outra pelas batalhas sanguinosas; Em vós esperam ver-se renovada Sua memória e obras valerosas; E lá vos tem lugar, no fim da idade, No templo da suprema Eternidade. Mas enquanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam, Dai vós favor ao novo atrevimento, Para que estes meus versos vossos sejam; E vereis ir cortando o salso argento Os vossos Argonautas, por que vejam Que são vistos de vós no mar irado, E costumai-vos já a ser invocado.