SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 9
Baixar para ler offline
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
A experiência da esperança: um “Golpe na Alma” da intelectualidade brasileira pós 1964.
Dimas Brasileiro Veras*
Resumo: O trabalho tem como objetivo compreender a atuação do Serviço de Extensão
Universitária da Universidade do Recife (SEC/UR) e de seu idealizador, o professor Paulo
Freire, no campo intelectual da cidade do Recife na década de 1960. Foi nestes anos que o
pedagogo e sua equipe desenvolveram seu sistema de alfabetização de jovens e adultos e uma
nova concepção de educação que ficou conhecida como “Sistema Paulo Freire de Educação”.
A realização desse trabalho se tornou possível a partir da leitura do livro de memórias de
Marcius Cortez “O Golpe na Alma”: narrativa que oferece ao leitor importantes
reminiscências para entender atuação intelectual e educacional no Brasil e no Recife, as
relações entre a cidade e a Universidade e a problemática da memória ao lidar com a dolorosa
experiência da ditadura.
Palavras-chave: Paulo Freire, educação popular, Universidade
The experience of hope: a “Coup d Ésprit” in the Brazilian intelect after 1964.
Abstract: This paper aims at understanding the actions of the Serviço de Extensão da
Universidade ( University Extension Service ) of the University of Recife (SER/UR) and its
creator, Professor Paulo Freire, intelectually and educationally in the Recife of the 1960s. It
was these years that the educator and his team developed their alphabetizing the young and
adult and a new conception of education called "Sistema Paulo Freire de Educação". This
paper was brought about by the reading of the book of memories by Marcius Cortez " O
Golpe da Alma": a narrative which offers the reader important reminiscences in order to
understand the intelectual and cultural actions in Brazil and in Recife, the relations between
the city and the university and the problem of dealing with the painful experience of the
dictatorship.
Keywords: Paulo Freire, popular education, University
Onde está o professor Paulo Freire? Em Genebra ou na Guiné-Bissau? Nas ilhas
grego socráticas ou na ilha do Maruim? O que restou? O que restou? O que restou de nossos
círculos de cultura? (7’51’’) (BRITTO, 2002, p. 172). Assim encontramos preso na “Casa
Grande de Detenção da Cultura”, o “Palhaço Degolado” de Jomard Muniz de Britto
(audiovisual produzido em 1976/77 em Pernambuco). O solilóquio é recheado de momentos
de carnavalização e chistes com as engrenagens discursivas legitimadoras da “Cultura
Brasileira” e termina em clima de angústia e solidão (Até quando? Até Quando? A saída?
ATÉ QUANDO? - 8’50’’). A tristeza emerge justamente quando o palhaço percebe estar
vivendo numa realidade completamente diferente da experimentada pelos movimentos sociais
*
Mestrando em História da Universidade Federal de Pernambuco, na Linha de Pesquisa Cultura e Memória do
Norte e Nordeste sob orientação do prof. Dr. Flávio Weinstein Teixeira
1
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
e culturais dos anos que antecederam o golpe militar no Brasil (1950-60). É a memória que
persiste ao esquecimento compulsório, imposto por um estado de exceção.
Por que o “Palhaço Degolado” invoca Freire? Além do trocadilho chistoso entre
Freyre (sociólogo – tradicionalista ao seu modo – alvo das ironias do palhaço) e Freire
(educador – radical ao seu modo – evocado pelo palhaço), o palhaço quer evocar o papel
desempenhado por Paulo Freire no campo de produção cultural e intelectual (BOURDIEU,
2007) da cidade do Recife no inicio da segunda metade do século XX. Este além de ter sido
um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular, idealizou e fundou com o Reitor João
Alfredo o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife (SEC/UR) do qual Jomard
Muniz de Britto (JMB) foi integrante. Desde a criação do SEC em janeiro de 1962 até o
afastamento de Freire e sua equipe em 1964 a instituição promoveu inúmeras atividades de
extensão: palestras, encontros estudantis, diálogo com outras Universidades, a criação da
Rádio Universidade e da revista de cultura Estudos Universitários. No entanto, o foco
principal do SEC era o sistema de alfabetização de Jovens e adultos que terminou conhecido
como “Sistema Paulo Freire de Alfabetização” e uma nova concepção de educação conhecido
como “Sistema Paulo Freire de Educação” (o programa tomou proporções nacionais quando
em 1964 o Ministro da Educação convidou Paulo Freire para desenvolver o Programa
Nacional de Alfabetização) (cf.:CORTEZ, 2008; LIMA, 1981; ROSAS, 2003;). Neste sentido
o lamento do palhaço evoca a experiência de esperança vivida nos círculos de cultura e todas
outras atividades do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife.
A construção desse trabalho é fruto da leitura e discussão do livro de memórias “O
Golpe na Alma” (CORTEZ, 2008), que relata as vivências do jovem Marcius Cortez (na
época com 17 anos) como membro mais jovem do SEC e a dificuldade de viver exilado em
São Paulo nos anos de ditadura militar. É antes de tudo um livro de memórias apontado para o
futuro (por isso não é memorialista) e traz em seu bojo o mal estar e o desejo de superação por
parte de uma geração de intelectuais condenada a anos de cerceamento dos direitos políticos,
sociais e civis:
[...] faço um relato sobre um tempo de qual sou testemunha, um tempo que guarda
em si uma fidelidade inexorável, a de que durante todos os momentos em que ele
aconteceu e que vem acontecendo ao longo dos anos, a fome social do povo
permanece viva em proporções alarmantes. Volto para ver as minhas sombras que
projetadas no chão me servem como guia, mas é para o futuro onde dirijo o meu
foco, é para o futuro que aponto minha arma. (CORTEZ, 2008: 12)
2
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
O relato se faz importante, no que diz da história do SEC/UR, devido à tentativa de
produção de esquecimento, operada pelos militares, que destruiu quase toda documentação da
instituição:
Uma das primeiras iniciativas do Exercito foi invadir a sede do Serviço de Extensão
Cultural (SEC), dirigido por Paulo Freire, na Universidade do Recife, e confiscar
todo material utilizado no programa de alfabetização. (PAGE, 1972 apud LIMA,
1984)
Afirma Cortez:
Documentos, filmes, retratos ou outros registros desse tempo são exíguos porque
logo após o golpe de 64, o prédio do SEC foi ocupado por forças militares que
sumiram com tudo que havia ali. Arquivos e fichários inteiros desapareceram.
(Minha irmã viu na televisão parte desse material enquanto um locutor em off,
ensandecido, dizia que aquilo era altamente subversivo). (CORTEZ, 2008:13).
Para entender “O Golpe na Alma”, em sua complexidade, percorrer a historiografia se
tornou uma necessidade. Em estudos sobre a intelectualidade brasileira Daniel Pecaut (cf.:
PÉCAUT, 1990) nos mostrou como a palavra de ordem dessa geração de intelectuais, do fim
do estado novo à ditadura, era conscientização e participação popular. É dentro deste contexto
que Cortez narra as vivências de um coletivo mergulhado em sua época, fazendo da cultura
ato de coragem, uma busca de aproximação com a realidade, aceitação pelo homem dos
desafios que lhe endereça a existência (Lima in Revista Estudos Universitários, 1962, nº 1, v.
1, p. 5). O debate proposto por Pecaut é extremamente pertinente (ainda que o trabalho esteja
centrado no Rio de Janeiro e São Paulo), na medida em que percebe as movimentações de
várias sociabilidades letradas entre os anos 1930-60, buscando traçar e legitimar seu espaço
político no Estado brasileiro. É o constatar de uma multiplicidade de práticas político-
culturais que permite ao autor perceber uma cultura política que ele chama de “nacional-
popular” nos anos 1955-1964 (idem: 185).
Flávio Weinstein analisa estas transformações do campo cultural/intelectual da cidade
do Recife (entre 1946-64) a partir do Teatro dos Estudantes de Pernambuco e do coletivo de
impressores conhecidos como D’o Gráfico Amador (TEIXEIRA, 2007). Estavam estes
coletivos mais preocupados com a produção cultural e artística, mas muitos de seus
integrantes foram importantes colaboradores do Serviço de Extensão Cultural da UR. No
Recife os intelectuais debruçados na conscientização através da educação e da cultura
estavam circulando principalmente em torno da Ação Católica (e o Movimento de Educação
de Base), do SEC/UR e do Movimento de Cultura Popular (MCP). Segundo Venício Arthur
3
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
de Lima para entender a atuação de Paulo Freire em ambos os movimentos é inevitável passar
por duas importantes forças ideológicas da época: o nacionalismo (do ISEB principalmente) e
o catolicismo radical (Ação Católica, a JUC principalmente). Como uma instituição de
proporção nacional o ISEB estava mais atento para a produção de ideologias e para economia-
política, enquanto que o SEC fazia de seu escopo a cultura e a educação. O ISEB mostrou
para Freire não só a importância de pensar o Brasil a partir do Brasil como também forneceu a
base teórica e léxica para os debates intelectuais da época. Por outro lado a JUC seguindo as
orientações de um dos futuros diretores do SEC, o Padre Almery Bezerra, passou a atuar de
maneira mais incisiva no cenário político nacional, notabilizando a JUC de Pernambucano ao
propor que a mesma tomasse em âmbito nacional um “ideal histórico” (LIMA, 1984:39).
Ideal histórico conceito que no início dos anos sessenta transitaria para o conceito de
consciência histórica: o homem e a cultura como frutos da história assume uma dimensão
transitiva e dinâmica, ou seja, o homem como agente transformador da realidade. A sede da
JUC no Recife era um espaço de vivência constantemente freqüentado por muitos dos que
faziam a Universidade (afinal estavam ambas situadas no Bairro da Boa Vista).
Mesmo com toda influência do ISEB e da JUC, o SEC gozava de autonomia, havia
uma particularidade nos colaboradores do SEC, o que foi chamado na época por Vamireh
Chacon de “heterodoxia” (CHACON In: Estudos Universitários, 1963, nº 3, v. 1, p. 51-58):
Na época, começo da década dos sessenta, circulava um termo interessante,
heterodoxia. E era isso mesmo, como havia muito trabalho, preferimos arregaçar as
mangas, ao invés de ficarmos construindo uma cartilha sectária, amarrada a
qualquer viseira bitoladora.(CORTEZ, 2008: 13)
Como já vimos, “consciência” é um conceito fundamental para entender o coletivo do
qual Cortez compunha. Tornar os indivíduos força de interferência coletiva era o ponto
central das atividades realizadas pelos intelectuais e artistas nesse período. Revelando a
historicidade da cultura e do homem, este perderia sua passividade no mundo e no modo
como o interpreta. Assim o homem assumiria uma transitividade crítica: possibilidade de se
transformar e transformar o mundo: “a fim de contrabalançar a indigência e o marginalismo
da massa: seria um modo de fortalecê-la para um contato devastador com a demagogia
eleitoral (...)” (SCHWARZ, 1978: 285. In: BASUALDO, 2007). O livro “Contradições do
Homem Brasileiro” (1964), de Jomard Muniz de Britto (publicado pouco antes da perseguição
aos integrantes do SEC), nos apresenta um perfil da época que repensa o papel do homem na
sociedade:
4
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
(...) no mundo em comunicação com os outros, existe algo dado, apresentado, um
‘mundo feito’, mas igualmente um mundo por fazer, previsto, antecipado. Nesta
segunda acepção, que inclui a obra especificamente humana, as criações do
homem, o significado do mundo se reveste de historicidade, ele próprio é história,
horizonte de possibilidades humanas. (BRITTO, 1964: 15)
Marcelo Ridenti também levanta uma hipótese que converge com nossa percepção em
torno da temática proposta: “o florescimento cultural e político dos anos de 1960 e início dos
de 1970 na sociedade brasileira pode ser caracterizado como romântico-revolucionário.
Valorizava-se acima de tudo a vontade de transformação (...)” (RIDENTI, 2005: 84). Neste
sentido a cultura e a educação popular seriam os meios de organização dentro dos círculos,
praças e centros de cultura para a “transição”. Espaços de sociabilidade e trocas intensas de
informação, recreação e circulação de material educativo nos bairros distantes e periferias das
regiões em processo de formação crítica. O teatro, rádio, cinema, música, literatura e outras
manifestações culturais, desde que transformadas de “fatores” técnico materiais em “valores”
técnico reflexivos, para democratização da cultura (cf.:BRITTO. In: FÁVERO, 1983: 158),
seriam feitas pelo povo e para o povo (na crença que a sua essência se identificava claramente
com as aspirações deste. Bem como numa suposta homogeneidade do povo). Politizando e
conscientizando vários grupos sociais, o objetivo era fazer da prática cultural um veículo de
“comunicação das consciências” (AP/Cultura Popular. In FÁVERO, 1983) e humanização
coletiva (FÁVERO, 1982: 09).
O clima de esperança ganhava cada vez mais contorno. Transformar a realidade por
meio da educação (esta como mediadora entre cultura e revolução, uma reforma na cultura
nacional) aparecia para esta geração como uma possibilidade viável e concreta, pois o
trabalho se dava pelo viés da conscientização, o que poderia “acelerar a velocidade com que
se transformam os suportes materiais da sociedade (...)” (ESTEVAM. In: Fávero: 1983). O
objetivo final seria o movimento ascensional das massas, obviamente guiadas pelos
intelectuais (“o fato de reivindicarem o domínio do devir social resulta mais do espírito do
Iluminismo do que da vontade de se ter uma ditadura ‘boa’.” – PÉCAUT, 1990: 186), em
direção à conquista do poder na sociedade de classes (ESTEVAM. In: FÁVERO, 1983:
34/35). É este aspeto que separa as práticas do SEC e de outros grupos da época como o
MCP:
Divergíamos quanto a concepção do intelectual. Para o MCP, assim como para o
CPC da UNE, o intelectual era tido como guias das massas. Embora essa
concepção seja entre nós tão velha quanto o positivismo do século XIX, sem dúvida
sua base era a política cultural stalinista. (...) Como eu tinha aprendido, por meus
anos na Espanha franquista, o que significava o dirigismo cultural e como pouco se
5
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
distinguia do fascismo, participei de uma linha de resistência ao dirigismo oba-oba
tanto do MCP, quanto do CPC da UNE. (COSTA LIMA in ZAINDAN e
MACHADO, 2007: 44).
A faceta instrumental da cultura popular nos faz pensar sobre os apontamentos de
Pecaut em relação aos anseios desta geração em implementar um saber-poder: “Fazendo de si
os portadores da verdadeira consciência, a consciência critica, os intelectuais tomam o lugar
que comumente cabe a um líder populista (…)” (PÉCAUT, 1990: 187).
Ao abordar a geração que circulou em torno do SEC e seu diretor, Cortez nos mostra
que o Sistema Freire e as experiências que permitiram sua criação precisam ser abordados
com mais atenção. Há toda uma complexidade nos círculos de cultura e na deshierarquização
da atividade educacional proposta pelo pedagogo impulsionando a experiência para além de
um projeto iluminista (cf.: CORTEZ, 2008; ROSAS, 2003). O caso do SEC talvez precise ser
pensado como movimento inserido numa episteme pós-moderna (sendo apenas possível com
a virada lingüística). Jarbas Maciel em artigo publicado na Estudos Universitários, nos mostra
como esta geração viu surgir, juntamente com o método Paulo Freire de Alfabetização de
adultos, o Sistema Paulo Freire de Educação, fruto das experiências colocadas em prática pelo
SEC e por uma Universidade que se queria popular (MACIEL in Estudos Universitários,
1963, nº 4, v. 1, p. 25-59; “A Universidade do Recife quer educar as massas” JC – 18/11/62,
2º caderno, capa. ). A sociedade, para Paulo Freire, estava num processo de trânsito devido às
experiências sucessivas que possibilitam a ativação do povo no campo educacional e cultural.
Daí a necessidade de se passar por uma “democratização fundamental”, crescente e
irreversível, na melhoria da sociedade, através da presença sólida do povo, alienado da
realidade devido a uma “intrasitividade” ou a uma “transitividade ingênua” (cf.: FREIRE:
2007). A esperança estava na formação urgente da transitividade crítica: sujeito sensível
(porque compreende) e comprometido (porque necessita) com sua história “mediante uma
educação dialogal e ativa” (Idem: 110) que permitiria ao individuo questionar seus problemas
fundamentais e resolvê-los com autonomia. Para Roberto Schuwarz, o Brasil estava
“irreconhecivelmente inteligente”, temperado de metas e realização dos sonhos trazidos pelo
vento pré-revolucionário que lotava os jornais e mídias de “mudanças” sociais como reforma
agrária, agitação camponesa, anti-imperialismo e questionamentos focados na
“descompartimentação da consciência nacional”.
Não é apenas a memória de Cortez e os livros que revelam fios e rastros das intensas
vivências do SEC. A leitura dos jornais da época e da revista de cultura da UR nos mostra que
a Universidade contagiava a cidade com sua euforia. Evidentemente Paulo Freire não
6
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
possuiria fôlego para realizar uma tarefa deste porte sozinho, neste sentido pode sempre
contar com sua equipe da Universidade do Recife (CORTEZ, 2008: 16). Fazer o povo pensar
era uma atitude bastante perigosa, logo em um governo como o de João Goulart conhecido
por sua incompetência e tentativa frustrada de realizar reformas de base, “prato servido” para
os militares disporem de inúmeras justificativas (incompetência administrativa, instabilidade
política, “crescimento” da ameaça comunista, no governo e no meio militar.) para legitimar
um golpe quase sem resistência (SILVA, 2001). O SEC e sua equipe contaram ainda com a
oposição de um importante intelectual e político brasileiro: Gilberto Freyre. Observando os
jornais da época e lendo depoimentos de Costa Lima e do próprio Cortez, fica claro não só a
perseguição política ao coletivo do SEC e a ao Reitor da UR João Alfredo desde 1962 a 1964,
como são muitas as denúncias do “antropólogo dos trópicos” ter delatado aos militares, Costa
Lima e outros integrantes do SEC (ZAINDAN e MACHADO, 2007; CORTEZ, 2008).
A repressão aos grupos de esquerda, intelectuais, movimento estudantil, prisão de
sindicalistas e religiosos marcam o início de uma verdadeira perseguição e cerceamento das
práticas que destoam da organização do governo militar. Ainda que escrito a partir do
presente, “O Golpe na Alma” está carregado dos anseios de uma experiência abortada em sua
gestação. Paulo Freire aparece como dedicado protagonista do relato. Cortez não só mostra o
empenho, do grupo do qual fazia parte, em garantir elementos básicos da cidadania para o
povo brasileiro, como mostra a experiência do horror ao relatar as torturas e censuras que
presenciou na época. O autor faz também, importante denúncia sobre as relações entre a Folha
de São Paulo, a Rede Globo e a ditadura militar. Não deixa de rememorar momentos de
prazer vividos no Rio de Janeiro ao lado de colegas do SEC, Glauber Rocha e Jorge Ben (em
visita do SEC ao Rio), momentos de solidariedade ao esconder em sua casa Eduardo
Coutinho (autor do documentário “Cabra Marcado para Morrer”. O filme começou a ser
gravado em 1964 e devido à repressão apenas foi finalizado em 1984.) e da resistência através
do riso e da esperança, esperança oriunda do presente de onde se inscreve. Tudo isso faz do
livro uma obra mesclada de alegria, dor, amor, esperança, carinho e respeito pelos atores
vivos e mortos nessa luta que foi os anos que seguem a 1964. Violência esta que não abalou o
ensinamento cujo Paulo Freire fazia sua meta fundamental: a esperança, “princípio do qual
não abria mão” (CORTEZ, 2008: 15). A leitura de “O Golpe na Alma” é uma valiosa
oportunidade de se repensar as noções de cultura, educação popular e as ações de resistência
dos movimentos culturais na década de 1960. O texto também fornece elementos para se
pensar às tensões e os medos que povoaram e povoam uma geração de intelectuais reprimida
pela institucionalização da violência e do medo. Não podemos deixar de reverenciar o relato
7
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
de Cortez como uma maravilhosa oportunidade de leitura para aquele leitor mais
descomprometido e pouco preocupado com pesquisa, pois é o relato da experiência da
esperança, do qual todo cidadão brasileiro necessita. Diante da recente erradicação do
analfabetismo na Bolívia, através do método cubano “yo, si puedo” (Eu posso, sim) com
duração de seis meses1
, as perguntas do “Palhaço Degolado” por Freire se mostram
extremamente atual. Com palavras de esperança, Cortez nos faz acreditar, mesmo com todas
as tentativas de imobilização do corpo e da alma brasileira, que devemos cultivar a “semente”
freiriana: plantada com suor e sangue pela “poeticidade pedagogicamente revolucionária em
luta pela transfiguração da cidadania no prazer da felicidadania” (BRITTO, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BERNARDES, Denis. Recife: O caranguejo e o viaduto; Recife: Ed. Universitária, 1996.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas; São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007.
BRITTO, Jomard Muniz de. Contradições do Homem Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições
Tempos Brasileiros, 1964.
_______________________. Atentados Poéticos. Editora Bagaço. Permambuco, 2002.
_______________________. Educação de Adultos e Unificação da Cultura in
______________________. Poeticidade em Paulo Freire. Recife, setembro de 2008.
CORTEZ, Marcius. O Golpe na Alma. São Paulo: Pé-de-chinelo Editorial, 2008. Estudos
Universitários: Revista de Cultura da Universidade do Recife. Volume 1, 2, 3, 4 e 5. Recife,
Universidade do Recife, Imprensa Universitária, 1962-1963.
FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1983.
FREIRE, Paulo. Educação com prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. 30ª
edição.
1
Jornal Brasil de Fato de 25 a 31 de Dezembro p. 12
8
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
9
LIMA, Venício Artur de. Comunicação e Cultura: as idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro:
Ed. Paz e Terra, 1981.
MACIEL, Jarbas. Fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire de Educação in Estudos
Universitários: Revista de Cultura da Universidade do Recife. Volume 4 Recife,
Universidade do Recife, Imprensa Universitária, 1962-1963.
PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil: Entre o povo e a Nação. São Paulo:
Ed. Ática, 1990.
RIDENTI, Marcelo. Artistas e Intelectuais no Brasil pós 1960. Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP, v. 17, n. 1.
ROSAS, Paulo. Papéis avulsos sobre Paulo Freire, 1; Recife: Ed. Universitária da UFPE,
2003.
SCHUWARZ, Roberto. Cultura e Política no Brasil: 1964-1964. In: BASUALDO, Carlos
(Org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira [1967-1972]. São Paulo: Cosac Naify,
2007.
SILVA, Vanderli Maria da. A construção da política cultural no regime militar: concepções,
diretrizes e programas (1974-1978). Universidade de São Paulo (USP). Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2001.
TEIXEIRA, Flavio Weinstein. O movimento e a Linha: presença do Teatro do estudante e
d’O Gráfico amador no Recife (1946 – 1964). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.
ZAIDAN FILHO, Michel e MACHADO, Otávio Luiz (Orgs). Movimento estudantil
brasileiro e a educação superior. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Sergio Buarque de Holanda
Sergio Buarque de HolandaSergio Buarque de Holanda
Sergio Buarque de HolandaJuli Rossi
 
Caio prado jr1
Caio prado jr1Caio prado jr1
Caio prado jr1NESUERJ
 
A sociologia no brasil(1)
A sociologia no brasil(1)A sociologia no brasil(1)
A sociologia no brasil(1)homago
 
Trabalho gilberto freyre ebepe
Trabalho gilberto freyre ebepeTrabalho gilberto freyre ebepe
Trabalho gilberto freyre ebepeshirley cantinho
 
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollanda
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollandaGilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollanda
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollandaJosé Araujo
 
Atividade Sociologia
Atividade Sociologia Atividade Sociologia
Atividade Sociologia Maira Conde
 
O brasil com roberto da matta
O brasil com roberto da mattaO brasil com roberto da matta
O brasil com roberto da mattaAlline Casado
 
Discursos getulio vargas
Discursos   getulio vargasDiscursos   getulio vargas
Discursos getulio vargasDanilo Maxuel
 
Sociologia no brasil e seus principais representantes
Sociologia no brasil e seus principais representantesSociologia no brasil e seus principais representantes
Sociologia no brasil e seus principais representantesedsonfgodoy
 
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique Cardoso
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique CardosoDarcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique Cardoso
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique CardosoCelso Napoleon
 

Mais procurados (20)

Inf historia 8
Inf historia 8Inf historia 8
Inf historia 8
 
Sergio Buarque de Holanda
Sergio Buarque de HolandaSergio Buarque de Holanda
Sergio Buarque de Holanda
 
Caio prado jr1
Caio prado jr1Caio prado jr1
Caio prado jr1
 
A sociologia no brasil(1)
A sociologia no brasil(1)A sociologia no brasil(1)
A sociologia no brasil(1)
 
Monografia Simone Pedagogia 2010
Monografia Simone Pedagogia 2010Monografia Simone Pedagogia 2010
Monografia Simone Pedagogia 2010
 
Trabalho gilberto freyre ebepe
Trabalho gilberto freyre ebepeTrabalho gilberto freyre ebepe
Trabalho gilberto freyre ebepe
 
Ensino de História da África
Ensino de História da ÁfricaEnsino de História da África
Ensino de História da África
 
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollanda
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollandaGilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollanda
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de hollanda
 
Atividade Sociologia
Atividade Sociologia Atividade Sociologia
Atividade Sociologia
 
Sociologia brasileira
Sociologia brasileiraSociologia brasileira
Sociologia brasileira
 
O brasil com roberto da matta
O brasil com roberto da mattaO brasil com roberto da matta
O brasil com roberto da matta
 
Discursos getulio vargas
Discursos   getulio vargasDiscursos   getulio vargas
Discursos getulio vargas
 
Sociologia no brasil e seus principais representantes
Sociologia no brasil e seus principais representantesSociologia no brasil e seus principais representantes
Sociologia no brasil e seus principais representantes
 
Slides semana 5
Slides semana 5Slides semana 5
Slides semana 5
 
Caio prado jr.
Caio prado jr.Caio prado jr.
Caio prado jr.
 
África
ÁfricaÁfrica
África
 
O que faz do brasil, brasil slides
O que faz do brasil, brasil slidesO que faz do brasil, brasil slides
O que faz do brasil, brasil slides
 
Freire paulo.
Freire paulo.Freire paulo.
Freire paulo.
 
[2ºAno] Sociologia Brasileira
[2ºAno] Sociologia Brasileira[2ºAno] Sociologia Brasileira
[2ºAno] Sociologia Brasileira
 
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique Cardoso
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique CardosoDarcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique Cardoso
Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro com a Sociologia de Fernando Henrique Cardoso
 

Destaque

Briefing interactivo
Briefing interactivoBriefing interactivo
Briefing interactivoiMona06
 
Pregunta de investigacion LUIS
Pregunta de investigacion LUISPregunta de investigacion LUIS
Pregunta de investigacion LUISIE Simona Duque
 
Acord Mesures Ocupacio Juvenil
Acord Mesures Ocupacio JuvenilAcord Mesures Ocupacio Juvenil
Acord Mesures Ocupacio Juvenilsocialistes_ cat
 
taller literario
taller literariotaller literario
taller literarioSilvia H
 
disseny_logo
disseny_logodisseny_logo
disseny_logoiMona06
 
Amb g1 nick brand luana alflen, pâmela tisott
Amb g1 nick brand   luana alflen, pâmela tisottAmb g1 nick brand   luana alflen, pâmela tisott
Amb g1 nick brand luana alflen, pâmela tisottLuana Alflen
 
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevada
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra NevadaConsejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevada
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevadaloulesa
 
Innovación en Epocas de Incertidumbre
Innovación en Epocas de IncertidumbreInnovación en Epocas de Incertidumbre
Innovación en Epocas de IncertidumbreInterlubGroup
 
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebol
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebolApresentação elitizaçao Elitizaçao do futebol
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebolDayse Frois Ferreira
 
Revista becker tecnologia em construções
Revista becker tecnologia em construçõesRevista becker tecnologia em construções
Revista becker tecnologia em construçõesGeraldo Souza
 
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de Lisboa
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de LisboaMuseu da Criatividade e Invenção da Cidade de Lisboa
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de LisboaEngº. João Marcelino
 
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitórios
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitóriosCenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitórios
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitóriosElieteCorretora
 

Destaque (20)

Taller de Geomarketing
Taller de GeomarketingTaller de Geomarketing
Taller de Geomarketing
 
Briefing interactivo
Briefing interactivoBriefing interactivo
Briefing interactivo
 
Pregunta de investigacion LUIS
Pregunta de investigacion LUISPregunta de investigacion LUIS
Pregunta de investigacion LUIS
 
Acord Mesures Ocupacio Juvenil
Acord Mesures Ocupacio JuvenilAcord Mesures Ocupacio Juvenil
Acord Mesures Ocupacio Juvenil
 
Remiza grafika
Remiza grafikaRemiza grafika
Remiza grafika
 
Rob Krier - Family Affair Part 1
Rob Krier - Family Affair Part 1Rob Krier - Family Affair Part 1
Rob Krier - Family Affair Part 1
 
Sistemas de calidad
Sistemas de calidadSistemas de calidad
Sistemas de calidad
 
tabla de excel
tabla de excel tabla de excel
tabla de excel
 
Cala Pregonda
Cala PregondaCala Pregonda
Cala Pregonda
 
taller literario
taller literariotaller literario
taller literario
 
disseny_logo
disseny_logodisseny_logo
disseny_logo
 
Amb g1 nick brand luana alflen, pâmela tisott
Amb g1 nick brand   luana alflen, pâmela tisottAmb g1 nick brand   luana alflen, pâmela tisott
Amb g1 nick brand luana alflen, pâmela tisott
 
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevada
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra NevadaConsejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevada
Consejo De ParticipacióN Parque Sierra Nevada
 
Innovación en Epocas de Incertidumbre
Innovación en Epocas de IncertidumbreInnovación en Epocas de Incertidumbre
Innovación en Epocas de Incertidumbre
 
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebol
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebolApresentação elitizaçao Elitizaçao do futebol
Apresentação elitizaçao Elitizaçao do futebol
 
Revista becker tecnologia em construções
Revista becker tecnologia em construçõesRevista becker tecnologia em construções
Revista becker tecnologia em construções
 
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de Lisboa
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de LisboaMuseu da Criatividade e Invenção da Cidade de Lisboa
Museu da Criatividade e Invenção da Cidade de Lisboa
 
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitórios
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitóriosCenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitórios
Cenário da Vila Madalena - Ao lado do Metrô - 1 e 2 dormitórios
 
Primórdios da Internet
Primórdios da InternetPrimórdios da Internet
Primórdios da Internet
 
Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010
Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010
Tese de adriana coelho saraiva na un b em 2010
 

Semelhante a Artigo de dimas brasileiro veras na anpuh em 2009

RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdf
RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdfRAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdf
RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdfElisaCaetano12
 
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopArtigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopcitacoesdosprojetos
 
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II Alogoinhas - Bahia
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II  Alogoinhas - BahiaCaderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II  Alogoinhas - Bahia
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II Alogoinhas - BahiaFrancemberg Teixeira Reis
 
Onde está a trilha sonora da educação
Onde está a trilha sonora da educaçãoOnde está a trilha sonora da educação
Onde está a trilha sonora da educaçãoCésar Ramos
 
resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1unirio2011
 
resenhaaformacaodasalmas
resenhaaformacaodasalmasresenhaaformacaodasalmas
resenhaaformacaodasalmasunirio2011
 
resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1unirio2011
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...UNEB
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriamkobelinski
 
A sociologia no brasil por antonio candido
A sociologia no brasil por antonio candidoA sociologia no brasil por antonio candido
A sociologia no brasil por antonio candidoCarlos Weinman
 
O ensino de história e a relação com o presente
O ensino de história e a relação com o presenteO ensino de história e a relação com o presente
O ensino de história e a relação com o presenteeunamahcado
 
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiro
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiroPlinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiro
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiroHelciclever Barros
 
Trajetórias na educação_dos_surdos
Trajetórias na educação_dos_surdosTrajetórias na educação_dos_surdos
Trajetórias na educação_dos_surdosPaula Aparecida Alves
 
Dissertação de mestrado em História unirio fabricio gomes
Dissertação de mestrado em História unirio   fabricio gomesDissertação de mestrado em História unirio   fabricio gomes
Dissertação de mestrado em História unirio fabricio gomesFabrício Gomes
 
Slides de aulas 2 semestre de 2013
Slides de aulas   2 semestre de 2013Slides de aulas   2 semestre de 2013
Slides de aulas 2 semestre de 2013Amanda Cardoso
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaHENRIQUE GOMES DE LIMA
 
Resumo do livre educação pratica com liberdade
Resumo do livre educação pratica com liberdadeResumo do livre educação pratica com liberdade
Resumo do livre educação pratica com liberdadeAdail Silva
 

Semelhante a Artigo de dimas brasileiro veras na anpuh em 2009 (20)

RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdf
RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdfRAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdf
RAGO_Margareth_O efeito Foucault na historiografia brasileira.pdf
 
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopArtigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
 
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II Alogoinhas - Bahia
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II  Alogoinhas - BahiaCaderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II  Alogoinhas - Bahia
Caderno de resumos III da Semana de História UNEB Campi II Alogoinhas - Bahia
 
Onde está a trilha sonora da educação
Onde está a trilha sonora da educaçãoOnde está a trilha sonora da educação
Onde está a trilha sonora da educação
 
resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1
 
resenhaaformacaodasalmas
resenhaaformacaodasalmasresenhaaformacaodasalmas
resenhaaformacaodasalmas
 
resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1resenhaformacaodasalmas1
resenhaformacaodasalmas1
 
Monografia Cintia Pedagogia 2011
Monografia Cintia Pedagogia 2011Monografia Cintia Pedagogia 2011
Monografia Cintia Pedagogia 2011
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
 
Introdução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre históriaIntrodução reflexões sobre história
Introdução reflexões sobre história
 
A sociologia no brasil por antonio candido
A sociologia no brasil por antonio candidoA sociologia no brasil por antonio candido
A sociologia no brasil por antonio candido
 
O ensino de história e a relação com o presente
O ensino de história e a relação com o presenteO ensino de história e a relação com o presente
O ensino de história e a relação com o presente
 
Scena Crítica, n. 02, ano 1.pdf
Scena Crítica, n. 02, ano 1.pdfScena Crítica, n. 02, ano 1.pdf
Scena Crítica, n. 02, ano 1.pdf
 
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiro
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiroPlinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiro
Plinio marcos um maldito dramaturgo intelectual brasileiro
 
Trajetórias na educação_dos_surdos
Trajetórias na educação_dos_surdosTrajetórias na educação_dos_surdos
Trajetórias na educação_dos_surdos
 
Dissertação de mestrado em História unirio fabricio gomes
Dissertação de mestrado em História unirio   fabricio gomesDissertação de mestrado em História unirio   fabricio gomes
Dissertação de mestrado em História unirio fabricio gomes
 
Slides de aulas 2 semestre de 2013
Slides de aulas   2 semestre de 2013Slides de aulas   2 semestre de 2013
Slides de aulas 2 semestre de 2013
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessária
 
Resumo do livre educação pratica com liberdade
Resumo do livre educação pratica com liberdadeResumo do livre educação pratica com liberdade
Resumo do livre educação pratica com liberdade
 
Gt1 racismo e_infância
Gt1 racismo e_infânciaGt1 racismo e_infância
Gt1 racismo e_infância
 

Mais de citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado

Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013
Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013
Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado
 
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado
 
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado
 
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto mg - dos hinos à...
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto   mg - dos hinos à...Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto   mg - dos hinos à...
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto mg - dos hinos à...citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado
 

Mais de citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado (20)

Dissertação de amon narciso de barros na ufmg
Dissertação de amon narciso de barros na ufmgDissertação de amon narciso de barros na ufmg
Dissertação de amon narciso de barros na ufmg
 
Artigo de paulo afonso barbosa de brito no congresso alas chile 2013
Artigo de paulo afonso barbosa de brito no congresso alas chile 2013Artigo de paulo afonso barbosa de brito no congresso alas chile 2013
Artigo de paulo afonso barbosa de brito no congresso alas chile 2013
 
Dissertação de valdirécia de rezende taveira na ufmg em 2013
Dissertação de valdirécia de rezende taveira na ufmg em 2013Dissertação de valdirécia de rezende taveira na ufmg em 2013
Dissertação de valdirécia de rezende taveira na ufmg em 2013
 
Monografia de fahrenheit barbosa amarante no turismo da ufop em 2012
Monografia de fahrenheit barbosa amarante no turismo da ufop em 2012Monografia de fahrenheit barbosa amarante no turismo da ufop em 2012
Monografia de fahrenheit barbosa amarante no turismo da ufop em 2012
 
Monografia de mariana alves jaques no turismo da ufop em 2006
Monografia de mariana alves jaques no turismo da ufop em 2006Monografia de mariana alves jaques no turismo da ufop em 2006
Monografia de mariana alves jaques no turismo da ufop em 2006
 
Dissertação de leon frederico kaminski na história da ufop em 2012
Dissertação de leon frederico kaminski na história da ufop em 2012Dissertação de leon frederico kaminski na história da ufop em 2012
Dissertação de leon frederico kaminski na história da ufop em 2012
 
Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013
Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013
Dissertação de andré luiz rodrigues de rossi mattos na unesp em 2013
 
Dissertação de luiz figueiredo ramos na unimontes em 2013
Dissertação de luiz figueiredo ramos na unimontes em 2013Dissertação de luiz figueiredo ramos na unimontes em 2013
Dissertação de luiz figueiredo ramos na unimontes em 2013
 
Monografia de michelle santana novaes de assis na ufop em 2010
Monografia de michelle santana novaes de assis na ufop em 2010Monografia de michelle santana novaes de assis na ufop em 2010
Monografia de michelle santana novaes de assis na ufop em 2010
 
Livro repúblicas de estudantes de eurico martins de araujo em 2013
Livro repúblicas de estudantes de eurico martins de araujo em 2013Livro repúblicas de estudantes de eurico martins de araujo em 2013
Livro repúblicas de estudantes de eurico martins de araujo em 2013
 
Dissertação de adriana arrigoni na ufrj em 2012
Dissertação de adriana arrigoni na ufrj em 2012Dissertação de adriana arrigoni na ufrj em 2012
Dissertação de adriana arrigoni na ufrj em 2012
 
Tese de carla agda goncalves no serviço social da puc sp em 2013
Tese de carla agda goncalves no serviço social da puc sp em 2013Tese de carla agda goncalves no serviço social da puc sp em 2013
Tese de carla agda goncalves no serviço social da puc sp em 2013
 
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012
Dissertação de francisco aristides de oliveira santos filho na ufpi em 2012
 
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010
Artigo de ricardo abdalla e diego meira benitez nos anais semana c & t ifpe 2010
 
Tese de elisa antônia ribeiro na ufu em 2010
Tese de elisa antônia ribeiro na ufu em 2010Tese de elisa antônia ribeiro na ufu em 2010
Tese de elisa antônia ribeiro na ufu em 2010
 
Livro a história da escola de minas da ufop 2012
Livro a história da escola de minas da ufop 2012Livro a história da escola de minas da ufop 2012
Livro a história da escola de minas da ufop 2012
 
Revista mosaico unesp rio preto em 2010
Revista mosaico unesp rio preto em 2010Revista mosaico unesp rio preto em 2010
Revista mosaico unesp rio preto em 2010
 
Tcc de alexandre pedro de medeiros na história da udesc em 2013
Tcc de alexandre pedro de medeiros na história da udesc em 2013Tcc de alexandre pedro de medeiros na história da udesc em 2013
Tcc de alexandre pedro de medeiros na história da udesc em 2013
 
Manual do professor editora do brasil 2012
Manual do professor editora do brasil 2012Manual do professor editora do brasil 2012
Manual do professor editora do brasil 2012
 
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto mg - dos hinos à...
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto   mg - dos hinos à...Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto   mg - dos hinos à...
Paper A ritualização nas repúblicas federais de ouro preto mg - dos hinos à...
 

Artigo de dimas brasileiro veras na anpuh em 2009

  • 1. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. A experiência da esperança: um “Golpe na Alma” da intelectualidade brasileira pós 1964. Dimas Brasileiro Veras* Resumo: O trabalho tem como objetivo compreender a atuação do Serviço de Extensão Universitária da Universidade do Recife (SEC/UR) e de seu idealizador, o professor Paulo Freire, no campo intelectual da cidade do Recife na década de 1960. Foi nestes anos que o pedagogo e sua equipe desenvolveram seu sistema de alfabetização de jovens e adultos e uma nova concepção de educação que ficou conhecida como “Sistema Paulo Freire de Educação”. A realização desse trabalho se tornou possível a partir da leitura do livro de memórias de Marcius Cortez “O Golpe na Alma”: narrativa que oferece ao leitor importantes reminiscências para entender atuação intelectual e educacional no Brasil e no Recife, as relações entre a cidade e a Universidade e a problemática da memória ao lidar com a dolorosa experiência da ditadura. Palavras-chave: Paulo Freire, educação popular, Universidade The experience of hope: a “Coup d Ésprit” in the Brazilian intelect after 1964. Abstract: This paper aims at understanding the actions of the Serviço de Extensão da Universidade ( University Extension Service ) of the University of Recife (SER/UR) and its creator, Professor Paulo Freire, intelectually and educationally in the Recife of the 1960s. It was these years that the educator and his team developed their alphabetizing the young and adult and a new conception of education called "Sistema Paulo Freire de Educação". This paper was brought about by the reading of the book of memories by Marcius Cortez " O Golpe da Alma": a narrative which offers the reader important reminiscences in order to understand the intelectual and cultural actions in Brazil and in Recife, the relations between the city and the university and the problem of dealing with the painful experience of the dictatorship. Keywords: Paulo Freire, popular education, University Onde está o professor Paulo Freire? Em Genebra ou na Guiné-Bissau? Nas ilhas grego socráticas ou na ilha do Maruim? O que restou? O que restou? O que restou de nossos círculos de cultura? (7’51’’) (BRITTO, 2002, p. 172). Assim encontramos preso na “Casa Grande de Detenção da Cultura”, o “Palhaço Degolado” de Jomard Muniz de Britto (audiovisual produzido em 1976/77 em Pernambuco). O solilóquio é recheado de momentos de carnavalização e chistes com as engrenagens discursivas legitimadoras da “Cultura Brasileira” e termina em clima de angústia e solidão (Até quando? Até Quando? A saída? ATÉ QUANDO? - 8’50’’). A tristeza emerge justamente quando o palhaço percebe estar vivendo numa realidade completamente diferente da experimentada pelos movimentos sociais * Mestrando em História da Universidade Federal de Pernambuco, na Linha de Pesquisa Cultura e Memória do Norte e Nordeste sob orientação do prof. Dr. Flávio Weinstein Teixeira 1
  • 2. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. e culturais dos anos que antecederam o golpe militar no Brasil (1950-60). É a memória que persiste ao esquecimento compulsório, imposto por um estado de exceção. Por que o “Palhaço Degolado” invoca Freire? Além do trocadilho chistoso entre Freyre (sociólogo – tradicionalista ao seu modo – alvo das ironias do palhaço) e Freire (educador – radical ao seu modo – evocado pelo palhaço), o palhaço quer evocar o papel desempenhado por Paulo Freire no campo de produção cultural e intelectual (BOURDIEU, 2007) da cidade do Recife no inicio da segunda metade do século XX. Este além de ter sido um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular, idealizou e fundou com o Reitor João Alfredo o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife (SEC/UR) do qual Jomard Muniz de Britto (JMB) foi integrante. Desde a criação do SEC em janeiro de 1962 até o afastamento de Freire e sua equipe em 1964 a instituição promoveu inúmeras atividades de extensão: palestras, encontros estudantis, diálogo com outras Universidades, a criação da Rádio Universidade e da revista de cultura Estudos Universitários. No entanto, o foco principal do SEC era o sistema de alfabetização de Jovens e adultos que terminou conhecido como “Sistema Paulo Freire de Alfabetização” e uma nova concepção de educação conhecido como “Sistema Paulo Freire de Educação” (o programa tomou proporções nacionais quando em 1964 o Ministro da Educação convidou Paulo Freire para desenvolver o Programa Nacional de Alfabetização) (cf.:CORTEZ, 2008; LIMA, 1981; ROSAS, 2003;). Neste sentido o lamento do palhaço evoca a experiência de esperança vivida nos círculos de cultura e todas outras atividades do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. A construção desse trabalho é fruto da leitura e discussão do livro de memórias “O Golpe na Alma” (CORTEZ, 2008), que relata as vivências do jovem Marcius Cortez (na época com 17 anos) como membro mais jovem do SEC e a dificuldade de viver exilado em São Paulo nos anos de ditadura militar. É antes de tudo um livro de memórias apontado para o futuro (por isso não é memorialista) e traz em seu bojo o mal estar e o desejo de superação por parte de uma geração de intelectuais condenada a anos de cerceamento dos direitos políticos, sociais e civis: [...] faço um relato sobre um tempo de qual sou testemunha, um tempo que guarda em si uma fidelidade inexorável, a de que durante todos os momentos em que ele aconteceu e que vem acontecendo ao longo dos anos, a fome social do povo permanece viva em proporções alarmantes. Volto para ver as minhas sombras que projetadas no chão me servem como guia, mas é para o futuro onde dirijo o meu foco, é para o futuro que aponto minha arma. (CORTEZ, 2008: 12) 2
  • 3. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. O relato se faz importante, no que diz da história do SEC/UR, devido à tentativa de produção de esquecimento, operada pelos militares, que destruiu quase toda documentação da instituição: Uma das primeiras iniciativas do Exercito foi invadir a sede do Serviço de Extensão Cultural (SEC), dirigido por Paulo Freire, na Universidade do Recife, e confiscar todo material utilizado no programa de alfabetização. (PAGE, 1972 apud LIMA, 1984) Afirma Cortez: Documentos, filmes, retratos ou outros registros desse tempo são exíguos porque logo após o golpe de 64, o prédio do SEC foi ocupado por forças militares que sumiram com tudo que havia ali. Arquivos e fichários inteiros desapareceram. (Minha irmã viu na televisão parte desse material enquanto um locutor em off, ensandecido, dizia que aquilo era altamente subversivo). (CORTEZ, 2008:13). Para entender “O Golpe na Alma”, em sua complexidade, percorrer a historiografia se tornou uma necessidade. Em estudos sobre a intelectualidade brasileira Daniel Pecaut (cf.: PÉCAUT, 1990) nos mostrou como a palavra de ordem dessa geração de intelectuais, do fim do estado novo à ditadura, era conscientização e participação popular. É dentro deste contexto que Cortez narra as vivências de um coletivo mergulhado em sua época, fazendo da cultura ato de coragem, uma busca de aproximação com a realidade, aceitação pelo homem dos desafios que lhe endereça a existência (Lima in Revista Estudos Universitários, 1962, nº 1, v. 1, p. 5). O debate proposto por Pecaut é extremamente pertinente (ainda que o trabalho esteja centrado no Rio de Janeiro e São Paulo), na medida em que percebe as movimentações de várias sociabilidades letradas entre os anos 1930-60, buscando traçar e legitimar seu espaço político no Estado brasileiro. É o constatar de uma multiplicidade de práticas político- culturais que permite ao autor perceber uma cultura política que ele chama de “nacional- popular” nos anos 1955-1964 (idem: 185). Flávio Weinstein analisa estas transformações do campo cultural/intelectual da cidade do Recife (entre 1946-64) a partir do Teatro dos Estudantes de Pernambuco e do coletivo de impressores conhecidos como D’o Gráfico Amador (TEIXEIRA, 2007). Estavam estes coletivos mais preocupados com a produção cultural e artística, mas muitos de seus integrantes foram importantes colaboradores do Serviço de Extensão Cultural da UR. No Recife os intelectuais debruçados na conscientização através da educação e da cultura estavam circulando principalmente em torno da Ação Católica (e o Movimento de Educação de Base), do SEC/UR e do Movimento de Cultura Popular (MCP). Segundo Venício Arthur 3
  • 4. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. de Lima para entender a atuação de Paulo Freire em ambos os movimentos é inevitável passar por duas importantes forças ideológicas da época: o nacionalismo (do ISEB principalmente) e o catolicismo radical (Ação Católica, a JUC principalmente). Como uma instituição de proporção nacional o ISEB estava mais atento para a produção de ideologias e para economia- política, enquanto que o SEC fazia de seu escopo a cultura e a educação. O ISEB mostrou para Freire não só a importância de pensar o Brasil a partir do Brasil como também forneceu a base teórica e léxica para os debates intelectuais da época. Por outro lado a JUC seguindo as orientações de um dos futuros diretores do SEC, o Padre Almery Bezerra, passou a atuar de maneira mais incisiva no cenário político nacional, notabilizando a JUC de Pernambucano ao propor que a mesma tomasse em âmbito nacional um “ideal histórico” (LIMA, 1984:39). Ideal histórico conceito que no início dos anos sessenta transitaria para o conceito de consciência histórica: o homem e a cultura como frutos da história assume uma dimensão transitiva e dinâmica, ou seja, o homem como agente transformador da realidade. A sede da JUC no Recife era um espaço de vivência constantemente freqüentado por muitos dos que faziam a Universidade (afinal estavam ambas situadas no Bairro da Boa Vista). Mesmo com toda influência do ISEB e da JUC, o SEC gozava de autonomia, havia uma particularidade nos colaboradores do SEC, o que foi chamado na época por Vamireh Chacon de “heterodoxia” (CHACON In: Estudos Universitários, 1963, nº 3, v. 1, p. 51-58): Na época, começo da década dos sessenta, circulava um termo interessante, heterodoxia. E era isso mesmo, como havia muito trabalho, preferimos arregaçar as mangas, ao invés de ficarmos construindo uma cartilha sectária, amarrada a qualquer viseira bitoladora.(CORTEZ, 2008: 13) Como já vimos, “consciência” é um conceito fundamental para entender o coletivo do qual Cortez compunha. Tornar os indivíduos força de interferência coletiva era o ponto central das atividades realizadas pelos intelectuais e artistas nesse período. Revelando a historicidade da cultura e do homem, este perderia sua passividade no mundo e no modo como o interpreta. Assim o homem assumiria uma transitividade crítica: possibilidade de se transformar e transformar o mundo: “a fim de contrabalançar a indigência e o marginalismo da massa: seria um modo de fortalecê-la para um contato devastador com a demagogia eleitoral (...)” (SCHWARZ, 1978: 285. In: BASUALDO, 2007). O livro “Contradições do Homem Brasileiro” (1964), de Jomard Muniz de Britto (publicado pouco antes da perseguição aos integrantes do SEC), nos apresenta um perfil da época que repensa o papel do homem na sociedade: 4
  • 5. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. (...) no mundo em comunicação com os outros, existe algo dado, apresentado, um ‘mundo feito’, mas igualmente um mundo por fazer, previsto, antecipado. Nesta segunda acepção, que inclui a obra especificamente humana, as criações do homem, o significado do mundo se reveste de historicidade, ele próprio é história, horizonte de possibilidades humanas. (BRITTO, 1964: 15) Marcelo Ridenti também levanta uma hipótese que converge com nossa percepção em torno da temática proposta: “o florescimento cultural e político dos anos de 1960 e início dos de 1970 na sociedade brasileira pode ser caracterizado como romântico-revolucionário. Valorizava-se acima de tudo a vontade de transformação (...)” (RIDENTI, 2005: 84). Neste sentido a cultura e a educação popular seriam os meios de organização dentro dos círculos, praças e centros de cultura para a “transição”. Espaços de sociabilidade e trocas intensas de informação, recreação e circulação de material educativo nos bairros distantes e periferias das regiões em processo de formação crítica. O teatro, rádio, cinema, música, literatura e outras manifestações culturais, desde que transformadas de “fatores” técnico materiais em “valores” técnico reflexivos, para democratização da cultura (cf.:BRITTO. In: FÁVERO, 1983: 158), seriam feitas pelo povo e para o povo (na crença que a sua essência se identificava claramente com as aspirações deste. Bem como numa suposta homogeneidade do povo). Politizando e conscientizando vários grupos sociais, o objetivo era fazer da prática cultural um veículo de “comunicação das consciências” (AP/Cultura Popular. In FÁVERO, 1983) e humanização coletiva (FÁVERO, 1982: 09). O clima de esperança ganhava cada vez mais contorno. Transformar a realidade por meio da educação (esta como mediadora entre cultura e revolução, uma reforma na cultura nacional) aparecia para esta geração como uma possibilidade viável e concreta, pois o trabalho se dava pelo viés da conscientização, o que poderia “acelerar a velocidade com que se transformam os suportes materiais da sociedade (...)” (ESTEVAM. In: Fávero: 1983). O objetivo final seria o movimento ascensional das massas, obviamente guiadas pelos intelectuais (“o fato de reivindicarem o domínio do devir social resulta mais do espírito do Iluminismo do que da vontade de se ter uma ditadura ‘boa’.” – PÉCAUT, 1990: 186), em direção à conquista do poder na sociedade de classes (ESTEVAM. In: FÁVERO, 1983: 34/35). É este aspeto que separa as práticas do SEC e de outros grupos da época como o MCP: Divergíamos quanto a concepção do intelectual. Para o MCP, assim como para o CPC da UNE, o intelectual era tido como guias das massas. Embora essa concepção seja entre nós tão velha quanto o positivismo do século XIX, sem dúvida sua base era a política cultural stalinista. (...) Como eu tinha aprendido, por meus anos na Espanha franquista, o que significava o dirigismo cultural e como pouco se 5
  • 6. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. distinguia do fascismo, participei de uma linha de resistência ao dirigismo oba-oba tanto do MCP, quanto do CPC da UNE. (COSTA LIMA in ZAINDAN e MACHADO, 2007: 44). A faceta instrumental da cultura popular nos faz pensar sobre os apontamentos de Pecaut em relação aos anseios desta geração em implementar um saber-poder: “Fazendo de si os portadores da verdadeira consciência, a consciência critica, os intelectuais tomam o lugar que comumente cabe a um líder populista (…)” (PÉCAUT, 1990: 187). Ao abordar a geração que circulou em torno do SEC e seu diretor, Cortez nos mostra que o Sistema Freire e as experiências que permitiram sua criação precisam ser abordados com mais atenção. Há toda uma complexidade nos círculos de cultura e na deshierarquização da atividade educacional proposta pelo pedagogo impulsionando a experiência para além de um projeto iluminista (cf.: CORTEZ, 2008; ROSAS, 2003). O caso do SEC talvez precise ser pensado como movimento inserido numa episteme pós-moderna (sendo apenas possível com a virada lingüística). Jarbas Maciel em artigo publicado na Estudos Universitários, nos mostra como esta geração viu surgir, juntamente com o método Paulo Freire de Alfabetização de adultos, o Sistema Paulo Freire de Educação, fruto das experiências colocadas em prática pelo SEC e por uma Universidade que se queria popular (MACIEL in Estudos Universitários, 1963, nº 4, v. 1, p. 25-59; “A Universidade do Recife quer educar as massas” JC – 18/11/62, 2º caderno, capa. ). A sociedade, para Paulo Freire, estava num processo de trânsito devido às experiências sucessivas que possibilitam a ativação do povo no campo educacional e cultural. Daí a necessidade de se passar por uma “democratização fundamental”, crescente e irreversível, na melhoria da sociedade, através da presença sólida do povo, alienado da realidade devido a uma “intrasitividade” ou a uma “transitividade ingênua” (cf.: FREIRE: 2007). A esperança estava na formação urgente da transitividade crítica: sujeito sensível (porque compreende) e comprometido (porque necessita) com sua história “mediante uma educação dialogal e ativa” (Idem: 110) que permitiria ao individuo questionar seus problemas fundamentais e resolvê-los com autonomia. Para Roberto Schuwarz, o Brasil estava “irreconhecivelmente inteligente”, temperado de metas e realização dos sonhos trazidos pelo vento pré-revolucionário que lotava os jornais e mídias de “mudanças” sociais como reforma agrária, agitação camponesa, anti-imperialismo e questionamentos focados na “descompartimentação da consciência nacional”. Não é apenas a memória de Cortez e os livros que revelam fios e rastros das intensas vivências do SEC. A leitura dos jornais da época e da revista de cultura da UR nos mostra que a Universidade contagiava a cidade com sua euforia. Evidentemente Paulo Freire não 6
  • 7. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. possuiria fôlego para realizar uma tarefa deste porte sozinho, neste sentido pode sempre contar com sua equipe da Universidade do Recife (CORTEZ, 2008: 16). Fazer o povo pensar era uma atitude bastante perigosa, logo em um governo como o de João Goulart conhecido por sua incompetência e tentativa frustrada de realizar reformas de base, “prato servido” para os militares disporem de inúmeras justificativas (incompetência administrativa, instabilidade política, “crescimento” da ameaça comunista, no governo e no meio militar.) para legitimar um golpe quase sem resistência (SILVA, 2001). O SEC e sua equipe contaram ainda com a oposição de um importante intelectual e político brasileiro: Gilberto Freyre. Observando os jornais da época e lendo depoimentos de Costa Lima e do próprio Cortez, fica claro não só a perseguição política ao coletivo do SEC e a ao Reitor da UR João Alfredo desde 1962 a 1964, como são muitas as denúncias do “antropólogo dos trópicos” ter delatado aos militares, Costa Lima e outros integrantes do SEC (ZAINDAN e MACHADO, 2007; CORTEZ, 2008). A repressão aos grupos de esquerda, intelectuais, movimento estudantil, prisão de sindicalistas e religiosos marcam o início de uma verdadeira perseguição e cerceamento das práticas que destoam da organização do governo militar. Ainda que escrito a partir do presente, “O Golpe na Alma” está carregado dos anseios de uma experiência abortada em sua gestação. Paulo Freire aparece como dedicado protagonista do relato. Cortez não só mostra o empenho, do grupo do qual fazia parte, em garantir elementos básicos da cidadania para o povo brasileiro, como mostra a experiência do horror ao relatar as torturas e censuras que presenciou na época. O autor faz também, importante denúncia sobre as relações entre a Folha de São Paulo, a Rede Globo e a ditadura militar. Não deixa de rememorar momentos de prazer vividos no Rio de Janeiro ao lado de colegas do SEC, Glauber Rocha e Jorge Ben (em visita do SEC ao Rio), momentos de solidariedade ao esconder em sua casa Eduardo Coutinho (autor do documentário “Cabra Marcado para Morrer”. O filme começou a ser gravado em 1964 e devido à repressão apenas foi finalizado em 1984.) e da resistência através do riso e da esperança, esperança oriunda do presente de onde se inscreve. Tudo isso faz do livro uma obra mesclada de alegria, dor, amor, esperança, carinho e respeito pelos atores vivos e mortos nessa luta que foi os anos que seguem a 1964. Violência esta que não abalou o ensinamento cujo Paulo Freire fazia sua meta fundamental: a esperança, “princípio do qual não abria mão” (CORTEZ, 2008: 15). A leitura de “O Golpe na Alma” é uma valiosa oportunidade de se repensar as noções de cultura, educação popular e as ações de resistência dos movimentos culturais na década de 1960. O texto também fornece elementos para se pensar às tensões e os medos que povoaram e povoam uma geração de intelectuais reprimida pela institucionalização da violência e do medo. Não podemos deixar de reverenciar o relato 7
  • 8. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. de Cortez como uma maravilhosa oportunidade de leitura para aquele leitor mais descomprometido e pouco preocupado com pesquisa, pois é o relato da experiência da esperança, do qual todo cidadão brasileiro necessita. Diante da recente erradicação do analfabetismo na Bolívia, através do método cubano “yo, si puedo” (Eu posso, sim) com duração de seis meses1 , as perguntas do “Palhaço Degolado” por Freire se mostram extremamente atual. Com palavras de esperança, Cortez nos faz acreditar, mesmo com todas as tentativas de imobilização do corpo e da alma brasileira, que devemos cultivar a “semente” freiriana: plantada com suor e sangue pela “poeticidade pedagogicamente revolucionária em luta pela transfiguração da cidadania no prazer da felicidadania” (BRITTO, 2008). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BERNARDES, Denis. Recife: O caranguejo e o viaduto; Recife: Ed. Universitária, 1996. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas; São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007. BRITTO, Jomard Muniz de. Contradições do Homem Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Tempos Brasileiros, 1964. _______________________. Atentados Poéticos. Editora Bagaço. Permambuco, 2002. _______________________. Educação de Adultos e Unificação da Cultura in ______________________. Poeticidade em Paulo Freire. Recife, setembro de 2008. CORTEZ, Marcius. O Golpe na Alma. São Paulo: Pé-de-chinelo Editorial, 2008. Estudos Universitários: Revista de Cultura da Universidade do Recife. Volume 1, 2, 3, 4 e 5. Recife, Universidade do Recife, Imprensa Universitária, 1962-1963. FÁVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. FREIRE, Paulo. Educação com prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. 30ª edição. 1 Jornal Brasil de Fato de 25 a 31 de Dezembro p. 12 8
  • 9. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. 9 LIMA, Venício Artur de. Comunicação e Cultura: as idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1981. MACIEL, Jarbas. Fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire de Educação in Estudos Universitários: Revista de Cultura da Universidade do Recife. Volume 4 Recife, Universidade do Recife, Imprensa Universitária, 1962-1963. PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil: Entre o povo e a Nação. São Paulo: Ed. Ática, 1990. RIDENTI, Marcelo. Artistas e Intelectuais no Brasil pós 1960. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 17, n. 1. ROSAS, Paulo. Papéis avulsos sobre Paulo Freire, 1; Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003. SCHUWARZ, Roberto. Cultura e Política no Brasil: 1964-1964. In: BASUALDO, Carlos (Org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira [1967-1972]. São Paulo: Cosac Naify, 2007. SILVA, Vanderli Maria da. A construção da política cultural no regime militar: concepções, diretrizes e programas (1974-1978). Universidade de São Paulo (USP). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2001. TEIXEIRA, Flavio Weinstein. O movimento e a Linha: presença do Teatro do estudante e d’O Gráfico amador no Recife (1946 – 1964). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007. ZAIDAN FILHO, Michel e MACHADO, Otávio Luiz (Orgs). Movimento estudantil brasileiro e a educação superior. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.