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Recensões
213
das ex-colónias. Como é sabido, a afirmação da
disciplina antropológica em Portugal a partir de
1870 ocorreu basicamente em torno de estudos de
natureza etnográfica e/ou etnológica orientados
para a cultura popular portuguesa de matriz rural,
de acordo com pressupostos ideológicos ligados à
afirmação da identidade nacional. Recorrendo à
terminologia de George Stocking (“Afterword:
A View from the Center”, Ethnos, 1982), pode-se
dizer que em Portugal, apesar da existência de
colónias e da inexistência de um problema na-
cional, a antropologia se desenvolveu historica-
mente como uma nation building anthropology, e
não – como nos restantes países europeus onde
prevalecia uma situação aparentemente homóloga
à portuguesa (Grã-Bretanha e França, por exem-
plo) – como uma empire building anthropology.
É com Jorge Dias que este autocentramento
da disciplina antropológica em torno de Portugal
é de alguma forma posto em questão. A mo-
nografia sobre os macondes do Norte de Moçam-
bique é justamente o marco central desse processo
de viragem da antropologia portuguesa para
África. Editada inicialmente entre 1964 e 1970, em
quatro volumes da autoria de Jorge Dias (I Vol.
Aspectos Históricos e Económicos, 1964), Jorge Dias
e Margot Dias (II Vol. Cultura Material, 1964;
III Vol. Vida Cultural e Social, 1970) e Manuel Vie-
gas Guerreiro (IV Vol. Sabedoria, Língua, Literatura
e Jogos, 1966), Os Macondes de Moçambique cons-
titui, por essa razão, uma das peças fundamen-
tais não apenas da obra de Jorge Dias, mas do
próprio percurso histórico da antropologia por-
tuguesa.
A sua reedição, numa iniciativa conjunta da
Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses e do Instituto de
Investigação Científica Tropical, deve pois ser
saudada. Alguns dos volumes da edição original
há muito que se encontravam esgotados e, no
quadro recente de reedições da obra de Jorge Dias
e dos seus colaboradores, esta era uma lacuna que
se impunha preencher. Em conjunto com outras
iniciativas – entre as quais se destaca o trabalho
de levantamento, catalogação e estudo dos filmes
etnográficos de Margot Dias entre os macondes,
realizado por Catarina Alves Costa no âmbito do
Museu Nacional de Etnologia (Guia para os Filmes
realizados por Margot Dias em Moçambique 1958/
/1961, 1997) –, a reedição do volume I de Os Ma-
condes de Moçambique contribui para dar uma
JORGE DIAS
OS MACONDES DE MOÇAMBIQUE. VOL. I:
ASPECTOS HISTÓRICOS E ECONÓMICOS
(INTRODUÇÃO DE RUI PEREIRA)
Lisboa, CNCDP/IICT, 1998.
Jorge Dias foi sem dúvida uma das mais im-
portantes figuras da antropologia portuguesa do
século XX. Essa sua importância deriva, por um
lado, do trabalho de renovação da pesquisa an-
tropológica sobre Portugal que ele empreendeu.
Remontando à segunda metade dos anos 40, após
o seu regresso da Alemanha, esse trabalho teve
três facetas principais. A mais conhecida é sem
dúvida a que se prende com a realização dos
primeiros estudos de comunidade em Portugal
(Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitária, 1948;
Rio de Onor, Comunitarismo Agro-Pastoril, 1953).
Simultaneamente, apoiado na metodologia da “ex-
tensive survey”, Jorge Dias desenvolveu o ma-
peamento e estudo sistemático das tecnologias
tradicionais portuguesas. Prosseguida pelos seus
colaboradores – em particular por Ernesto Veiga
de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pe-
reira –, essa pesquisa encontra-se na origem de um
conjunto invulgarmente amplo de monografias
que ainda hoje constituem uma referência fun-
damental para a reconstituição da ruralidade
portuguesa nos anos que antecederam o “boom”
emigratório da década de 1960. Finalmente, são
também da autoria de Jorge Dias os primeiros
grandes estudos de síntese da cultura popular
portuguesa no seu conjunto. Um desses estudos,
de resto – Os Elementos Fundamentais da Cultura
Portuguesa (1955) –, continua a ser uma referência
frequentemente invocada nos debates recentes
sobre a identidade nacional portuguesa.
A par da renovação da pesquisa antropoló-
gica sobre Portugal, Jorge Dias foi também uma
figura decisiva no processo de emergência de uma
antropologia orientada para o estudo das socie-
dades e culturas das ex-colónias portuguesas, na
segunda metade dos anos 50. A importância da
“descoberta” – embora tardia – desse terreno deve
ser sublinhada. De facto, embora Portugal se
definisse nominalmente como uma potência colo-
nial, não é entretanto possível falar, ao longo do
período que medeia entre os anos 70 do século
XIX e o fim dos anos 50 do século XX, de uma
tradição consistente de estudos de antropologia
cultural e social centrada nas sociedades e culturas
214
merecida visibilidade a uma das facetas mais im-
portantes do trabalho de Jorge Dias e dos seus
colaboradores.
O volume agora reeditado beneficia de uma
excelente introdução de Rui Pereira, autor de
estudos anteriores sobre a “experiência africana”
de Jorge Dias, que problematiza o contexto em
que ocorre essa viragem tardia da antropologia
portuguesa para África. Três pontos são centrais
na argumentação de Rui Pereira.
O primeiro prende-se com o esclarecimento
do desinteresse da etnografia e da antropologia
cultural e social portuguesas por África no pe-
ríodo – longo – que antecede a investigação de
Dias e dos seus colaboradores entre os macondes.
Como sublinha Rui Pereira, esse desinteresse con-
trasta com o empenhamento evidenciado por dis-
ciplinas como o antropobiologia e a antropologia
física e é explicável quer em função do carácter
“subdesenvolvido do colonialismo português”
(p. XI), quer em função das políticas concretas
implementadas pelo estado português nas ex-
-colónias, com particular destaque para o período
do Estado Novo. A este propósito Rui Pereira
enfatiza as estreitas ligações entre o desenvol-
vimento da antropobiologia e da antropologia
física e “a necessidade de quantificação da força
de trabalho indígena” (p. XLVII) subjacente ao
projecto de exploração intensiva da mão-de-obra
indígena do colonialismo português ao longo da
primeira metade do século XX. No seguimento de
Alfredo Margarido (“Le Colonialisme Portugais
et l’Anthropologie”, Anthropologie et Impérialisme,
1975), põe ainda em evidência a contradição entre
o projecto assimilacionista e o desenvolvimento de
estudos antropológicos.
O segundo ponto que ressalta da análise de
Rui Pereira relaciona-se com a caracterização mi-
nuciosa da conjuntura política na qual se inscreve
a viragem africana de Jorge Dias. De acordo com
Rui Pereira, é a partir da reorientação da política
colonial portuguesa que ocorre na segunda me-
tade dos anos 50 – no rescaldo da Conferência de
Bandung – que se torna não só possível mas
necessário o desenvolvimento de estudos de na-
tureza antropológica nas ex-colónias, de forma a
proporcionar às autoridades coloniais portuguesas
os meios para “gerir política e socialmente as
consciências das populações africanas” (p. XXIV),
na tentativa de impedir o desenvolvimento de um
clima favorável às aspirações independentistas.
É nesse novo contexto – dominado politicamente
pela figura de Adriano Moreira – que é criado, em
1956, no quadro da Junta de Investigações de
Ultramar, o Centro de Estudos Políticos e Sociais,
no âmbito de cuja Missão de Estudos das Minorias
Étnicas do Ultramar Português, Jorge Dias irá
desenvolver a sua pesquisa sobre os macondes.
O terceiro ponto, por fim, tem a ver com a
ligação mais precisa entre a pesquisa de Jorge Dias
e alguns dos aspectos centrais da política colonial
portuguesa a partir da segunda metade dos anos
50. Apoiando-se nos relatórios escritos por Jorge
Dias no termo das suas sucessivas campanhas
entre os macondes – que tiveram uma circulação
política restrita, tendo permanecido até hoje iné-
ditos –, Rui Pereira mostra de forma convincente
as articulações efectivamente existentes entre a
pesquisa de Jorge Dias e as preocupações oficiais
de caracterização e avaliação da situação política
e social que se vivia então no planalto maconde.
Fá-lo entretanto de forma duplamente equilibrada,
resistindo à tentação – em que outros autores já
caíram – de simplificar a questão, procurando,
ao contrário, expor as suas complexidades. Essas
complexidades exprimem-se, por exemplo, no
sentido frequentemente crítico que, nos seus
relatórios, Jorge Dias – em contradição com o tom
declaradamente apologético e “luso-tropicalista”
empregue em textos e intervenções de carácter
público – emprestou aos comentários sobre o
colonialismo português tal como ele o pôde sur-
preender no terreno. Mas exprimem-se também
no modo como Jorge Dias, colocado numa situa-
ção de “antropologia colonial aplicada”, acabou
por coordenar e co-redigir uma monografia mar-
cada por preocupações descritivas e teóricas que
se situavam fora desse quadro. Como sublinha
Rui Pereira, “com o decorrer das campanhas,
Jorge Dias parece ter invertido a hierarquia de
interesses previamente determinada por aqueles
que patrocinavam a sua investigação no Norte de
Moçambique, ou seja, fez ascender ao primeiro
plano os objectivos eminentemente etnológicos”
(p. XXXIII).
Constituindo uma imprescindível contribui-
ção para o estudo da “experiência africana” de
Jorge Dias, é entretanto pena que a Introdução de
Rui Pereira não vá mais longe na exploração dos
aspectos antropológicos dessa experiência, refe-
renciando por exemplo o modo de construção e as
opções teóricas de Os Macondes de Moçambique no
Recensões
215
quadro da antropologia africanista da época. Para
além da contextualização política, fica de alguma
forma por fazer o enquadramento teórico da
monografia de Jorge Dias. Não posso também
deixar de fazer uma observação relativamente às
referências bibliográficas mobilizadas no início da
Introdução, quando Rui Pereira procede à carac-
terização genérica da antropologia portuguesa no
final do século XIX e na primeira metade do
século XX: as datas dessas referências não vão
além de 1991, quando se sabe que nos últimos
anos tem sido particularmente importante a pro-
dução de artigos e ensaios na área da história da
antropologia portuguesa.
Por fim, fica uma sugestão: porque não pen-
sar na edição dos relatórios redigidos por Jorge
Dias no âmbito das suas campanhas entre os
macondes? Como Rui Pereira refere, não só não é
mais sustentável o clima de “incompreensível e
púdico secretismo” (p. XXVIII) que tem sido por
vezes criado em torno dos relatórios, como parece
óbvio que da sua edição resultaria a possibilidade
de um conhecimento mais aprofundado daquele
que foi um dos acontecimentos mais importantes
da antropologia portuguesa do período imedia-
tamente anterior ao 25 de Abril.
João Leal
Departamento de Antropologia do ISCTE
Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE)
JOÃO PACHECO OLIVEIRA (ORG.)
INDIGENISMO E TERRITORIALIZAÇÃO:
PODERES, ROTINAS E SABERES COLONIAIS
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Rio de Janeiro, Contra Capa, 1998.
Dada a palavra aos Drs. Advogados da parte ré,
às suas perguntas respondeu: que reafirma que, quando
esteve na área em 1976, lá encontrou ainda em pé dois
postos indígenas (...) um que estava ocupado por
fazendeiros e outro cujas casas, em número de seis a sete
estavam ocupadas por famílias indígenas, que, entre-
tanto, esse agrupamento não caracterizava o que tecni-
camente se chama uma aldeia, até porque, como
consta do depoimento, os índios, em sua grande maioria,
já estavam vivendo como assalariados de terceiros, e não
isolados como seria próprio de uma aldeia (...).
Que tal como os demais grupamentos humanos,
também entre os índios ocorreu alto grau de misci-
genação, mas essa mestiçagem não lhes retira a
condição de índios, tal como definida no próprio
Estatuto do Índio, que chega a definir a categoria de
índio aculturado.
Como facilmente se depreende a partir da lin-
guagem empregue e da identidade dos inter-
venientes nomeados neste texto, ele reporta-se a
uma situação de tribunal. Trata-se de um processo
que decorreu em 1998 num estado da União
Federativa do Brasil para reconhecimento de
“terra indígena”. O que torna esta situação sin-
gular – para quem não conheça o contexto em
causa – é que a testemunha que está a ser inter-
rogada é uma antropóloga. Não sendo um excerto
do livro aqui em recensão, ele conduz-nos com
exactidão ao assunto que o livro problematiza: o
papel da política indigenista na demarcação legal
de terras de índios no Brasil e as implicações da
antropologia nesses processos.
Partamos então deste depoimento para uma
incursão na temática do livro. A primeira questão
que nos é colocada é a do próprio exercício pro-
fissional desta antropóloga: ela usa a sua estadia
em terreno, duas décadas antes, como prova ocular
da presença de famílias de índios num espaço
territorial que, hoje, eles reivindicam como seu.
Mais ainda, ela refere-se a um saber “técnico” para
falar da desagregação da organização social espe-
cífica deste grupo, que teria perdido a capacidade
de viver isoladamente “como seria próprio de
uma aldeia”. Este é um assunto largamente tra-
tado no livro em recensão. Como aí se refere,
Darcy Ribeiro, nos anos cinquenta, incluía os
“antropólogos” na categoria de experts dotados de
saber técnico sobre “qual” e “quanto” território
deveria tornar-se disponível para um grupo de
índios. As contradições entre esta forma de con-
ceber o conhecimento e aquela que era preconi-
zada pela academia não deixaram de crescer,
particularmente na última década, com a intensi-
ficação da tendência interpretativa da disciplina.
Articulando de forma singular uma reflexão
sobre ética profissional (do antropólogo), socio-
logia do conhecimento e dados empíricos, re-
sultantes de pesquisa no âmbito da situação das
terras indígenas no Brasil, o livro coloca-se por-
tanto no contexto de uma “antropologia como
crítica cultural” – o que acaba por assumir expli-
citamente (p. 262).
Os artigos desta colectânea, à medida que nos
vão dando conta das políticas indigenistas nos
processos de demarcação de “terras indígenas”,
216
familiarizam o leitor com a natureza colonial dos
saberes jurídico e antropológico nelas implicados.
Desta forma, o livro torna-se uma referência
importante para quem debate a questão do pós-
colonialismo, neocolonialismo e situações colo-
niais na orgânica internacional contemporânea.
Não se trata de uma abordagem abrangente do
tema, mas de uma cuidada apresentação de dados
e de analíticas do poder, nos meandros dos pro-
cedimentos burocráticos. Entre as instituições ana-
lisadas, destacam-se aquelas que, ao longo deste
século, tiveram a “tutoria” sobre os índios no
Brasil. Primeiro, o Serviço de Protecção ao Índio
(SPI), criado em 1910, estandarte do Governo do
Estado Novo brasileiro, mitificado na figura de
Cândido Rondon. Depois, o organismo que lhe
deu continuidade, a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), criada em 1967, a qual foi considerada,
pelo menos até à Constituição de 1988, como re-
presentante qualificada dos índios face à lei, isto
é, o seu “órgão tutor”.
Enquanto colectânea, o livro apresenta uma
grande coerência interna, já que dos oito artigos
que contém, quatro são da autoria do organizador
do volume, João Pacheco de Oliveira (um em
colaboração com Alfredo de Almeida), e dois de
António Carlos de Souza Lima, sendo os restantes
dois assinados, respectivamente, por Lucy Linha-
res e Ana Azevedo. Todos resultam, para mais, de
um amplo projecto de pesquisa dirigido por João
Pacheco de Oliveira (Professor no Museu Nacional
do Rio de Janeiro) sobre terras indígenas no Brasil
(PETI).
Este livro elabora, portanto, uma vasta aná-
lise das políticas indigenistas brasileiras, no que
respeita à questão fundiária. Entre o conjunto de
questões tratadas, destacaria três fundamentais.
A primeira diz respeito à situação real da
demarcação de terras para populações de índios
no Brasil. Na avaliação da situação, Pacheco de
Oliveira discrimina as cinco fases do processo de
legalização da propriedade de terra indígena, da
“identificação” até à “regularização”. Depois de
nos explicar que é apenas nesta última fase que o
título de propriedade ganha validade legal efec-
tiva, mostra-nos – com a habitual frieza que a
exactidão numérica suscita – que da extensão de
terra que a FUNAI reconhecia pertencer a grupos
de índios nos anos oitenta, 50,39% está ainda na
fase de “identificação” enquanto só 3,88% está na
fase final de “regularização”. Estes dados vêm ao
arrepio de muitas das afirmações públicas a pro-
pósito da questão fundiária no Brasil, inclusive
aquelas que chegam à Europa.
Uma segunda questão refere-se à forma como
o indigenismo tem tratado o requisito legal da
diferenciação étnica nos processos de demarcação
do território indígena. Também esta questão pode
ser equacionada a partir do depoimento com que
se abriu esta recensão, quando se diz que a “mis-
cigenação” não anula a diferenciação étnica da
população em causa. O livro debate largamente
esta temática, tecendo uma crítica epistemológica
e metodológica à forma como os “relatórios an-
tropológicos de identificação” (analisados em
alguns casos como objectos etnográficos – p. 221
e segs.) usam o conceito de grupo étnico de forma
anacrónica. No artigo de encerramento, Pacheco
de Oliveira defende que o aspecto conjuntural da
identificação étnica faz com que ela tenha de ser
avaliada, essencialmente, nos processos contem-
porâneos de diferenciação – e não nas forjadas
continuidades etno-históricas com um tempo
longínquo. Esta questão conduz-nos directamente
à seguinte.
A terceira e última temática a destacar diz
respeito ao papel da memória nos processos de
identificação de “terra indígena”. Esta é talvez a
noção que serve de epítome aos problemas le-
vantados com estes processos de territorialização.
Na página 21 transcreve-se o artigo do Estatuto do
Índio (1973) onde fica expresso que a terra in-
dígena deve ser reconhecida segundo um “con-
senso histórico” sobre a sua ocupação, desde um
passado remoto, pela população que hoje a rei-
vindica. O conjunto de equívocos etno-históricos
em que os “relatórios de identificação” têm in-
corrido a partir desta noção é então alvo de
debate. Nele acentua-se a ausência de uma crítica
de fontes e a substituição do terreno pela etno-
-história.
Ainda no campo da memória e do seu papel
nos processos da lei e da cultura, é de destacar o
artigo de Ana Lúcia de Azevedo (p. 168) sobre a
contraposição entre a “ideologia da verdade” das
acções jurídicas, largamente assente na escrita – e
desconfiada da oralidade – e a falacidade real dos
“testemunhos” escritos considerados de maior
validade nestes processos fundiários: as escrituras
de propriedade. Esta formulação torna-se parti-
cularmente útil depois dos artigos que a pre-
cedem: o de Lucy Linhares (onde se faz uma
Recensões
217
apresentação histórica bem documentada das leis
de propriedade da terra no Brasil) e os resultados
quantitativos da pesquisa efectuada por Pacheco de
Oliveira. Assim, por exemplo, Pacheco de Oliveira
(p. 64) mostra que a percentagem da extensão de
terra ocupada (isto é, para a qual existe uma
escritura de propriedade) em quatro estados da
União é superior a 100% e que isso se deve ao
facto de as escrituras de propriedade serem feitas
mediante uma declaração oral do proprietário.
É, portanto, paradoxal que, no momento de ava-
liar um processo de terra indígena, a escrita ganhe
um valor esmagador face a qualquer recurso à
memória oral, a qual mais facilmente é accionada
pelo lado indígena. No entanto, os autores mostram
bem a sua posição: não podemos resolver este
problema forjando documentos escritos que objec-
tivamente não oferecem rigor, tais como relatos de
viagem ou outras fontes etno-históricas.
Ainda a respeito destas incongruências en-
tre acção institucional e prática social, destacaria
finalmente o artigo de Oliveira e Almeida. Nele,
faz-se uma análise etnográfica do quotidiano da
FUNAI, que nos permite entrar nos moldes de
pensamento de uma instituição e entender a acção
dos seus técnicos. Como aí se mostra, os fun-
cionários da FUNAI são compelidos a agir se-
gundo uma lógica SOS – de “urgência” e “catas-
trofismo” –, o que denuncia a real ausência de um
planeamento sério de trabalho no órgão gover-
namental mais directamente responsável pela
questão indígena no Brasil.
Tendo mostrado a relevância actual desta
publicação, é necessário que se faça, no entanto,
um comentário crítico. Na medida em que este
livro trata de questões tão permeáveis à histo-
ricidade da vida social e política, não é possível
deixar de notar que os artigos nele contidos são
escritos entre os finais da década de oitenta e o
início da década de noventa e se reportam à
analítica do exercício do poder burocrático nesse
período. Assim, esperava-se que em algum mo-
mento se fizesse uma actualização de muitas das
questões tratadas. Entre elas, destaca-se a da
implicação profissional do antropólogo nestes
processos, na medida em que esta veio a alterar-
-se substancialmente na década de noventa. Esta
alteração é apenas referida por Souza Lima
(p. 266) e por Pacheco de Oliveira (numa nota de
rodapé, p. 293), sendo que noutros lugares do
livro (como por exemplo nas páginas 89 e 117) ela
surge como mera sugestão para o futuro: uma
maior colaboração entre a academia brasileira/
/universidades e os organismos de decisão jurí-
dica. Fica-nos portanto a dúvida sobre a posição
destes autores face a essa mudança da situação.
Não nos é dito, por exemplo, se nestes novos
moldes está finalmente a transformar-se a “im-
pensada antropologia aplicada brasileira” (Lima:
268) numa “antropologia implicada” (expressão
que adopta de Albert, 1995, cit. p. 268).
Susana de Matos Viegas
Departamento de Antropologia
da Universidade de Coimbra
ANASTASIA KARAKASIDOU
FIELDS OF WHEAT, HILLS OF BLOOD:
PASSAGES TO NATIONHOOD IN GREEK
MACEDONIA 1870-1990
Chicago e Londres, The University
of Chicago Press, 1997.
Este livro é a versão revista de uma tese de
doutoramento apresentada na Universidade de
Columbia em 1992. Desde então, as polémicas em
torno das ideias que ali cabiam surgiram de vários
lados, como a autora dá conta no largo prefácio e
ainda num posfácio ao volume agora apresentado.
Entre as ameaças extremas de nacionalistas gregos
mais exaltados, as denúncias patéticas de ma-
nipulações por parte de políticos locais em busca
de uma honra supostamente perdida, o nasci-
mento muito polemizado de um novo estado – a
“Antiga República Jugoslava da Macedónia” –,
a cobardia dos editores da Cambridge University
Press, a solidariedade de académicos importantes,
Fields of Wheat, Fields of Blood já se tornou um
“caso”. Célebre por aquela vaga de paixões que
despertou, foi nomeadamente capa do TLS em
13 de Fevereiro de 1998, onde é tratado em artigo
longo por um antropólogo – Roger Just, “The
Making of Greeks. Locals into Greeks” –, recensão
ajustada que agora tomo em conta.
Neste livro, de uma parte, temos uma ex-
pressão dos interesses antropológicos muito sa-
lientes que a Grécia – ao contrário de Portugal,
noto de passagem – suscitou nos circuitos aca-
démicos especializados anglo-americanos na se-
gunda metade deste século. Esta não é todavia
218
uma tese qualquer, um contributo relativamente
anónimo para os estudos “gregos” ou “mediter-
rânicos” especializados, se é que esta designação
muito vaga ainda resiste. Fields of Wheat, Fields of
Blood é estudo importante, sólido, bem documen-
tado, de antropologia histórica. Propondo uma
comparação, encontrámos aqui algo do fôlego e da
profundidade diacrónica que caracterizavam o
trabalho célebre de Anton Blok, The Mafia of a
Sicilian Village. Alguns dos argumentos desen-
volvidos pela autora são mesmo, por momentos,
similares aos de Blok. Contudo, a autora não de-
monstra conhecer aquele trabalho, o que se torna
curioso, na medida em que sugere similitudes
estruturais para o papel crucial desempenhado
por mediadores locais na configuração de novas
entidades políticas e culturais de âmbito nacional,
ao longo do século XIX e nos princípios do sé-
culo XX.
Para além da articulação política e económica
de um estado – e dos bloqueios que estes pro-
cessos sofreram –, tópicos que o estudo de Blok
tinha favorecido no contexto siciliano, Karaka-
sidou firma os seus interesses também num pro-
cesso – muito bem sucedido, aliás – de “cons-
trução” de cultura nacional. Assim, temos um
trabalho que se situa numa área de interesses
ainda relativamente recente. Anote-se que a au-
tora cita mais frequentemente E. Gellner do que
B. Anderson como referência teórica importante.
Sugiro, aliás, que a leitura cruzada mais escla-
recedora do sentido das polémicas que marcam a
vida desta monografia pode ser encontrada num
título também recente, servido sensivelmente
pelas mesmas referências teóricas. Falo do livro de
Loring M. Danforth The Macedonian Conflict: Ethnic
Nationalism in a Transnational World – Princeton
University Press, 1995 –, onde o autor expõe a
vivacidade das disputas de identificação étnica e
nacional vividas por emigrantes originários da
Macedónia na Austrália.
Seria suficientemente original e interessante
como proposta de trabalho o conjunto de inter-
rogações que A. Karakasidou se propunha eluci-
dar no começo do seu trabalho – sumariamente,
perceber como a partir do ínicio dos anos 20, na
sequência da Guerra Greco-Turca, os refugiados
de origem grega oriundos de várias zonas que
fazem parte da Turquia actual tinham aprendido
a ser cidadãos gregos, a par dos habitantes ori-
ginais das zonas onde reiniciaram as suas vidas,
depois do processo de “limpeza étnica” então
acordado entre ambos os estados. Estas questões
tinham para a autora um fundamento autobio-
gráfico significativo, na medida em que o seu pai
– turco-falante, cristão-ortodoxo, oriundo da Ca-
padócia – fora um dos refugiados (prosfighes)
daquela guerra, enquanto a mãe era uma “local”
(dopy), oriunda de Tessalónica.
A familiarização com o terreno trouxe algo de
muito mais interessante – e definitivamente mais
polémico e incómodo para muitos –, na medida
em que a autora foi desvendando um quadro
muito mais complexo de possibilidades de iden-
tificação recentemente apagadas, onde o seu senso
comum à partida apenas distinguia a existência de
dopy – gregos de sempre, por conseguinte – a que
se tinham somado desde a década de 20 os pros-
fighes deportados da Turquia. O olhar melhor
informado pela investigação de arquivos e me-
mórias pessoais deixou distinguida a coexistência
prévia e recente de pastores e seareiros eslavos,
proprietários seareiros e administradores turco-
-falantes, mercadores gregos e judeus, ciganos,
pastores valáquios, arménios, entre outros, todos
tornados “gregos” num espaço de tempo singu-
larmente curto.
O contexto tomado para observação foi uma
pequena unidade administrativa com três loca-
lidades na Macedónia, no Norte da Grécia actual.
Ali, com a atenção centrada sobretudo no povoado
mais importante, que sediava os arquivos – do
munícipio, da escola e da igreja –, a autora do-
cumenta as expressões localizadas do processo de
“nation building” que se iniciou nos anos de 1870.
Nesta vila tiveram expressão muito nítida as
disputas de influência dos novos estados emer-
gentes, que tentavam expandir as respectivas
áreas de influência – Grécia, Bulgária e até mesmo
Sérvia.
A vila de Guvenza – depois denominada
Assiros, em 1927, já então integrada no estado
grego – era nos meados do século passado um
próspero pólo de rotas de comércio trans-
balcânicas, quando decaía o domínio imperial
turco nesta área. Nos últimos anos do século
XIX competem ali padres, professores e agi-
tadores políticos, representando sobretudo os
interesses dos estados adjacentes mais direc-
tamente envolvidos na partilha dos despojos
do império otomano naquela área da Macedó-
nia: a Bulgária e a Grécia.
Recensões
219
Foram vários os factores que favoreceram
gradualmente a predominância local dos agentes
nacionalizadores oriundos da Grécia, com os quais
se identificaram os interesses de uma elite local de
novos terratenentes e comerciantes, de diversas
origens, ali gradualmente formada. Esta, na
medida dos seus interesses, envolveu-se maio-
ritariamente no suporte dos interesses políticos de
Atenas e apropriou a nova cultura nacional pro-
duzida a partir dali.
Com as disputas pela Macedónia de 1902-
-1908 – com o seu cortejo de guerrilhas e de ter-
ror –, e, sobretudo, quando se consolidaram novas
fronteiras no fim das Guerras Bâlcanicas de 1912
e 1913, Guvenza pôde passar a ser pensada como
localidade “grega”, habitada por “gregos”. Como
a autora aclara, foi por intermédio de vários meios
como a acção da escola, do exército, da política
municipal – e também por intermédio de repres-
sões sempre mais ou menos cruas exercidas pelas
elite política local discricionariamente nas épocas
de maior repressão e miséria no século XX – que
a identidade dos seus habitantes enquanto “gre-
gos” pôde tornar-se um lugar comum partilhado,
um facto “natural” justificado por enunciados
acrónicos de uma história também ela estrita-
mente nacionalizada. Rasuraram-se outras possi-
bilidades de identificação que até então tinham
sido possíveis. É esta história de aprendizagens
ora forçadas ora de bom-grado que a autora traz
até aos nossos dias, acendendo de passagem
polémicas muito virulentas.
Este é um texto de escrita tensa, em que a
exposição das linhas de argumento mais im-
portantes mantém, a maior parte do tempo, um
registo denunciador dos processos de encultu-
ração nacionalizadora conduzidos pelas elites
locais. Não é significativa a simpatia pelos inter-
venientes ou pelos seus descendentes, forma de
aproximação que também podia ter sido percor-
rida. Assim, porque se demonstra pouca fami-
liaridade com as perspectivas dos habitantes locais
mais activos no processo de “nation building” e
também pouco empenho na descrição da cultura
hoje partilhada nesta localidade – contrapartida
do fascínio sentido pelo cosmopolitismo do sé-
culo passado, sucessivamente expresso –, faltam a
Fields of Wheat alguns dos ingredientes que nos
habituámos a prezar nas melhores etnografias.
O destino polémico deste trabalho torna-o
inevitavelmente simpático. Na minha opinião, é
importante pela solidez do argumento e pelas
possibilidades comparativas que suscita. É exem-
plar também na sugestão de perigos do trabalho
antropológico, para além da malária ou dos
desconfortos das velhas epopeias da antropologia
imperial. Assim, por estas duas razões, pode já ser
tomado como um trabalho de referência no âm-
bito dos estudos de “nation-building”.
António Medeiros
Departamento de Antropologia do ISCTE
Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE)
JOSÉ LUIS GARCÍA
PRÁCTICAS PATERNALISTAS:
UN ESTUDIO ANTROPOLÓGICO
SOBRE LOS MINEROS ASTURIANOS
Ariel, Barcelona, 1996.
José Luis García es catedrático de Antropología
Social en la Universidad Complutense de Madrid
y coordina un proyecto de investigación sobre seis
zonas mineras españolas, cada una de las cuales
es estudiada por otros tantos antropólogos espa-
ñoles (todos ellos participan en el monográfico
“La Minería y sus Contextos Sociales” de la revista
Antropología, 13, Madrid, 1997). Su propio ámbito
de trabajo de campo es, desde hace años, Asturias,
región minera del norte de España, en donde se
halla situada también la cuenca del valle de Aller,
analizada en la obra que comentamos. Dicho valle
fue explotado para la extración de carbón por la
Sociedad Minera Española desde finales del siglo
pasado hasta 1967. El segundo Marqués de Comil-
las, que heredó de su padre esta empresa, muerto
poco después de comprarla, ejerció un paterna-
lismo integral que ha sido considerado como un
caso único y al que tradicionalmente se ha atri-
buido la evolución diferencial de este valle con
relación a las otras cuencas asturianas, reflejada,
entre otros aspectos, en la escasa politización de
sus mineros. Frente a este planteamiento, J. L. Gar-
cía sostendrá en esta obra que el paternalismo
tiene siempre un contexto que lo hace posible y
más allá del cual resulta inviable.
El paternalismo puede ser considerado como
toda una filosofía orientadora de la práctica de las
empresas que, en el contexto del despegue in-
dustrial, debieron atraer y preparar como mano de
220
obra productiva a una población de procedencia
rural. La esencia de esta filosofía radica en pre-
sentar las relaciones mercantiles entre patronos y
obreros, que persiguen en realidad la maximi-
zación del beneficio, como relaciones familiares
orientadas por la reciprocidad.
El interés de este trabajo, como aportación
antropológica concreta al estudio de este problema
general, que puede atraer a especialistas y lectores
diversos, consiste precisamente en que desvela
con rigor y claridad las condiciones que hicieron
posible esta práctica empresarial y que, en este
caso concreto, según la tesis que defenderá el
autor, radican en las estructuras agrícolas previas
con las que se articuló y coexistió, de modo
peculiar, la industrialización. Dicha tesis posee
además un interés más amplio para la teoría social
en general, en lo que se refiere al problema de la
conceptualización de las relaciones entre la acción
social y la estructura y sus papeles respectivos en
la transformación de la sociedad.
La obra es una muestra excelente del pro-
ceder propio de la antropología socio-cultural y de
su mirada multidimensional y microanalítica. El
autor combina, en este sentido, un profundo
conocimiento del presente, en el que aún son
observables las huellas y consecuencias de esta
peculiar industrialización, con un estudio por-
menorizado del pasado. Si el primero se fun-
damenta en el prolongado trabajo de campo
realizado en la zona en diferentes épocas – en el
que ha basado otros trabajos anteriores como su
Antropología del Territorio (1976) –, el segundo ha
sido posible por el análisis de la amplia y por-
menorizada documentación del archivo de la
empresa, verdaderamente sorprendente por la
cantidad de observaciones y detalles que recoge,
en los que puede observarse innumerables as-
pectos de la vida cotidiana y las relaciones que la
empresa mantenía con el entorno.
La estructura del trabajo, dividido en dos
partes que articulan los diferentes capítulos, refleja
la claridad y coherencia del argumento. En la
primera parte, titulada “El Contexto Social del
Paternalismo”, se analizan las condiciones del
valle de Aller que, a diferencia de otras cuencas
asturianas, propiciaron aquí la continuidad de las
estructuras agrícolas. Se estudian con deteni-
miento cuales son esas estructuras, mostrando
cómo actuaron como condicionantes de la minería,
pero también cómo ella misma supo utilizarlas
como recurso para realizar sus objetivos em-
presariales. Así la eficacia de la política del Mar-
qués de Comillas se pone en conexión con di-
ferentes factores del contexto, sin ir más lejos, con
la propia configuración geográfica del valle, cuya
angostura impidió el crecimiento urbano y la
formación de núcleos concentrados como los que
se desarrollaron en Mieres o Langreo. Desde los
primeros momentos de la industrialización, el
minero de Aller será un minero mixto, que man-
tiene su explotación agrícola-ganadera viendo la
mina como un recurso para el acceso a la pro-
piedad de la tierra y ocupando un lugar sub-
sidiario y complementario en su economía.
Muy ilustrativos del planteamiento de esta
primera parte son los capítulos dedicados a la
construcción del espacio minero, en los que el
autor nos muestra, una vez más, su profundo
conocimiento de las claves interpretativas del
espacio como realidad social y cultural. Se nos
explica cómo, por una parte, la empresa se en-
contró con dificultades estructurales insalvables
que le impidieron construir, tal y como pretendía,
un concejo minero, concebido como un espacio
propio en el que desplegar la planificación
empresarial y ejercer el poder sin las cortapisas de
la legislación municipal y el criterio de autori-
dades de los tres ayuntamientos en los que se
ubicaban las minas. La empresa consiguió, sin
embargo, este objetivo a través de acciones que no
estaban, en principio directamente orientadas
hacia él, y que de acuerdo con la perspectiva
teórica que defiende el autor, deben verse como
resultado de las consecuencias inintencionales y
sistémicas del marco estructural en el que tienen
lugar dichas acciones. La creación de servicios
como los economatos, las escuelas, la financiación
y organización de servicios médicos y religiosos
(véase la promoción que se lleva a cabo de fes-
tividad de Sta. Bárbara, patrona de la minería), se
reveló como una forma eficaz de controlar el coto
minero y de crear un verdadero espacio industrial
superpuesto a las divisiones administrativas de las
que dependía y sobre el que se produce también
la idenficación de los trabajadores con la empresa,
más allá del ámbito estrictamente laboral.
A través de estos servicios, la empresa está
presente y supervisa innumerables aspectos la
vida cotidiana y de la interacción social. Esta
conexión entre lo cotidiano y lo laboral tiene su
máxima expresión en la creación del poblado
Recensões
221
minero de Bustiello. Como sucede con los otros
servicios, lo que se presentaba como un don
desinteresado de la empresa, ocultaba en realidad
la intención de controlar y, en este caso, de atajar
eficazmente algunos de los problemas endémicos
de la minería, como eran las tabernas, la
pretendida “indolencia”, o los conflictos entre los
trabajadores y la empresa. El “poblado pater-
nalista” concentra al trabajador en un espacio
estructurado orientado a dirigir todas sus ac-
ciones: la iglesia para las actividades religiosas, el
casino para el ocio bien entendido, el local para las
reuniones de los círculos católicos, la Chavola de
San Martín para la matanza del cerdo que junto
con el pequeño huerto contribuyen a la obtención
de complementos económicos que frenen las
reivindicaciones salariales. Los diferentes esta-
mentos de la empresa se plasman en la utilización
de zonas diferentes y en la ubicación de las
viviendas. La estructuración de este espacio es la
expresión misma de la ideología paternalista y de
su concepción de la empresa como una gran
familia unida por los mismos intereses.
Pero la eficacia de todos estos servicios no
reside sólo en el control directo que permiten
ejercer sobre la vida de los obreros, sino también
y de modo fundamental, por su contribución
decisiva a la creación de “una imagen de la
empresa” que determina la relación con el obrero.
Este es, en el argumento del autor, uno de las
notas esenciales de la filosofía empresarial pa-
ternalista y de sus prácticas: presentar como don
lo que está en realidad movido por un interés. El
valor expresivo de este juego radica en que
permite reclamar en justa reciprocidad, el apro-
piado comportamiento por parte de sus obreros.
La reciprocidad y su peculiar lenguaje es el ele-
mento clave del sistema de relaciones sociales del
mundo campesino en el que viene a insertarse el
paternalismo de la empresa.
El análisis de la importancia de la reci-
procidad y de la construcción de la buena imagen
empresarial aparece analizado sobre todo en la
segunda parte, que lleva por título “Prácticas
Paternalistas”. El núcleo central de éstas prácticas
consiste, según el autor, en conseguir que la
economía empresarial, basada necesariamente
en el intercambio, se articule con otras formas
económicas características de sistemas no mer-
cantiles, como la reciprocidad y la redistribución,
y rentabilizar éstas para la obtención del máximo
beneficio empresarial. Prestaciones sociales crea-
das por la empresa con la intención proclamada
de asistir al trabajador, como son por ejemplo la
“caja de retiros” y la “caja de socorros”, son ana-
lizadas por J. L. García como manifestaciones de
las formas económicas que representan la
reciprocidad y la redistribución respectivamente,
a través de las cuales se consiguen objetivos
fundamentales para el rendimiento laboral y de
este modo, la ganancia económica. La discre-
cionalidad con que operaba la empresa en la
concesión de estas prestaciones, las condiciones
que se imponían de buen comportamiento y la
vinculación del trabajador y de su familia con la
empresa que se logra por medio de ellas, con-
vierten a éstas prestaciones en instrumentos para
conseguir obreros preparados para rendir al
máximo en el trabajo.
Sin embargo, no siempre es fácil para la
empresa conseguir que sus acciones sean inter-
pretadas en clave de generosidad. En algunos
casos se trata de comportamientos en los que se
hace claramente visible el puro interés empre-
sarial. Así el incumplimiento de las medidas para
evitar la enfermedad conocida como “anemia del
minero”, es un claro ejemplo de actuaciones en las
que la empresa ve deteriorarse su imagen a fuerza
de las contradicciones que se introducen con las
intenciones proclamadas.
La especialización del autor en los ámbitos de
la antropología simbólica y cognitiva – para los
que la obra es también una valiosa aportación – le
permiten mostrarnos con maestría como se com-
plementan las dimensiones cognitivas y sim-
bólicas del conocimiento en la construcción de la
imagen de la empresa y su aceptación social. La
evocación simbólica y la referencialidad cognitiva
deben estudiarse, según este planteamiento, en el
contexto de la realidad social concreta. La pro-
ducción de un tipo o otro de discursos, así como
la posibilidad de que el actor social se deje
orientar por ellos, ha de verse con relación a los
intereses que entren en juego en un momento
determinado.
En el último capítulo, titulado “Las Cuentas
del Paternalismo”, las tres etapas que pueden ser
diferenciadas según la intensidad con la que la
Sociedad Ullera Española ejerció su paternalismo,
se ponen en correspondencia los distintos ava-
tares por los que atravesó el comercio interna-
cional del carbón entre los años 1875 a 1925 y las
222
posibilidades o no de dar salida a la producción.
La perfecta demostración del interés mercantil que
orienta al paternalismo, basada en datos econó-
micos verdaderamente sorprendentes, es casi un
golpe de efecto final que no deberá hacer olvidar
al lector el eje central de la obra, el estudio de las
condiciones de posibilidad de esta filosofía em-
presarial y los instrumentos de los que se vale.
Nieves Herrero
Departamento de Filosofía e Antropoloxía Social de la
Universidad de Santiago de Compostela
GRAÇA ÍNDIAS CORDEIRO
UM LUGAR NA CIDADE: QUOTIDIANO,
MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO
NO BAIRRO DA BICA
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997.
Pode comentar-se um livro com outro livro? Ou
com uma passagem dele? É o que acontece neste
caso. Por coincidência – mas nunca se saberá bem
decifrar os encadeamentos subjacentes a estas
coincidências sociais e pessoais –, no mesmo ano
em que se editava o primeiro livro de Graça Índias
Cordeiro, o consagrado escritor José Cardoso Pires
publicava um testemunho muito pessoal das suas
deambulações por Lisboa, da sua visão da cidade
e do seu afecto por ela. Diz José Cardoso Pires:
“Mas ninguém poderá conhecer uma cidade se
não souber interrogar, interrogando-se a si mes-
mo” (Lisboa, Livro de Bordo. Vozes, Olhares, Me-
morações, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997,
p. 11). A antropóloga Graça Índias Cordeiro soube
fazer as duas coisas. É o que se impõe desde logo
testemunhar acerca de uma obra importante no
panorama da investigação em ciências sociais
desenvolvida nos últimos anos em Portugal.
A investigação realizada, com efeito, é porme-
norizada, cuidadosa, lúcida quanto às dificul-
dades encontradas, persistente na recolha de
informação e no respectivo exame, refrescante-
mente audaciosa na convocação de todas as
dimensões de análise e na mobilização de todas as
técnicas de investigação que lhe pareceram per-
tinentes em função do tema e do objecto, exemplar
na explicitação das dúvidas, permanentemente
auto-reflexiva.
Num certo sentido, a última coisa de que um
livro precisa é que se diga o que ele diz. Precisa,
sim, de ser lido, discutido, analisado. Pode in-
dicar-se, entretanto, de forma muito sumária, que
a investigação antropológica expressa nesta obra,
na qual Graça Índias Cordeiro retoma a parte
principal da sua tese de doutoramento, tomou
como terreno de pesquisa e horizonte de obser-
vação o bairro da Bica, em Lisboa. A autora
enquadra-o na história dos bairros da capital,
localiza-lhe a inserção sócio-espacial, analisa em
profundidade os processos da sua construção
social enquanto “bairro típico”. Do elenco de
questões que o texto aborda destacam-se as li-
gadas à problematização dos limites de iden-
tificação do bairro e das suas subdivisões, à
investigação dos trajectos migrantes e das redes
sociais da população ali residente, à análise dos
contextos e das práticas de sociabilidade locais,
culminando, como chave de decifração, nas
questões implicadas no exame das festas e das
marchas populares que o bairro organiza e que,
de maneira privilegiada, o constroem, perante a
cidade e perante si próprio, como bairro sin-
gular.
Mas mais importante do que referir o que o
livro diz será, porventura, acrescentar algumas
linhas sobre como o faz, e sobre o que representa
do ponto de vista das ciências sociais. Alinham-se,
de seguida, alguns breves apontamentos a este
respeito.
Como salienta no prefácio o antropólogo
catalão Joan Pujadas, é o primeiro trabalho de
fundo de antropologia urbana, na sua acepção
contemporânea, publicado em Portugal. O in-
vestimento científico da autora na constituição e
consolidação desta área entre nós tem, por si só,
enorme importância, e o presente trabalho cons-
titui o seu marco principal.
Sendo um trabalho minucioso sobre o bairro
– ou melhor, sobre um conjunto de aspectos nele
observáveis, como os acima assinalados –, Graça
Índias Cordeiro tem a preocupação permanente
em abordá-lo enquadrado no tempo e no espaço.
Um dos exemplos mais importantes é a atenção
prestada à história das marchas populares de
Lisboa. Aliás, para além do lugar crucial que tem
na análise do bairro, o assunto foi desenvolvido
pela autora em termos mais gerais na sua tese de
doutoramento, aspecto não incluído na presente
obra, afigurando-se de todo em todo desejável
poder-se contar, para breve, com uma publicação
autónoma acerca dele.
Recensões
223
Mas poderiam referir-se, ainda a propósito
desta preocupação de não confinamento iso-
lacionista do objecto de estudo e do terreno de
observação, outros aspectos, como o processo de
sucessão de gerações, com os seus percursos
migratórios e o estabelecimento dos seus laços
sociais, ou como a constituição da cidade, no seu
todo, como quadro social, como sistema de redes
e dinâmicas sociais, bem assim como espaço de
representação de identidades bairristas. Sublinhe-
-se que a antropóloga desenvolve em simultâneo
dois esforços integrados: entra a fundo no íntimo
do bairro, das suas relações sociais, das suas
formas culturais, do quotidiano das pessoas que
ali habitam; mas, ao mesmo tempo, ciente de que
não vivem ali numa redoma, procurou romper
com concepções de isolamento que não têm con-
trapartida efectiva em (erradamente supostos)
isolamentos sociais.
O livro em apreço é uma obra assumida-
mente oriunda das ciências sociais. Trata-se, antes
de mais, de uma análise científica – expressão
sujeita a ambiguidades e más interpretações, e até
ultimamente causadora de um certo mal-estar
entre alguns dos que, por outro lado, não hesitam
em inserir-se no âmbito institucional da sua
prática. O trabalho de Graça Índias Cordeiro
apresenta, no entanto, sem complexos, os dois
atributos principais que, conjugados, melhor per-
mitem classificá-lo como tal. Procura conhecer de
maneira sistemática, profunda, sujeitando aquilo
que diz a um duplo filtro: o da teoria (presente na
bibliografia de referência antropológica, e não só)
e o da observação (minuciosa, cuidadosa, tão
completa quanto possível, trabalhando com mé-
todos aferidos). Tudo isto com grande profis-
sionalismo, num registo onde estão ausentes as
certezas vagas, apriorísticas ou doutrinárias, mas
em que, pelo contrário, se cultiva a capacidade de
diálogo com o que de mais interessante se fez e se
faz nas ciências sociais.
Na procura de desenvolver a análise e com-
preender o seu objecto, a autora não se deixa
intimidar por fronteiras do saber preestabele-
cidas, muitas vezes com fundamentos mais ins-
titucionais do que cognitivos. Recorre a contri-
butos da sua área científica, a antropologia, mas
também de outras, sobretudo da história e da
sociologia. Sem perder especificidade disciplinar,
consegue enriquecer a análise com esses con-
tributos, trabalhados, aliás, com grande mestria.
Também no plano das técnicas de investigação
isso se passa. É assim que, para além da obser-
vação etnográfica, no contexto do bairro, pratica,
por exemplo, a análise documental de jornais (em
especial para o estudo das marchas populares), ou
a pesquisa de registos de nascimento e baptismo
ou, ainda, a análise sociográfica dos recensea-
mentos gerais da população (num caso e noutro,
para reconstruir as redes sociais constituídas no
bairro e as trajectórias sociais que a elas condu-
ziram).
Um último traço em que o posicionamento
analítico e pessoal de Graça Índias Cordeiro bem
se exprime – e que faz jus ao título da colecção
que agora publica o seu trabalho, a colecção “Por-
tugal de Perto”, dirigida por Joaquim Pais de Brito
– é a forma como se aproxima das pessoas da Bica,
como as observa de perto, como dialoga com elas
e, ainda, como repetidamente lhes dá voz, na
melhor tradição das ciências sociais. Tradição essa
em que se sabe que o universo social é atra-
vessado por múltiplas desigualdades e que não é
incompatível com a procura de rigor analítico o
respeito profundo pelas pessoas com que se
contacta no estudo dos fenómenos sociais e a
preocupação de contribuir para repor nalguma
medida, mesmo que limitada e parcial, o balanço
das falas e dos silêncios. Contribui-se assim – é
também o que este livro faz – para o diálogo
alargado entre pessoas, grupos sociais e formas de
cultura.
António Firmino da Costa
Departamento de Sociologia do ISCTE
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ISCTE)
BENJAMIM PEREIRA
TECNOLOGIA TRADICIONAL DO AZEITE
EM PORTUGAL
Idanha-a-Nova, Centro Cultural Raiano, 1997.
No pequeno texto de abertura da Alfaia Agrícola
Portuguesa, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando
Galhano e Benjamim Pereira explicam que não
abordavam ali “o estudo de certas actividades
também ligadas à vida agrícola – o vinho, o azeite,
o leite, a cortiça, o figo, a amêndoa, etc. – já
porque, sendo de natureza especial [tencionavam]
tratá-los isoladamente, já porque, relativamente a
224
algumas delas, prevalecem aspectos técnicos da
transformação” (1983 [1977]: 7).
O azeite estava assim previsto como objecto
de um estudo isolado, à semelhança de outras
monografias entretanto realizadas, e de que são
exemplos Os Sistemas de Moagem (1965-1983), as
Construções Primitivas (1969), as Actividades Agro-
-Marítimas (1975) e o Linho (1978), para só referir
algumas das que têm Benjamim Pereira como
co-autor, mas às quais haveria de adicionar-se
– até pelo facto de serem de autoria exclusiva de
Benjamim Pereira – a série de estudos dedicados
aos têxteis, publicados entre 1960 e 1985, os de-
dicados a máscaras, publicados entre 1973 e 1986,
e ainda o livro sobre serração das madeiras, em
1970. É pois nesta sequência que surge em 1998,
apesar de editado desde 1997, esta Tecnologia
Tradicional do Azeite em Portugal.
A leitura deste que é o mais recente trabalho
de Benjamim Pereira obriga desde logo a con-
siderar o duplo plano em que a obra se situa.
Dado como catálogo de um núcleo museológico,
ele ultrapassa essa função circunstancial, consis-
tindo principalmente na concretização de um
projecto anterior do Centro de Estudos de Etno-
logia (CEE). Mesmo na sua função de catálogo, ele
é-o para “um museu que não é museu”, nas
palavras do prefácio de Joaquim Pais de Brito, já
que se reporta ao núcleo de Proença-a-Nova do
Centro Cultural Raiano, conjunto cujas funções,
programa e vocação ultrapassam os objectivos
habitualmente mais restritos de um museu.
Por outro lado, enquanto concretização de
um programa de etnografia sistemática de uma
tecnologia tradicional, este trabalho, seja pela
natureza própria que a história do azeite e da
oliveira lhe inculcaram, seja pelas circunstâncias
em que os trabalhos de campo foram realizados,
desdobra-se sobretudo na região da Beira Baixa,
justificando desse modo o contexto editorial que
de algum modo também ultrapassa.
O livro abre com um breve enquadramento
histórico da progressão e do declínio da oliveira
em Portugal, passando logo à descrição dos pro-
cessos de apanha e entulhamento da azeitona,
com particular atenção às implicações sociais e
cerimoniais que envolviam, desde as migrações
internas que induziam, até à própria vida desses
ranchos, pelos olivais, aos momentos festivos da
safra e ao jogo de relacionamentos e interdepen-
dências que marcavam com os proprietários e que
envolviam direitos e obrigações como o acesso ao
“rabisco”, as refeições cerimoniais ou outras pres-
tações ainda em alimentos ou serviços. O livro
prossegue pela ordem própria do processo de
fabrico do azeite, acompanhando os sucessivos
elementos técnicos envolvidos: pios, galgas e os
seus processos de accionamento, sistema de pren-
sagem, processos de decantação e utensílios im-
plicados, como seiras e caldeiras.
Segue-se então o “Fabrico de Azeite”, capí-
tulo axial de todo o livro. Nele encontramos
intimamente entrosada a descrição técnica do fun-
cionamento dos mecanismos com a das “técnicas
de corpo” que envolvem, remetendo para as di-
mensões práticas deste fabrico, mas também para
as suas dimensões económicas, políticas, histó-
ricas, ecológicas, comparando diferenças e seme-
lhanças que se estendem de Arcos de Valdevez à
Serra do Caldeirão.
Por fim, depois de se recuperar de um texto
anterior os aspectos centrais do significado socio-
lógico e humano do trabalho dos lagares, no-
meadamente o dos barrosões no Alentejo, e
enquanto se vai referindo os regimes jurídicos da
gestão dos lagares, o capítulo aponta (p. 124) a
importância de um factor como o “gosto” na
explicação da persistência de processos arcaicos de
extracção, sempre muito censurados e nunca com-
pletamente explicáveis pelos constrangimentos
sociais e jurídicos que se impuseram historica-
mente aos lagares.
Adiciona-se ainda um capítulo registando as
memórias de oito pessoas que, em diferentes
posições, trabalharam em lagares do concelho de
Idanha-a-Nova, concluindo-se com uma descrição
dos dois lagares que integram o Centro Cultural
Raiano.
Em epílogo, o texto de Benjamim Pereira re-
toma a reflexão e o sentido interpretativo para que
ao longo de toda a obra a sua etnografia foi
apontando. Mais do que a exacta compreensão das
técnicas, neste livro temos a experiência vivida
delas, questionada tanto quanto a implicação
humana e a sensibilidade poética permitem explo-
rar numa etnografia. Os objectos surgem com
rostos e nomes agarrados a eles, vivem em me-
mórias pessoais e não apenas no anonimato das
taxionomias, e interpelam não só as diversidades
do território por onde se distribuem, mas também
o frágil universo dos valores tácitos em que as
vidas humanas fazem socialmente sentido. Nele é
Recensões
225
possível aperceber a longa afinação de um método
de trabalho e de uma maneira de construir os
objectos científicos e o seu enquadramento his-
tórico e sócio-económico, sem prejuízo de um
olhar próprio, a um tempo rigoroso e poético,
atento à profusa variedade dos detalhes, cuidando
da autonomia do registo fotográfico e desenhado,
e apurando uma sensibilidade antropológica que
o leva a visar sempre o sentido humano das
experiências materializadas nos objectos, nas suas
marcas físicas e nas memórias que desfiam.
Esta dimensão, que atravessa todo o texto,
dá um brilho muito particular a este livro e
chama a atenção para as notáveis fotografias e
desenhos que o integram. A tradicional riqueza
gráfica dos trabalhos da equipa do CEE habituou
a tomar os desenhos de Fernando Galhano e as
fotografias de Benjamim Pereira como registos de
exactidão e sentido próprios em relação aos
textos, de que não são simples ilustração apenas.
Aqui, a notável colecção fotográfica e de de-
senhos, agora reunindo outros autores, como
Luís Pavão na fotografia, Manuela Costa e Paulo
Longo no desenho, contribui muito para elucidar
os sistemas mecânicos, e sobretudo para traduzir
essa experiência humana do ambiente denso dos
lagares.
O livro está construído em diálogo perma-
nente entre ambos os registos – o da escrita e o da
imagem –, e só é pena faltar-lhe mapas e um
índice remissivo que ajude a avaliar a dimensão
comparativa e territorial de um trabalho que re-
mete para outros levantamentos cartografados e
para um longo processo de recolhas e observações.
Todavia, se este livro é situável numa se-
quência, a sua ocasião não deve ser tomada nem
como um atraso, nem como um anacronismo. As
técnicas de prensagem (seja para vinho, azeite ou
cera), como notou Charles Parain (Outils, Ethnies
et Developpement Historique, 1979 [1962]: 265), não
mereceram tantas atenções dos investigadores
como o arado ou a charrua, apesar de – ou por
causa de – terem a sua história tão intimamente
ligada a contextos económicos e sociais complexos
(ibidem: 281).
Particularmente no caso das prensas de
azeite, as dificuldades de sistematização geográ-
fica, histórica e agronómica agravam-se. Podendo
encontrar-se-lhe referências recuáveis a Fenícios e
Cartaginenses (p. 13), o azeite marcou a paisagem
portuguesa de forma geral no território só a partir
do séc. XVIII, altura em que transpõe expres-
sivamente limites ecológicos e sócio-económicos
que lhe confinavam a cultura ao Centro e a partes
do Sul. E já hoje relança-se numa imagem de
produto de excelências e de raridades.
O azeite releva de escalas económicas muito
díspares, indo do fabrico manual doméstico, tal
como é atestado para a serra algarvia, até ao
afrontamento entre sectores da indústria agro-
alimentar internacional com reflexos directos,
imediatos quase, na vida de cada produtor in-
dividual.
Foi, até há poucas décadas, um recurso
indispensável à manutenção da vida doméstica,
fosse como alimento, conservante, combustível,
remédio, cosmético, quase moeda, símbolo chave
de representações do sagrado, sem contar com as
utilidades dos seus subprodutos para saboaria,
alimentação de gado ou adubo. Ao mesmo tempo,
foi questão de Estado, alvo de estratégias de
alcance fiscal, factor de atrito entre poderes sociais
e grande mobilizador de migrações internas.
Foi também motivo de desentendimentos e
perplexidade. A sua produção, supondo uma
aplicada sequência de soluções técnicas racio-
nalmente exigentes, surpreendia sempre pelo
absurdo da sua realidade: não haverá produção
chave de sociedade rural que tenha sido tão
espantosamente repreendida nos seus modos e tão
persistentemente relutante à sua respectiva cor-
recção (cf. Maria Carlos Radich, Agronomia no
Portugal Oitocentista, 1996).
A duração do arcaísmo técnico desencadeia
questões clássicas. Que cálculos sustentaram tanto
tempo a manutenção de tantos lagares? A lógica
da pequena agricultura familiar, da pulverização
do minifúndio, da pressão sobre os rendimentos
marginais das casas, não pode deixar de explicar
genericamente a correspondência entre o facto de
“...40% do património olivícola se encontrar sob a
forma de oliveiras dispersas” (Fernando O. Bap-
tista, A Política Agrária do Estado Novo, 1993: 256)
e de ser em regiões mais defendidas na exploração
familiar que se encontram as referências etno-
gráficas mais ricas. É esta multidão de oliveiras,
a que se não dedicam mais do que cuidados
mínimos, custando esforços redobrados na apa-
nha, dando rendimentos incertos e baixos, que
alimentou tantos lagares tradicionais e que pro-
duziu o pequeno azeite para a casa, o qual, sem
vagar para as demoras burocráticas dos benefícios
226
estatais ou cooperativos, era logo vendido ao
preço do primeiro comprador à porta.
Mas não bastará a clássica conexão entre
forças produtivas e relações de produção para
esgotar a compreensão do universo de existência
destes lagares, e menos ainda supostos apegos à
tradição. Algo como os “perfis étnicos especí-
ficos”, de que fala Parain, tornam-se indispen-
sáveis à compreensão da complexidade de factos
que a etnografia regista (Antoine Casanova, in
Parain, Outils, Ethnies et Developpement Historique,
1979: 14). As memórias pessoais que Benjamim
Pereira relata (pp. 128-134) permitem que o leitor
tenha acesso às existências humanas onde os
objectos faziam sentido. Estas, apesar do papel
fundamental que desempenhavam na construção
etnográfica, raramente eram reveladas nos traba-
lhos anteriores do CEE, fosse por um escrúpulo de
exactidão que pudessem embaraçar, fosse como
preço de um distanciamento face ao ruralismo
piegas ou místico da literatura naturalista. Neste
trabalho, o testemunho poético vem ajudar a
concretizar os tais “perfis étnicos específicos” de
Parain.
Não foi assim a “inércia tecnológica ou au-
sência de sentido quantificativo da sociedade
rural” que assegurou o “predomínio [das técnicas
tradicionais de prensagem] sobre as mecânicas até
aos anos 50”, mas sim um “conceito de vida e de
produtividade que tinha as suas lógicas próprias”
(p. 156).
Ora, precisamente, o livro de Benjamim Pe-
reira entrega-nos mais do que a síntese dos
enquadramentos históricos, sociais e económicos,
e mais do que a rigorosa descrição dos sistemas
mecânicos dos lagares. Entrega-nos uma com-
preensão de múltiplos aspectos desse “conceito de
vida e de produtividade” que se “apaga discreta
e inexoravelmente” (p. 153), deixando claramente
apontado o objecto humano que é chave da
compreensão do absurdo residual que parece
sobrar sempre, uma vez feita a inspecção racional
– seja do sistema produtivo que converge nos
lagares toscos e arcaicos, seja das obstinadas pre-
ferências de gosto no azeite, seja da persistência
de efeitos que produz o ambiente, a um tempo
repulsivo e cativante, dos velhos lagares que de-
saparecem. Esse objecto humano que se revela na
tão castigada abjecção dos lagares, como “ver-
dadeiros antros, infectos e imundos” (p. 153) na
sua escuridão; nas exalações escaldantes dos cal-
deiros e enceiramentos; na promiscuidade que
avizinha os animais de tracção ao extracto su-
perlativo que era o azeite; nos corpos suados e
esforçados; na untuosidade e no ranço imiscuídos
em tudo. E também nas expectativas suspensas
sobre a funda da azeitona, a competência do
mestre, as suspeitas e as solidariedades que fa-
ziam desconfiar dos “infernos”, para onde se
escoaria talvez mais do que a água ruça, ao mes-
mo tempo que se procurava na partilha comensal
conquistar equilíbrios onde as posições estraté-
gicas estavam tão diferenciadas. Ainda aquele que
se revela nas funções que as aparentes disfunções
sociais cumpriam em meios restritos onde todos
permaneciam à vista de todos e a fome, fosse a
própria ou a alheia, era sempre um perigo. Assim,
o rabisco da azeitona, a redecantação das águas
ruças, a refunda do bagaço, iam deixando folgas
para algum acesso de todos ao condimento, ao
meio de pagamento de uma renda, à própria luz
de uma candeia em casa.
Em cifra de todo este universo a que o livro
de Benjamim Pereira nos dá acesso, fica a im-
precisável qualidade do sabor de cada azeite, que
opunha às preferências de norma pela “finura” e
baixa acidez as preferências tradicionais por um
azeite saboroso, mesmo que grosso, independen-
temente do seu grau, tal como saía destes lagares.
Aquele que, provado com a ponta do dedo, fe-
chava no seu paladar o círculo de identidades
onde oliveiras, gentes ou lagares encontravam
mundo, sentido e nome próprio.
Pedro Prista
Departamento de Antropologia do ISCTE
Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE)
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  • 1. Recensões 213 das ex-colónias. Como é sabido, a afirmação da disciplina antropológica em Portugal a partir de 1870 ocorreu basicamente em torno de estudos de natureza etnográfica e/ou etnológica orientados para a cultura popular portuguesa de matriz rural, de acordo com pressupostos ideológicos ligados à afirmação da identidade nacional. Recorrendo à terminologia de George Stocking (“Afterword: A View from the Center”, Ethnos, 1982), pode-se dizer que em Portugal, apesar da existência de colónias e da inexistência de um problema na- cional, a antropologia se desenvolveu historica- mente como uma nation building anthropology, e não – como nos restantes países europeus onde prevalecia uma situação aparentemente homóloga à portuguesa (Grã-Bretanha e França, por exem- plo) – como uma empire building anthropology. É com Jorge Dias que este autocentramento da disciplina antropológica em torno de Portugal é de alguma forma posto em questão. A mo- nografia sobre os macondes do Norte de Moçam- bique é justamente o marco central desse processo de viragem da antropologia portuguesa para África. Editada inicialmente entre 1964 e 1970, em quatro volumes da autoria de Jorge Dias (I Vol. Aspectos Históricos e Económicos, 1964), Jorge Dias e Margot Dias (II Vol. Cultura Material, 1964; III Vol. Vida Cultural e Social, 1970) e Manuel Vie- gas Guerreiro (IV Vol. Sabedoria, Língua, Literatura e Jogos, 1966), Os Macondes de Moçambique cons- titui, por essa razão, uma das peças fundamen- tais não apenas da obra de Jorge Dias, mas do próprio percurso histórico da antropologia por- tuguesa. A sua reedição, numa iniciativa conjunta da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e do Instituto de Investigação Científica Tropical, deve pois ser saudada. Alguns dos volumes da edição original há muito que se encontravam esgotados e, no quadro recente de reedições da obra de Jorge Dias e dos seus colaboradores, esta era uma lacuna que se impunha preencher. Em conjunto com outras iniciativas – entre as quais se destaca o trabalho de levantamento, catalogação e estudo dos filmes etnográficos de Margot Dias entre os macondes, realizado por Catarina Alves Costa no âmbito do Museu Nacional de Etnologia (Guia para os Filmes realizados por Margot Dias em Moçambique 1958/ /1961, 1997) –, a reedição do volume I de Os Ma- condes de Moçambique contribui para dar uma JORGE DIAS OS MACONDES DE MOÇAMBIQUE. VOL. I: ASPECTOS HISTÓRICOS E ECONÓMICOS (INTRODUÇÃO DE RUI PEREIRA) Lisboa, CNCDP/IICT, 1998. Jorge Dias foi sem dúvida uma das mais im- portantes figuras da antropologia portuguesa do século XX. Essa sua importância deriva, por um lado, do trabalho de renovação da pesquisa an- tropológica sobre Portugal que ele empreendeu. Remontando à segunda metade dos anos 40, após o seu regresso da Alemanha, esse trabalho teve três facetas principais. A mais conhecida é sem dúvida a que se prende com a realização dos primeiros estudos de comunidade em Portugal (Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitária, 1948; Rio de Onor, Comunitarismo Agro-Pastoril, 1953). Simultaneamente, apoiado na metodologia da “ex- tensive survey”, Jorge Dias desenvolveu o ma- peamento e estudo sistemático das tecnologias tradicionais portuguesas. Prosseguida pelos seus colaboradores – em particular por Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pe- reira –, essa pesquisa encontra-se na origem de um conjunto invulgarmente amplo de monografias que ainda hoje constituem uma referência fun- damental para a reconstituição da ruralidade portuguesa nos anos que antecederam o “boom” emigratório da década de 1960. Finalmente, são também da autoria de Jorge Dias os primeiros grandes estudos de síntese da cultura popular portuguesa no seu conjunto. Um desses estudos, de resto – Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa (1955) –, continua a ser uma referência frequentemente invocada nos debates recentes sobre a identidade nacional portuguesa. A par da renovação da pesquisa antropoló- gica sobre Portugal, Jorge Dias foi também uma figura decisiva no processo de emergência de uma antropologia orientada para o estudo das socie- dades e culturas das ex-colónias portuguesas, na segunda metade dos anos 50. A importância da “descoberta” – embora tardia – desse terreno deve ser sublinhada. De facto, embora Portugal se definisse nominalmente como uma potência colo- nial, não é entretanto possível falar, ao longo do período que medeia entre os anos 70 do século XIX e o fim dos anos 50 do século XX, de uma tradição consistente de estudos de antropologia cultural e social centrada nas sociedades e culturas
  • 2. 214 merecida visibilidade a uma das facetas mais im- portantes do trabalho de Jorge Dias e dos seus colaboradores. O volume agora reeditado beneficia de uma excelente introdução de Rui Pereira, autor de estudos anteriores sobre a “experiência africana” de Jorge Dias, que problematiza o contexto em que ocorre essa viragem tardia da antropologia portuguesa para África. Três pontos são centrais na argumentação de Rui Pereira. O primeiro prende-se com o esclarecimento do desinteresse da etnografia e da antropologia cultural e social portuguesas por África no pe- ríodo – longo – que antecede a investigação de Dias e dos seus colaboradores entre os macondes. Como sublinha Rui Pereira, esse desinteresse con- trasta com o empenhamento evidenciado por dis- ciplinas como o antropobiologia e a antropologia física e é explicável quer em função do carácter “subdesenvolvido do colonialismo português” (p. XI), quer em função das políticas concretas implementadas pelo estado português nas ex- -colónias, com particular destaque para o período do Estado Novo. A este propósito Rui Pereira enfatiza as estreitas ligações entre o desenvol- vimento da antropobiologia e da antropologia física e “a necessidade de quantificação da força de trabalho indígena” (p. XLVII) subjacente ao projecto de exploração intensiva da mão-de-obra indígena do colonialismo português ao longo da primeira metade do século XX. No seguimento de Alfredo Margarido (“Le Colonialisme Portugais et l’Anthropologie”, Anthropologie et Impérialisme, 1975), põe ainda em evidência a contradição entre o projecto assimilacionista e o desenvolvimento de estudos antropológicos. O segundo ponto que ressalta da análise de Rui Pereira relaciona-se com a caracterização mi- nuciosa da conjuntura política na qual se inscreve a viragem africana de Jorge Dias. De acordo com Rui Pereira, é a partir da reorientação da política colonial portuguesa que ocorre na segunda me- tade dos anos 50 – no rescaldo da Conferência de Bandung – que se torna não só possível mas necessário o desenvolvimento de estudos de na- tureza antropológica nas ex-colónias, de forma a proporcionar às autoridades coloniais portuguesas os meios para “gerir política e socialmente as consciências das populações africanas” (p. XXIV), na tentativa de impedir o desenvolvimento de um clima favorável às aspirações independentistas. É nesse novo contexto – dominado politicamente pela figura de Adriano Moreira – que é criado, em 1956, no quadro da Junta de Investigações de Ultramar, o Centro de Estudos Políticos e Sociais, no âmbito de cuja Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, Jorge Dias irá desenvolver a sua pesquisa sobre os macondes. O terceiro ponto, por fim, tem a ver com a ligação mais precisa entre a pesquisa de Jorge Dias e alguns dos aspectos centrais da política colonial portuguesa a partir da segunda metade dos anos 50. Apoiando-se nos relatórios escritos por Jorge Dias no termo das suas sucessivas campanhas entre os macondes – que tiveram uma circulação política restrita, tendo permanecido até hoje iné- ditos –, Rui Pereira mostra de forma convincente as articulações efectivamente existentes entre a pesquisa de Jorge Dias e as preocupações oficiais de caracterização e avaliação da situação política e social que se vivia então no planalto maconde. Fá-lo entretanto de forma duplamente equilibrada, resistindo à tentação – em que outros autores já caíram – de simplificar a questão, procurando, ao contrário, expor as suas complexidades. Essas complexidades exprimem-se, por exemplo, no sentido frequentemente crítico que, nos seus relatórios, Jorge Dias – em contradição com o tom declaradamente apologético e “luso-tropicalista” empregue em textos e intervenções de carácter público – emprestou aos comentários sobre o colonialismo português tal como ele o pôde sur- preender no terreno. Mas exprimem-se também no modo como Jorge Dias, colocado numa situa- ção de “antropologia colonial aplicada”, acabou por coordenar e co-redigir uma monografia mar- cada por preocupações descritivas e teóricas que se situavam fora desse quadro. Como sublinha Rui Pereira, “com o decorrer das campanhas, Jorge Dias parece ter invertido a hierarquia de interesses previamente determinada por aqueles que patrocinavam a sua investigação no Norte de Moçambique, ou seja, fez ascender ao primeiro plano os objectivos eminentemente etnológicos” (p. XXXIII). Constituindo uma imprescindível contribui- ção para o estudo da “experiência africana” de Jorge Dias, é entretanto pena que a Introdução de Rui Pereira não vá mais longe na exploração dos aspectos antropológicos dessa experiência, refe- renciando por exemplo o modo de construção e as opções teóricas de Os Macondes de Moçambique no
  • 3. Recensões 215 quadro da antropologia africanista da época. Para além da contextualização política, fica de alguma forma por fazer o enquadramento teórico da monografia de Jorge Dias. Não posso também deixar de fazer uma observação relativamente às referências bibliográficas mobilizadas no início da Introdução, quando Rui Pereira procede à carac- terização genérica da antropologia portuguesa no final do século XIX e na primeira metade do século XX: as datas dessas referências não vão além de 1991, quando se sabe que nos últimos anos tem sido particularmente importante a pro- dução de artigos e ensaios na área da história da antropologia portuguesa. Por fim, fica uma sugestão: porque não pen- sar na edição dos relatórios redigidos por Jorge Dias no âmbito das suas campanhas entre os macondes? Como Rui Pereira refere, não só não é mais sustentável o clima de “incompreensível e púdico secretismo” (p. XXVIII) que tem sido por vezes criado em torno dos relatórios, como parece óbvio que da sua edição resultaria a possibilidade de um conhecimento mais aprofundado daquele que foi um dos acontecimentos mais importantes da antropologia portuguesa do período imedia- tamente anterior ao 25 de Abril. João Leal Departamento de Antropologia do ISCTE Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE) JOÃO PACHECO OLIVEIRA (ORG.) INDIGENISMO E TERRITORIALIZAÇÃO: PODERES, ROTINAS E SABERES COLONIAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Rio de Janeiro, Contra Capa, 1998. Dada a palavra aos Drs. Advogados da parte ré, às suas perguntas respondeu: que reafirma que, quando esteve na área em 1976, lá encontrou ainda em pé dois postos indígenas (...) um que estava ocupado por fazendeiros e outro cujas casas, em número de seis a sete estavam ocupadas por famílias indígenas, que, entre- tanto, esse agrupamento não caracterizava o que tecni- camente se chama uma aldeia, até porque, como consta do depoimento, os índios, em sua grande maioria, já estavam vivendo como assalariados de terceiros, e não isolados como seria próprio de uma aldeia (...). Que tal como os demais grupamentos humanos, também entre os índios ocorreu alto grau de misci- genação, mas essa mestiçagem não lhes retira a condição de índios, tal como definida no próprio Estatuto do Índio, que chega a definir a categoria de índio aculturado. Como facilmente se depreende a partir da lin- guagem empregue e da identidade dos inter- venientes nomeados neste texto, ele reporta-se a uma situação de tribunal. Trata-se de um processo que decorreu em 1998 num estado da União Federativa do Brasil para reconhecimento de “terra indígena”. O que torna esta situação sin- gular – para quem não conheça o contexto em causa – é que a testemunha que está a ser inter- rogada é uma antropóloga. Não sendo um excerto do livro aqui em recensão, ele conduz-nos com exactidão ao assunto que o livro problematiza: o papel da política indigenista na demarcação legal de terras de índios no Brasil e as implicações da antropologia nesses processos. Partamos então deste depoimento para uma incursão na temática do livro. A primeira questão que nos é colocada é a do próprio exercício pro- fissional desta antropóloga: ela usa a sua estadia em terreno, duas décadas antes, como prova ocular da presença de famílias de índios num espaço territorial que, hoje, eles reivindicam como seu. Mais ainda, ela refere-se a um saber “técnico” para falar da desagregação da organização social espe- cífica deste grupo, que teria perdido a capacidade de viver isoladamente “como seria próprio de uma aldeia”. Este é um assunto largamente tra- tado no livro em recensão. Como aí se refere, Darcy Ribeiro, nos anos cinquenta, incluía os “antropólogos” na categoria de experts dotados de saber técnico sobre “qual” e “quanto” território deveria tornar-se disponível para um grupo de índios. As contradições entre esta forma de con- ceber o conhecimento e aquela que era preconi- zada pela academia não deixaram de crescer, particularmente na última década, com a intensi- ficação da tendência interpretativa da disciplina. Articulando de forma singular uma reflexão sobre ética profissional (do antropólogo), socio- logia do conhecimento e dados empíricos, re- sultantes de pesquisa no âmbito da situação das terras indígenas no Brasil, o livro coloca-se por- tanto no contexto de uma “antropologia como crítica cultural” – o que acaba por assumir expli- citamente (p. 262). Os artigos desta colectânea, à medida que nos vão dando conta das políticas indigenistas nos processos de demarcação de “terras indígenas”,
  • 4. 216 familiarizam o leitor com a natureza colonial dos saberes jurídico e antropológico nelas implicados. Desta forma, o livro torna-se uma referência importante para quem debate a questão do pós- colonialismo, neocolonialismo e situações colo- niais na orgânica internacional contemporânea. Não se trata de uma abordagem abrangente do tema, mas de uma cuidada apresentação de dados e de analíticas do poder, nos meandros dos pro- cedimentos burocráticos. Entre as instituições ana- lisadas, destacam-se aquelas que, ao longo deste século, tiveram a “tutoria” sobre os índios no Brasil. Primeiro, o Serviço de Protecção ao Índio (SPI), criado em 1910, estandarte do Governo do Estado Novo brasileiro, mitificado na figura de Cândido Rondon. Depois, o organismo que lhe deu continuidade, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada em 1967, a qual foi considerada, pelo menos até à Constituição de 1988, como re- presentante qualificada dos índios face à lei, isto é, o seu “órgão tutor”. Enquanto colectânea, o livro apresenta uma grande coerência interna, já que dos oito artigos que contém, quatro são da autoria do organizador do volume, João Pacheco de Oliveira (um em colaboração com Alfredo de Almeida), e dois de António Carlos de Souza Lima, sendo os restantes dois assinados, respectivamente, por Lucy Linha- res e Ana Azevedo. Todos resultam, para mais, de um amplo projecto de pesquisa dirigido por João Pacheco de Oliveira (Professor no Museu Nacional do Rio de Janeiro) sobre terras indígenas no Brasil (PETI). Este livro elabora, portanto, uma vasta aná- lise das políticas indigenistas brasileiras, no que respeita à questão fundiária. Entre o conjunto de questões tratadas, destacaria três fundamentais. A primeira diz respeito à situação real da demarcação de terras para populações de índios no Brasil. Na avaliação da situação, Pacheco de Oliveira discrimina as cinco fases do processo de legalização da propriedade de terra indígena, da “identificação” até à “regularização”. Depois de nos explicar que é apenas nesta última fase que o título de propriedade ganha validade legal efec- tiva, mostra-nos – com a habitual frieza que a exactidão numérica suscita – que da extensão de terra que a FUNAI reconhecia pertencer a grupos de índios nos anos oitenta, 50,39% está ainda na fase de “identificação” enquanto só 3,88% está na fase final de “regularização”. Estes dados vêm ao arrepio de muitas das afirmações públicas a pro- pósito da questão fundiária no Brasil, inclusive aquelas que chegam à Europa. Uma segunda questão refere-se à forma como o indigenismo tem tratado o requisito legal da diferenciação étnica nos processos de demarcação do território indígena. Também esta questão pode ser equacionada a partir do depoimento com que se abriu esta recensão, quando se diz que a “mis- cigenação” não anula a diferenciação étnica da população em causa. O livro debate largamente esta temática, tecendo uma crítica epistemológica e metodológica à forma como os “relatórios an- tropológicos de identificação” (analisados em alguns casos como objectos etnográficos – p. 221 e segs.) usam o conceito de grupo étnico de forma anacrónica. No artigo de encerramento, Pacheco de Oliveira defende que o aspecto conjuntural da identificação étnica faz com que ela tenha de ser avaliada, essencialmente, nos processos contem- porâneos de diferenciação – e não nas forjadas continuidades etno-históricas com um tempo longínquo. Esta questão conduz-nos directamente à seguinte. A terceira e última temática a destacar diz respeito ao papel da memória nos processos de identificação de “terra indígena”. Esta é talvez a noção que serve de epítome aos problemas le- vantados com estes processos de territorialização. Na página 21 transcreve-se o artigo do Estatuto do Índio (1973) onde fica expresso que a terra in- dígena deve ser reconhecida segundo um “con- senso histórico” sobre a sua ocupação, desde um passado remoto, pela população que hoje a rei- vindica. O conjunto de equívocos etno-históricos em que os “relatórios de identificação” têm in- corrido a partir desta noção é então alvo de debate. Nele acentua-se a ausência de uma crítica de fontes e a substituição do terreno pela etno- -história. Ainda no campo da memória e do seu papel nos processos da lei e da cultura, é de destacar o artigo de Ana Lúcia de Azevedo (p. 168) sobre a contraposição entre a “ideologia da verdade” das acções jurídicas, largamente assente na escrita – e desconfiada da oralidade – e a falacidade real dos “testemunhos” escritos considerados de maior validade nestes processos fundiários: as escrituras de propriedade. Esta formulação torna-se parti- cularmente útil depois dos artigos que a pre- cedem: o de Lucy Linhares (onde se faz uma
  • 5. Recensões 217 apresentação histórica bem documentada das leis de propriedade da terra no Brasil) e os resultados quantitativos da pesquisa efectuada por Pacheco de Oliveira. Assim, por exemplo, Pacheco de Oliveira (p. 64) mostra que a percentagem da extensão de terra ocupada (isto é, para a qual existe uma escritura de propriedade) em quatro estados da União é superior a 100% e que isso se deve ao facto de as escrituras de propriedade serem feitas mediante uma declaração oral do proprietário. É, portanto, paradoxal que, no momento de ava- liar um processo de terra indígena, a escrita ganhe um valor esmagador face a qualquer recurso à memória oral, a qual mais facilmente é accionada pelo lado indígena. No entanto, os autores mostram bem a sua posição: não podemos resolver este problema forjando documentos escritos que objec- tivamente não oferecem rigor, tais como relatos de viagem ou outras fontes etno-históricas. Ainda a respeito destas incongruências en- tre acção institucional e prática social, destacaria finalmente o artigo de Oliveira e Almeida. Nele, faz-se uma análise etnográfica do quotidiano da FUNAI, que nos permite entrar nos moldes de pensamento de uma instituição e entender a acção dos seus técnicos. Como aí se mostra, os fun- cionários da FUNAI são compelidos a agir se- gundo uma lógica SOS – de “urgência” e “catas- trofismo” –, o que denuncia a real ausência de um planeamento sério de trabalho no órgão gover- namental mais directamente responsável pela questão indígena no Brasil. Tendo mostrado a relevância actual desta publicação, é necessário que se faça, no entanto, um comentário crítico. Na medida em que este livro trata de questões tão permeáveis à histo- ricidade da vida social e política, não é possível deixar de notar que os artigos nele contidos são escritos entre os finais da década de oitenta e o início da década de noventa e se reportam à analítica do exercício do poder burocrático nesse período. Assim, esperava-se que em algum mo- mento se fizesse uma actualização de muitas das questões tratadas. Entre elas, destaca-se a da implicação profissional do antropólogo nestes processos, na medida em que esta veio a alterar- -se substancialmente na década de noventa. Esta alteração é apenas referida por Souza Lima (p. 266) e por Pacheco de Oliveira (numa nota de rodapé, p. 293), sendo que noutros lugares do livro (como por exemplo nas páginas 89 e 117) ela surge como mera sugestão para o futuro: uma maior colaboração entre a academia brasileira/ /universidades e os organismos de decisão jurí- dica. Fica-nos portanto a dúvida sobre a posição destes autores face a essa mudança da situação. Não nos é dito, por exemplo, se nestes novos moldes está finalmente a transformar-se a “im- pensada antropologia aplicada brasileira” (Lima: 268) numa “antropologia implicada” (expressão que adopta de Albert, 1995, cit. p. 268). Susana de Matos Viegas Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra ANASTASIA KARAKASIDOU FIELDS OF WHEAT, HILLS OF BLOOD: PASSAGES TO NATIONHOOD IN GREEK MACEDONIA 1870-1990 Chicago e Londres, The University of Chicago Press, 1997. Este livro é a versão revista de uma tese de doutoramento apresentada na Universidade de Columbia em 1992. Desde então, as polémicas em torno das ideias que ali cabiam surgiram de vários lados, como a autora dá conta no largo prefácio e ainda num posfácio ao volume agora apresentado. Entre as ameaças extremas de nacionalistas gregos mais exaltados, as denúncias patéticas de ma- nipulações por parte de políticos locais em busca de uma honra supostamente perdida, o nasci- mento muito polemizado de um novo estado – a “Antiga República Jugoslava da Macedónia” –, a cobardia dos editores da Cambridge University Press, a solidariedade de académicos importantes, Fields of Wheat, Fields of Blood já se tornou um “caso”. Célebre por aquela vaga de paixões que despertou, foi nomeadamente capa do TLS em 13 de Fevereiro de 1998, onde é tratado em artigo longo por um antropólogo – Roger Just, “The Making of Greeks. Locals into Greeks” –, recensão ajustada que agora tomo em conta. Neste livro, de uma parte, temos uma ex- pressão dos interesses antropológicos muito sa- lientes que a Grécia – ao contrário de Portugal, noto de passagem – suscitou nos circuitos aca- démicos especializados anglo-americanos na se- gunda metade deste século. Esta não é todavia
  • 6. 218 uma tese qualquer, um contributo relativamente anónimo para os estudos “gregos” ou “mediter- rânicos” especializados, se é que esta designação muito vaga ainda resiste. Fields of Wheat, Fields of Blood é estudo importante, sólido, bem documen- tado, de antropologia histórica. Propondo uma comparação, encontrámos aqui algo do fôlego e da profundidade diacrónica que caracterizavam o trabalho célebre de Anton Blok, The Mafia of a Sicilian Village. Alguns dos argumentos desen- volvidos pela autora são mesmo, por momentos, similares aos de Blok. Contudo, a autora não de- monstra conhecer aquele trabalho, o que se torna curioso, na medida em que sugere similitudes estruturais para o papel crucial desempenhado por mediadores locais na configuração de novas entidades políticas e culturais de âmbito nacional, ao longo do século XIX e nos princípios do sé- culo XX. Para além da articulação política e económica de um estado – e dos bloqueios que estes pro- cessos sofreram –, tópicos que o estudo de Blok tinha favorecido no contexto siciliano, Karaka- sidou firma os seus interesses também num pro- cesso – muito bem sucedido, aliás – de “cons- trução” de cultura nacional. Assim, temos um trabalho que se situa numa área de interesses ainda relativamente recente. Anote-se que a au- tora cita mais frequentemente E. Gellner do que B. Anderson como referência teórica importante. Sugiro, aliás, que a leitura cruzada mais escla- recedora do sentido das polémicas que marcam a vida desta monografia pode ser encontrada num título também recente, servido sensivelmente pelas mesmas referências teóricas. Falo do livro de Loring M. Danforth The Macedonian Conflict: Ethnic Nationalism in a Transnational World – Princeton University Press, 1995 –, onde o autor expõe a vivacidade das disputas de identificação étnica e nacional vividas por emigrantes originários da Macedónia na Austrália. Seria suficientemente original e interessante como proposta de trabalho o conjunto de inter- rogações que A. Karakasidou se propunha eluci- dar no começo do seu trabalho – sumariamente, perceber como a partir do ínicio dos anos 20, na sequência da Guerra Greco-Turca, os refugiados de origem grega oriundos de várias zonas que fazem parte da Turquia actual tinham aprendido a ser cidadãos gregos, a par dos habitantes ori- ginais das zonas onde reiniciaram as suas vidas, depois do processo de “limpeza étnica” então acordado entre ambos os estados. Estas questões tinham para a autora um fundamento autobio- gráfico significativo, na medida em que o seu pai – turco-falante, cristão-ortodoxo, oriundo da Ca- padócia – fora um dos refugiados (prosfighes) daquela guerra, enquanto a mãe era uma “local” (dopy), oriunda de Tessalónica. A familiarização com o terreno trouxe algo de muito mais interessante – e definitivamente mais polémico e incómodo para muitos –, na medida em que a autora foi desvendando um quadro muito mais complexo de possibilidades de iden- tificação recentemente apagadas, onde o seu senso comum à partida apenas distinguia a existência de dopy – gregos de sempre, por conseguinte – a que se tinham somado desde a década de 20 os pros- fighes deportados da Turquia. O olhar melhor informado pela investigação de arquivos e me- mórias pessoais deixou distinguida a coexistência prévia e recente de pastores e seareiros eslavos, proprietários seareiros e administradores turco- -falantes, mercadores gregos e judeus, ciganos, pastores valáquios, arménios, entre outros, todos tornados “gregos” num espaço de tempo singu- larmente curto. O contexto tomado para observação foi uma pequena unidade administrativa com três loca- lidades na Macedónia, no Norte da Grécia actual. Ali, com a atenção centrada sobretudo no povoado mais importante, que sediava os arquivos – do munícipio, da escola e da igreja –, a autora do- cumenta as expressões localizadas do processo de “nation building” que se iniciou nos anos de 1870. Nesta vila tiveram expressão muito nítida as disputas de influência dos novos estados emer- gentes, que tentavam expandir as respectivas áreas de influência – Grécia, Bulgária e até mesmo Sérvia. A vila de Guvenza – depois denominada Assiros, em 1927, já então integrada no estado grego – era nos meados do século passado um próspero pólo de rotas de comércio trans- balcânicas, quando decaía o domínio imperial turco nesta área. Nos últimos anos do século XIX competem ali padres, professores e agi- tadores políticos, representando sobretudo os interesses dos estados adjacentes mais direc- tamente envolvidos na partilha dos despojos do império otomano naquela área da Macedó- nia: a Bulgária e a Grécia.
  • 7. Recensões 219 Foram vários os factores que favoreceram gradualmente a predominância local dos agentes nacionalizadores oriundos da Grécia, com os quais se identificaram os interesses de uma elite local de novos terratenentes e comerciantes, de diversas origens, ali gradualmente formada. Esta, na medida dos seus interesses, envolveu-se maio- ritariamente no suporte dos interesses políticos de Atenas e apropriou a nova cultura nacional pro- duzida a partir dali. Com as disputas pela Macedónia de 1902- -1908 – com o seu cortejo de guerrilhas e de ter- ror –, e, sobretudo, quando se consolidaram novas fronteiras no fim das Guerras Bâlcanicas de 1912 e 1913, Guvenza pôde passar a ser pensada como localidade “grega”, habitada por “gregos”. Como a autora aclara, foi por intermédio de vários meios como a acção da escola, do exército, da política municipal – e também por intermédio de repres- sões sempre mais ou menos cruas exercidas pelas elite política local discricionariamente nas épocas de maior repressão e miséria no século XX – que a identidade dos seus habitantes enquanto “gre- gos” pôde tornar-se um lugar comum partilhado, um facto “natural” justificado por enunciados acrónicos de uma história também ela estrita- mente nacionalizada. Rasuraram-se outras possi- bilidades de identificação que até então tinham sido possíveis. É esta história de aprendizagens ora forçadas ora de bom-grado que a autora traz até aos nossos dias, acendendo de passagem polémicas muito virulentas. Este é um texto de escrita tensa, em que a exposição das linhas de argumento mais im- portantes mantém, a maior parte do tempo, um registo denunciador dos processos de encultu- ração nacionalizadora conduzidos pelas elites locais. Não é significativa a simpatia pelos inter- venientes ou pelos seus descendentes, forma de aproximação que também podia ter sido percor- rida. Assim, porque se demonstra pouca fami- liaridade com as perspectivas dos habitantes locais mais activos no processo de “nation building” e também pouco empenho na descrição da cultura hoje partilhada nesta localidade – contrapartida do fascínio sentido pelo cosmopolitismo do sé- culo passado, sucessivamente expresso –, faltam a Fields of Wheat alguns dos ingredientes que nos habituámos a prezar nas melhores etnografias. O destino polémico deste trabalho torna-o inevitavelmente simpático. Na minha opinião, é importante pela solidez do argumento e pelas possibilidades comparativas que suscita. É exem- plar também na sugestão de perigos do trabalho antropológico, para além da malária ou dos desconfortos das velhas epopeias da antropologia imperial. Assim, por estas duas razões, pode já ser tomado como um trabalho de referência no âm- bito dos estudos de “nation-building”. António Medeiros Departamento de Antropologia do ISCTE Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE) JOSÉ LUIS GARCÍA PRÁCTICAS PATERNALISTAS: UN ESTUDIO ANTROPOLÓGICO SOBRE LOS MINEROS ASTURIANOS Ariel, Barcelona, 1996. José Luis García es catedrático de Antropología Social en la Universidad Complutense de Madrid y coordina un proyecto de investigación sobre seis zonas mineras españolas, cada una de las cuales es estudiada por otros tantos antropólogos espa- ñoles (todos ellos participan en el monográfico “La Minería y sus Contextos Sociales” de la revista Antropología, 13, Madrid, 1997). Su propio ámbito de trabajo de campo es, desde hace años, Asturias, región minera del norte de España, en donde se halla situada también la cuenca del valle de Aller, analizada en la obra que comentamos. Dicho valle fue explotado para la extración de carbón por la Sociedad Minera Española desde finales del siglo pasado hasta 1967. El segundo Marqués de Comil- las, que heredó de su padre esta empresa, muerto poco después de comprarla, ejerció un paterna- lismo integral que ha sido considerado como un caso único y al que tradicionalmente se ha atri- buido la evolución diferencial de este valle con relación a las otras cuencas asturianas, reflejada, entre otros aspectos, en la escasa politización de sus mineros. Frente a este planteamiento, J. L. Gar- cía sostendrá en esta obra que el paternalismo tiene siempre un contexto que lo hace posible y más allá del cual resulta inviable. El paternalismo puede ser considerado como toda una filosofía orientadora de la práctica de las empresas que, en el contexto del despegue in- dustrial, debieron atraer y preparar como mano de
  • 8. 220 obra productiva a una población de procedencia rural. La esencia de esta filosofía radica en pre- sentar las relaciones mercantiles entre patronos y obreros, que persiguen en realidad la maximi- zación del beneficio, como relaciones familiares orientadas por la reciprocidad. El interés de este trabajo, como aportación antropológica concreta al estudio de este problema general, que puede atraer a especialistas y lectores diversos, consiste precisamente en que desvela con rigor y claridad las condiciones que hicieron posible esta práctica empresarial y que, en este caso concreto, según la tesis que defenderá el autor, radican en las estructuras agrícolas previas con las que se articuló y coexistió, de modo peculiar, la industrialización. Dicha tesis posee además un interés más amplio para la teoría social en general, en lo que se refiere al problema de la conceptualización de las relaciones entre la acción social y la estructura y sus papeles respectivos en la transformación de la sociedad. La obra es una muestra excelente del pro- ceder propio de la antropología socio-cultural y de su mirada multidimensional y microanalítica. El autor combina, en este sentido, un profundo conocimiento del presente, en el que aún son observables las huellas y consecuencias de esta peculiar industrialización, con un estudio por- menorizado del pasado. Si el primero se fun- damenta en el prolongado trabajo de campo realizado en la zona en diferentes épocas – en el que ha basado otros trabajos anteriores como su Antropología del Territorio (1976) –, el segundo ha sido posible por el análisis de la amplia y por- menorizada documentación del archivo de la empresa, verdaderamente sorprendente por la cantidad de observaciones y detalles que recoge, en los que puede observarse innumerables as- pectos de la vida cotidiana y las relaciones que la empresa mantenía con el entorno. La estructura del trabajo, dividido en dos partes que articulan los diferentes capítulos, refleja la claridad y coherencia del argumento. En la primera parte, titulada “El Contexto Social del Paternalismo”, se analizan las condiciones del valle de Aller que, a diferencia de otras cuencas asturianas, propiciaron aquí la continuidad de las estructuras agrícolas. Se estudian con deteni- miento cuales son esas estructuras, mostrando cómo actuaron como condicionantes de la minería, pero también cómo ella misma supo utilizarlas como recurso para realizar sus objetivos em- presariales. Así la eficacia de la política del Mar- qués de Comillas se pone en conexión con di- ferentes factores del contexto, sin ir más lejos, con la propia configuración geográfica del valle, cuya angostura impidió el crecimiento urbano y la formación de núcleos concentrados como los que se desarrollaron en Mieres o Langreo. Desde los primeros momentos de la industrialización, el minero de Aller será un minero mixto, que man- tiene su explotación agrícola-ganadera viendo la mina como un recurso para el acceso a la pro- piedad de la tierra y ocupando un lugar sub- sidiario y complementario en su economía. Muy ilustrativos del planteamiento de esta primera parte son los capítulos dedicados a la construcción del espacio minero, en los que el autor nos muestra, una vez más, su profundo conocimiento de las claves interpretativas del espacio como realidad social y cultural. Se nos explica cómo, por una parte, la empresa se en- contró con dificultades estructurales insalvables que le impidieron construir, tal y como pretendía, un concejo minero, concebido como un espacio propio en el que desplegar la planificación empresarial y ejercer el poder sin las cortapisas de la legislación municipal y el criterio de autori- dades de los tres ayuntamientos en los que se ubicaban las minas. La empresa consiguió, sin embargo, este objetivo a través de acciones que no estaban, en principio directamente orientadas hacia él, y que de acuerdo con la perspectiva teórica que defiende el autor, deben verse como resultado de las consecuencias inintencionales y sistémicas del marco estructural en el que tienen lugar dichas acciones. La creación de servicios como los economatos, las escuelas, la financiación y organización de servicios médicos y religiosos (véase la promoción que se lleva a cabo de fes- tividad de Sta. Bárbara, patrona de la minería), se reveló como una forma eficaz de controlar el coto minero y de crear un verdadero espacio industrial superpuesto a las divisiones administrativas de las que dependía y sobre el que se produce también la idenficación de los trabajadores con la empresa, más allá del ámbito estrictamente laboral. A través de estos servicios, la empresa está presente y supervisa innumerables aspectos la vida cotidiana y de la interacción social. Esta conexión entre lo cotidiano y lo laboral tiene su máxima expresión en la creación del poblado
  • 9. Recensões 221 minero de Bustiello. Como sucede con los otros servicios, lo que se presentaba como un don desinteresado de la empresa, ocultaba en realidad la intención de controlar y, en este caso, de atajar eficazmente algunos de los problemas endémicos de la minería, como eran las tabernas, la pretendida “indolencia”, o los conflictos entre los trabajadores y la empresa. El “poblado pater- nalista” concentra al trabajador en un espacio estructurado orientado a dirigir todas sus ac- ciones: la iglesia para las actividades religiosas, el casino para el ocio bien entendido, el local para las reuniones de los círculos católicos, la Chavola de San Martín para la matanza del cerdo que junto con el pequeño huerto contribuyen a la obtención de complementos económicos que frenen las reivindicaciones salariales. Los diferentes esta- mentos de la empresa se plasman en la utilización de zonas diferentes y en la ubicación de las viviendas. La estructuración de este espacio es la expresión misma de la ideología paternalista y de su concepción de la empresa como una gran familia unida por los mismos intereses. Pero la eficacia de todos estos servicios no reside sólo en el control directo que permiten ejercer sobre la vida de los obreros, sino también y de modo fundamental, por su contribución decisiva a la creación de “una imagen de la empresa” que determina la relación con el obrero. Este es, en el argumento del autor, uno de las notas esenciales de la filosofía empresarial pa- ternalista y de sus prácticas: presentar como don lo que está en realidad movido por un interés. El valor expresivo de este juego radica en que permite reclamar en justa reciprocidad, el apro- piado comportamiento por parte de sus obreros. La reciprocidad y su peculiar lenguaje es el ele- mento clave del sistema de relaciones sociales del mundo campesino en el que viene a insertarse el paternalismo de la empresa. El análisis de la importancia de la reci- procidad y de la construcción de la buena imagen empresarial aparece analizado sobre todo en la segunda parte, que lleva por título “Prácticas Paternalistas”. El núcleo central de éstas prácticas consiste, según el autor, en conseguir que la economía empresarial, basada necesariamente en el intercambio, se articule con otras formas económicas características de sistemas no mer- cantiles, como la reciprocidad y la redistribución, y rentabilizar éstas para la obtención del máximo beneficio empresarial. Prestaciones sociales crea- das por la empresa con la intención proclamada de asistir al trabajador, como son por ejemplo la “caja de retiros” y la “caja de socorros”, son ana- lizadas por J. L. García como manifestaciones de las formas económicas que representan la reciprocidad y la redistribución respectivamente, a través de las cuales se consiguen objetivos fundamentales para el rendimiento laboral y de este modo, la ganancia económica. La discre- cionalidad con que operaba la empresa en la concesión de estas prestaciones, las condiciones que se imponían de buen comportamiento y la vinculación del trabajador y de su familia con la empresa que se logra por medio de ellas, con- vierten a éstas prestaciones en instrumentos para conseguir obreros preparados para rendir al máximo en el trabajo. Sin embargo, no siempre es fácil para la empresa conseguir que sus acciones sean inter- pretadas en clave de generosidad. En algunos casos se trata de comportamientos en los que se hace claramente visible el puro interés empre- sarial. Así el incumplimiento de las medidas para evitar la enfermedad conocida como “anemia del minero”, es un claro ejemplo de actuaciones en las que la empresa ve deteriorarse su imagen a fuerza de las contradicciones que se introducen con las intenciones proclamadas. La especialización del autor en los ámbitos de la antropología simbólica y cognitiva – para los que la obra es también una valiosa aportación – le permiten mostrarnos con maestría como se com- plementan las dimensiones cognitivas y sim- bólicas del conocimiento en la construcción de la imagen de la empresa y su aceptación social. La evocación simbólica y la referencialidad cognitiva deben estudiarse, según este planteamiento, en el contexto de la realidad social concreta. La pro- ducción de un tipo o otro de discursos, así como la posibilidad de que el actor social se deje orientar por ellos, ha de verse con relación a los intereses que entren en juego en un momento determinado. En el último capítulo, titulado “Las Cuentas del Paternalismo”, las tres etapas que pueden ser diferenciadas según la intensidad con la que la Sociedad Ullera Española ejerció su paternalismo, se ponen en correspondencia los distintos ava- tares por los que atravesó el comercio interna- cional del carbón entre los años 1875 a 1925 y las
  • 10. 222 posibilidades o no de dar salida a la producción. La perfecta demostración del interés mercantil que orienta al paternalismo, basada en datos econó- micos verdaderamente sorprendentes, es casi un golpe de efecto final que no deberá hacer olvidar al lector el eje central de la obra, el estudio de las condiciones de posibilidad de esta filosofía em- presarial y los instrumentos de los que se vale. Nieves Herrero Departamento de Filosofía e Antropoloxía Social de la Universidad de Santiago de Compostela GRAÇA ÍNDIAS CORDEIRO UM LUGAR NA CIDADE: QUOTIDIANO, MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO NO BAIRRO DA BICA Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997. Pode comentar-se um livro com outro livro? Ou com uma passagem dele? É o que acontece neste caso. Por coincidência – mas nunca se saberá bem decifrar os encadeamentos subjacentes a estas coincidências sociais e pessoais –, no mesmo ano em que se editava o primeiro livro de Graça Índias Cordeiro, o consagrado escritor José Cardoso Pires publicava um testemunho muito pessoal das suas deambulações por Lisboa, da sua visão da cidade e do seu afecto por ela. Diz José Cardoso Pires: “Mas ninguém poderá conhecer uma cidade se não souber interrogar, interrogando-se a si mes- mo” (Lisboa, Livro de Bordo. Vozes, Olhares, Me- morações, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997, p. 11). A antropóloga Graça Índias Cordeiro soube fazer as duas coisas. É o que se impõe desde logo testemunhar acerca de uma obra importante no panorama da investigação em ciências sociais desenvolvida nos últimos anos em Portugal. A investigação realizada, com efeito, é porme- norizada, cuidadosa, lúcida quanto às dificul- dades encontradas, persistente na recolha de informação e no respectivo exame, refrescante- mente audaciosa na convocação de todas as dimensões de análise e na mobilização de todas as técnicas de investigação que lhe pareceram per- tinentes em função do tema e do objecto, exemplar na explicitação das dúvidas, permanentemente auto-reflexiva. Num certo sentido, a última coisa de que um livro precisa é que se diga o que ele diz. Precisa, sim, de ser lido, discutido, analisado. Pode in- dicar-se, entretanto, de forma muito sumária, que a investigação antropológica expressa nesta obra, na qual Graça Índias Cordeiro retoma a parte principal da sua tese de doutoramento, tomou como terreno de pesquisa e horizonte de obser- vação o bairro da Bica, em Lisboa. A autora enquadra-o na história dos bairros da capital, localiza-lhe a inserção sócio-espacial, analisa em profundidade os processos da sua construção social enquanto “bairro típico”. Do elenco de questões que o texto aborda destacam-se as li- gadas à problematização dos limites de iden- tificação do bairro e das suas subdivisões, à investigação dos trajectos migrantes e das redes sociais da população ali residente, à análise dos contextos e das práticas de sociabilidade locais, culminando, como chave de decifração, nas questões implicadas no exame das festas e das marchas populares que o bairro organiza e que, de maneira privilegiada, o constroem, perante a cidade e perante si próprio, como bairro sin- gular. Mas mais importante do que referir o que o livro diz será, porventura, acrescentar algumas linhas sobre como o faz, e sobre o que representa do ponto de vista das ciências sociais. Alinham-se, de seguida, alguns breves apontamentos a este respeito. Como salienta no prefácio o antropólogo catalão Joan Pujadas, é o primeiro trabalho de fundo de antropologia urbana, na sua acepção contemporânea, publicado em Portugal. O in- vestimento científico da autora na constituição e consolidação desta área entre nós tem, por si só, enorme importância, e o presente trabalho cons- titui o seu marco principal. Sendo um trabalho minucioso sobre o bairro – ou melhor, sobre um conjunto de aspectos nele observáveis, como os acima assinalados –, Graça Índias Cordeiro tem a preocupação permanente em abordá-lo enquadrado no tempo e no espaço. Um dos exemplos mais importantes é a atenção prestada à história das marchas populares de Lisboa. Aliás, para além do lugar crucial que tem na análise do bairro, o assunto foi desenvolvido pela autora em termos mais gerais na sua tese de doutoramento, aspecto não incluído na presente obra, afigurando-se de todo em todo desejável poder-se contar, para breve, com uma publicação autónoma acerca dele.
  • 11. Recensões 223 Mas poderiam referir-se, ainda a propósito desta preocupação de não confinamento iso- lacionista do objecto de estudo e do terreno de observação, outros aspectos, como o processo de sucessão de gerações, com os seus percursos migratórios e o estabelecimento dos seus laços sociais, ou como a constituição da cidade, no seu todo, como quadro social, como sistema de redes e dinâmicas sociais, bem assim como espaço de representação de identidades bairristas. Sublinhe- -se que a antropóloga desenvolve em simultâneo dois esforços integrados: entra a fundo no íntimo do bairro, das suas relações sociais, das suas formas culturais, do quotidiano das pessoas que ali habitam; mas, ao mesmo tempo, ciente de que não vivem ali numa redoma, procurou romper com concepções de isolamento que não têm con- trapartida efectiva em (erradamente supostos) isolamentos sociais. O livro em apreço é uma obra assumida- mente oriunda das ciências sociais. Trata-se, antes de mais, de uma análise científica – expressão sujeita a ambiguidades e más interpretações, e até ultimamente causadora de um certo mal-estar entre alguns dos que, por outro lado, não hesitam em inserir-se no âmbito institucional da sua prática. O trabalho de Graça Índias Cordeiro apresenta, no entanto, sem complexos, os dois atributos principais que, conjugados, melhor per- mitem classificá-lo como tal. Procura conhecer de maneira sistemática, profunda, sujeitando aquilo que diz a um duplo filtro: o da teoria (presente na bibliografia de referência antropológica, e não só) e o da observação (minuciosa, cuidadosa, tão completa quanto possível, trabalhando com mé- todos aferidos). Tudo isto com grande profis- sionalismo, num registo onde estão ausentes as certezas vagas, apriorísticas ou doutrinárias, mas em que, pelo contrário, se cultiva a capacidade de diálogo com o que de mais interessante se fez e se faz nas ciências sociais. Na procura de desenvolver a análise e com- preender o seu objecto, a autora não se deixa intimidar por fronteiras do saber preestabele- cidas, muitas vezes com fundamentos mais ins- titucionais do que cognitivos. Recorre a contri- butos da sua área científica, a antropologia, mas também de outras, sobretudo da história e da sociologia. Sem perder especificidade disciplinar, consegue enriquecer a análise com esses con- tributos, trabalhados, aliás, com grande mestria. Também no plano das técnicas de investigação isso se passa. É assim que, para além da obser- vação etnográfica, no contexto do bairro, pratica, por exemplo, a análise documental de jornais (em especial para o estudo das marchas populares), ou a pesquisa de registos de nascimento e baptismo ou, ainda, a análise sociográfica dos recensea- mentos gerais da população (num caso e noutro, para reconstruir as redes sociais constituídas no bairro e as trajectórias sociais que a elas condu- ziram). Um último traço em que o posicionamento analítico e pessoal de Graça Índias Cordeiro bem se exprime – e que faz jus ao título da colecção que agora publica o seu trabalho, a colecção “Por- tugal de Perto”, dirigida por Joaquim Pais de Brito – é a forma como se aproxima das pessoas da Bica, como as observa de perto, como dialoga com elas e, ainda, como repetidamente lhes dá voz, na melhor tradição das ciências sociais. Tradição essa em que se sabe que o universo social é atra- vessado por múltiplas desigualdades e que não é incompatível com a procura de rigor analítico o respeito profundo pelas pessoas com que se contacta no estudo dos fenómenos sociais e a preocupação de contribuir para repor nalguma medida, mesmo que limitada e parcial, o balanço das falas e dos silêncios. Contribui-se assim – é também o que este livro faz – para o diálogo alargado entre pessoas, grupos sociais e formas de cultura. António Firmino da Costa Departamento de Sociologia do ISCTE Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ISCTE) BENJAMIM PEREIRA TECNOLOGIA TRADICIONAL DO AZEITE EM PORTUGAL Idanha-a-Nova, Centro Cultural Raiano, 1997. No pequeno texto de abertura da Alfaia Agrícola Portuguesa, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira explicam que não abordavam ali “o estudo de certas actividades também ligadas à vida agrícola – o vinho, o azeite, o leite, a cortiça, o figo, a amêndoa, etc. – já porque, sendo de natureza especial [tencionavam] tratá-los isoladamente, já porque, relativamente a
  • 12. 224 algumas delas, prevalecem aspectos técnicos da transformação” (1983 [1977]: 7). O azeite estava assim previsto como objecto de um estudo isolado, à semelhança de outras monografias entretanto realizadas, e de que são exemplos Os Sistemas de Moagem (1965-1983), as Construções Primitivas (1969), as Actividades Agro- -Marítimas (1975) e o Linho (1978), para só referir algumas das que têm Benjamim Pereira como co-autor, mas às quais haveria de adicionar-se – até pelo facto de serem de autoria exclusiva de Benjamim Pereira – a série de estudos dedicados aos têxteis, publicados entre 1960 e 1985, os de- dicados a máscaras, publicados entre 1973 e 1986, e ainda o livro sobre serração das madeiras, em 1970. É pois nesta sequência que surge em 1998, apesar de editado desde 1997, esta Tecnologia Tradicional do Azeite em Portugal. A leitura deste que é o mais recente trabalho de Benjamim Pereira obriga desde logo a con- siderar o duplo plano em que a obra se situa. Dado como catálogo de um núcleo museológico, ele ultrapassa essa função circunstancial, consis- tindo principalmente na concretização de um projecto anterior do Centro de Estudos de Etno- logia (CEE). Mesmo na sua função de catálogo, ele é-o para “um museu que não é museu”, nas palavras do prefácio de Joaquim Pais de Brito, já que se reporta ao núcleo de Proença-a-Nova do Centro Cultural Raiano, conjunto cujas funções, programa e vocação ultrapassam os objectivos habitualmente mais restritos de um museu. Por outro lado, enquanto concretização de um programa de etnografia sistemática de uma tecnologia tradicional, este trabalho, seja pela natureza própria que a história do azeite e da oliveira lhe inculcaram, seja pelas circunstâncias em que os trabalhos de campo foram realizados, desdobra-se sobretudo na região da Beira Baixa, justificando desse modo o contexto editorial que de algum modo também ultrapassa. O livro abre com um breve enquadramento histórico da progressão e do declínio da oliveira em Portugal, passando logo à descrição dos pro- cessos de apanha e entulhamento da azeitona, com particular atenção às implicações sociais e cerimoniais que envolviam, desde as migrações internas que induziam, até à própria vida desses ranchos, pelos olivais, aos momentos festivos da safra e ao jogo de relacionamentos e interdepen- dências que marcavam com os proprietários e que envolviam direitos e obrigações como o acesso ao “rabisco”, as refeições cerimoniais ou outras pres- tações ainda em alimentos ou serviços. O livro prossegue pela ordem própria do processo de fabrico do azeite, acompanhando os sucessivos elementos técnicos envolvidos: pios, galgas e os seus processos de accionamento, sistema de pren- sagem, processos de decantação e utensílios im- plicados, como seiras e caldeiras. Segue-se então o “Fabrico de Azeite”, capí- tulo axial de todo o livro. Nele encontramos intimamente entrosada a descrição técnica do fun- cionamento dos mecanismos com a das “técnicas de corpo” que envolvem, remetendo para as di- mensões práticas deste fabrico, mas também para as suas dimensões económicas, políticas, histó- ricas, ecológicas, comparando diferenças e seme- lhanças que se estendem de Arcos de Valdevez à Serra do Caldeirão. Por fim, depois de se recuperar de um texto anterior os aspectos centrais do significado socio- lógico e humano do trabalho dos lagares, no- meadamente o dos barrosões no Alentejo, e enquanto se vai referindo os regimes jurídicos da gestão dos lagares, o capítulo aponta (p. 124) a importância de um factor como o “gosto” na explicação da persistência de processos arcaicos de extracção, sempre muito censurados e nunca com- pletamente explicáveis pelos constrangimentos sociais e jurídicos que se impuseram historica- mente aos lagares. Adiciona-se ainda um capítulo registando as memórias de oito pessoas que, em diferentes posições, trabalharam em lagares do concelho de Idanha-a-Nova, concluindo-se com uma descrição dos dois lagares que integram o Centro Cultural Raiano. Em epílogo, o texto de Benjamim Pereira re- toma a reflexão e o sentido interpretativo para que ao longo de toda a obra a sua etnografia foi apontando. Mais do que a exacta compreensão das técnicas, neste livro temos a experiência vivida delas, questionada tanto quanto a implicação humana e a sensibilidade poética permitem explo- rar numa etnografia. Os objectos surgem com rostos e nomes agarrados a eles, vivem em me- mórias pessoais e não apenas no anonimato das taxionomias, e interpelam não só as diversidades do território por onde se distribuem, mas também o frágil universo dos valores tácitos em que as vidas humanas fazem socialmente sentido. Nele é
  • 13. Recensões 225 possível aperceber a longa afinação de um método de trabalho e de uma maneira de construir os objectos científicos e o seu enquadramento his- tórico e sócio-económico, sem prejuízo de um olhar próprio, a um tempo rigoroso e poético, atento à profusa variedade dos detalhes, cuidando da autonomia do registo fotográfico e desenhado, e apurando uma sensibilidade antropológica que o leva a visar sempre o sentido humano das experiências materializadas nos objectos, nas suas marcas físicas e nas memórias que desfiam. Esta dimensão, que atravessa todo o texto, dá um brilho muito particular a este livro e chama a atenção para as notáveis fotografias e desenhos que o integram. A tradicional riqueza gráfica dos trabalhos da equipa do CEE habituou a tomar os desenhos de Fernando Galhano e as fotografias de Benjamim Pereira como registos de exactidão e sentido próprios em relação aos textos, de que não são simples ilustração apenas. Aqui, a notável colecção fotográfica e de de- senhos, agora reunindo outros autores, como Luís Pavão na fotografia, Manuela Costa e Paulo Longo no desenho, contribui muito para elucidar os sistemas mecânicos, e sobretudo para traduzir essa experiência humana do ambiente denso dos lagares. O livro está construído em diálogo perma- nente entre ambos os registos – o da escrita e o da imagem –, e só é pena faltar-lhe mapas e um índice remissivo que ajude a avaliar a dimensão comparativa e territorial de um trabalho que re- mete para outros levantamentos cartografados e para um longo processo de recolhas e observações. Todavia, se este livro é situável numa se- quência, a sua ocasião não deve ser tomada nem como um atraso, nem como um anacronismo. As técnicas de prensagem (seja para vinho, azeite ou cera), como notou Charles Parain (Outils, Ethnies et Developpement Historique, 1979 [1962]: 265), não mereceram tantas atenções dos investigadores como o arado ou a charrua, apesar de – ou por causa de – terem a sua história tão intimamente ligada a contextos económicos e sociais complexos (ibidem: 281). Particularmente no caso das prensas de azeite, as dificuldades de sistematização geográ- fica, histórica e agronómica agravam-se. Podendo encontrar-se-lhe referências recuáveis a Fenícios e Cartaginenses (p. 13), o azeite marcou a paisagem portuguesa de forma geral no território só a partir do séc. XVIII, altura em que transpõe expres- sivamente limites ecológicos e sócio-económicos que lhe confinavam a cultura ao Centro e a partes do Sul. E já hoje relança-se numa imagem de produto de excelências e de raridades. O azeite releva de escalas económicas muito díspares, indo do fabrico manual doméstico, tal como é atestado para a serra algarvia, até ao afrontamento entre sectores da indústria agro- alimentar internacional com reflexos directos, imediatos quase, na vida de cada produtor in- dividual. Foi, até há poucas décadas, um recurso indispensável à manutenção da vida doméstica, fosse como alimento, conservante, combustível, remédio, cosmético, quase moeda, símbolo chave de representações do sagrado, sem contar com as utilidades dos seus subprodutos para saboaria, alimentação de gado ou adubo. Ao mesmo tempo, foi questão de Estado, alvo de estratégias de alcance fiscal, factor de atrito entre poderes sociais e grande mobilizador de migrações internas. Foi também motivo de desentendimentos e perplexidade. A sua produção, supondo uma aplicada sequência de soluções técnicas racio- nalmente exigentes, surpreendia sempre pelo absurdo da sua realidade: não haverá produção chave de sociedade rural que tenha sido tão espantosamente repreendida nos seus modos e tão persistentemente relutante à sua respectiva cor- recção (cf. Maria Carlos Radich, Agronomia no Portugal Oitocentista, 1996). A duração do arcaísmo técnico desencadeia questões clássicas. Que cálculos sustentaram tanto tempo a manutenção de tantos lagares? A lógica da pequena agricultura familiar, da pulverização do minifúndio, da pressão sobre os rendimentos marginais das casas, não pode deixar de explicar genericamente a correspondência entre o facto de “...40% do património olivícola se encontrar sob a forma de oliveiras dispersas” (Fernando O. Bap- tista, A Política Agrária do Estado Novo, 1993: 256) e de ser em regiões mais defendidas na exploração familiar que se encontram as referências etno- gráficas mais ricas. É esta multidão de oliveiras, a que se não dedicam mais do que cuidados mínimos, custando esforços redobrados na apa- nha, dando rendimentos incertos e baixos, que alimentou tantos lagares tradicionais e que pro- duziu o pequeno azeite para a casa, o qual, sem vagar para as demoras burocráticas dos benefícios
  • 14. 226 estatais ou cooperativos, era logo vendido ao preço do primeiro comprador à porta. Mas não bastará a clássica conexão entre forças produtivas e relações de produção para esgotar a compreensão do universo de existência destes lagares, e menos ainda supostos apegos à tradição. Algo como os “perfis étnicos especí- ficos”, de que fala Parain, tornam-se indispen- sáveis à compreensão da complexidade de factos que a etnografia regista (Antoine Casanova, in Parain, Outils, Ethnies et Developpement Historique, 1979: 14). As memórias pessoais que Benjamim Pereira relata (pp. 128-134) permitem que o leitor tenha acesso às existências humanas onde os objectos faziam sentido. Estas, apesar do papel fundamental que desempenhavam na construção etnográfica, raramente eram reveladas nos traba- lhos anteriores do CEE, fosse por um escrúpulo de exactidão que pudessem embaraçar, fosse como preço de um distanciamento face ao ruralismo piegas ou místico da literatura naturalista. Neste trabalho, o testemunho poético vem ajudar a concretizar os tais “perfis étnicos específicos” de Parain. Não foi assim a “inércia tecnológica ou au- sência de sentido quantificativo da sociedade rural” que assegurou o “predomínio [das técnicas tradicionais de prensagem] sobre as mecânicas até aos anos 50”, mas sim um “conceito de vida e de produtividade que tinha as suas lógicas próprias” (p. 156). Ora, precisamente, o livro de Benjamim Pe- reira entrega-nos mais do que a síntese dos enquadramentos históricos, sociais e económicos, e mais do que a rigorosa descrição dos sistemas mecânicos dos lagares. Entrega-nos uma com- preensão de múltiplos aspectos desse “conceito de vida e de produtividade” que se “apaga discreta e inexoravelmente” (p. 153), deixando claramente apontado o objecto humano que é chave da compreensão do absurdo residual que parece sobrar sempre, uma vez feita a inspecção racional – seja do sistema produtivo que converge nos lagares toscos e arcaicos, seja das obstinadas pre- ferências de gosto no azeite, seja da persistência de efeitos que produz o ambiente, a um tempo repulsivo e cativante, dos velhos lagares que de- saparecem. Esse objecto humano que se revela na tão castigada abjecção dos lagares, como “ver- dadeiros antros, infectos e imundos” (p. 153) na sua escuridão; nas exalações escaldantes dos cal- deiros e enceiramentos; na promiscuidade que avizinha os animais de tracção ao extracto su- perlativo que era o azeite; nos corpos suados e esforçados; na untuosidade e no ranço imiscuídos em tudo. E também nas expectativas suspensas sobre a funda da azeitona, a competência do mestre, as suspeitas e as solidariedades que fa- ziam desconfiar dos “infernos”, para onde se escoaria talvez mais do que a água ruça, ao mes- mo tempo que se procurava na partilha comensal conquistar equilíbrios onde as posições estraté- gicas estavam tão diferenciadas. Ainda aquele que se revela nas funções que as aparentes disfunções sociais cumpriam em meios restritos onde todos permaneciam à vista de todos e a fome, fosse a própria ou a alheia, era sempre um perigo. Assim, o rabisco da azeitona, a redecantação das águas ruças, a refunda do bagaço, iam deixando folgas para algum acesso de todos ao condimento, ao meio de pagamento de uma renda, à própria luz de uma candeia em casa. Em cifra de todo este universo a que o livro de Benjamim Pereira nos dá acesso, fica a im- precisável qualidade do sabor de cada azeite, que opunha às preferências de norma pela “finura” e baixa acidez as preferências tradicionais por um azeite saboroso, mesmo que grosso, independen- temente do seu grau, tal como saía destes lagares. Aquele que, provado com a ponta do dedo, fe- chava no seu paladar o círculo de identidades onde oliveiras, gentes ou lagares encontravam mundo, sentido e nome próprio. Pedro Prista Departamento de Antropologia do ISCTE Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTE)