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VERA CRISTINA DE SOUZA 
SOB O PESO DOS TEMORES: 
Mulheres Negras, Miomas Uterinos e 
Histerectomia. 
Tese apresentada à Banca Examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
como exigência parcial para a obtenção do título 
de Doutora em Ciências Sociais – Antropologia, 
sob a orientação da Profa. Dra. Josildeth Gomes 
Consorte. 
PUC - SÃO PAULO 
2002
FOLHA DE APROVAÇÃO 
Banca examinadora: 
Dra. Josildeth Gomes Consorte (orientadora) 
Dra Elza Berquó 
Dra. Maria Helena Villas Boas Concone 
Dra. Regina Maria Giffoni Marsiglia 
Dra. Ronilda IYakemi Ribeiro
AGRADECIMENTOS 
À professora Josildeth Gomes Consorte, minha orientadora, que me 
acompanhou no decorrer destes cinco anos com muita dedicação. 
Às professoras Maria Helena Villas Boas e Regina Marcílio, pelas sugestões 
feitas por ocasião do exame de qualificação. 
Aos colegas do Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Àlvaro 
Comin, Alexandre Moralles, Miriam Dolhnikoff, Osmar Ribeiro, Oneida Maria 
Borges. 
Aos colegas da UNISA – Universidade de Santo Amaro - Valéria Gionannetti, 
José Fernando Siqueira da Silva, Osmar dos Santos C. Mota, Neusa Maria 
Carvalho Sairaif, Maria Lúcia Garcia Mira, Fátima França, Nely Barcelar, 
Carlos Gianazzi. 
Aos funcionários do Centro de Saúde de Vila Morais, em particular às Dras. 
Maria Carmo Garcia; Andréia Baroni; Jacilda Cabral; Maria Eugênia Santos e 
Silvana Aparecida Lopes, responsável geral. 
Um agradecimento especial à todas as minhas entrevistadas. 
Á Dra. Fátima Oliveira, pela constante atenção e amizade. 
Ao Helio Santos, pela disponibilidade de todas as horas. 
Ao Joel Zito Araújo, pelo zelo com que conduziu a produção do vídeo e pela 
grande manifestação de amizade. 
À Marcio Ivan Nóbrega, Vilma Lorena, Delma Araújo, Rosana Cardone, Ana 
Paula Silva, Luis Ramires; Marise Edson; e Rene Decol, 
Eu não poderia deixar de reconhecer a importância das militantes negras que 
araram o terreno para que o tema desenvolvido aqui pudesse se efetivar. Cito 
algumas delas, correndo o risco de omitir nomes: Edna Roland; Dida Pinho; 
Sueli Carneiro, Maria Aparecida Cidinha da Silva; Fátima Oliveira; Maria 
Aparecida Bento; Dulce Pereira; Abigail Páscoa; Marta Oliveira, Diva Moreira; 
Conceição Leal; Luiza Bairros Zélia Amador de Deus; Maria Inês Barbosa; 
Vera Triunpho. 
Um agradecimento muito especial à Dra. Elza Berquó, com a qual tive o 
prazer de conviver ao longos dos anos, com quem muito aprendi, e, na 
impossibilidade de expressar meus sinceros sentimentos, resumo em 
duas palavras: um exemplo, um ídolo.
Agradeço a Fundação Carlos Chagas pela bolsa de estudos concedida e 
de um modo particular a Fundação MacArthur que, desde o início do 
Programa de Formação de Pesquisadoras Negras do Cebrap, muito 
contribuiu para que eu pudesse chegar até aqui. Agradeço também pelo 
financiamento concedido para a produção do vídeo que faz parte deste 
estudo. Ao CNPq, presto meus agradecimentos.
SUMÁRIO 
CAPÍTULO PG. 
1. INTRODUÇÃO 01 
1.1. Mioma uterino e histerectomia 04 
1.1.1. Mioma uterino 04 
1.1.2. Práticas alternativas para a prevenção do mioma uterino 05 
1.2. Histerectomia 05 
1.2.1. Formas de tratamento dos miomas uterinos 05 
1.2.2. Indicação da histerectomia 06 
1.2.3. Efeitos colaterais da histerectomia 07 
1.2.4. Formas de tratamento consideradas menos invasivas 08 
1.3. Brancas e negras diante da miomatose 09 
1.4. As razões que me conduziram ao doutorado 11 
1.5. Apresentação do trabalho 13 
2. O ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS QUE TRATAM DA SAÚDE DA 
15 POPULAÇÃO NEGRA 
2.1. Considerações gerais 15 
2. 2. Origens e trajetória do movimento negro 15 
2.3. O movimento social negro 16 
2.4. O movimento feminista e a saúde da mulher 18 
2.5. Introdução do recorte por cor/raça 19 
2.6. A importância da identificação racial na área de saúde 20 
2.7. Doenças raciais/étnicas 21 
2.8. A influência dos fatores sócio-econômicos 23 
2.9. Mortalidade 25 
2.10. O panorama atual da saúde da população negra 26 
2.11. Ações governamentais 26
2.12. Principais reivindicações 27 
3. A QUESTÃO RACIAL NO CONTEXTO DOS ESTUDOS SOBRE 29 
A SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA 
3.1. O item cor 29 
3.2. Raça ou etnia? 30 
3.3. A importância do item cor na área de saúde 32 
3.4. Particularidades do estudo 34 
3.5. A auto-classificação de cor/raça 35 
3.6. A percepção da discriminação racial 36 
3.6.1. As 14 mulheres auto-declaradas “morenas” 38 
3.6.2. As 35 mulheres auto-declaradas pardas e as duas negras 41 
3.7 Discussão das doenças raciais/étnicas vista como ato discriminatório 45 
4. METODOLOGIA 48 
4.1. Primeira etapa - a pesquisa de campo 48 
4.1.1. Coleta de dados sobre diagnóstico de miomatose e cor junto 
ao Serviço de Ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais 
(Fase 1) 48 
4.1.2. A pesquisa domiciliar com 102 mulheres (Fase 2) 52 
4.1.2.1. Bloco I – Conhecimento geral da saúde da mulher 53 
4.1.2.2. Bloco II – Conhecimento sobre miomas uterinos 53 
4.1.2.3. Bloco III – Histerectomia 54 
4.1.2.4. Bloco IV – Vida reprodutiva e dados pessoais 54 
4.1.3. Entrevistas com mulheres histerectomizadas (Fase 3) 55 
4.2. Segunda etapa – o vídeo e as oficinas 55 
4.2.1. A produção do vídeo educativo (Fase 1) 55 
4.2.1.1. Ficha técnica e conteúdo 55 
4.2.1.2. A apresentação do vídeo e a realização das oficinas 56 
(Fase 2) 
4.3. Terceira etapa – O retorno às pesquisas domiciliares e a confecção do 
vídeo final 
4.3.1. Retorno a campo (Fase 1) 57 
4.3.2. A produção do vídeo “Sob o peso dos temores” (Fase 2) 58
5. O DESCONHECIMENTO SOBRE MIOMAS E HISTERECTOMIA 59 
5.1. Análise dos resultados 59 
5.1.1. Perfil socioeconômico: os níveis de escolaridade e a inserção 
de brancas e negras no mercado de trabalho 59 
5.1.2. O acesso de mulheres brancas e negras aos serviços públicos 
de saúde 62 
5.1.3. As razões que conduziram mulheres brancas e negras ao 
serviço de ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais 65 
5.2. As representações dos problemas de saúde: um primeiro olhar 70 
5.2.1. As mulheres sem diagnóstico de mioma 71 
5.2.2. As mulheres com diagnóstico de miomatose 75 
5.2.2.1 Quadros de Saúde que antecederam o diagnóstico 
de miomatose 76 
5.2.3. As mulheres histerectomizadas 81 
5.2.3.1 Situação socioeconômica 81 
5.3. O conhecimento sobre a miomatose e práticas adotadas para o 
tratamento 83 
5.3.1. O conhecimento da histerectomia 84 
5.4. O acesso aos serviços de saúde e as conseqüências para a saúde 
da mulher 91 
5.5. A relação médico-paciente 93 
5.6 Tradição cultural 97 
5.7. Religião 99 
5.7.1. As experiências junto ao universo religioso das entrevistadas 102 
5.7.1.1. O Centro Espírita Irmão X 102 
5.7.1.2. Igreja Deus é Amor 102 
5.7.1.3. Igreja Universal do Reino de Deus 103 
5.7.1.4. Igreja Assembléia de Deus 104 
5.7.1.5. A Igreja Católica Santa Margarida Maria 105 
6. SAÚDE, DOENÇA: OS MIOMAS E A HISTERECTOMIA 
NAS REPRESENTAÇÕES DAS MULHERES 106 
6.1. As representações sociais de saúde 108 
6.2. A saúde enquanto função social 109 
6.3. A saúde enquanto uma função econômica 111
6.4. As representações sociais da doença 112 
6.5. As representações sociais dos miomas uterinos — seus locais 
de construção 117 
6.5.1 A construção da malignidade dos miomas nas relações de 
amizade 119 
6.5.2. A construção da malignidade dos miomas na relação familiar 119 
6.5.3. A construção da malignidade do mioma no Centro de Saúde 120 
6.6. Os tumores e as imagens da televisão 121 
6.7. As representações sociais da histerectomia 126 
6.8. A histerectomia e a saúde orgânica 127 
6.9. A histerectomia e a saúde emocional 128 
6.10. A reação diante do sentimento de exclusão social 131 
7. O AUDIO-VISUAL E AS OFICINAS 133 
7.1. A dinâmica das oficinas 134 
7.1.1. A apresentação do vídeo “Conversando sobre miomas uterinos” 
134 
7.1.2. As reações das entrevistadas diante das informações 135 
7.2. A análise 136 
7.2.1. Conhecimento adquirido: o que as participantes aprenderam 
sobre o mioma e suas formas de tratamento 136 
7.2.1.1. Grupo 1 — Mulheres que não tinham conhecimento da 
miomatose até a participação nas oficinas 136 
7.2.1.2. Grupo 2 — Mulheres que não apresentavam 
diagnóstico de mioma, mas tinham algum 
conhecimento sobre a doença antes das oficinas 137 
7.2.1.3. Grupo 2A — Mulheres que tinham suspeita de 
miomatose 137 
7.2.1.4. Grupo 3 — Mulheres que tinham diagnóstico de 
miomatose 138 
7.2.1.5. Grupo 4 — Mulheres que tinham indicação de 
histerectomia 139 
7.2.1.6. Grupo 5 — Mulheres já histerectomizadas 139 
7.2.2. Medidas que as mulheres se dispuseram a tomar após 
participarem das oficinas: 140
7.2.2.1. Grupo 1 e 2 — Mulheres que não tinham o diagnóstico de 
miomatose 140 
7.2.2.2. Grupo 2A — Mulheres que tinham suspeita de 
miomatose 140 
7.2.2.3. Grupo 3 — Mulheres que tinham diagnóstico de 
Miomatose 140 
7.2.2.4. Grupo 4 — Mulheres que tinham indicação de 
histerectomia 141 
7.2.2.5. Grupo 5 — Mulheres já histerectomizadas 141 
7.3. Breve análise das oficinas 142 
7.4. Como as entrevistadas avaliaram as ação educativa 144 
8. RESULTADOS DA AÇÃO EDUCATIVA 147 
8.1. Considerações gerais 147 
8.2. Análise dos dados 149 
8.3. O conhecimento adquirido e os novos procedimentos para 
o tratamento dos problemas de saúde 151 
8.3.1. As mulheres do grupo experimental 152 
8.4. O conhecimento adquirido e a nova forma de se relacionar 
com as profissionais de saúde 156 
8.4.1. As mulheres do grupo de controle 159 
8.4.1.1. A insegurança manifestada pelas mulheres dos 
grupos experimental e controle 162 
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 163 
BIBLIOGRAFIA 163 
ANEXOS 177
ÍNDICE 
(Quadros e Tabelas) 
QUADROS PG 
QUADRO 1 - Composição da amostra inicial 52 
QUADRO 2 - Estimativas de ocorrências de miomatose e histerectomias 52 
QUADRO 3 - Problemas de saúde que conduziram 
mulheres brancas e negras à consulta ginecológica 
no centro de saúde 65 
QUADRO 4 - Providências tomadas em relação às 
suspeitas de miomatese 75 
QUADRO 5 - Período de tempo decorrido entre 
entre a tomada de conhecimento do diagnóstico 
do mioma e o início da pesquisa 76 
QUADRO 6 - Resumo das condições sócio-econômicas 
e faixa etária apresentadas pelas mulheres 
histerectomizadas 82 
QUADRO7/7A - Vida reprodutiva de mulheres brancas e 
negras 95 
QUADRO 8 - Resumo das representações sociais de saúde 110 
QUADRO 9 - Resumo das atitudes tomadas ao se sentirem 
doentes 116 
QUADRO 10 – Distribuição das 102 entrevistadas 
entre os grupos experimental e controle 133 
QUADRO 11 - Práticas que afirmaram que adotariam após 
as ações educativas, por cor 146 
QUADRO 12 - Situação final de miomas e histerectomia 147 
QUADRO 13 – Conhecimento sobre miomas e histerectomia 
após a participação nas 
Oficinas 152
TABELAS PG. 
TABELA 1 – Auto-classificação da cor 36 
TABELA 2 - A percepção de discriminação racial 37 
TABELA 3 - Atividades desenvolvidas no mercado de trabalho 
versus rendimentos médios mensais 60A 
TABELA 4 - Atividades desenvolvidas no mercado de trabalho 
versus escolaridade 61A 
TABELA 5 - Idade no momento da entrevista 62 
TABELA 6 - Mulheres que faziam a prevenção de câncer uterino 69 
TABELA 7 - Faixa etária em que receberam o diagnóstico de miomas 77 
TABELA 8 - Conhecimento acerca da histerectomia 85 
TABELA 9 - Medidas tomadas diante da indicação da histerectomia 91 
TABELA 10 - Razões que desestimulam a manter as recomendações 
médicas 92 
TABELA 11 - Adesão religiosa 100 
TABELA 12 - A representação dos miomas enquanto tumores malignos 
e seus locais de construção 118 
TABELA 13 - A representação da histerectomia 127 
TABELA 14 - Comentários sobre o conteúdo e apresentação do vídeo 145
RESUMO 
Mioma uterino – conhecido também como leiomioma, fibróide do útero ou 
fibroma – é um tumor benigno causado pelo crescimento anormal das células 
da parede uterina (miométrio). Surge na idade reprodutiva, raramente antes da 
menarca e pode regredir na menopausa. 
O tratamento dos miomas pode ser clínico, com o uso de medicamentos, ou 
cirúrgico, por meio de duas técnicas: a miomectomia, que consiste na retirada 
dos tumores e a histerectomia, que remove o útero. Ambas possíveis de serem 
realizadas por meio da laparoscopia. 
A literatura médica norte-americana afirma que as mulheres negras daquele 
país são mais predispostas a desenvolver miomas uterinos do que as mulheres 
brancas. 
Com o objetivo de verificar se o mesmo ocorria com as mulheres negras 
brasileiras, desenvolvi, no ano de 1995, uma pesquisa junto às usuárias, 
brancas e negras, de um centro de saúde localizado no Município de São 
Paulo, que atende predominantemente a população de baixa renda. Os dados 
desse estudo revelaram a maior incidência dos miomas entre as negras e 
evidenciaram também que o recurso à histerectomia ocorreu no período da 
vida reprodutiva, sendo igualmente mais freqüente entre as negras. Esse 
estudo converteu-se em dissertação de mestrado, desenvolvida junto a 
PUC/SP e ao Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. 
Frente a esses dados, no ano de 1999, já no doutorado, iniciei, no mesmo 
centro de saúde, uma nova pesquisa com a proposta de desenvolver com as 
suas usuárias ações educativas que envolveram 102 mulheres, divididas 
igualmente por cor, com e sem diagnóstico de miomatose, além de uma 
abordagem especial com outras 05 que já se encontravam histerectomizadas. 
A metodologia de trabalho utilizada compreendeu duas fases: A primeira, foi 
composta por uma pesquisa domiciliar com todas as mulheres a fim de verificar 
seus conhecimentos sobre miomas e histerectomia. De posse desses 
resultados, que revelaram um acentuado desconhecimento sobre os miomas e 
suas formas de tratamento produzi um primeiro vídeo, que contou com a
participação de suas respectivas médicas na gravação das informações sobre 
essa doença, as formas de tratamento e em especial, da histerectomia. Esse 
material foi apresentado e discutido com metade das entrevistadas. Na 
segunda fase: após um período de nove meses, retornei às suas residências 
com o objetivo de verificar se aquelas que tomaram contato com as 
informações transmitidas no vídeo teriam alterado as formas de entender e 
lidar com os miomas. Feito isso, produzi um segundo vídeo incorporando, além 
das informações sobre a miomatose existentes no primeiro, os depoimentos de 
um grupo de entrevistadas acerca de suas experiências com a doença. 
Os resultados mais expressivos se referiram às alterações dos 
comportamentos de grande maioria das entrevistadas que, após terem sido 
expostas às ações educativas, passou a seguir as recomendações médicas, 
além da resistência das mulheres, brancas e negras, em aceitarem a existência 
das doenças raciais/étnicas por avaliarem ter essa discussão uma conotação 
discriminatória.
ABSTRACT 
Uterine myoma—also known as uterine fibroid or fibroma—is a benign tumor 
caused by the abnormal growth of cells in the uterine wall and can be located in 
the external wall, in the internal wall or within the uterine muscles. The 
treatment of myomas may be clinical or surgical: myomectomy, which removes 
the myomas but keeps the uterus and hysterectomy, which removes the uterus. 
The US medical literature indicates that myomas have a higher incidence 
among black women. Within the larger cultural context that Brazilians believe 
they live in a “racial democracy”, it is difficult to study racial differences in 
disease in Brazil due to a general lack of data. Medical reports typically do not 
contain any indication of racial identity. Because most doctors and health staff 
are unaware of the relationship between race and health, they do not consider it 
important or relevant to write down the racial characteristics of the patients. 
In 1995, I conducted field research among the users of a health center located 
in the City of São Paulo, which predominantly serves the surrounding low-income 
population with the purpose of investigating whether uterine myomas, 
as in the US case, had a higher prevalence among black women. This study 
refers to my master’s dissertation, conducted at the Catholic University of São 
Paulo (PUC/SP) and the Brazilian Center of Analysis and Planning. 
The data reveal a higher incidence of myomas among black women also 
showed that the use of hysterectomy occurred in the period of reproductive life, 
and that it was more frequent among black women. 
So, in 1999, I conducted, at the same health center where I had collected my 
previous research, a new study with the purpose of applying among the users a 
program of educational outreach. I conducted a survey of 102 women who were 
equally divided by race and who had been diagnosed myomas and not. In 
addition I worked with five women histerectomy who had been histerectomy. 
The objective was to investigate how they dealt with the medical treatment they 
had been assigned. Then, with the results in hand, I produced a first video with 
the participation of the doctors who provided information on myomas. This 
material was presented to and discussed with the interviewees. The second 
phase took place nine months later, when I returned to the homes of all 
interviewed women and applied a follow-up questionnaire, whose aim was to 
verify if, upon contact with the information given by the video, they had changed 
the way they understood myomas and, for those with a diagnosis, how they 
handled their treatment. Following this, I produced a second video, which 
included, in addition to the information on the myomas, testimonies of a group 
of interviewees. 
The more significant results gleaned in the first phase of my research were that 
women had an overwhelming lack of information about myomas and the ways 
to treat them. The results of the educational outreach with the videos 
demonstrated this was an effective practice. The most significant results
concerned the behavior changes seen in the interviews as most of the 
interviewees begun to follow the medical recommendations after they went 
through the Educational Actions. Another important finding was that these 
women, both black and white, thought that associating any kind of illness to a 
racial group was discriminatory.
1. INTRODUÇÃO 
O presente estudo discute os resultados obtidos por meio de uma 
proposta de ações educativas para usuárias de um serviço público de saúde, 
que teve como fim avaliar o alcance da difusão de informações para a redução 
da histerectomia em razão de miomas uterinos. 
Ao iniciar esta apresentação, percebo-me fazendo um prazeroso 
exercício de retrospecção. Quando decidi dar continuidade à minha formação 
acadêmica e profissional e dedicar-me à investigação das doenças 
raciais/étnicas, mais exatamente a prevalência de miomas uterinos em 
mulheres negras, estava assumindo comigo mesma, e com as demais 
mulheres brasileiras, principalmente as de baixa renda, um compromisso 
especial, repleto de estimulantes desafios. 
Tanto quanto apresentar a metodologia científica utilizada para a 
conquista de meus objetivos, julgo ser relevante relatar, primeiramente, algo 
que os instrumentos de coleta por si só não podem alcançar. 
Refiro-me às trilhas que percorri e às inúmeras, diversas e intensas 
emoções que vivenciei para chegar à conclusão desta tese de doutorado. 
Considero este o momento ideal para refletir sobre elas. 
Para tratar especificamente da ocorrência de miomatose em mulheres 
negras precisei, desde o início, empreender um exercício pautado na 
obstinação, que, porém, com muito esforço, produziu resultados vitoriosos. 
Obstinação porque, no Brasil, a busca de informações sobre esse particular – 
doenças raciais/étnicas – é extremamente difícil. E vitorioso porque cada 
passo, por menor que fosse, significava uma conquista e, mais do que isso, 
reforçava o sentimento de que estava seguindo o caminho correto. Precisei 
também de muito empenho para manter o equilíbrio das emoções – conforme 
instrui a metodologia de pesquisa em Ciências Sociais – em virtude de
desempenhar, simultaneamente, os papéis de investigador e de objeto da 
investigação. 
Tudo começou em 1992, quando, por iniciativa e sob a coordenação da 
Profa. Dra. Elza Berquó, teve início, no Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e 
Planejamento, o programa Saúde da População Negra, destinado à formação e 
aperfeiçoamento de pesquisadoras negras para o desenvolvimento de estudos 
voltados à esse fim, do qual tive o privilégio de participar. Este programa 
contou com o financiamento da The John D. and Catherine T. MacArthur 
(Estados Unidos, 1992-1996), da British Embassy Council (Inglaterra, 1994- 
1995) e da Novib – Nethertands Organization for International Development 
Cooperation (Holanda, 1997-1998). 
Para o aprofundamento do estudo posterior sobre miomatose e 
histerectomia, também conduzido pelo Cebrap, contei ainda, nos anos de 1997 
e 1998, com uma bolsa de estudos concedida pela Fundação Carlos Chagas. 
Ao longo de sete anos (1992-1999) como bolsista desse programa, 
participei de várias atividades, destacando-se a produção de materiais 
educativos1 e a realização de seminários e workshops2, sempre dedicados à 
reflexão sobre as doenças prevalentes na população negra. 
Nesse período, com o acesso à literatura médica estrangeira, 
especialmente norte-americana, tomei conhecimento dos resultados de 
estudos e pesquisas que revelavam uma prevalência de miomas uterinos em 
mulheres negras. Interessou-me, então, investigar se tal fato também se 
verificava entre as mulheres negras brasileiras e, em caso positivo, quais 
seriam suas razões e conseqüências. 
Assim, sempre contando com o apoio e o estímulo da Dra. Elza Berquó, 
decidi ir em busca dessas respostas, as quais, em um primeiro momento, não 
me pareciam tão difíceis de serem obtidas. Com o passar do tempo, porém, 
revelaram-se extremamente complexas. 
1 Vídeo Eu, Mulher Negra, Cebrap, 1994; Cadernos de Pesquisa Cebrap, n° 2, 1994; Cartilha Anemia 
Falciforme/Anime-se e Informe-se – Cebrap e Fala Preta, 1996; Livreto População Negra em Destaque, 
1998. 
2 Seminários: Alcances e Limites da Predisposição Biológica, Cebrap (1994); Social versus Biológico, 
Cebrap (1993); Mulher Negra Excluída da Epidemiologia, Cebrap e Coletivo Feminista Sexualidade e 
Saúde (1994); Mulher Negra em Destaque, Cebrap e Neinb – Núcleo de Estudos Interdisciplinares do 
Negro Brasileiro, entre outros.
Tal complexidade deriva do fato de se tratar de uma investigação cujo 
eixo principal é a particularidade racial, mais especificamente a saúde da 
mulher negra, uma vez que no Brasil há uma dificuldade generalizada em se 
admitir a existência de discriminação racial entre brancos e negros. 
Como conseqüência, desconhece-se a existência das diferenças 
raciais/étnicas no tocante à saúde, chegando-se a interpretar a preocupação 
com a inclusão do item cor nos estudos ou nas informações sobre saúde da 
população como uma atitude desnecessária e até racista. 
Exemplo disso são os documentos de saúde onde, embora exista um 
campo para anotação da cor do paciente – conquista do movimento social 
negro e demais pesquisadores envolvidos com essa questão – essa 
informação raramente é preenchida pelos profissionais da área médica ou 
administrativa. 
Ao continuar minha busca, deparei-me ainda com outra dificuldade, 
dessa vez relacionada à identificação racial, a saber: foi necessário considerar 
a insistente indagação feita por muitos: quem é negro no Brasil? 3, já que 
fazemos parte de uma sociedade que, além de multirracial, é miscigenada. 
Na última década o debate sobre a questão racial extrapolou os fóruns 
de discussão da militância negra e ocupou o espaço acadêmico, merecendo 
ser citadas as disciplinas oferecidas no Programa de Pós-Graduação em 
Ciências Sociais da PUC-SP pela Prof.a. Dra. Josildeth Gomes Consorte, 
momentos em que brancos e negros, esses em sua maioria, têm-se reunido 
em uma atividade intelectual regular para discutir identidade e cultura negra. 
Assim, no que concerne à investigação sobre a relação existente entre 
miomatose e cor/raça, após ter recorrido sem sucesso à bibliografia 
especializada em saúde reprodutiva, parti em busca de informações junto a 
consagrados médicos ginecologistas que atuam no país, sendo que apenas 
um4, dentre sete profissionais entrevistados, relatou-me que, embora não 
tivesse feito um estudo cuidadoso nesse sentido, observara, ao longo de sua 
3 Sobre esse assunto, entendo que ser ou não ser negro é uma questão de identidade racial, uma posição 
de cunho individual. Todavia, no Brasil, conforme inúmeros estudos, independente de sua opinião, 
aqueles identificados como negros pela sociedade, na maioria das vezes, sofrem discriminação racial. 
4 José Carlos Riechelmann, médico ginecologista-obstetra e sexologista.
experiência profissional, que os casos mais graves e constantes de miomas 
uterinos estavam entre as mulheres negras. Os demais profissionais 
contatados desconheciam esse dado.
1.1. Mioma uterino e histerectomia 
1.1.1. Mioma uterino 
Mioma uterino também conhecido como leiomioma, fibróide do útero ou 
fibroma – é um tumor benigno causado por crescimento anormal das células da 
parede uterina (miométrio). É considerado um tumor comum no universo 
feminino, acometendo cerca de 20 a 25% das mulheres. Embora apresente 
crescimento lento, desenvolve-se com maior intensidade no período 
gestacional. Surge na idade reprodutiva, geralmente em mulheres com idade 
superior a 30 anos. São raros antes da menarca e podem regredir na 
menopausa Se cuidados devidamente, dificilmente acarretarão problemas para 
a saúde geral e reprodutiva da mulher (LETHABY, VOLLENHOVEN e 
SOWTER, 2001). 
Há várias explicações para a sua origem, mas não se sabe ao certo qual 
a causa. Admite-se que fatores genéticos têm contribuição importante para o 
seu desenvolvimento. 
Os miomas uterinos variam quanto ao tipo, forma, peso e tamanho. 
Localizam-se, na parede externa, na parede interna ou no interior da 
musculatura uterina. Mediante o exame da ultra-sonografia do útero é possível 
confirmar o diagnóstico e localizar o tumor evidenciando, inclusive, seu tipo. 
As formas de tratamento indicadas variam de acordo com a localização, 
o tamanho, os sintomas e as complicações que apresentam. Embora sejam 
denominados “tumores silenciosos” - uma vez que há a possibilidade de 
durante o período de sua evolução as mulheres permanecerem assintomáticas 
- os sintomas mais comuns são alteração de peso corporal, hemorragia e dores 
pélvicas. (LETHABY, VOLLENHOVEN e SOWTER, 2001). 
Nos Estados Unidos, os miomas têm sido muito associados à 
infertilidade e são mais freqüentes em mulheres negras, embora isso seja 
pouco documentado, (GROFF et al, 2000). 
Para EGWUATU (1989), as razões de tal prevalência são a alta 
incidência de infecções pélvicas não tratadas, já que tais infecções causam
irritação da parede uterina (miométrio), provocando o desenvolvimento do 
tumor. 
1.1.2. Práticas alternativas para a prevenção do mioma uterino 
Segundo afirmação de profissionais de saúde, existem práticas 
alternativas para a prevenção do mioma e a manutenção do equilíbrio 
hormonal. 
O desequilíbrio entre a produção hormonal do estrógeno e a da 
progesterona pode ser responsável pela ocorrência do mioma uterino. Fatores 
como condições materiais de vida - qualidade dos alimentos consumidos, 
controle do estresse, prática de atividades físicas, são altamente eficazes. 
Neste sentido, para auxiliar na prevenção do mioma uterino; os 
especialistas sugerem: 
a) alimentos ricos em vitaminas A, B e C e em fibras; 
b) evitar alimentos gordurosos, álcool, chocolate e carnes vermelhas; 
c) manter o baixo peso; 
d) fazer exercícios físicos para eliminação do estresse; 
e) consumir chá de ervas medicinais. (LARK, Susan, 1996) 
1.2. Histerectomia 
1.2.1. Formas de tratamento dos miomas uterinos 
O tratamento dos miomas pode ser clínico ou cirúrgico. O clínico, 
consiste na observação da evolução do tumor e, caso necessário, no uso de 
medicamentos. O cirúrgico poderá ocorrer, via duas técnicas: miomectomia e 
histerectomia. Para tanto, poderão ser utilizadas as técnicas da “cirurgia 
tradicional a céu aberto” e laparoscopia. 
A miomectomia a céu aberto ou laparoscópica retira apenas o mioma, 
conservando o útero, garantindo à mulher, se desejado, a possibilidade de
engravidar. A histerectomia, por sua vez, compreende a remoção do útero, 
acarretando, portanto, o fim definitivo da capacidade reprodutiva. 
A histerectomia abdominal - também conhecida como histerectomia 
completa é mais comumente indicada. Neste tipo de cirurgia a extração do 
útero é acompanhada pela remoção do colo e do canal uterino e, 
freqüentemente, dos dois ovários. Além de bastante complicada requer o 
tempo médio de cinco dias de internação hospitalar e sua recuperação dá-se 
em torno de seis a quarenta e oito semanas. (MANSON, 1996). 
A histerectomia completa deve ser indicada para os casos de doenças 
malignas como o câncer de útero e de ovário, sendo o seu uso para as 
doenças benignas é condenável. Por outro lado, mesmo nas situações não 
cancerígenas, e mediante a gravidade do quadro clínico que a paciente 
apresentar, poderá ser recomendada como meio de redução da mortalidade, 
como é o caso das hemorragias abundantes e incontroláveis. 
No que se refere à histerectomia vaginal, essa apresenta vantagens 
sobre a abdominal porque ovários certamente serão conservados, o tempo de 
permanência da paciente no hospital é inferior e o de recuperação também, 
podendo ainda ter seus efeitos reduzidos se for feita mediante laparoscopia. Na 
realização da histerectomia vaginal o abdômen tende a sair de seu lugar. Por 
esse motivo, é comum a prescrição da reposição hormonal meses antes da 
cirurgia, a fim de que o abdômen possa voltar a posição correta. (MANSON, 
1996). 
1.2.2. Indicação da histerectomia 
A indicação da histerectomia é matéria de polêmica entre os 
profissionais de saúde. Segundo normas estabelecidas pelo Colégio Americano 
de Obstetrícia, a histerectomia somente deve ser indicada para os casos 
malignos como os cânceres de útero e de ovário ou nas situações em que, 
mesmo que benignas, apresentem risco de vida para a mulher, como por 
exemplo nas hemorragias crônicas e incontroláveis. Nos demais casos o 
tratamento deve ser terapêutico ou, se necessitar de intervenção cirúrgica, 
dever ser tentada as menos invasivas.
No caso dos miomas, a histerectomia só deve ser indicada quando o 
tumor atinge tamanho igual ou superior a doze semanas de gravidez, em casos 
de anemia grave e incontrolável ou devido à dores intensas – situações em que 
os medicamentos ou os recursos cirúrgicos menos invasivos mostrem-se 
ineficazes. 
1.2.3. Efeitos colaterais da histerectomia 
Segundo CHRISTIANSEN (1994), os efeitos colaterais advindos da 
histerectomia - tenha sido abdominal ou vaginal - podem trazer complicações 
para a saúde física e emocional da mulher. 
Na maioria dos casos o pós operatório compreende as seguintes 
situações: 
a) Recuperação: O processo de restabelecimento da mulher 
histerectomizada é longo e doloroso. Podem variar entre leves e agudos 
acompanhando a mulher durante todo o período de convalescência. 
Atingem constantemente a região abdominal e o corpo de maneira geral 
- cabeça, pernas e costas. Além dos problemas na bexiga e no reto, 
b) Estados depressivos - São comuns os casos de depressão. 
Freqüentemente a mulher histerectomizada necessita de apoio 
terapêutico devido a vários fatores - a impossibilidade de constituir ou 
aumentar sua prole, entender ou sentir que está incapacitada para a vida 
sexual, sentimento de amputação do corpo e da perda da feminilidade 
entre outros; 
c) Falta do hormônio - Mediante a remoção dos ovários inicia-se 
abrupta e precocemente a menopausa com sérias conseqüências para a 
saúde da mulher, como ondas de calor, ressecamento da vagina, 
alteração da libido, osteoporose e problemas cardíacos; 
d) Além da esterilidade, a histerectomia pode apresentar também sérias 
conseqüências para a saúde física e emocional da mulher, sendo ainda uma 
importante causa de mortalidade feminina. Logo, esse recurso cirúrgico é uma 
conduta que deveria ser reservada para os chamados “casos excepcionais”,
tão-somente quando a miomectomia estivesse contra-indicada. (AGUIAR e 
OLIVEIRA, 2000)5. 
No entanto, pesquisas norte-americanas realizadas recentemente 
investigaram que a ocorrência da histerectomia devido aos casos dos miomas 
poderia ser evitada. Apontam que é comum esta cirurgia ser indicada sem 
antes se tentar tratamentos alternativos ou a investigação rigorosa das causas 
que justificassem os seus problemas de saúde. (Obstetrics & Gynecology, 
2000) 
1.2.4. Formas de tratamento consideradas menos invasivas 
Segundo a literatura médica, existem outras técnicas para o tratamento 
e remoção do mioma uterino, algumas delas descobertas recentemente, que 
podem ser utilizadas de acordo com o quadro clínico que a mulher apresentar, 
ou seja em função da localização, tamanho e desejo de ter filhos. No entanto, 
há por parte dos profissionais de saúde controvérsias quanto a eficácia e a 
indicação entre elas: 
1. Miomectomia laparoscópica: consiste em introduzir uma pequena 
câmara na região abdominal permitindo, desta forma, o exame de todo o 
útero. È eficazmente superior a miomectomia (cirurgia que extrai os 
tumores conservando o útero), que, embora seja uma excelente 
alternativa cirúrgica, pode apresentar complicações no ato cirúrgico 
devido ao grande sangramento, incomum na laparoscopia, além de uma 
recuperação mais rápida, disseca o mioma (PALOMBA; PELLICANO e 
AFFINITO. 2001) 
5 Depoimentos prestados pelas médicas Regina Aguiar, Profa. do Departamento de Ginecologia e 
Obstetrícia da UFMG, e Fátima Oliveira, ambas da Regional Minas Gerais da Rede Saúde.
2. Histerectomia laparoscópica - introduz uma câmara no abdômen que 
disseca o mioma e também o útero, tornado, no entretanto, a mulher 
estéril. A vantagem desta opção é que a sua recuperação é mais rápida 
do que a histerectomia vaginal ou abdominal, sendo imediato o recesso 
dos sintomas de dores e hemorragia. (YOUNG e COHEN, 1997). 
3. Via lazer - também conhecida como eletrosurgical - mediante um 
tubo fino e com luz intensa em uma de suas extremidades, é possível 
através de sua onda de calor cortar ou vaporizar o tecido uterino 
dissecando o tumor. (BAGLEY, Grant; 1996) 
4. Endometrial ablation - é um procedimento rápido (cerca de 20 a 30’) 
e eficaz que utiliza-se da técnica via lazer. Dependendo da localização 
e do 
tamanho é possível, mediante uma só intervenção, remover determinado 
número de miomas. No entanto, não é recomendada para mulheres que 
desejam engravidar pois podem causar infertilidade (LEYLAND, BAE, e VILOS, 
1996) 
5. Radioterapia - Permite a ampla localização dos tumores e sua total 
remoção mediante a introdução um pequeno cateter sobre os tumores 
com a finalidade de disseca-lo. Nessa intervenção, não é necessário ser 
usado anestesia geral, mas somente um sedativo. E ainda, a 
reincidência dos tumores não ocorre em período inferior a cinco anos. 
Os efeitos resultantes deste tratamento é considerado superior aos 
apresentados pela laparoscopia, uma vez que essa requer o uso da 
anestesia geral, além de impossibilitar a localização e total extração 
dos miomas. (GOODWIN, 1997) 
6. Embolização: Técnica cirúrgica considerada pouco invasiva que 
consiste em desviar o fluxo de sangue que irriga e ‘alimenta’ o mioma 
reduzindo o seu tamanho e volume tendo ainda a propriedade de 
preservar a fertilidade. Estudos revelam que tem sido pouco recorrente 
as complicações pós-cirúrgica. (SHASHOUA et al, 2002)
1.3. Brancas e negras diante da miomatose 
Determinada a buscar respostas à minha indagação inicial – Seriam os 
miomas uterinos prevalentes entre as mulheres negras brasileiras? – decidi, no 
ano de 1993, iniciar o mestrado em Ciências Sociais, por entender que, para 
proceder a essa investigação seria necessário refletir sobre um espectro mais 
amplo da saúde reprodutiva das mulheres negras, no âmbito da academia. Foi 
seguindo esse caminho que, em 1995, sob a coordenação da Profa. Dra. 
Josildeth Gomes Consorte, apresentei, junto ao Programa de Pós-Graduação 
em Ciências Sociais da PUC-SP, a dissertação de mestrado intitulada Mulher 
Negra e Miomas: Uma Incursão na Área da Saúde, Raça e Etnia. 
Esse trabalho teve início com a seleção de um grupo de mulheres 
brancas e outro de negras que no mês de fevereiro de 1994 tiveram, por meio 
de exame de ultra-sonografia, diagnóstico de miomas uterinos. Em fevereiro de 
1995, realizei com elas entrevistas domiciliares, com o intuito de investigar as 
questões relacionadas aos seus miomas naquele período de um ano. 
Na ocasião, constatei que havia passado pelo Centro de Saúde, em 
fevereiro de 1994, 583 mulheres, das quais 361 brancas e 197 negras6. 
Desses totais, 83 (23,0%) mulheres brancas e 82 (41,6%) negras 
apresentavam miomas uterinos, números que revelaram a maior incidência 
desses tumores entre as mulheres negras entrevistadas. 
Constatei ainda uma maior recidiva dos sintomas7 e reincidência de 
miomas8 entre as mulheres negras, verificando-se que 62,1% delas e apenas 
14,4% das brancas voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos 
miomas. Do total de brancas que retornaram, 6,0% tiveram novos miomas 
diagnosticados por um novo exame de ultra-som, em contraposição a 21,9% do 
total de mulheres negras em idêntica situação. 
Segundo RIECHELMANN (1995), a periodicidade correta de uma 
consulta ginecológica para uma mulher que apresenta mioma é de, no mínimo, 
uma vez por ano. No entanto, os dados mostraram que as mulheres brancas 
6 Havia 25 fichas de matrículas em que não constava a cor da usuária. 
7 Recidiva dos sintomas: manifestação dos sintomas provenientes dos miomas anteriormente 
diagnosticados. 
8 Reincidência dos miomas: ocorrência de novos miomas identificados por comparação entre dois ou mais 
exames da ultra-sonografia.
faziam uma consulta aos serviços de ginecologia num prazo médio de 3,8 
anos, enquanto as negras o faziam a cada 4,7 anos. 
A desinformação sobre a doença e suas formas de tratamento era 
comum para a grande maioria das entrevistadas. Desconheciam o significado 
da recidiva dos sintomas e da reincidência dos miomas. Não sabiam também 
que a miomectomia, embora seja uma intervenção cirúrgica, mantém o útero, e 
não estavam inteiradas das conseqüências que uma histerectomia teria em sua 
vida reprodutiva. Imaginavam que, neste caso, somente “parte do útero” seria 
extraída e que poderiam engravidar se desejassem9. 
Parte dos profissionais de saúde afirma que o mioma uterino é uma 
doença familiar (OLIVEIRA, 1995). De fato, os dados do referido estudo 
mostraram que as entrevistadas eram irmãs ou filhas de mulheres com 
miomas, e que as condutas adotadas para o tratamento desses tumores eram 
semelhantes entre elas e, freqüentemente, distintas das recomendações feitas 
pela médica que as assistia. 
Para todos os casos de miomas, a forma de tratamento mais indicada foi 
o acompanhamento clínico, com o uso de medicamentos. Nos casos em que 
houve agravamento do quadro, procedeu-se à miomectomia ou à 
histerectomia. 
Chamou-me então a atenção o fato de que, do total de mulheres que se 
submeteram à histerectomia, 3,6% eram brancas e 15,9% eram negras. 
A maior incidência da histerectomia entre as mulheres negras 
relacionada aos fatores até aqui mencionados instigaram-me ainda mais. 
O alto índice de histerectomia entre as negras ocorreu, segundo a 
profissional de saúde que as atendeu, devido à gravidade de seus quadros 
clínicos, atribuída ao fato de terem abandonado o tratamento médico e à baixa 
freqüência às consultas ginecológicas, circunstâncias que devem ser 
examinadas levando-se em conta as dificuldades de acesso aos serviços 
públicos de saúde. 
9 Interessante notar que, no estudo ora desenvolvido, este desconhecimento relacionado às 
conseqüências fatais da histerectomia na capacidade reprodutiva não esteve presente entre as 
entrevistadas.
1.4. As razões que me conduziram ao doutorado 
A apresentação da pesquisa, objeto da referida dissertação, passou a 
ser requisitada com freqüência, sendo sempre bem acolhida nos vários fóruns 
de discussão que tratavam da saúde da mulher. 
Animada com sua visibilidade, nutria naquela época a expectativa de 
que o estudo pudesse, de alguma forma, contribuir para que trabalhos mais 
abrangentes sobre o assunto fossem realizados. Porém, até o momento, como 
mostrarei adiante, poucas ações foram implementadas nesse sentido10. 
Pude então entender melhor, me aproximar e compartilhar do rol de 
dificuldades enfrentadas pelas consagradas integrantes do movimento social 
negro, que vêm, ao longo dos anos, se esmerando para mostrar a existência 
das desigualdades raciais/étnicas no tocante à saúde. 
Segundo os depoimentos de algumas delas, mesmo considerando os 
modestos avanços obtidos até o presente, a implementação de políticas de 
saúde voltadas à população negra esbarra em questões de fundo, relacionadas 
à identidade racial, e na ausência ou não preenchimento do quesito cor nos 
documentos de saúde, o que inviabiliza conhecer, por meio do levantamento de 
dados, as causas pelas quais adoecem ou falecem os negros11. 
Assim, profundamente incomodada com essa situação e contando mais 
uma vez com o apoio da coordenadora do projeto Saúde da População Negra, 
iniciei em 1997 o doutoramento, propondo agora um projeto de ação educativa 
com base em uma nova pesquisa. 
Essa nova pesquisa, objeto do presente trabalho, desenvolveu-se no 
mesmo centro de saúde em que foi realizada a anterior, o Centro de Saúde de 
Vila Morais, trata do mesmo tema, mulheres negras, miomas uterinos e 
histerectomia e pretendeu levar adiante as preocupações da dissertação de 
10 Em novembro de 1997, participei de uma importante Mesa Redonda em Brasília/DF — Saúde da 
População Negra Brasileira, na qual pela primeira vez o Ministério da Saúde propunha estudar o tema, 
ocasião em que expus os dados acima. 
11 A esse respeito ver OLIVEIRA, Fátima. Os múltiplos significados do fatalismo genético. Alcances e 
Limites da Predisposição Biológica. Cadernos de Pesquisa Cebrap, no. 02, 1994.
mestrado, cujo objetivo específico era verificar a incidência desses tumores 
entre brancas e negras. 
A prevalência dos miomas uterinos entre as negras, a acentuada 
ocorrência da histerectomia, o descumprimento das orientações médicas, a 
elevada desinformação sobre o assunto e suas conseqüências receberam 
agora um tratamento mais refinado. 
A produção de um vídeo e a realização de oficinas cumpriram também o 
propósito de informar, alertar, sensibilizar e orientar as usuárias do serviço de 
ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais sobre a epidemiologia dos 
miomas uterinos, o caráter irreversível da histerectomia e suas possíveis 
conseqüências negativas para a saúde física e emocional da mulher. 
Esse estudo fundamentou-se na hipótese central de que a informação 
tem a capacidade de alterar comportamentos. 
A reflexão teórica respaldou-se ainda em duas suposições. A primeira 
levava a presumir que, ainda que as entrevistadas possuíssem formas culturais 
específicas de entender e lidar com a saúde/doença, o fato de procurarem os 
serviços oferecidos pela medicina alopática significava que nela depositavam 
crédito, ou seja, confiavam no “saber” médico. A segunda permitia imaginar 
que, de posse das informações acerca dos miomas, das formas de tratamento, 
da histerectomia e das conseqüências do descumprimento das orientações 
médicas, não somente as mulheres com o diagnóstico da doença, como 
também as demais, sentir-se-iam estimuladas a manter os devidos cuidados 
com a saúde ginecológica. Em ambos os casos, estariam colocando em prática 
uma atividade preventiva, com o objetivo de reduzir a ocorrência da 
histerectomia. 
Além disso, havia a necessidade de informar as entrevistadas sobre a 
prevalência dos miomas e da histerectomia entre as negras. Dada a 
metodologia empregada, que permitia uma proximidade com as entrevistadas, 
acreditava ser possível transmitir a todas tal informação, o que, como será 
visto, não ocorreu de modo satisfatório. 
1.5. Apresentação do trabalho
O trabalho está dividido em nove capítulos. Após esta introdução, 
seguem os capítulos dois e três, que tratam de aspectos relativos à saúde da 
população negra, os demais que cuidam da análise dos dados obtidos na 
pesquisa e as considerações finais. 
Capítulo 1 - Introdução 
Capítulo 2 – O estado da arte dos estudos que tratam da saúde da 
população negra 
Apresenta dois momentos distintos: 1o levantamento da produção de 
estudos e pesquisas voltados à saúde da população negra junto aos setores do 
movimento social negro e acervo bibliográfico; 2º investigação das propostas de 
políticas públicas e as ações governamentais viabilizadas neste campo. 
Capítulo 3 – A questão racial no contexto dos estudos sobre a saúde da 
população negra brasileira. 
Trata das dificuldades em lidar com o conceito de raça/etnia presentes 
nos estudos sobre o negro brasileiro. 
Capítulo 4 – Metodologia 
Apresenta a metodologia utilizada nas duas etapas que compõem a 
pesquisa de campo. 
Capítulo 5 – O conhecimento dos miomas e da histerectomia. 
Analisa os resultados da pesquisa domiciliar realizada com 102 
mulheres, brancas e negras, com e sem diagnóstico, que constituíram a 
amostra, acerca do seu conhecimento sobre miomatose e histerectomia e com 
outras cinco mulheres que já havia se submetido a essa cirurgia. 
Capítulo 6 – Saúde, doença: os miomas e a histerectomia nas 
representações das mulheres. 
Traz uma reflexão sobre as representações sociais de miomatose e a 
histerectomia, a partir dos relatos das entrevistadas. 
Capítulo 7 – O áudio visual e as oficinas. 
Ocupa-se das discussões ocorridas por ocasião das apresentações do 
vídeo e nas oficinas.
Capítulo 8 – Avaliação do projeto de ação educativa 
Verifica o impacto das ações educativas sobre o comportamento das 
mulheres com e sem diagnóstico de miomatose que estiveram expostas 
àquelas informações. 
Compara os comportamentos destas mulheres com o das que não 
assistiram ao vídeo nem participaram das oficinas. 
Capítulo 9 – Considerações finais.
2. O ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS QUE TRATAM DA SAÚDE DA 
POPULAÇÃO NEGRA 
2.1. Considerações gerais 
O estudo das doenças raciais/étnicas encontra sua origem na junção de 
reivindicações parciais de dois movimentos sociais anteriores: o movimento 
negro e o movimento de mulheres. Do movimento negro, herdou 
principalmente sua base conceitual e política e do movimento de mulheres, um 
olhar atento para a saúde da mulher em geral e da mulher negra em particular. 
A presente reflexão foi desenvolvida com base em dados extraídos de 
estudos e pesquisas realizados a partir da segunda metade da década de 
1980, que versam sobre a saúde da população negra. 
Nesse sentido, passarei a expor as reivindicações e propostas de 
políticas públicas feitas pelo movimento de mulheres negras e demais 
pesquisadores da área. 
2. 2. Origens e trajetória do movimento negro 
Para PEREIRA (1981), os estudos sobre o negro no Brasil podem ser 
divididos em três fases distintas: o negro como expressão de raça, como 
expressão de cultura e como expressão social. 
Segundo o autor, a primeira fase – o negro como expressão de raça - 
caracterizou-se por uma imagem negativa e patológica do “homem de cor” 
perante os outros grupos raciais que formam a população. Essa fase, em que 
as noções se fundamentam na idéia de raça, foi respaldada em larga medida 
pela Antropologia Física que hierarquizava os grupos raciais. No Brasil, esse 
momento rompe o século XIX e vai até o início do século XX. A segunda fase – 
o negro enquanto expressão de cultura – iniciou-se na década de 1920 e teve 
como característica o fato de que os atributos raciais eram colocados em plano 
secundário, cedendo lugar às peculiaridades culturais. A terceira fase – o negro
enquanto expressão social - iniciou-se após o fim da Segunda Guerra Mundial 
e tratou o conceito de raça como realidade empírica, sendo marcada por uma 
revisão de toda a problemática social, política e científica sobre a variedade 
fenotípica dos diferentes grupos humanos. 
A partir da segunda metade da década de noventa, SANTOS (2001) 
aponta o surgimento de uma nova fase: a da cidadania, onde os estudos e 
pesquisas sobre a temática racial, impulsionados pelo Movimento Social Negro, 
passam a focar problemas específicos voltados para a área da educação, 
trabalho e políticas públicas. No que se refere ao campo da saúde, observa-se, 
no mesmo período, uma significativa, ainda que insuficiente, produção de 
trabalhos sobre o assunto. 
Como conseqüência, ainda que timidamente, a sociedade começa a 
perceber mudanças no que diz respeito às políticas voltadas para a população 
negra. 
2.3. O movimento social negro 
A partir da década de 1920, firma-se no Brasil uma imprensa negra, de 
cunho político, que denunciava as práticas de discriminação racial e a situação 
de inferioridade sócio-econômica dos negros. Apresentava-se como um veículo 
político e posicionava-se em relação ao modo pelo qual o negro deveria se 
comportar na sociedade para que tivesse o reconhecimento social do branco. 
Naquela época, destacaram-se os jornais O Clarim d’Alvorada (1924 a 
1932) e a Voz da Raça (1933 a 1937) (PAHIN, 1993) 
Em 1931, surge a Frente Negra Brasileira, que chegou a se registrar 
como partido político e foi extinta em 1937, no início do governo Vargas 
(CUNHA, 1992). 
Durante o Estado Novo (1937 a 1945), o movimento negro passou por 
uma fase de grande silêncio, quando todos os movimentos sociais foram 
reprimidos pelo autoritarismo político do período. Porém, em 1944, já na fase 
autoritária final, foi fundado por Abdias Nascimento, referência maior do 
Movimento Social Negro contemporâneo, o Teatro Experimental do Negro
(TEN). O grupo contou com a figura de porte do intelectual negro bahiano, 
Guerreiro Ramos e teve, no princípio, um perfil cultural, politizando-se em 
seguida, impulsionado pelos novos ventos democratizantes do pós-guerra. 
CHOR (1996) comenta o entendimento de Guerreiro Ramos a respeito 
do TEN, para o qual ele seria "uma elite de intelectuais de cor" com a tarefa de 
estreitar a distância entre o "negro legal" e o "negro real" . 
Essa expressão, segundo Guerreiro Ramos, sintetizava a diferença 
existente entre a igualdade formal de direitos com a realidade que de fato parte 
dos negros vivenciavam em seus cotidianos. 
Quando da emergência e funcionamento do TEN (anos 40 e 50), o 
momento mundial era de combate ao racismo em escala planetária. 
Na década de 1950, a UNESCO - United Nations Educational, Scientific 
and Cultural Organization iniciou uma série de estudos12 no Brasil para 
investigar como se dava a inserção dos negros na sociedade e, sobretudo, 
identificar as barreiras à sua ascensão social (SOUZA, 1995). 
Em continuação à movimentação da militância negra nos anos 1930 
(Frente Negra Brasileira) e nos anos 1940/1950 (Teatro Experimental do 
Negro), irrompe, na década de 70, o MNU - Movimento Negro Unificado, 
retomando uma tendência interrompida nos anos 1960, especialmente 
marcados pelo rompimento da democracia em 1964. 
Todavia, antes do MNU ser criado em 1978 em São Paulo, “já estava em 
atuação nas principais cidades brasileiras um sem-número de entidades 
culturais negras”. (GUIMARÃES, 2001). Em 1974 são fundadas duas entidades 
importantes do movimento negro: o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras 
(IPCN) no Rio de Janeiro e o bloco afro Ilê Aiyê em Salvador. Em 1976, no Rio 
de Janeiro, surge a Escola de Samba Quilombo e em Salvador é criado o 
Centro de Pesquisas das Culturas Negras. 
O MNU surge em sintonia com o forte movimento de redemocratização 
do final dos anos 70 e, neste sentido, acompanha a atuação que já tivera o 
TEN em 1944. Define sua linha de atuação inicial em três vertentes: 
12 Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Otavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, entre 
outros, participaram da iniciativa da UNESCO.
1.Denunciar o racismo e o preconceito racial; 2.Denunciar o mito da 
democracia racial e 3.Buscar a construção de uma identidade racial. 
(GUIMARÃES, 2001) 
Os anos 1980 foram marcados por uma movimentação impulsionada 
pela redemocratização do país. Nessa década são criados os primeiros órgão 
públicos voltados para a população negra: os conselhos estaduais (São Paulo, 
Rio Grande do Sul e Bahia) e a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao 
Ministério da Cultura. 
Após 1988, ano em que se celebrou o centenário da abolição e no qual 
se estabeleceu uma nova ordem constitucional, surgem novas entidades 
negras – com maior enfoque em conquistas sociais, ao invés de ênfase nas 
denúncias. São as organizações não-governamentais - ONGs, apelidadas de 
NEGRONGs. Há um sem-número delas atuando de forma dinâmica em todo o 
pais, das quais destacam-se o Geledés – Instituto da Mulher Negra, O Fala 
Preta e o Crioula, entidades mais voltadas para os direitos de cidadania da 
mulher negra. Destaca-se ainda o Centro de Articulação de Populações 
Marginalizadas (Ceap) e o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e 
Desigualdades (Ceert). 
A redemocratização em curso no país e o surgimento de novos partidos 
políticos também ampliou o espaço para o movimento negro apresentar suas 
reivindicações, verificando-se uma maior atuação de negros nesse setor o que 
culminou com a eleição de alguns candidatos negros (CUNHA, 1992). 
2.4. O movimento feminista e a saúde da mulher 
A partir dos anos 1970, muitas foram as discussões em torno da 
participação política, econômica e social da mulher na sociedade, sendo um 
grande marco o Ano Internacional da Mulher, declarado pela ONU - 
Organização das Nações Unidas em 1975. 
Na década de 1980, o movimento feminista iniciou uma luta pela 
atenção específica à saúde da mulher e tinha como objetivo discutir, propor e 
reivindicar políticas públicas, além de produzir estudos voltados à saúde da 
população feminina, sem que naquele momento fizesse parte de suas reflexões
a variável cor/raça. A partir de então, as mulheres negras passam a discutir a 
especificidade racial/étnica no tocante à saúde. (ARAÚJO, 2001). 
Em 1985, com base em uma reivindicação do movimento de mulheres, 
foi criado o PAISM – Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que 
oferecia às mulheres o direito de assistência à saúde curativa e preventiva, 
mas não contemplava as questões relativas à saúde da mulher negra. 
(OLIVEIRA, 1994). 
No final da década de 1980 foram implantados serviços destinados à 
saúde da mulher, voltados especialmente para o planejamento familiar, a 
prevenção da mortalidade materna e a assistência à gestante de alto risco. Não 
obstante, permanecia o hiato entre a defesa dos interesses de gênero, pelo 
movimento feminista, e a luta pró-cidadania da população negra. 
Em 1988 surgiram as primeiras organizações de mulheres negras, que 
fundiam os ideais do movimento feminista e do movimento negro, voltando-se 
para os problemas da discriminação social, econômica, educacional e política 
da mulher negra (CARNEIRO, 1994). 
2.5. Introdução do recorte por cor/raça 
Em paralelo á trajetória dos movimentos de mulheres brancas e negras 
surgem, no mesmo período, uma série de estudos e pesquisas que incorporam 
a variável cor/raça. 
Na segunda metade da década de 1980, o NEPO – Núcleo de Estudos 
de População, da Universidade Estadual de Campinas iniciou importantes 
projetos de investigação demográfica acerca da população negra, os quais 
tornaram-se referências imprescindíveis. (OLIVEIRA, 1995)13 
A partir de então, vários pesquisadores e centros de pesquisa passaram 
a realizar estudos sobre a saúde da população negra. 
13 Destacam-se os títulos: Estudo da Dinâmica Demográfica da População Negra no Brasil (BERQUÓ, 
BERCOVICH e GARCIA, 1987), Fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões (BERCOVICH, 
1987); Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira (TAMBURO, 1987), Nupcialidade da População 
Negra (BERQUÓ, 1987); O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil 
(CUNHA, 1990).
Um estudo sobre nupicialidade mostrou que o índice de mulheres 
brancas casadas era maior que o de pardas e pretas, sendo maior a proporção 
de homens pretos unidos com mulheres brancas ou pardas, contrastando com 
o menor número de mulheres pretas casadas com homens pardos ou brancos 
(BERQUÓ, 1987). 
Outro estudo que comparou a fecundidade de mulheres brancas, pardas 
e pretas, revelou que, até 1960, dentre os três grupos, a fecundidade de 
mulheres pretas era sistematicamente menor, o que foi atribuído "à menor 
proporção de mulheres pretas que se unem" e "à menor proporção de 
mulheres prolíficas, mesmo as que estão unidas" (BERCOVICH, 1987). 
Um estudo acerca da mortalidade intra-uterina por cor mostra que as 
proporções de gravidezes entre pardas e pretas são semelhantes (1,92 e 1,91 
respectivamente), e que as primeiras apresentam maior número de nascidos 
vivos que as segundas, principalmente devido ao menor número de abortos 
espontâneos (0,24 contra 0,31), uma vez que os níveis da natimortalidade são 
semelhantes (0,06 contra 0,07) (MORELL e SILVA, 1988). 
Sobre amamentação, constatou-se que as mulheres pretas, em razão de 
suas condições sócio-econômicas, utilizam predominantemente a mamadeira 
para alimentar as crianças pequenas, em detrimento do aleitamento materno, 
forma mais indicada como fonte de alimento e proteção contra doenças e 
amplamente utilizada nos países pobres, inclusive na África (RÉA, 1988). 
A necessidade de trabalhar fora de casa, entre outros fatores, explica a 
maior utilização da mamadeira entre as pretas e as pardas, que recorrem 
pouco ao aleitamento materno por apresentarem situação econômica precária, 
embora não tão severa quanto a das pretas. 
Todavia, verificou-se que as mulheres pretas apresentam melhores 
índices de aleitamento no início da vida dos bebês (até o quarto mês), quando 
os fatores de ordem biológica mais interferentes – estabelecimento da sucção 
apropriada para um suprimento adequado de leite, não turgescência e 
esvaziamento correto das mamas, não existência de mastites ou rachaduras 
impeditivas da prática de amamentar seriam mais superáveis por estas do que 
pelas brancas. É a partir do quarto mês, aproximadamente, quando as
questões sociais passam a ter maior peso, que as brancas conseguem maior 
sucesso na lactação (RÉA, 1988). 
2.6. A importância da identificação racial na área de saúde 
A identificação racial14 é de suma importância nos serviços de saúde 
para o estabelecimento de "diagnósticos e prognósticos, na prevenção e no 
acompanhamento condigno, sobretudo das doenças atualmente consideradas 
raciais/étnicas" (OLIVEIRA, 1994). 
Existem doenças que incidem mais sobre uma determinada raça do que 
sobre outra, assim como mais sobre um sexo do que sobre outro: 
"Assim como existe uma patologia dos sexos, uma patologia das 
idades, temos também uma patologia favorecida pelo fator racial. 
São conhecidas as suscetibilidades e também a relativa imunidade 
especial de certas raças para determinadas doenças." (ROMEIRO, 
1968). 
2.7. Doenças raciais/étnicas 
Doenças raciais/étnicas são definidas como aquelas patologias que os 
grupos raciais – branco, negro, amarelo e indígena, ou étnicos – judeus, 
ciganos, etc. apresentam com exclusividade ou prevalência. São ainda as 
doenças que se caracterizam por uma evolução diferenciada nos distintos 
grupos populacionais, independentemente ou com pouca interferência das 
condições sócio-econômicas.15 
Segundo ZAGO (1993), as manifestações das doenças dependem das 
interações de dois fatores: genéticos e ambientais, sendo que em alguns tipos 
de doenças pode prevalecer ora o fator genético (como, por exemplo, na 
anemia falciforme), ora o fator ambiental (como nas infecções). Entre as 
doenças predominantemente genéticas e as predominantemente ambientais 
14 O uso dos conceitos cor, raça e etnia será tratado no Capítulo 3. 
15 Definição construída e extraída do Programa Saúde da População Negra, conduzido pela Área 
População e Sociedade do CEBRAP, 1992, sob a coordenação de Elza Berquó. Ver também, Cadernos 
de Pesquisa CEBRAP, nº 2, 1994.
situam-se as doenças resultantes destes dois fatores, como a febre reumática, 
o diabetes melito e a doença coronariana cardíaca. 
Dentre as doenças genéticas, a anemia falciforme é a mais comum no 
Brasil. Trata-se de uma anemia hereditária prevalente na população negra. 
Apresenta-se de modo variado entre os portadores. Existem aqueles que 
manifestam a doença na forma grave e aqueles que a apresentam na forma 
benigna, quase sem conseqüências. Portanto, dependendo do caso, o 
indivíduo portador desta doença pode falecer na fase infantil ou então 
sobreviver até a vida adulta, sem complicações graves. Esta variação depende 
da interação dos fatores genéticos e ambientais, representados pelas 
condições sócio-econômicas no sentido amplo, ou seja, higiene, qualidade de 
alimentação, acesso a assistência médica (ZAGO, 1993). 
Cada grupo populacional apresenta distintamente incidência e 
prevalência de doenças, de acordo com os fatores ambientais, genéticos e a 
interação entre eles. (ZAGO, 1993). 
Várias são as doenças genéticas que se manifestam de modo diferente 
em diversos grupos humanos: Uma delas: 
“é uma forma de porfiria, que afeta os brancos na África do Sul com 
uma freqüência cerca de trezentas vezes maior que entre as outras 
populações de caucasóides. A fibrose cística, extremamente 
freqüente em populações européias, sua incidência é máxima no 
norte da Europa e vai diminuindo em direção ao sul, sendo 
extremamente rara entre negros e orientais. A doença de Tay- 
Sachs, que é uma anormalidade genética observada entre judeus 
ashkenazi, é extremamente rara em outros grupos de judeus. 
Também as hemoglobinopatias têm uma distribuição muito 
heterogênea em diferentes populações humanas. Por exemplo, as 
talassemias são muito freqüentes em povos mediterrâneos e do 
sudoeste da Ásia, sendo raras ou ausentes em outras populações. 
Por outro lado, a anemia falciforme é muito freqüente em algumas 
populações africanas e praticamente inexistente na Europa e na 
Ásia”. (ZAGO, 1993)
Ao comparar doenças de fundo genético entre as populações negra e 
branca dos Estados Unidos, ZAGO (1994) mostra que a hipertensão arterial é 
mais freqüente e mais grave em negros, podendo sua causa ser justificada 
pelos seguintes fatores: estresse sociocultural, constituição genética, hábitos 
alimentares, peso corporal (obesidade). 
Ainda segundo o autor, os casos de diabetes melito tipo I, mais grave, 
são mais freqüentes em brancos do que em negros, enquanto o tipo II é 
prevalente nestes. O albinismo é uma anormalidade genética. O mais comum é 
o albinismo óculo-cutâneo tirosinase-negativa, que acomete igualmente negros 
e brancos, mas a tirosinase-positiva é duas vezes maior em negros. A 
deficiência de lactase, que resulta em intolerância ao leite, é mais comum em 
negros. Algumas malformações congênitas apresentam-se predominantemente 
em negros e outras em brancos, de acordo com os fatores genéticos e 
ambientais: a anencefalia aparece mais em brancos do que em negros, e a 
hipoplasia do pulmão é prevalente em negros. O câncer dermatológico é mais 
freqüente na população branca, embora ocorram determinados tipos de 
cânceres prevalentes em negros. A sobrevivência de negros com câncer é 
menor do que a de brancos, o que, segundo OLIVEIRA (1993), parece estar 
diretamente relacionado com as condições sócio-econômicas. 
Ainda com relação aos cânceres, ARAÚJO (1993) aponta que as 
mulheres negras norte-americanas apresentam o dobro de incidência de 
câncer no colo do útero em relação às mulheres brancas, sendo que o 
desenvolvimento deste câncer está associado às condições de pobreza. Já as 
mulheres brancas apresentam maior predisposição para desenvolver o câncer 
de mama, porém, "na última década, de 12% a 15% das mulheres negras com 
câncer de mama apresentam uma média de sobrevida cinco vezes menor que 
as mulheres brancas", o que pode ser justificado, segundo a autora, pelo 
precário acesso aos serviços de saúde de boa qualidade. 
São também características da população negra as síndromes 
hipertensivas na gravidez e a mortalidade materna (OLIVEIRA, 2001). 
2.8. A influência dos fatores sócio-econômicos
Segundo afirma OLIVEIRA (2001): 
“[Embora] sejam poucas (e de fato são) as doenças que podem ser 
catalogadas como raciais ou étnicas, na população negra elas 
atingem precocemente um número expressivo de pessoas, e suas 
decorrências na morbimortalidade em si já justificariam uma 
atenção especial. Além disso, todas elas são doenças que têm uma 
interferência muito íntima na saúde reprodutiva da mulher negra e 
na diminuição da vida produtiva de negros em geral”. 
A precariedade das condições de vida atua negativamente sobre a 
situação de saúde da população em geral, porém, como se sabe, os negros, 
em sua maioria, residem nas áreas mais carentes de políticas públicas 
essenciais, como saneamento básico, escolas e instituições de saúde, além de 
apresentarem baixa qualificação profissional e renda mensal aquém do mínimo 
necessitado. 
Tal situação é ainda mais prejudicada pela existência explícita ou velada 
de práticas racistas na sociedade brasileira, o que contribui acentuadamente 
para a manutenção ou a piora da baixa estima e do risco de adoecimento físico 
e mental (OLIVEIRA, 2000). 
Estudos revelam que o câncer do colo do útero é duas vezes mais 
freqüente em mulheres negras que nas brancas. Várias pesquisas atestam que 
este tipo de câncer é diretamente proporcional às condições de pobreza, 
confirmando que a precariedade das condições sócio-econômicas compromete 
efetivamente a saúde da população negra (OLIVEIRA, 2001). 
Uma pesquisa sobre demografia e saúde constata a desigualdade 
social, econômica, de risco reprodutivo e de acesso aos serviços de saúde 
existentes entre a população negra e a branca, evidenciando aspectos que 
reforçam a especificidade da questão (PERPÉTUO apud OLIVEIRA, 2000). 
Os dados demostram que: 
1. a condição sócio-econômica das mulheres negras é 
significativamente inferior à das brancas, em especial no que se 
refere ao acesso a bens e serviços e nível educacional;
2. a proporção de mulheres negras sob risco reprodutivo é muito maior 
que as brancas, com maior índice de gravidez na adolescência e 
mulheres com 3 filhos ou mais; 
3. as negras têm um conhecimento precário sobre a fisiologia 
reprodutiva e registram uma fecundidade maior que as brancas. 
Apenas 20% sabem localizar o período fértil (em contraste com 37% 
das brancas); 
4. as negras têm acesso precário à anticoncepção, sendo o dobro das 
brancas o percentual de negras que nunca usou anticoncepcional ou 
que passou a usar método contraceptivo somente após ter tido 2 ou 
mais filhos. 
2.9. Mortalidade 
No Brasil, os negros morrem mais precocemente em todas as faixas 
etárias, em decorrência de causas que são geralmente previníveis e evitáveis 
(OLIVEIRA, 2001). 
Particularmente em relação á mulher negra, quando se considera a 
mortalidade por cor, verifica-se que a mortalidade de mulheres pretas é maior 
que a das pardas, e maior ainda que a das brancas, relação também 
encontrada na mortalidade infantil, o que pode ser justificado pelas precárias 
condições de vida e saúde em que vive a maioria da população negra 
(CUNHA,1990). 
Comparando-se a mortalidade proporcional por faixa etária da mulher 
negra com o homem branco, constata-se que o percentual de óbitos antes dos 
50 anos é de 40,7% na mulher negra e de 39% no homem branco, 
contradizendo a afirmativa de que mulheres vivem mais que homens. Para as 
mesmas doenças, apresentadas por negras e brancas, verifica-se que a 
mortalidade das negras é maior. (BARBOSA, 2001).
A mortalidade infantil das crianças negras é elevada e vem registrando 
uma piora. Já em 1960, a mortalidade de crianças brancas era 44% menor do 
que a de crianças pardas e 33% menor do que a de crianças pretas. Em 1980, 
verificou-se a diminuição na mortalidade infantil de brancos, pardos e pretos, 
especialmente para brancos (36%). Para as crianças pretas observou-se a 
"diminuição da vantagem do subgrupo preto, que caiu de 7% para apenas 3% 
em 1980”. Em relação à escolaridade, a população negra, em sua maioria, 
apresenta níveis inferiores aos da população branca. Quanto maior o nível de 
escolaridade da mãe, menor o nível de mortalidade das crianças menores de 
um ano, de modo que também nesta relação é maior a mortalidade infantil de 
pretos, seguida pela de pardos (TAMBURO,1987). 
A mesma autora, ao estudar a mortalidade infantil no estado de São 
Paulo, utilizando-se dos dados do censo de 1991 e de estatísticas do registro 
civil, associando-os às variáveis cor/raça e a condições sócio-econômicas, 
verificou, entre outros resultados, a acentuada dificuldade de acesso de mães 
negras ás consultas de pré-natal, maior proporção de mulheres que 
apresentam nenhum ou baixos níveis de escolaridade, maior mortalidade de 
crianças negras vítimas de doenças infecciosas, parasitárias e respiratórias e a 
maior ocorrência de óbitos decorrentes da falta de assistência médica. 
O baixo peso ao nascer também se acentua para essas crianças, o que, 
como aponta a autora, pode ser conseqüência da desnutrição e de doenças 
maternas, como a hipertensão e diabetes, não controladas no período 
gestacional. (TAMBURO, 2001) 
2.10. O panorama atual da saúde da população negra 
Conforme a avaliação de (OLIVEIRA, 2001), ainda que na última década 
sejam crescentes no Brasil as discussões acerca das doenças raciais/étnicas 
relacionadas a população negra, esse debate, quer no interior das ONGs, quer 
no meio acadêmico, – exceto para a anemia falciforme - ainda não recebeu das 
escolas de medicina, o reconhecimento científico. 
2.11. Ações governamentais
No campo político, registram-se algumas iniciativas do governo 
(OLIVEIRA, 2001): 
1. Definição do quesito cor pelo Ministério da Saúde, desde março de 
1996, para a padronização de informações sobre raça e cor dos 
cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país. 
2. Realização da Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra pelo 
Ministério da Saúde e do GTI – Grupo de Trabalho Interministerial 
para Valorização da População Negra, em abril de 1996. 
3. Inclusão do quesito cor na Norma de Ética em Pesquisa Envolvendo 
Seres Humanos, outubro de 1996 pela Resolução 196/96. 
4. Organização da Pré-conferência Cultura & Saúde da População 
Negra (Brasília, setembro de 2000), promovida pela Fundação 
Cultural Palmares e pelo Ministério da Saúde, como parte das 
atividades preparatórias do governo brasileiro para a III Conferência 
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e 
Formas Correlatas de Intolerância. 
5. Implantação de medidas no campo da saúde e dos direitos sexuais e 
reprodutivos com perspectivas de benefícios para as mulheres 
negras: o quesito cor na Norma Técnica sobre Prevenção e 
Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra 
Mulheres e Adolescentes; a reinstalação do Comitê Nacional de 
Mortalidade Materna e a notificação compulsória dos óbitos maternos 
(1997). Inclusão do quesito cor nas declarações de óbito. 
6. Aprovação do Programa de Anemia Falciforme do Ministério da 
Saúde (PAF/MS) em agosto de 1996, uma diretriz completa para a 
atenção à anemia falciforme, com oferta do diagnóstico neonatal e 
ampliação do acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento. 
Porém, como afirma OLIVEIRA (2001), as ações governamentais até 
aqui empreendidas são, contudo, insuficientes para atender à demanda por 
políticas e serviços de saúde, uma vez que a maior parte ainda está em 
projeto.
2.12. Principais reivindicações 
Uma análise das principais reivindicações do movimento negro no que 
tange às políticas públicas na área de saúde permite elencar as seguintes 
medidas que, embora sem contemplação, traduzem necessidades prioritárias: 
1. implementação de políticas de educação continuada em saúde da 
mulher, em particular sobre saúde reprodutiva da mulher negra; 
2. inclusão de orientações específicas sobre saúde da mulher negra no 
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM); 
3. observação de cuidados especiais com a anticoncepção hormonal e 
o DIU (Dispositivo Intra-uterino) em mulheres portadoras de 
hipertensão, diabetes, miomas e anemia falciforme; 
4. dedicação de atenção especial ao risco de hipertensão arterial, 
especialmente, das mulheres negras por parte dos serviços de 
saúde, sobretudo durante o pré-natal; 
5. capacitação e formação de lideranças comunitárias sobre a saúde da 
população negra pelo Ministério da Saúde; 
6. incorporação de conteúdos que tratem da saúde da população negra 
nos treinamentos, capacitação e aperfeiçoamento do Ministério da 
Saúde; 
7. desenvolvimento de estudos nas escolas de medicina voltados para 
as especificidades da população negra. (OLIVEIRA, 2001). 
Neste sentido, a autora aponta a urgência da elaboração de um Plano 
Nacional de Atenção à Saúde da População Negra, que defina as diretrizes de 
ação a partir da inclusão do recorte racial/étnico, a fim de proporcionar uma 
abordagem diferenciada de determinadas doenças e contemplar as 
repercussões do racismo na saúde da população negra.
3. A QUESTÃO RACIAL NO CONTEXTO DOS ESTUDOS SOBRE A SAÚDE 
DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA 
No Brasil, são grandes as dificuldades em torno da identificação racial 
da população negra. O fato de sermos um país mestiço, que nunca adotou 
oficialmente uma linha demarcatória de cor, torna subjetiva a classificação e a 
auto-classificação dessa variável (CONSORTE, 1995). 
Tais dificuldades são invariavelmente vivenciadas por pesquisadores de 
qualquer área temática quando pretendem considerar em seus estudos o 
recorte racial/étnico. 
A categoria cor, entre nós, geralmente vem associada à idéia de raça, o 
que torna o tema complexo até mesmo do ponto de vista conceitual, aspecto 
reconhecido por estudiosos da área e que foi definido por SANTOS (2001) 
como um “terreno movediço”. 
Por um lado, a não sistematização do item cor pelo IBGE - Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística e o não cruzamento com outras variáveis 
impossibilita uma avaliação evolutiva e comparativa das condições de vida da 
população negra. Além disso, as categorias de cor utilizadas para definir a 
população negra nos Censos (parda e preta) são bastante discutíveis. 
(CARNEIRO, 1990). 
Por outro lado, a não-identidade racial existente entre os negros acentua 
essa problemática. 
3.1. O item cor 
O item cor foi introduzido no censo demográfico realizado no país, em 
1872, no qual a classificação da população compreendia as categorias branca, 
preta e parda. No recenseamento de 1890, as alternativas de cor foram 
mantidas.
Em 1940, foram adotadas as opções: branca, preta, amarela e parda 
(esta última destinava-se aos que não se enquadrassem nos três primeiros 
grupos). Os censos de 1950 e 1960 adotaram os mesmos critérios utilizados 
em 1940. 
No censo de 1970, foi omitido o quesito cor, que retornou em 1980, com 
as mesmas variáveis de classificação de 1940 (BERQUÓ, 1988). 
Em 1976, a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
incluiu pela primeira vez o quesito cor no Suplemento de Mobilidade Social e 
Cor, utilizando dois critérios para sua identificação: diante de uma pergunta 
aberta, o recenseado classificava sua cor livremente; depois, de acordo com as 
categorias preestabelecidas: branca, parda, preta e amarela (ARAÚJO, 1987). 
Os dois últimos censos, de 1991 e 2000, utilizaram cinco categorias para 
a identificação de cor: branca, parda, preta, amarela e indígena e valeram-se 
da auto-identificação. Contudo, o grande número e a variedade de cores 
mencionadas nas respostas, presentes já no Censo de 1980, evidenciam as 
dificuldades dos brasileiros para se auto-classificar em relação á sua cor 
(SANTOS, 2001). 
O IBGE em 1980 contabilizou mais de uma centena de cores: lilás, ouro, 
rosada, saraúba, encerada, branca suja, morena roxa, negrota, queimada, 
sapecada e turva são alguns exemplos do que SANTOS (2001) denomina de 
"exacerbado arco-íris brasileiro". 
3.2. Raça ou etnia? 
No Brasil, pensa-se em raça ou em cor? Ou, ainda: se reconhece raça 
ou etnia? 
Como foi dito, embora aqui a idéia de raça geralmente venha associada 
à categoria cor, em boa parte das vezes os termos são agregados, passando-se 
a ter uma noção de cor/raça. 
Os conceitos de raça e etnia no país são bastante polêmicos, tanto na 
academia, quanto nos centros de pesquisas e entidades do movimento negro.
Por vezes, o conceito de raça é tomado em sua acepção biológica, em outras, 
aparece como uma categoria social (OLIVEIRA, 1995). 
A noção de etnia, embora ainda pouco discutida no que diz respeito aos 
negros brasileiros, também gera polêmica. Segundo CONSORTE (1987): 
”Para a ideologia dominante, os negros não constituem grupos 
étnicos, não possuem territórios específicos, não falam a língua dos 
seus antepassados e, freqüentemente, ignoram tudo a respeito da 
história dos seus maiores" 
Para CONSORTE (1998), enquanto a idéia de raça se identifica cada 
vez mais com o passado, dando ênfase aos aspectos físicos, o conceito de 
etnia emerge vinculado ao futuro, pautado na noção de pertencimento e na 
comunhão de valores. 
Na conceitualização de raça, todavia, residem dificuldades reconhecidas 
pela maioria dos estudiosos da temática racial brasileira. Trata-se de uma 
discussão complexa, como reconhece SANTOS (2001), entre outros. 
No meio acadêmico, o tema tem em NOGUEIRA (1985) o enfoque que 
desmembra o “preconceito de origem” considerado típico dos Estados Unidos, 
do “preconceito de marca”, mais comum no Brasil. Por esse entendimento, 
seria negro, nos Estados Unidos, quem tivesse “origem” africana, 
independentemente do matiz da pele. Aqui, a cor da pele (marca) cuidaria de 
definir o indivíduo em termos raciais. 
Todavia, esse texto não traduz inteiramente o que acontece em um país 
de dimensões continentais, constituído por várias culturas, como o Brasil. 
Como se sabe, uma pessoa classificada como morena no nordeste tem grande 
chance de ser considerada negra no interior de Santa Catarina ou no Rio 
Grande do Sul. 
SCHWARTZMAN16 (1999), admite que essa possibilidade levantada por 
Nogueira talvez explique a ausência de uma “pesquisa sistemática no Brasil 
sobre o tema da origem, ao passo que o conceito de marca tem prevalecido, 
apesar das limitações que possam ter os dados existentes a este respeito”. 
16 Simon Schwartzman, foi presidente do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no período 
de maio de 1994 a janeiro de 1999.
Como afirma, tendo em vista a preparação do Censo de 2000, tentou-se 
aperfeiçoar o quesito cor, buscando introduzir a variável origem, o que 
atenderia melhor aos pesquisadores que trabalham com dados de população. 
Para tanto, como teste, fez-se uso da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 
julho de 1998. Pretendia-se verificar se os respondentes que se classificavam 
como pretos ou pardos identificavam-se como negros ou descendentes de 
africanos; assim como saber se aqueles auto-classificados como brancos se 
vinculavam a etnias específicas. Dessa forma, poder-se-ia vincular as 
respostas à pergunta básica sobre cor. Analisando o teste, assim se 
manifestou: 
“Os resultados confirmam que o Brasil não tem linhas de 
demarcação nítidas entre populações em termos de características 
étnicas, lingüísticas, culturais ou históricas, o que faz com que 
qualquer tentativa de classificar as pessoas de acordo com estas 
categorias esteja sujeita a grande imprecisão.” (SCHWARTZMAN, 
1999) 
Conclui, o autor, pela impossibilidade de substituir o modelo vigente 
(marca) por um outro, que aponte a origem, "porque só uma parcela da 
população ‘preta’ ou ‘parda’ se identifica como de origem africana ou negra". 
(SCHWARTZMAN, 1999) 
Fica assim evidenciado que as dificuldades para se estudar a questão 
racial negra vêm de longe e estão cristalizadas, o que torna o tema das 
doenças raciais/étnicas ainda mais complexo. 
3.3. A importância do item cor na área de saúde 
Um exemplo significativo, que permite compreender como a 
problemática racial se manifesta na prática é o não preenchimento do item cor 
nos documentos de saúde, que dificulta ou até mesmo inviabiliza saber, como 
afirma OLIVEIRA (1994), de que adoecem ou falecem os negros no Brasil. 
Segundo ela: 
“ ... é fundamental que se entenda que o ‘quesito cor’ ou a 
identificação racial é um item necessário e indispensável nos
serviços de saúde. Não apenas porque facilita e serve para 
diagnosticar ou prevenir as doenças atualmente consideradas 
étnicas, mas sobretudo porque possibilita saber também como é o 
estado de saúde da população negra; ajuda a precisar mais o 
descaso, a omissão, a dificuldade de acesso, o racismo subjacente 
e intricado à marginalização de classe. (OLIVEIRA, 1994) 
Há de se considerar também as limitações manifestadas pela própria 
população negra no entendimento dessa questão. Como já indicado, pude 
presenciar essa dificuldade em minhas pesquisas domiciliares: Com o objetivo 
de introduzir as entrevistadas na discussão acerca das doenças raciais/étnicas 
perguntava se já havia ouvido falar na anemia falciforme17 — por tratar-se da 
doença racial de maior visibilidade — e suas respostas foram amplamente 
negativas. Diante disso, explicava-lhes em que consiste essa anomalia, assim 
como as informava acerca de sua particularidade racial/étnica. 
Todas as entrevistadas entendiam que a discussão acerca da existência 
das doenças raciais/étnicas era uma manifestação discriminatória. No grupo de 
mulheres brancas dizia-se: 
A necessidade de vincular a variável cor/raça ao binômio saúde/doença, 
levou, no início da década de 1990, entidades do movimento social negro a se 
mobilizarem para reivindicar junto à prefeitura de São Paulo que essa 
informação fosse incluída e preenchida nos documentos de saúde dos órgãos 
institucionais, o que resultou na publicação da portaria n.º 696/9018, que 
17 Anemia falciforme é uma doença genética e hereditária, mais freqüente na população negra. A esse 
respeito ver o vídeo Eu, Mulher Negra, Cebrap, 1994; Cadernos de Pesquisa Cebrap, no.2, 1994; Cartilha 
Anemia Falciforme/Anime-se e Informe-se - Cebrap e Fala Preta, 1996; Livreto População Negra em 
Destaque, 1998. 
18 A portaria 696/90 foi baixada durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, então do Partido dos 
Trabalhadores, pelo secretário municipal de saúde, Dr. Eduardo Jorge. Porém, nas gestões seguintes, de 
Paulo Maluf e Celso Pitta, esse projeto foi silenciado, retornando somente no ano de 2000, no final da 
gestão de Celso Pitta.
oficializava a inclusão do item cor no Sistema de Informação da Secretaria 
Municipal de Saúde (Cadernos Cefor, 1992). 
Não obstante, se, de um lado, pesquisadores e militantes da questão 
racial entendiam ser necessário considerar o item cor nos documentos de 
saúde, de outro, parte dos funcionários e profissionais de saúde, além de não 
compreenderem a razão da inclusão, chegavam a considerar essa atitude 
discriminatória (Cadernos Cefor, 1992). 
Diante desse impasse, o movimento social negro promoveu palestras, 
campanhas e importantes seminários para conscientizar a população e tornar 
pública a importância do item cor nos documentos de saúde. Entre as 
iniciativas estava aquele que se tornou um marco, O Quadro Negro de Saúde – 
Implantação do Quesito Cor no Sistema Municipal de Saúde, pois defendia que 
a identificação de cor/raça nos prontuários médicos dos usuários do Sistema 
Municipal de Saúde em São Paulo seguisse a mesma classificação de cor/raça 
utilizada pelo IBGE no censo de 1980, ou seja, branca, parda, preta e amarela 
e que esse dado fosse coletado mediante auto-classificação. 
Segundo depoimentos dos organizadores da campanha, os resultados 
de todo esse esforço, até o final de 1992, foram positivos, ainda que 
permanecessem as resistências por parte de profissionais de saúde e 
funcionários para considerar o quesito cor. No entanto, já no início de 1993, no 
preenchimento do prontuário dos pacientes passou-se a desconsiderar as 
normas da auto-classificação. 
Embora essa discussão tenha sido relegada pelo governo municipal, o 
movimento social negro permaneceu empenhado na defesa das questões de 
saúde, como mencionado no capítulo anterior. 
Em fevereiro de 2000, o assunto voltou a ser analisado pela gestão 
municipal. O vereador Carlos Neder, após entendimentos com o movimento 
social negro, apresentou à Câmara dos Vereadores o Projeto de Lei 35/2000, 
que tem como um de seus objetivos implementar programas e ações de saúde 
específicos para a saúde da população negra.
No mês seguinte, realizou-se o seminário Quesito Cor, na Câmara 
Municipal dos Vereadores, que contou com a participação de membros do 
movimento social negro, pesquisadores, acadêmicos e população em geral. 
Para ROLAND (2000): 
“A reivindicação da introdução do chamado ‘quesito cor’ nos 
instrumentos de coleta de informações oficiais tem se constituído 
numa das principais bandeiras do Movimento Negro no Brasil. Até 
agora, ainda que com críticas, foi geralmente aceito o método 
utilizado pelo IBGE. Dilemas e obstáculos têm impedido uma 
possível reelaboração das classificações raciais oficiais.” 19 
3.4. Particularidades do estudo Ações Educativas para a Prevenção 
da 
Histerectomia 
Antes de iniciar a discussão específica sobre as ações educativas para a 
prevenção da histerectomia20, objeto desse trabalho, é necessário dizer que as 
etapas que contaram com a participação das entrevistadas, exceto para as 
situações relacionadas com a histerectomia, transcorreram de modo bastante 
prazeroso e intenso. 
Esse ambiente amistoso, porém, foi influenciado negativamente pela 
abordagem da identificação racial, que suscitou algum constrangimento. Ao 
serem solicitadas a atribuir sua cor/raça, as mulheres brancas e negras, essas 
últimas, embora em número reduzido, mostraram-se bastante incomodadas. As 
primeiras questionavam-me: “... mas por que você está me perguntando a 
minha cor? O que tem a ver a cor da pessoa com saúde ou doença? Sou 
branca, ora!” E as negras: “... nossa, que pergunta! Sou como você, parda. 
Mas por que você precisa anotar essas coisas aí?”21 
19 Trecho extraído do Seminário Quesito cor, publicado em “Cidadania Ativa — Propostas para uma São 
Paulo Saudável e Solidária, Vereador Carlos Neder (PT). Edna Roland é presidente da Fala Preta — 
Organização de Mulheres negras — e foi a relatora oficial da III Conferência Mundial contra o Racismo, a 
Discriminação, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, convocada pela ONU, em 2001 na África 
do Sul. 
20 A discussão a respeito da histerectomia encontra-se nos capítulos seguintes. 
21 No que se refere aos depoimentos das entrevistadas, embora tenha primado por ser fiel ao seu 
conteúdo, precisei fazer algumas alterações gramaticais para garantir sua total compreensão.
O constrangimento inicial, manifestado pelas entrevistadas, pode ser 
justificado, como mostra SANTOS (2001), pela complexidade da questão racial: 
“ a invisibilidade da questão racial deve ser interpretada aqui como um fato que 
não se nota, não se discute nem se deseja notar ou discutir. É como se não se 
existisse”. 
Felizmente, esse clima de mal-estar esteve presente somente nos 
primeiros momentos da pesquisa, sendo amenizado à medida em que a 
entrevista seguia, já que essa era uma pergunta inicial do questionário de 
campo. No decorrer do trabalho, brancas e negras, no entanto, revelariam 
posições acentuadamente antagônicas sobre a questão racial. 
3.5. A auto-classificação de cor/raça 
Para a coleta da informação relacionada com a variável cor/raça apliquei 
a mesma metodologia utilizada pelo IBGE no Censo de 2000, a auto-identificação, 
oferecendo às entrevistadas as cinco categorias de cor já 
mencionadas: branca, parda, preta, amarela e indígena. Além disso, mediante 
a experiência positiva obtida em estudos anteriores22, decidi fazer minha 
própria classificação para contrapor à declaração feita por elas. 
Das 102 participantes desse estudo, 51 atribuíram para si a cor/raça 
branca — e foram assim consideradas por mim. Embora, na totalidade dos 
casos, a auto-atribuição de cor das mulheres brancas correspondesse à minha 
avaliação, em determinadas entrevistadas as características físicas 
evidenciavam alguma mestiçagem, sempre atribuída por elas a algum ancestral 
de origem indígena. Porém, levando-se em conta os critérios de classificação 
racial existentes em nossa sociedade, poderiam ser identificadas como 
mulheres brancas e, como apontado, assim se reconheciam. 
Das 51 mulheres negras, 35 classificaram-se como pardas, 02 como 
pretas e 14 como morenas. Estas últimas, alegando terem a cor da pele mais 
22 Pesquisa Saúde Reprodutiva da Mulher Negra. Área População e Sociedade, Cebrap, 1992; SOUZA, 
Vera Cristina, Mulher Negra e Miomas: Uma Incursão na Área da Saúde, Raça/Etnia. Dissertação de 
Mestrado. PUC/SP, 1995.
clara e os cabelos ondulados, recusaram-se a se enquadrar na categoria 
parda23. 
Todas elas justificavam ser filhas de pais ou mães brancos, sendo 
comum entre elas a expressão “não puxei minha mãe” ou “não puxei meu pai” 
se um ou outro fosse negro. 
Dessa forma, três delas se declararam “morenas café-com-leite”, cinco, 
“morenas-mestiças” e seis, “morenas-jambo”. 
Não obstante, dada a importância da relação cor/raça neste estudo, 
mantive meu critério de avaliação de cor, incluindo as morenas “café-com-leite, 
mestiças e jambo” no grupo de mulheres negras24. Em certos momentos deste 
trabalho porém, suas representações serão analisadas à parte. 
Diferentemente das morenas, duas das 35 entrevistadas, que se auto-declararam 
pardas, queixaram-se por não haver a categoria negra dentre as 
opções apresentadas, uma vez que era assim que se consideravam. A tabela 
abaixo mostra como as entrevistadas se auto-identificaram. 
TABELA 1 – AUTO-CLASSIFICAÇÃO DA COR PELAS ENTREVISTADAS 
CATEGORIA UTILIZADA 
PARA A ANÁLISE DOS 
DADOS 
AUTO-CLASSIFICAÇÃO 
BRANCA PARDA PRETA MORENA* 
TOTAL 
Brancas 
Negras 
51 00 00 00 
00 35 02 14 
51 
51 
TOTAL 51 35 02 14 102 
* 3 “morenas café-com-leite” ; 5 “morenas--jambo” e 06 “morenas–mestiças”. 
Como dito, utilizei-me das mesmas categorias de cor/raça utilizadas pelo 
IBGE — branca, parda, preta, amarela e indígena. Porém, para a análise de 
23 A esse respeito, ver HARRIS, M, and CONSORTE, J. "Who are the Whites? Imposed Census 
Categories and the Racial Demography of Brazil", Social Forces, december, 1993. 
24 Entendo que somente as características físicas não são suficientes para que a pessoa se identifique 
como negra, já que ser negro é, a meu ver, sentir-se negro. No entanto, o fato das integrantes desse 
grupo não se saberem negro não faz com que não sofram discriminação racial, como comprovam 
inúmeros estudos.
dados, como é amplamente adotado pelos estudiosos da questão racial negra, 
agrupei as pardas e pretas, considerando-as como negras. 
3.6. A percepção da discriminação racial25 
Como mostra SANTOS (2001), no Brasil a discriminação racial pode ser 
classificada em função da forma como acontece: 
“No Brasil, observamos três tipos básicos de discriminação 
cometidos contra os negros descendentes: (a) o padrão, aquele de 
todo o dia — o qual a sociedade já assimilou. Muitos nem o notam 
mais... (b) o ostensivo, que, apesar de ter um componente de 
habitualidade, choca e fere as pessoas... (c) o sofisticado. Notá-lo, 
muitas vezes, é difícil em virtude de variações e das circunstâncias 
em que ocorre.” (SANTOS, 2001) 
A tabela abaixo mostra que 49.0% das entrevistadas concordavam com 
a existência do racismo em nossa sociedade, sendo que dessas 72.0% eram 
negras, contra apenas 28.0% brancas, incluindo-se 05 mulheres auto-classificadas 
como morenas. Essas últimas, justificavam suas opiniões a esse 
respeito mediante o contato com amigas, vizinhas ou até mesmo parentes que 
passaram por essas situações. 
TABELA 2 – A PERCEPÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL 
AUTO-IDENTIFICAÇÃO HÁ RACISMO 
NO BRASIL 
NÃO HÁ RACISMO 
NO BRASIL 
TOTAL 
Branca 
% 
14 
28.0 
37 
71,2 
51 
50,0 
Negra 
% 
31 
62,0 
06 
11,5 
37 
36,3 
Morena 
% 
05 
10.0 
09 
17.3 
14 
13,7 
TOTAL 
% 
50 
49,0 
52 
51,0 
102 
100,0 
25 Cabe precisar que discriminação racial, não se confunde com racismo ou preconceito racial. É pela 
externalização do racismo e/ou do preconceito racial que advém a discriminação racial. A esse respeito 
ver SILVA Jr, Hédio. Limites Constitucionais da Criminalização da Discriminação. Dissertação de 
Mestrado. PUC-SP, 2000.
Para as 52 mulheres restantes, partidárias da crença na democracia 
racial, foram comuns, como será mostrado adiante, os seguintes 
posicionamentos: 
“essas coisas existem somente nos Estados Unidos, é só ligar a 
televisão e ver. Aqui não tem disso. Você pode ver no próprio 
Centro, uma das melhores médicas que tem lá é de cor. Aqui, 
branco e negros andam para cima e para baixo livremente; aqui não 
tem essas coisas de um ser melhor do que o outro” (Teresa - 
branca, 38 anos, casada, com filhos, sem diagnóstico, ginásio 
incompleto, dona de casa). 
3.6.1. As 14 mulheres auto-declaradas “morenas” 
No que tange especificamente a esse grupo de mulheres, que não se 
consideravam brancas, nem tão pouco negras, entendi ser necessário, ainda 
que brevemente, traçar seus perfis sócio-econômicos, a fim de verificar se suas 
características físicas diferenciadas influenciavam as variáveis relativas a 
mercado de trabalho e escolaridade. 
A análise mostra que essas mulheres apresentavam as mesmas 
características sociais das demais mulheres negras: em sua maioria 
apresentavam baixos níveis de escolaridade26 — seis tinham o primário 
completo, sete o ginásio incompleto e uma havia concluído o segundo grau. No 
que se refere à inserção no mercado de trabalho, sete estavam 
desempregadas, quatro eram empregadas domésticas diaristas, duas eram 
camelôs e uma era auxiliar de escritório. 
Eram mulheres jovens, entre 24 e 29 anos, que tinham algum vínculo 
religioso ou eram simpatizantes de alguma religião (nove afirmaram ser 
evangélicas e cinco católicas). 
26. Optei por não considerar a nova classificação de escolaridade atribuída pelo Ministério da Educação 
(nível básico, fundamental e médio) porque a análise do desmembramento do modelo antigo (primeiro e 
segundo graus) associado às variáveis cor/raça mostraria haver diferenças importantes na trajetória social 
e econômica de mulheres brancas e negras.
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Mulheres Negras e Miomas Uterinos

  • 1. VERA CRISTINA DE SOUZA SOB O PESO DOS TEMORES: Mulheres Negras, Miomas Uterinos e Histerectomia. Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais – Antropologia, sob a orientação da Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte. PUC - SÃO PAULO 2002
  • 2. FOLHA DE APROVAÇÃO Banca examinadora: Dra. Josildeth Gomes Consorte (orientadora) Dra Elza Berquó Dra. Maria Helena Villas Boas Concone Dra. Regina Maria Giffoni Marsiglia Dra. Ronilda IYakemi Ribeiro
  • 3. AGRADECIMENTOS À professora Josildeth Gomes Consorte, minha orientadora, que me acompanhou no decorrer destes cinco anos com muita dedicação. Às professoras Maria Helena Villas Boas e Regina Marcílio, pelas sugestões feitas por ocasião do exame de qualificação. Aos colegas do Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Àlvaro Comin, Alexandre Moralles, Miriam Dolhnikoff, Osmar Ribeiro, Oneida Maria Borges. Aos colegas da UNISA – Universidade de Santo Amaro - Valéria Gionannetti, José Fernando Siqueira da Silva, Osmar dos Santos C. Mota, Neusa Maria Carvalho Sairaif, Maria Lúcia Garcia Mira, Fátima França, Nely Barcelar, Carlos Gianazzi. Aos funcionários do Centro de Saúde de Vila Morais, em particular às Dras. Maria Carmo Garcia; Andréia Baroni; Jacilda Cabral; Maria Eugênia Santos e Silvana Aparecida Lopes, responsável geral. Um agradecimento especial à todas as minhas entrevistadas. Á Dra. Fátima Oliveira, pela constante atenção e amizade. Ao Helio Santos, pela disponibilidade de todas as horas. Ao Joel Zito Araújo, pelo zelo com que conduziu a produção do vídeo e pela grande manifestação de amizade. À Marcio Ivan Nóbrega, Vilma Lorena, Delma Araújo, Rosana Cardone, Ana Paula Silva, Luis Ramires; Marise Edson; e Rene Decol, Eu não poderia deixar de reconhecer a importância das militantes negras que araram o terreno para que o tema desenvolvido aqui pudesse se efetivar. Cito algumas delas, correndo o risco de omitir nomes: Edna Roland; Dida Pinho; Sueli Carneiro, Maria Aparecida Cidinha da Silva; Fátima Oliveira; Maria Aparecida Bento; Dulce Pereira; Abigail Páscoa; Marta Oliveira, Diva Moreira; Conceição Leal; Luiza Bairros Zélia Amador de Deus; Maria Inês Barbosa; Vera Triunpho. Um agradecimento muito especial à Dra. Elza Berquó, com a qual tive o prazer de conviver ao longos dos anos, com quem muito aprendi, e, na impossibilidade de expressar meus sinceros sentimentos, resumo em duas palavras: um exemplo, um ídolo.
  • 4. Agradeço a Fundação Carlos Chagas pela bolsa de estudos concedida e de um modo particular a Fundação MacArthur que, desde o início do Programa de Formação de Pesquisadoras Negras do Cebrap, muito contribuiu para que eu pudesse chegar até aqui. Agradeço também pelo financiamento concedido para a produção do vídeo que faz parte deste estudo. Ao CNPq, presto meus agradecimentos.
  • 5. SUMÁRIO CAPÍTULO PG. 1. INTRODUÇÃO 01 1.1. Mioma uterino e histerectomia 04 1.1.1. Mioma uterino 04 1.1.2. Práticas alternativas para a prevenção do mioma uterino 05 1.2. Histerectomia 05 1.2.1. Formas de tratamento dos miomas uterinos 05 1.2.2. Indicação da histerectomia 06 1.2.3. Efeitos colaterais da histerectomia 07 1.2.4. Formas de tratamento consideradas menos invasivas 08 1.3. Brancas e negras diante da miomatose 09 1.4. As razões que me conduziram ao doutorado 11 1.5. Apresentação do trabalho 13 2. O ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS QUE TRATAM DA SAÚDE DA 15 POPULAÇÃO NEGRA 2.1. Considerações gerais 15 2. 2. Origens e trajetória do movimento negro 15 2.3. O movimento social negro 16 2.4. O movimento feminista e a saúde da mulher 18 2.5. Introdução do recorte por cor/raça 19 2.6. A importância da identificação racial na área de saúde 20 2.7. Doenças raciais/étnicas 21 2.8. A influência dos fatores sócio-econômicos 23 2.9. Mortalidade 25 2.10. O panorama atual da saúde da população negra 26 2.11. Ações governamentais 26
  • 6. 2.12. Principais reivindicações 27 3. A QUESTÃO RACIAL NO CONTEXTO DOS ESTUDOS SOBRE 29 A SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA 3.1. O item cor 29 3.2. Raça ou etnia? 30 3.3. A importância do item cor na área de saúde 32 3.4. Particularidades do estudo 34 3.5. A auto-classificação de cor/raça 35 3.6. A percepção da discriminação racial 36 3.6.1. As 14 mulheres auto-declaradas “morenas” 38 3.6.2. As 35 mulheres auto-declaradas pardas e as duas negras 41 3.7 Discussão das doenças raciais/étnicas vista como ato discriminatório 45 4. METODOLOGIA 48 4.1. Primeira etapa - a pesquisa de campo 48 4.1.1. Coleta de dados sobre diagnóstico de miomatose e cor junto ao Serviço de Ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais (Fase 1) 48 4.1.2. A pesquisa domiciliar com 102 mulheres (Fase 2) 52 4.1.2.1. Bloco I – Conhecimento geral da saúde da mulher 53 4.1.2.2. Bloco II – Conhecimento sobre miomas uterinos 53 4.1.2.3. Bloco III – Histerectomia 54 4.1.2.4. Bloco IV – Vida reprodutiva e dados pessoais 54 4.1.3. Entrevistas com mulheres histerectomizadas (Fase 3) 55 4.2. Segunda etapa – o vídeo e as oficinas 55 4.2.1. A produção do vídeo educativo (Fase 1) 55 4.2.1.1. Ficha técnica e conteúdo 55 4.2.1.2. A apresentação do vídeo e a realização das oficinas 56 (Fase 2) 4.3. Terceira etapa – O retorno às pesquisas domiciliares e a confecção do vídeo final 4.3.1. Retorno a campo (Fase 1) 57 4.3.2. A produção do vídeo “Sob o peso dos temores” (Fase 2) 58
  • 7. 5. O DESCONHECIMENTO SOBRE MIOMAS E HISTERECTOMIA 59 5.1. Análise dos resultados 59 5.1.1. Perfil socioeconômico: os níveis de escolaridade e a inserção de brancas e negras no mercado de trabalho 59 5.1.2. O acesso de mulheres brancas e negras aos serviços públicos de saúde 62 5.1.3. As razões que conduziram mulheres brancas e negras ao serviço de ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais 65 5.2. As representações dos problemas de saúde: um primeiro olhar 70 5.2.1. As mulheres sem diagnóstico de mioma 71 5.2.2. As mulheres com diagnóstico de miomatose 75 5.2.2.1 Quadros de Saúde que antecederam o diagnóstico de miomatose 76 5.2.3. As mulheres histerectomizadas 81 5.2.3.1 Situação socioeconômica 81 5.3. O conhecimento sobre a miomatose e práticas adotadas para o tratamento 83 5.3.1. O conhecimento da histerectomia 84 5.4. O acesso aos serviços de saúde e as conseqüências para a saúde da mulher 91 5.5. A relação médico-paciente 93 5.6 Tradição cultural 97 5.7. Religião 99 5.7.1. As experiências junto ao universo religioso das entrevistadas 102 5.7.1.1. O Centro Espírita Irmão X 102 5.7.1.2. Igreja Deus é Amor 102 5.7.1.3. Igreja Universal do Reino de Deus 103 5.7.1.4. Igreja Assembléia de Deus 104 5.7.1.5. A Igreja Católica Santa Margarida Maria 105 6. SAÚDE, DOENÇA: OS MIOMAS E A HISTERECTOMIA NAS REPRESENTAÇÕES DAS MULHERES 106 6.1. As representações sociais de saúde 108 6.2. A saúde enquanto função social 109 6.3. A saúde enquanto uma função econômica 111
  • 8. 6.4. As representações sociais da doença 112 6.5. As representações sociais dos miomas uterinos — seus locais de construção 117 6.5.1 A construção da malignidade dos miomas nas relações de amizade 119 6.5.2. A construção da malignidade dos miomas na relação familiar 119 6.5.3. A construção da malignidade do mioma no Centro de Saúde 120 6.6. Os tumores e as imagens da televisão 121 6.7. As representações sociais da histerectomia 126 6.8. A histerectomia e a saúde orgânica 127 6.9. A histerectomia e a saúde emocional 128 6.10. A reação diante do sentimento de exclusão social 131 7. O AUDIO-VISUAL E AS OFICINAS 133 7.1. A dinâmica das oficinas 134 7.1.1. A apresentação do vídeo “Conversando sobre miomas uterinos” 134 7.1.2. As reações das entrevistadas diante das informações 135 7.2. A análise 136 7.2.1. Conhecimento adquirido: o que as participantes aprenderam sobre o mioma e suas formas de tratamento 136 7.2.1.1. Grupo 1 — Mulheres que não tinham conhecimento da miomatose até a participação nas oficinas 136 7.2.1.2. Grupo 2 — Mulheres que não apresentavam diagnóstico de mioma, mas tinham algum conhecimento sobre a doença antes das oficinas 137 7.2.1.3. Grupo 2A — Mulheres que tinham suspeita de miomatose 137 7.2.1.4. Grupo 3 — Mulheres que tinham diagnóstico de miomatose 138 7.2.1.5. Grupo 4 — Mulheres que tinham indicação de histerectomia 139 7.2.1.6. Grupo 5 — Mulheres já histerectomizadas 139 7.2.2. Medidas que as mulheres se dispuseram a tomar após participarem das oficinas: 140
  • 9. 7.2.2.1. Grupo 1 e 2 — Mulheres que não tinham o diagnóstico de miomatose 140 7.2.2.2. Grupo 2A — Mulheres que tinham suspeita de miomatose 140 7.2.2.3. Grupo 3 — Mulheres que tinham diagnóstico de Miomatose 140 7.2.2.4. Grupo 4 — Mulheres que tinham indicação de histerectomia 141 7.2.2.5. Grupo 5 — Mulheres já histerectomizadas 141 7.3. Breve análise das oficinas 142 7.4. Como as entrevistadas avaliaram as ação educativa 144 8. RESULTADOS DA AÇÃO EDUCATIVA 147 8.1. Considerações gerais 147 8.2. Análise dos dados 149 8.3. O conhecimento adquirido e os novos procedimentos para o tratamento dos problemas de saúde 151 8.3.1. As mulheres do grupo experimental 152 8.4. O conhecimento adquirido e a nova forma de se relacionar com as profissionais de saúde 156 8.4.1. As mulheres do grupo de controle 159 8.4.1.1. A insegurança manifestada pelas mulheres dos grupos experimental e controle 162 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 163 BIBLIOGRAFIA 163 ANEXOS 177
  • 10. ÍNDICE (Quadros e Tabelas) QUADROS PG QUADRO 1 - Composição da amostra inicial 52 QUADRO 2 - Estimativas de ocorrências de miomatose e histerectomias 52 QUADRO 3 - Problemas de saúde que conduziram mulheres brancas e negras à consulta ginecológica no centro de saúde 65 QUADRO 4 - Providências tomadas em relação às suspeitas de miomatese 75 QUADRO 5 - Período de tempo decorrido entre entre a tomada de conhecimento do diagnóstico do mioma e o início da pesquisa 76 QUADRO 6 - Resumo das condições sócio-econômicas e faixa etária apresentadas pelas mulheres histerectomizadas 82 QUADRO7/7A - Vida reprodutiva de mulheres brancas e negras 95 QUADRO 8 - Resumo das representações sociais de saúde 110 QUADRO 9 - Resumo das atitudes tomadas ao se sentirem doentes 116 QUADRO 10 – Distribuição das 102 entrevistadas entre os grupos experimental e controle 133 QUADRO 11 - Práticas que afirmaram que adotariam após as ações educativas, por cor 146 QUADRO 12 - Situação final de miomas e histerectomia 147 QUADRO 13 – Conhecimento sobre miomas e histerectomia após a participação nas Oficinas 152
  • 11. TABELAS PG. TABELA 1 – Auto-classificação da cor 36 TABELA 2 - A percepção de discriminação racial 37 TABELA 3 - Atividades desenvolvidas no mercado de trabalho versus rendimentos médios mensais 60A TABELA 4 - Atividades desenvolvidas no mercado de trabalho versus escolaridade 61A TABELA 5 - Idade no momento da entrevista 62 TABELA 6 - Mulheres que faziam a prevenção de câncer uterino 69 TABELA 7 - Faixa etária em que receberam o diagnóstico de miomas 77 TABELA 8 - Conhecimento acerca da histerectomia 85 TABELA 9 - Medidas tomadas diante da indicação da histerectomia 91 TABELA 10 - Razões que desestimulam a manter as recomendações médicas 92 TABELA 11 - Adesão religiosa 100 TABELA 12 - A representação dos miomas enquanto tumores malignos e seus locais de construção 118 TABELA 13 - A representação da histerectomia 127 TABELA 14 - Comentários sobre o conteúdo e apresentação do vídeo 145
  • 12. RESUMO Mioma uterino – conhecido também como leiomioma, fibróide do útero ou fibroma – é um tumor benigno causado pelo crescimento anormal das células da parede uterina (miométrio). Surge na idade reprodutiva, raramente antes da menarca e pode regredir na menopausa. O tratamento dos miomas pode ser clínico, com o uso de medicamentos, ou cirúrgico, por meio de duas técnicas: a miomectomia, que consiste na retirada dos tumores e a histerectomia, que remove o útero. Ambas possíveis de serem realizadas por meio da laparoscopia. A literatura médica norte-americana afirma que as mulheres negras daquele país são mais predispostas a desenvolver miomas uterinos do que as mulheres brancas. Com o objetivo de verificar se o mesmo ocorria com as mulheres negras brasileiras, desenvolvi, no ano de 1995, uma pesquisa junto às usuárias, brancas e negras, de um centro de saúde localizado no Município de São Paulo, que atende predominantemente a população de baixa renda. Os dados desse estudo revelaram a maior incidência dos miomas entre as negras e evidenciaram também que o recurso à histerectomia ocorreu no período da vida reprodutiva, sendo igualmente mais freqüente entre as negras. Esse estudo converteu-se em dissertação de mestrado, desenvolvida junto a PUC/SP e ao Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Frente a esses dados, no ano de 1999, já no doutorado, iniciei, no mesmo centro de saúde, uma nova pesquisa com a proposta de desenvolver com as suas usuárias ações educativas que envolveram 102 mulheres, divididas igualmente por cor, com e sem diagnóstico de miomatose, além de uma abordagem especial com outras 05 que já se encontravam histerectomizadas. A metodologia de trabalho utilizada compreendeu duas fases: A primeira, foi composta por uma pesquisa domiciliar com todas as mulheres a fim de verificar seus conhecimentos sobre miomas e histerectomia. De posse desses resultados, que revelaram um acentuado desconhecimento sobre os miomas e suas formas de tratamento produzi um primeiro vídeo, que contou com a
  • 13. participação de suas respectivas médicas na gravação das informações sobre essa doença, as formas de tratamento e em especial, da histerectomia. Esse material foi apresentado e discutido com metade das entrevistadas. Na segunda fase: após um período de nove meses, retornei às suas residências com o objetivo de verificar se aquelas que tomaram contato com as informações transmitidas no vídeo teriam alterado as formas de entender e lidar com os miomas. Feito isso, produzi um segundo vídeo incorporando, além das informações sobre a miomatose existentes no primeiro, os depoimentos de um grupo de entrevistadas acerca de suas experiências com a doença. Os resultados mais expressivos se referiram às alterações dos comportamentos de grande maioria das entrevistadas que, após terem sido expostas às ações educativas, passou a seguir as recomendações médicas, além da resistência das mulheres, brancas e negras, em aceitarem a existência das doenças raciais/étnicas por avaliarem ter essa discussão uma conotação discriminatória.
  • 14. ABSTRACT Uterine myoma—also known as uterine fibroid or fibroma—is a benign tumor caused by the abnormal growth of cells in the uterine wall and can be located in the external wall, in the internal wall or within the uterine muscles. The treatment of myomas may be clinical or surgical: myomectomy, which removes the myomas but keeps the uterus and hysterectomy, which removes the uterus. The US medical literature indicates that myomas have a higher incidence among black women. Within the larger cultural context that Brazilians believe they live in a “racial democracy”, it is difficult to study racial differences in disease in Brazil due to a general lack of data. Medical reports typically do not contain any indication of racial identity. Because most doctors and health staff are unaware of the relationship between race and health, they do not consider it important or relevant to write down the racial characteristics of the patients. In 1995, I conducted field research among the users of a health center located in the City of São Paulo, which predominantly serves the surrounding low-income population with the purpose of investigating whether uterine myomas, as in the US case, had a higher prevalence among black women. This study refers to my master’s dissertation, conducted at the Catholic University of São Paulo (PUC/SP) and the Brazilian Center of Analysis and Planning. The data reveal a higher incidence of myomas among black women also showed that the use of hysterectomy occurred in the period of reproductive life, and that it was more frequent among black women. So, in 1999, I conducted, at the same health center where I had collected my previous research, a new study with the purpose of applying among the users a program of educational outreach. I conducted a survey of 102 women who were equally divided by race and who had been diagnosed myomas and not. In addition I worked with five women histerectomy who had been histerectomy. The objective was to investigate how they dealt with the medical treatment they had been assigned. Then, with the results in hand, I produced a first video with the participation of the doctors who provided information on myomas. This material was presented to and discussed with the interviewees. The second phase took place nine months later, when I returned to the homes of all interviewed women and applied a follow-up questionnaire, whose aim was to verify if, upon contact with the information given by the video, they had changed the way they understood myomas and, for those with a diagnosis, how they handled their treatment. Following this, I produced a second video, which included, in addition to the information on the myomas, testimonies of a group of interviewees. The more significant results gleaned in the first phase of my research were that women had an overwhelming lack of information about myomas and the ways to treat them. The results of the educational outreach with the videos demonstrated this was an effective practice. The most significant results
  • 15. concerned the behavior changes seen in the interviews as most of the interviewees begun to follow the medical recommendations after they went through the Educational Actions. Another important finding was that these women, both black and white, thought that associating any kind of illness to a racial group was discriminatory.
  • 16. 1. INTRODUÇÃO O presente estudo discute os resultados obtidos por meio de uma proposta de ações educativas para usuárias de um serviço público de saúde, que teve como fim avaliar o alcance da difusão de informações para a redução da histerectomia em razão de miomas uterinos. Ao iniciar esta apresentação, percebo-me fazendo um prazeroso exercício de retrospecção. Quando decidi dar continuidade à minha formação acadêmica e profissional e dedicar-me à investigação das doenças raciais/étnicas, mais exatamente a prevalência de miomas uterinos em mulheres negras, estava assumindo comigo mesma, e com as demais mulheres brasileiras, principalmente as de baixa renda, um compromisso especial, repleto de estimulantes desafios. Tanto quanto apresentar a metodologia científica utilizada para a conquista de meus objetivos, julgo ser relevante relatar, primeiramente, algo que os instrumentos de coleta por si só não podem alcançar. Refiro-me às trilhas que percorri e às inúmeras, diversas e intensas emoções que vivenciei para chegar à conclusão desta tese de doutorado. Considero este o momento ideal para refletir sobre elas. Para tratar especificamente da ocorrência de miomatose em mulheres negras precisei, desde o início, empreender um exercício pautado na obstinação, que, porém, com muito esforço, produziu resultados vitoriosos. Obstinação porque, no Brasil, a busca de informações sobre esse particular – doenças raciais/étnicas – é extremamente difícil. E vitorioso porque cada passo, por menor que fosse, significava uma conquista e, mais do que isso, reforçava o sentimento de que estava seguindo o caminho correto. Precisei também de muito empenho para manter o equilíbrio das emoções – conforme instrui a metodologia de pesquisa em Ciências Sociais – em virtude de
  • 17. desempenhar, simultaneamente, os papéis de investigador e de objeto da investigação. Tudo começou em 1992, quando, por iniciativa e sob a coordenação da Profa. Dra. Elza Berquó, teve início, no Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o programa Saúde da População Negra, destinado à formação e aperfeiçoamento de pesquisadoras negras para o desenvolvimento de estudos voltados à esse fim, do qual tive o privilégio de participar. Este programa contou com o financiamento da The John D. and Catherine T. MacArthur (Estados Unidos, 1992-1996), da British Embassy Council (Inglaterra, 1994- 1995) e da Novib – Nethertands Organization for International Development Cooperation (Holanda, 1997-1998). Para o aprofundamento do estudo posterior sobre miomatose e histerectomia, também conduzido pelo Cebrap, contei ainda, nos anos de 1997 e 1998, com uma bolsa de estudos concedida pela Fundação Carlos Chagas. Ao longo de sete anos (1992-1999) como bolsista desse programa, participei de várias atividades, destacando-se a produção de materiais educativos1 e a realização de seminários e workshops2, sempre dedicados à reflexão sobre as doenças prevalentes na população negra. Nesse período, com o acesso à literatura médica estrangeira, especialmente norte-americana, tomei conhecimento dos resultados de estudos e pesquisas que revelavam uma prevalência de miomas uterinos em mulheres negras. Interessou-me, então, investigar se tal fato também se verificava entre as mulheres negras brasileiras e, em caso positivo, quais seriam suas razões e conseqüências. Assim, sempre contando com o apoio e o estímulo da Dra. Elza Berquó, decidi ir em busca dessas respostas, as quais, em um primeiro momento, não me pareciam tão difíceis de serem obtidas. Com o passar do tempo, porém, revelaram-se extremamente complexas. 1 Vídeo Eu, Mulher Negra, Cebrap, 1994; Cadernos de Pesquisa Cebrap, n° 2, 1994; Cartilha Anemia Falciforme/Anime-se e Informe-se – Cebrap e Fala Preta, 1996; Livreto População Negra em Destaque, 1998. 2 Seminários: Alcances e Limites da Predisposição Biológica, Cebrap (1994); Social versus Biológico, Cebrap (1993); Mulher Negra Excluída da Epidemiologia, Cebrap e Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (1994); Mulher Negra em Destaque, Cebrap e Neinb – Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro, entre outros.
  • 18. Tal complexidade deriva do fato de se tratar de uma investigação cujo eixo principal é a particularidade racial, mais especificamente a saúde da mulher negra, uma vez que no Brasil há uma dificuldade generalizada em se admitir a existência de discriminação racial entre brancos e negros. Como conseqüência, desconhece-se a existência das diferenças raciais/étnicas no tocante à saúde, chegando-se a interpretar a preocupação com a inclusão do item cor nos estudos ou nas informações sobre saúde da população como uma atitude desnecessária e até racista. Exemplo disso são os documentos de saúde onde, embora exista um campo para anotação da cor do paciente – conquista do movimento social negro e demais pesquisadores envolvidos com essa questão – essa informação raramente é preenchida pelos profissionais da área médica ou administrativa. Ao continuar minha busca, deparei-me ainda com outra dificuldade, dessa vez relacionada à identificação racial, a saber: foi necessário considerar a insistente indagação feita por muitos: quem é negro no Brasil? 3, já que fazemos parte de uma sociedade que, além de multirracial, é miscigenada. Na última década o debate sobre a questão racial extrapolou os fóruns de discussão da militância negra e ocupou o espaço acadêmico, merecendo ser citadas as disciplinas oferecidas no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP pela Prof.a. Dra. Josildeth Gomes Consorte, momentos em que brancos e negros, esses em sua maioria, têm-se reunido em uma atividade intelectual regular para discutir identidade e cultura negra. Assim, no que concerne à investigação sobre a relação existente entre miomatose e cor/raça, após ter recorrido sem sucesso à bibliografia especializada em saúde reprodutiva, parti em busca de informações junto a consagrados médicos ginecologistas que atuam no país, sendo que apenas um4, dentre sete profissionais entrevistados, relatou-me que, embora não tivesse feito um estudo cuidadoso nesse sentido, observara, ao longo de sua 3 Sobre esse assunto, entendo que ser ou não ser negro é uma questão de identidade racial, uma posição de cunho individual. Todavia, no Brasil, conforme inúmeros estudos, independente de sua opinião, aqueles identificados como negros pela sociedade, na maioria das vezes, sofrem discriminação racial. 4 José Carlos Riechelmann, médico ginecologista-obstetra e sexologista.
  • 19. experiência profissional, que os casos mais graves e constantes de miomas uterinos estavam entre as mulheres negras. Os demais profissionais contatados desconheciam esse dado.
  • 20. 1.1. Mioma uterino e histerectomia 1.1.1. Mioma uterino Mioma uterino também conhecido como leiomioma, fibróide do útero ou fibroma – é um tumor benigno causado por crescimento anormal das células da parede uterina (miométrio). É considerado um tumor comum no universo feminino, acometendo cerca de 20 a 25% das mulheres. Embora apresente crescimento lento, desenvolve-se com maior intensidade no período gestacional. Surge na idade reprodutiva, geralmente em mulheres com idade superior a 30 anos. São raros antes da menarca e podem regredir na menopausa Se cuidados devidamente, dificilmente acarretarão problemas para a saúde geral e reprodutiva da mulher (LETHABY, VOLLENHOVEN e SOWTER, 2001). Há várias explicações para a sua origem, mas não se sabe ao certo qual a causa. Admite-se que fatores genéticos têm contribuição importante para o seu desenvolvimento. Os miomas uterinos variam quanto ao tipo, forma, peso e tamanho. Localizam-se, na parede externa, na parede interna ou no interior da musculatura uterina. Mediante o exame da ultra-sonografia do útero é possível confirmar o diagnóstico e localizar o tumor evidenciando, inclusive, seu tipo. As formas de tratamento indicadas variam de acordo com a localização, o tamanho, os sintomas e as complicações que apresentam. Embora sejam denominados “tumores silenciosos” - uma vez que há a possibilidade de durante o período de sua evolução as mulheres permanecerem assintomáticas - os sintomas mais comuns são alteração de peso corporal, hemorragia e dores pélvicas. (LETHABY, VOLLENHOVEN e SOWTER, 2001). Nos Estados Unidos, os miomas têm sido muito associados à infertilidade e são mais freqüentes em mulheres negras, embora isso seja pouco documentado, (GROFF et al, 2000). Para EGWUATU (1989), as razões de tal prevalência são a alta incidência de infecções pélvicas não tratadas, já que tais infecções causam
  • 21. irritação da parede uterina (miométrio), provocando o desenvolvimento do tumor. 1.1.2. Práticas alternativas para a prevenção do mioma uterino Segundo afirmação de profissionais de saúde, existem práticas alternativas para a prevenção do mioma e a manutenção do equilíbrio hormonal. O desequilíbrio entre a produção hormonal do estrógeno e a da progesterona pode ser responsável pela ocorrência do mioma uterino. Fatores como condições materiais de vida - qualidade dos alimentos consumidos, controle do estresse, prática de atividades físicas, são altamente eficazes. Neste sentido, para auxiliar na prevenção do mioma uterino; os especialistas sugerem: a) alimentos ricos em vitaminas A, B e C e em fibras; b) evitar alimentos gordurosos, álcool, chocolate e carnes vermelhas; c) manter o baixo peso; d) fazer exercícios físicos para eliminação do estresse; e) consumir chá de ervas medicinais. (LARK, Susan, 1996) 1.2. Histerectomia 1.2.1. Formas de tratamento dos miomas uterinos O tratamento dos miomas pode ser clínico ou cirúrgico. O clínico, consiste na observação da evolução do tumor e, caso necessário, no uso de medicamentos. O cirúrgico poderá ocorrer, via duas técnicas: miomectomia e histerectomia. Para tanto, poderão ser utilizadas as técnicas da “cirurgia tradicional a céu aberto” e laparoscopia. A miomectomia a céu aberto ou laparoscópica retira apenas o mioma, conservando o útero, garantindo à mulher, se desejado, a possibilidade de
  • 22. engravidar. A histerectomia, por sua vez, compreende a remoção do útero, acarretando, portanto, o fim definitivo da capacidade reprodutiva. A histerectomia abdominal - também conhecida como histerectomia completa é mais comumente indicada. Neste tipo de cirurgia a extração do útero é acompanhada pela remoção do colo e do canal uterino e, freqüentemente, dos dois ovários. Além de bastante complicada requer o tempo médio de cinco dias de internação hospitalar e sua recuperação dá-se em torno de seis a quarenta e oito semanas. (MANSON, 1996). A histerectomia completa deve ser indicada para os casos de doenças malignas como o câncer de útero e de ovário, sendo o seu uso para as doenças benignas é condenável. Por outro lado, mesmo nas situações não cancerígenas, e mediante a gravidade do quadro clínico que a paciente apresentar, poderá ser recomendada como meio de redução da mortalidade, como é o caso das hemorragias abundantes e incontroláveis. No que se refere à histerectomia vaginal, essa apresenta vantagens sobre a abdominal porque ovários certamente serão conservados, o tempo de permanência da paciente no hospital é inferior e o de recuperação também, podendo ainda ter seus efeitos reduzidos se for feita mediante laparoscopia. Na realização da histerectomia vaginal o abdômen tende a sair de seu lugar. Por esse motivo, é comum a prescrição da reposição hormonal meses antes da cirurgia, a fim de que o abdômen possa voltar a posição correta. (MANSON, 1996). 1.2.2. Indicação da histerectomia A indicação da histerectomia é matéria de polêmica entre os profissionais de saúde. Segundo normas estabelecidas pelo Colégio Americano de Obstetrícia, a histerectomia somente deve ser indicada para os casos malignos como os cânceres de útero e de ovário ou nas situações em que, mesmo que benignas, apresentem risco de vida para a mulher, como por exemplo nas hemorragias crônicas e incontroláveis. Nos demais casos o tratamento deve ser terapêutico ou, se necessitar de intervenção cirúrgica, dever ser tentada as menos invasivas.
  • 23. No caso dos miomas, a histerectomia só deve ser indicada quando o tumor atinge tamanho igual ou superior a doze semanas de gravidez, em casos de anemia grave e incontrolável ou devido à dores intensas – situações em que os medicamentos ou os recursos cirúrgicos menos invasivos mostrem-se ineficazes. 1.2.3. Efeitos colaterais da histerectomia Segundo CHRISTIANSEN (1994), os efeitos colaterais advindos da histerectomia - tenha sido abdominal ou vaginal - podem trazer complicações para a saúde física e emocional da mulher. Na maioria dos casos o pós operatório compreende as seguintes situações: a) Recuperação: O processo de restabelecimento da mulher histerectomizada é longo e doloroso. Podem variar entre leves e agudos acompanhando a mulher durante todo o período de convalescência. Atingem constantemente a região abdominal e o corpo de maneira geral - cabeça, pernas e costas. Além dos problemas na bexiga e no reto, b) Estados depressivos - São comuns os casos de depressão. Freqüentemente a mulher histerectomizada necessita de apoio terapêutico devido a vários fatores - a impossibilidade de constituir ou aumentar sua prole, entender ou sentir que está incapacitada para a vida sexual, sentimento de amputação do corpo e da perda da feminilidade entre outros; c) Falta do hormônio - Mediante a remoção dos ovários inicia-se abrupta e precocemente a menopausa com sérias conseqüências para a saúde da mulher, como ondas de calor, ressecamento da vagina, alteração da libido, osteoporose e problemas cardíacos; d) Além da esterilidade, a histerectomia pode apresentar também sérias conseqüências para a saúde física e emocional da mulher, sendo ainda uma importante causa de mortalidade feminina. Logo, esse recurso cirúrgico é uma conduta que deveria ser reservada para os chamados “casos excepcionais”,
  • 24. tão-somente quando a miomectomia estivesse contra-indicada. (AGUIAR e OLIVEIRA, 2000)5. No entanto, pesquisas norte-americanas realizadas recentemente investigaram que a ocorrência da histerectomia devido aos casos dos miomas poderia ser evitada. Apontam que é comum esta cirurgia ser indicada sem antes se tentar tratamentos alternativos ou a investigação rigorosa das causas que justificassem os seus problemas de saúde. (Obstetrics & Gynecology, 2000) 1.2.4. Formas de tratamento consideradas menos invasivas Segundo a literatura médica, existem outras técnicas para o tratamento e remoção do mioma uterino, algumas delas descobertas recentemente, que podem ser utilizadas de acordo com o quadro clínico que a mulher apresentar, ou seja em função da localização, tamanho e desejo de ter filhos. No entanto, há por parte dos profissionais de saúde controvérsias quanto a eficácia e a indicação entre elas: 1. Miomectomia laparoscópica: consiste em introduzir uma pequena câmara na região abdominal permitindo, desta forma, o exame de todo o útero. È eficazmente superior a miomectomia (cirurgia que extrai os tumores conservando o útero), que, embora seja uma excelente alternativa cirúrgica, pode apresentar complicações no ato cirúrgico devido ao grande sangramento, incomum na laparoscopia, além de uma recuperação mais rápida, disseca o mioma (PALOMBA; PELLICANO e AFFINITO. 2001) 5 Depoimentos prestados pelas médicas Regina Aguiar, Profa. do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG, e Fátima Oliveira, ambas da Regional Minas Gerais da Rede Saúde.
  • 25. 2. Histerectomia laparoscópica - introduz uma câmara no abdômen que disseca o mioma e também o útero, tornado, no entretanto, a mulher estéril. A vantagem desta opção é que a sua recuperação é mais rápida do que a histerectomia vaginal ou abdominal, sendo imediato o recesso dos sintomas de dores e hemorragia. (YOUNG e COHEN, 1997). 3. Via lazer - também conhecida como eletrosurgical - mediante um tubo fino e com luz intensa em uma de suas extremidades, é possível através de sua onda de calor cortar ou vaporizar o tecido uterino dissecando o tumor. (BAGLEY, Grant; 1996) 4. Endometrial ablation - é um procedimento rápido (cerca de 20 a 30’) e eficaz que utiliza-se da técnica via lazer. Dependendo da localização e do tamanho é possível, mediante uma só intervenção, remover determinado número de miomas. No entanto, não é recomendada para mulheres que desejam engravidar pois podem causar infertilidade (LEYLAND, BAE, e VILOS, 1996) 5. Radioterapia - Permite a ampla localização dos tumores e sua total remoção mediante a introdução um pequeno cateter sobre os tumores com a finalidade de disseca-lo. Nessa intervenção, não é necessário ser usado anestesia geral, mas somente um sedativo. E ainda, a reincidência dos tumores não ocorre em período inferior a cinco anos. Os efeitos resultantes deste tratamento é considerado superior aos apresentados pela laparoscopia, uma vez que essa requer o uso da anestesia geral, além de impossibilitar a localização e total extração dos miomas. (GOODWIN, 1997) 6. Embolização: Técnica cirúrgica considerada pouco invasiva que consiste em desviar o fluxo de sangue que irriga e ‘alimenta’ o mioma reduzindo o seu tamanho e volume tendo ainda a propriedade de preservar a fertilidade. Estudos revelam que tem sido pouco recorrente as complicações pós-cirúrgica. (SHASHOUA et al, 2002)
  • 26. 1.3. Brancas e negras diante da miomatose Determinada a buscar respostas à minha indagação inicial – Seriam os miomas uterinos prevalentes entre as mulheres negras brasileiras? – decidi, no ano de 1993, iniciar o mestrado em Ciências Sociais, por entender que, para proceder a essa investigação seria necessário refletir sobre um espectro mais amplo da saúde reprodutiva das mulheres negras, no âmbito da academia. Foi seguindo esse caminho que, em 1995, sob a coordenação da Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte, apresentei, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, a dissertação de mestrado intitulada Mulher Negra e Miomas: Uma Incursão na Área da Saúde, Raça e Etnia. Esse trabalho teve início com a seleção de um grupo de mulheres brancas e outro de negras que no mês de fevereiro de 1994 tiveram, por meio de exame de ultra-sonografia, diagnóstico de miomas uterinos. Em fevereiro de 1995, realizei com elas entrevistas domiciliares, com o intuito de investigar as questões relacionadas aos seus miomas naquele período de um ano. Na ocasião, constatei que havia passado pelo Centro de Saúde, em fevereiro de 1994, 583 mulheres, das quais 361 brancas e 197 negras6. Desses totais, 83 (23,0%) mulheres brancas e 82 (41,6%) negras apresentavam miomas uterinos, números que revelaram a maior incidência desses tumores entre as mulheres negras entrevistadas. Constatei ainda uma maior recidiva dos sintomas7 e reincidência de miomas8 entre as mulheres negras, verificando-se que 62,1% delas e apenas 14,4% das brancas voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos miomas. Do total de brancas que retornaram, 6,0% tiveram novos miomas diagnosticados por um novo exame de ultra-som, em contraposição a 21,9% do total de mulheres negras em idêntica situação. Segundo RIECHELMANN (1995), a periodicidade correta de uma consulta ginecológica para uma mulher que apresenta mioma é de, no mínimo, uma vez por ano. No entanto, os dados mostraram que as mulheres brancas 6 Havia 25 fichas de matrículas em que não constava a cor da usuária. 7 Recidiva dos sintomas: manifestação dos sintomas provenientes dos miomas anteriormente diagnosticados. 8 Reincidência dos miomas: ocorrência de novos miomas identificados por comparação entre dois ou mais exames da ultra-sonografia.
  • 27. faziam uma consulta aos serviços de ginecologia num prazo médio de 3,8 anos, enquanto as negras o faziam a cada 4,7 anos. A desinformação sobre a doença e suas formas de tratamento era comum para a grande maioria das entrevistadas. Desconheciam o significado da recidiva dos sintomas e da reincidência dos miomas. Não sabiam também que a miomectomia, embora seja uma intervenção cirúrgica, mantém o útero, e não estavam inteiradas das conseqüências que uma histerectomia teria em sua vida reprodutiva. Imaginavam que, neste caso, somente “parte do útero” seria extraída e que poderiam engravidar se desejassem9. Parte dos profissionais de saúde afirma que o mioma uterino é uma doença familiar (OLIVEIRA, 1995). De fato, os dados do referido estudo mostraram que as entrevistadas eram irmãs ou filhas de mulheres com miomas, e que as condutas adotadas para o tratamento desses tumores eram semelhantes entre elas e, freqüentemente, distintas das recomendações feitas pela médica que as assistia. Para todos os casos de miomas, a forma de tratamento mais indicada foi o acompanhamento clínico, com o uso de medicamentos. Nos casos em que houve agravamento do quadro, procedeu-se à miomectomia ou à histerectomia. Chamou-me então a atenção o fato de que, do total de mulheres que se submeteram à histerectomia, 3,6% eram brancas e 15,9% eram negras. A maior incidência da histerectomia entre as mulheres negras relacionada aos fatores até aqui mencionados instigaram-me ainda mais. O alto índice de histerectomia entre as negras ocorreu, segundo a profissional de saúde que as atendeu, devido à gravidade de seus quadros clínicos, atribuída ao fato de terem abandonado o tratamento médico e à baixa freqüência às consultas ginecológicas, circunstâncias que devem ser examinadas levando-se em conta as dificuldades de acesso aos serviços públicos de saúde. 9 Interessante notar que, no estudo ora desenvolvido, este desconhecimento relacionado às conseqüências fatais da histerectomia na capacidade reprodutiva não esteve presente entre as entrevistadas.
  • 28. 1.4. As razões que me conduziram ao doutorado A apresentação da pesquisa, objeto da referida dissertação, passou a ser requisitada com freqüência, sendo sempre bem acolhida nos vários fóruns de discussão que tratavam da saúde da mulher. Animada com sua visibilidade, nutria naquela época a expectativa de que o estudo pudesse, de alguma forma, contribuir para que trabalhos mais abrangentes sobre o assunto fossem realizados. Porém, até o momento, como mostrarei adiante, poucas ações foram implementadas nesse sentido10. Pude então entender melhor, me aproximar e compartilhar do rol de dificuldades enfrentadas pelas consagradas integrantes do movimento social negro, que vêm, ao longo dos anos, se esmerando para mostrar a existência das desigualdades raciais/étnicas no tocante à saúde. Segundo os depoimentos de algumas delas, mesmo considerando os modestos avanços obtidos até o presente, a implementação de políticas de saúde voltadas à população negra esbarra em questões de fundo, relacionadas à identidade racial, e na ausência ou não preenchimento do quesito cor nos documentos de saúde, o que inviabiliza conhecer, por meio do levantamento de dados, as causas pelas quais adoecem ou falecem os negros11. Assim, profundamente incomodada com essa situação e contando mais uma vez com o apoio da coordenadora do projeto Saúde da População Negra, iniciei em 1997 o doutoramento, propondo agora um projeto de ação educativa com base em uma nova pesquisa. Essa nova pesquisa, objeto do presente trabalho, desenvolveu-se no mesmo centro de saúde em que foi realizada a anterior, o Centro de Saúde de Vila Morais, trata do mesmo tema, mulheres negras, miomas uterinos e histerectomia e pretendeu levar adiante as preocupações da dissertação de 10 Em novembro de 1997, participei de uma importante Mesa Redonda em Brasília/DF — Saúde da População Negra Brasileira, na qual pela primeira vez o Ministério da Saúde propunha estudar o tema, ocasião em que expus os dados acima. 11 A esse respeito ver OLIVEIRA, Fátima. Os múltiplos significados do fatalismo genético. Alcances e Limites da Predisposição Biológica. Cadernos de Pesquisa Cebrap, no. 02, 1994.
  • 29. mestrado, cujo objetivo específico era verificar a incidência desses tumores entre brancas e negras. A prevalência dos miomas uterinos entre as negras, a acentuada ocorrência da histerectomia, o descumprimento das orientações médicas, a elevada desinformação sobre o assunto e suas conseqüências receberam agora um tratamento mais refinado. A produção de um vídeo e a realização de oficinas cumpriram também o propósito de informar, alertar, sensibilizar e orientar as usuárias do serviço de ginecologia do Centro de Saúde de Vila Morais sobre a epidemiologia dos miomas uterinos, o caráter irreversível da histerectomia e suas possíveis conseqüências negativas para a saúde física e emocional da mulher. Esse estudo fundamentou-se na hipótese central de que a informação tem a capacidade de alterar comportamentos. A reflexão teórica respaldou-se ainda em duas suposições. A primeira levava a presumir que, ainda que as entrevistadas possuíssem formas culturais específicas de entender e lidar com a saúde/doença, o fato de procurarem os serviços oferecidos pela medicina alopática significava que nela depositavam crédito, ou seja, confiavam no “saber” médico. A segunda permitia imaginar que, de posse das informações acerca dos miomas, das formas de tratamento, da histerectomia e das conseqüências do descumprimento das orientações médicas, não somente as mulheres com o diagnóstico da doença, como também as demais, sentir-se-iam estimuladas a manter os devidos cuidados com a saúde ginecológica. Em ambos os casos, estariam colocando em prática uma atividade preventiva, com o objetivo de reduzir a ocorrência da histerectomia. Além disso, havia a necessidade de informar as entrevistadas sobre a prevalência dos miomas e da histerectomia entre as negras. Dada a metodologia empregada, que permitia uma proximidade com as entrevistadas, acreditava ser possível transmitir a todas tal informação, o que, como será visto, não ocorreu de modo satisfatório. 1.5. Apresentação do trabalho
  • 30. O trabalho está dividido em nove capítulos. Após esta introdução, seguem os capítulos dois e três, que tratam de aspectos relativos à saúde da população negra, os demais que cuidam da análise dos dados obtidos na pesquisa e as considerações finais. Capítulo 1 - Introdução Capítulo 2 – O estado da arte dos estudos que tratam da saúde da população negra Apresenta dois momentos distintos: 1o levantamento da produção de estudos e pesquisas voltados à saúde da população negra junto aos setores do movimento social negro e acervo bibliográfico; 2º investigação das propostas de políticas públicas e as ações governamentais viabilizadas neste campo. Capítulo 3 – A questão racial no contexto dos estudos sobre a saúde da população negra brasileira. Trata das dificuldades em lidar com o conceito de raça/etnia presentes nos estudos sobre o negro brasileiro. Capítulo 4 – Metodologia Apresenta a metodologia utilizada nas duas etapas que compõem a pesquisa de campo. Capítulo 5 – O conhecimento dos miomas e da histerectomia. Analisa os resultados da pesquisa domiciliar realizada com 102 mulheres, brancas e negras, com e sem diagnóstico, que constituíram a amostra, acerca do seu conhecimento sobre miomatose e histerectomia e com outras cinco mulheres que já havia se submetido a essa cirurgia. Capítulo 6 – Saúde, doença: os miomas e a histerectomia nas representações das mulheres. Traz uma reflexão sobre as representações sociais de miomatose e a histerectomia, a partir dos relatos das entrevistadas. Capítulo 7 – O áudio visual e as oficinas. Ocupa-se das discussões ocorridas por ocasião das apresentações do vídeo e nas oficinas.
  • 31. Capítulo 8 – Avaliação do projeto de ação educativa Verifica o impacto das ações educativas sobre o comportamento das mulheres com e sem diagnóstico de miomatose que estiveram expostas àquelas informações. Compara os comportamentos destas mulheres com o das que não assistiram ao vídeo nem participaram das oficinas. Capítulo 9 – Considerações finais.
  • 32. 2. O ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS QUE TRATAM DA SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA 2.1. Considerações gerais O estudo das doenças raciais/étnicas encontra sua origem na junção de reivindicações parciais de dois movimentos sociais anteriores: o movimento negro e o movimento de mulheres. Do movimento negro, herdou principalmente sua base conceitual e política e do movimento de mulheres, um olhar atento para a saúde da mulher em geral e da mulher negra em particular. A presente reflexão foi desenvolvida com base em dados extraídos de estudos e pesquisas realizados a partir da segunda metade da década de 1980, que versam sobre a saúde da população negra. Nesse sentido, passarei a expor as reivindicações e propostas de políticas públicas feitas pelo movimento de mulheres negras e demais pesquisadores da área. 2. 2. Origens e trajetória do movimento negro Para PEREIRA (1981), os estudos sobre o negro no Brasil podem ser divididos em três fases distintas: o negro como expressão de raça, como expressão de cultura e como expressão social. Segundo o autor, a primeira fase – o negro como expressão de raça - caracterizou-se por uma imagem negativa e patológica do “homem de cor” perante os outros grupos raciais que formam a população. Essa fase, em que as noções se fundamentam na idéia de raça, foi respaldada em larga medida pela Antropologia Física que hierarquizava os grupos raciais. No Brasil, esse momento rompe o século XIX e vai até o início do século XX. A segunda fase – o negro enquanto expressão de cultura – iniciou-se na década de 1920 e teve como característica o fato de que os atributos raciais eram colocados em plano secundário, cedendo lugar às peculiaridades culturais. A terceira fase – o negro
  • 33. enquanto expressão social - iniciou-se após o fim da Segunda Guerra Mundial e tratou o conceito de raça como realidade empírica, sendo marcada por uma revisão de toda a problemática social, política e científica sobre a variedade fenotípica dos diferentes grupos humanos. A partir da segunda metade da década de noventa, SANTOS (2001) aponta o surgimento de uma nova fase: a da cidadania, onde os estudos e pesquisas sobre a temática racial, impulsionados pelo Movimento Social Negro, passam a focar problemas específicos voltados para a área da educação, trabalho e políticas públicas. No que se refere ao campo da saúde, observa-se, no mesmo período, uma significativa, ainda que insuficiente, produção de trabalhos sobre o assunto. Como conseqüência, ainda que timidamente, a sociedade começa a perceber mudanças no que diz respeito às políticas voltadas para a população negra. 2.3. O movimento social negro A partir da década de 1920, firma-se no Brasil uma imprensa negra, de cunho político, que denunciava as práticas de discriminação racial e a situação de inferioridade sócio-econômica dos negros. Apresentava-se como um veículo político e posicionava-se em relação ao modo pelo qual o negro deveria se comportar na sociedade para que tivesse o reconhecimento social do branco. Naquela época, destacaram-se os jornais O Clarim d’Alvorada (1924 a 1932) e a Voz da Raça (1933 a 1937) (PAHIN, 1993) Em 1931, surge a Frente Negra Brasileira, que chegou a se registrar como partido político e foi extinta em 1937, no início do governo Vargas (CUNHA, 1992). Durante o Estado Novo (1937 a 1945), o movimento negro passou por uma fase de grande silêncio, quando todos os movimentos sociais foram reprimidos pelo autoritarismo político do período. Porém, em 1944, já na fase autoritária final, foi fundado por Abdias Nascimento, referência maior do Movimento Social Negro contemporâneo, o Teatro Experimental do Negro
  • 34. (TEN). O grupo contou com a figura de porte do intelectual negro bahiano, Guerreiro Ramos e teve, no princípio, um perfil cultural, politizando-se em seguida, impulsionado pelos novos ventos democratizantes do pós-guerra. CHOR (1996) comenta o entendimento de Guerreiro Ramos a respeito do TEN, para o qual ele seria "uma elite de intelectuais de cor" com a tarefa de estreitar a distância entre o "negro legal" e o "negro real" . Essa expressão, segundo Guerreiro Ramos, sintetizava a diferença existente entre a igualdade formal de direitos com a realidade que de fato parte dos negros vivenciavam em seus cotidianos. Quando da emergência e funcionamento do TEN (anos 40 e 50), o momento mundial era de combate ao racismo em escala planetária. Na década de 1950, a UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization iniciou uma série de estudos12 no Brasil para investigar como se dava a inserção dos negros na sociedade e, sobretudo, identificar as barreiras à sua ascensão social (SOUZA, 1995). Em continuação à movimentação da militância negra nos anos 1930 (Frente Negra Brasileira) e nos anos 1940/1950 (Teatro Experimental do Negro), irrompe, na década de 70, o MNU - Movimento Negro Unificado, retomando uma tendência interrompida nos anos 1960, especialmente marcados pelo rompimento da democracia em 1964. Todavia, antes do MNU ser criado em 1978 em São Paulo, “já estava em atuação nas principais cidades brasileiras um sem-número de entidades culturais negras”. (GUIMARÃES, 2001). Em 1974 são fundadas duas entidades importantes do movimento negro: o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) no Rio de Janeiro e o bloco afro Ilê Aiyê em Salvador. Em 1976, no Rio de Janeiro, surge a Escola de Samba Quilombo e em Salvador é criado o Centro de Pesquisas das Culturas Negras. O MNU surge em sintonia com o forte movimento de redemocratização do final dos anos 70 e, neste sentido, acompanha a atuação que já tivera o TEN em 1944. Define sua linha de atuação inicial em três vertentes: 12 Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Otavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, entre outros, participaram da iniciativa da UNESCO.
  • 35. 1.Denunciar o racismo e o preconceito racial; 2.Denunciar o mito da democracia racial e 3.Buscar a construção de uma identidade racial. (GUIMARÃES, 2001) Os anos 1980 foram marcados por uma movimentação impulsionada pela redemocratização do país. Nessa década são criados os primeiros órgão públicos voltados para a população negra: os conselhos estaduais (São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia) e a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Após 1988, ano em que se celebrou o centenário da abolição e no qual se estabeleceu uma nova ordem constitucional, surgem novas entidades negras – com maior enfoque em conquistas sociais, ao invés de ênfase nas denúncias. São as organizações não-governamentais - ONGs, apelidadas de NEGRONGs. Há um sem-número delas atuando de forma dinâmica em todo o pais, das quais destacam-se o Geledés – Instituto da Mulher Negra, O Fala Preta e o Crioula, entidades mais voltadas para os direitos de cidadania da mulher negra. Destaca-se ainda o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) e o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades (Ceert). A redemocratização em curso no país e o surgimento de novos partidos políticos também ampliou o espaço para o movimento negro apresentar suas reivindicações, verificando-se uma maior atuação de negros nesse setor o que culminou com a eleição de alguns candidatos negros (CUNHA, 1992). 2.4. O movimento feminista e a saúde da mulher A partir dos anos 1970, muitas foram as discussões em torno da participação política, econômica e social da mulher na sociedade, sendo um grande marco o Ano Internacional da Mulher, declarado pela ONU - Organização das Nações Unidas em 1975. Na década de 1980, o movimento feminista iniciou uma luta pela atenção específica à saúde da mulher e tinha como objetivo discutir, propor e reivindicar políticas públicas, além de produzir estudos voltados à saúde da população feminina, sem que naquele momento fizesse parte de suas reflexões
  • 36. a variável cor/raça. A partir de então, as mulheres negras passam a discutir a especificidade racial/étnica no tocante à saúde. (ARAÚJO, 2001). Em 1985, com base em uma reivindicação do movimento de mulheres, foi criado o PAISM – Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que oferecia às mulheres o direito de assistência à saúde curativa e preventiva, mas não contemplava as questões relativas à saúde da mulher negra. (OLIVEIRA, 1994). No final da década de 1980 foram implantados serviços destinados à saúde da mulher, voltados especialmente para o planejamento familiar, a prevenção da mortalidade materna e a assistência à gestante de alto risco. Não obstante, permanecia o hiato entre a defesa dos interesses de gênero, pelo movimento feminista, e a luta pró-cidadania da população negra. Em 1988 surgiram as primeiras organizações de mulheres negras, que fundiam os ideais do movimento feminista e do movimento negro, voltando-se para os problemas da discriminação social, econômica, educacional e política da mulher negra (CARNEIRO, 1994). 2.5. Introdução do recorte por cor/raça Em paralelo á trajetória dos movimentos de mulheres brancas e negras surgem, no mesmo período, uma série de estudos e pesquisas que incorporam a variável cor/raça. Na segunda metade da década de 1980, o NEPO – Núcleo de Estudos de População, da Universidade Estadual de Campinas iniciou importantes projetos de investigação demográfica acerca da população negra, os quais tornaram-se referências imprescindíveis. (OLIVEIRA, 1995)13 A partir de então, vários pesquisadores e centros de pesquisa passaram a realizar estudos sobre a saúde da população negra. 13 Destacam-se os títulos: Estudo da Dinâmica Demográfica da População Negra no Brasil (BERQUÓ, BERCOVICH e GARCIA, 1987), Fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões (BERCOVICH, 1987); Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira (TAMBURO, 1987), Nupcialidade da População Negra (BERQUÓ, 1987); O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil (CUNHA, 1990).
  • 37. Um estudo sobre nupicialidade mostrou que o índice de mulheres brancas casadas era maior que o de pardas e pretas, sendo maior a proporção de homens pretos unidos com mulheres brancas ou pardas, contrastando com o menor número de mulheres pretas casadas com homens pardos ou brancos (BERQUÓ, 1987). Outro estudo que comparou a fecundidade de mulheres brancas, pardas e pretas, revelou que, até 1960, dentre os três grupos, a fecundidade de mulheres pretas era sistematicamente menor, o que foi atribuído "à menor proporção de mulheres pretas que se unem" e "à menor proporção de mulheres prolíficas, mesmo as que estão unidas" (BERCOVICH, 1987). Um estudo acerca da mortalidade intra-uterina por cor mostra que as proporções de gravidezes entre pardas e pretas são semelhantes (1,92 e 1,91 respectivamente), e que as primeiras apresentam maior número de nascidos vivos que as segundas, principalmente devido ao menor número de abortos espontâneos (0,24 contra 0,31), uma vez que os níveis da natimortalidade são semelhantes (0,06 contra 0,07) (MORELL e SILVA, 1988). Sobre amamentação, constatou-se que as mulheres pretas, em razão de suas condições sócio-econômicas, utilizam predominantemente a mamadeira para alimentar as crianças pequenas, em detrimento do aleitamento materno, forma mais indicada como fonte de alimento e proteção contra doenças e amplamente utilizada nos países pobres, inclusive na África (RÉA, 1988). A necessidade de trabalhar fora de casa, entre outros fatores, explica a maior utilização da mamadeira entre as pretas e as pardas, que recorrem pouco ao aleitamento materno por apresentarem situação econômica precária, embora não tão severa quanto a das pretas. Todavia, verificou-se que as mulheres pretas apresentam melhores índices de aleitamento no início da vida dos bebês (até o quarto mês), quando os fatores de ordem biológica mais interferentes – estabelecimento da sucção apropriada para um suprimento adequado de leite, não turgescência e esvaziamento correto das mamas, não existência de mastites ou rachaduras impeditivas da prática de amamentar seriam mais superáveis por estas do que pelas brancas. É a partir do quarto mês, aproximadamente, quando as
  • 38. questões sociais passam a ter maior peso, que as brancas conseguem maior sucesso na lactação (RÉA, 1988). 2.6. A importância da identificação racial na área de saúde A identificação racial14 é de suma importância nos serviços de saúde para o estabelecimento de "diagnósticos e prognósticos, na prevenção e no acompanhamento condigno, sobretudo das doenças atualmente consideradas raciais/étnicas" (OLIVEIRA, 1994). Existem doenças que incidem mais sobre uma determinada raça do que sobre outra, assim como mais sobre um sexo do que sobre outro: "Assim como existe uma patologia dos sexos, uma patologia das idades, temos também uma patologia favorecida pelo fator racial. São conhecidas as suscetibilidades e também a relativa imunidade especial de certas raças para determinadas doenças." (ROMEIRO, 1968). 2.7. Doenças raciais/étnicas Doenças raciais/étnicas são definidas como aquelas patologias que os grupos raciais – branco, negro, amarelo e indígena, ou étnicos – judeus, ciganos, etc. apresentam com exclusividade ou prevalência. São ainda as doenças que se caracterizam por uma evolução diferenciada nos distintos grupos populacionais, independentemente ou com pouca interferência das condições sócio-econômicas.15 Segundo ZAGO (1993), as manifestações das doenças dependem das interações de dois fatores: genéticos e ambientais, sendo que em alguns tipos de doenças pode prevalecer ora o fator genético (como, por exemplo, na anemia falciforme), ora o fator ambiental (como nas infecções). Entre as doenças predominantemente genéticas e as predominantemente ambientais 14 O uso dos conceitos cor, raça e etnia será tratado no Capítulo 3. 15 Definição construída e extraída do Programa Saúde da População Negra, conduzido pela Área População e Sociedade do CEBRAP, 1992, sob a coordenação de Elza Berquó. Ver também, Cadernos de Pesquisa CEBRAP, nº 2, 1994.
  • 39. situam-se as doenças resultantes destes dois fatores, como a febre reumática, o diabetes melito e a doença coronariana cardíaca. Dentre as doenças genéticas, a anemia falciforme é a mais comum no Brasil. Trata-se de uma anemia hereditária prevalente na população negra. Apresenta-se de modo variado entre os portadores. Existem aqueles que manifestam a doença na forma grave e aqueles que a apresentam na forma benigna, quase sem conseqüências. Portanto, dependendo do caso, o indivíduo portador desta doença pode falecer na fase infantil ou então sobreviver até a vida adulta, sem complicações graves. Esta variação depende da interação dos fatores genéticos e ambientais, representados pelas condições sócio-econômicas no sentido amplo, ou seja, higiene, qualidade de alimentação, acesso a assistência médica (ZAGO, 1993). Cada grupo populacional apresenta distintamente incidência e prevalência de doenças, de acordo com os fatores ambientais, genéticos e a interação entre eles. (ZAGO, 1993). Várias são as doenças genéticas que se manifestam de modo diferente em diversos grupos humanos: Uma delas: “é uma forma de porfiria, que afeta os brancos na África do Sul com uma freqüência cerca de trezentas vezes maior que entre as outras populações de caucasóides. A fibrose cística, extremamente freqüente em populações européias, sua incidência é máxima no norte da Europa e vai diminuindo em direção ao sul, sendo extremamente rara entre negros e orientais. A doença de Tay- Sachs, que é uma anormalidade genética observada entre judeus ashkenazi, é extremamente rara em outros grupos de judeus. Também as hemoglobinopatias têm uma distribuição muito heterogênea em diferentes populações humanas. Por exemplo, as talassemias são muito freqüentes em povos mediterrâneos e do sudoeste da Ásia, sendo raras ou ausentes em outras populações. Por outro lado, a anemia falciforme é muito freqüente em algumas populações africanas e praticamente inexistente na Europa e na Ásia”. (ZAGO, 1993)
  • 40. Ao comparar doenças de fundo genético entre as populações negra e branca dos Estados Unidos, ZAGO (1994) mostra que a hipertensão arterial é mais freqüente e mais grave em negros, podendo sua causa ser justificada pelos seguintes fatores: estresse sociocultural, constituição genética, hábitos alimentares, peso corporal (obesidade). Ainda segundo o autor, os casos de diabetes melito tipo I, mais grave, são mais freqüentes em brancos do que em negros, enquanto o tipo II é prevalente nestes. O albinismo é uma anormalidade genética. O mais comum é o albinismo óculo-cutâneo tirosinase-negativa, que acomete igualmente negros e brancos, mas a tirosinase-positiva é duas vezes maior em negros. A deficiência de lactase, que resulta em intolerância ao leite, é mais comum em negros. Algumas malformações congênitas apresentam-se predominantemente em negros e outras em brancos, de acordo com os fatores genéticos e ambientais: a anencefalia aparece mais em brancos do que em negros, e a hipoplasia do pulmão é prevalente em negros. O câncer dermatológico é mais freqüente na população branca, embora ocorram determinados tipos de cânceres prevalentes em negros. A sobrevivência de negros com câncer é menor do que a de brancos, o que, segundo OLIVEIRA (1993), parece estar diretamente relacionado com as condições sócio-econômicas. Ainda com relação aos cânceres, ARAÚJO (1993) aponta que as mulheres negras norte-americanas apresentam o dobro de incidência de câncer no colo do útero em relação às mulheres brancas, sendo que o desenvolvimento deste câncer está associado às condições de pobreza. Já as mulheres brancas apresentam maior predisposição para desenvolver o câncer de mama, porém, "na última década, de 12% a 15% das mulheres negras com câncer de mama apresentam uma média de sobrevida cinco vezes menor que as mulheres brancas", o que pode ser justificado, segundo a autora, pelo precário acesso aos serviços de saúde de boa qualidade. São também características da população negra as síndromes hipertensivas na gravidez e a mortalidade materna (OLIVEIRA, 2001). 2.8. A influência dos fatores sócio-econômicos
  • 41. Segundo afirma OLIVEIRA (2001): “[Embora] sejam poucas (e de fato são) as doenças que podem ser catalogadas como raciais ou étnicas, na população negra elas atingem precocemente um número expressivo de pessoas, e suas decorrências na morbimortalidade em si já justificariam uma atenção especial. Além disso, todas elas são doenças que têm uma interferência muito íntima na saúde reprodutiva da mulher negra e na diminuição da vida produtiva de negros em geral”. A precariedade das condições de vida atua negativamente sobre a situação de saúde da população em geral, porém, como se sabe, os negros, em sua maioria, residem nas áreas mais carentes de políticas públicas essenciais, como saneamento básico, escolas e instituições de saúde, além de apresentarem baixa qualificação profissional e renda mensal aquém do mínimo necessitado. Tal situação é ainda mais prejudicada pela existência explícita ou velada de práticas racistas na sociedade brasileira, o que contribui acentuadamente para a manutenção ou a piora da baixa estima e do risco de adoecimento físico e mental (OLIVEIRA, 2000). Estudos revelam que o câncer do colo do útero é duas vezes mais freqüente em mulheres negras que nas brancas. Várias pesquisas atestam que este tipo de câncer é diretamente proporcional às condições de pobreza, confirmando que a precariedade das condições sócio-econômicas compromete efetivamente a saúde da população negra (OLIVEIRA, 2001). Uma pesquisa sobre demografia e saúde constata a desigualdade social, econômica, de risco reprodutivo e de acesso aos serviços de saúde existentes entre a população negra e a branca, evidenciando aspectos que reforçam a especificidade da questão (PERPÉTUO apud OLIVEIRA, 2000). Os dados demostram que: 1. a condição sócio-econômica das mulheres negras é significativamente inferior à das brancas, em especial no que se refere ao acesso a bens e serviços e nível educacional;
  • 42. 2. a proporção de mulheres negras sob risco reprodutivo é muito maior que as brancas, com maior índice de gravidez na adolescência e mulheres com 3 filhos ou mais; 3. as negras têm um conhecimento precário sobre a fisiologia reprodutiva e registram uma fecundidade maior que as brancas. Apenas 20% sabem localizar o período fértil (em contraste com 37% das brancas); 4. as negras têm acesso precário à anticoncepção, sendo o dobro das brancas o percentual de negras que nunca usou anticoncepcional ou que passou a usar método contraceptivo somente após ter tido 2 ou mais filhos. 2.9. Mortalidade No Brasil, os negros morrem mais precocemente em todas as faixas etárias, em decorrência de causas que são geralmente previníveis e evitáveis (OLIVEIRA, 2001). Particularmente em relação á mulher negra, quando se considera a mortalidade por cor, verifica-se que a mortalidade de mulheres pretas é maior que a das pardas, e maior ainda que a das brancas, relação também encontrada na mortalidade infantil, o que pode ser justificado pelas precárias condições de vida e saúde em que vive a maioria da população negra (CUNHA,1990). Comparando-se a mortalidade proporcional por faixa etária da mulher negra com o homem branco, constata-se que o percentual de óbitos antes dos 50 anos é de 40,7% na mulher negra e de 39% no homem branco, contradizendo a afirmativa de que mulheres vivem mais que homens. Para as mesmas doenças, apresentadas por negras e brancas, verifica-se que a mortalidade das negras é maior. (BARBOSA, 2001).
  • 43. A mortalidade infantil das crianças negras é elevada e vem registrando uma piora. Já em 1960, a mortalidade de crianças brancas era 44% menor do que a de crianças pardas e 33% menor do que a de crianças pretas. Em 1980, verificou-se a diminuição na mortalidade infantil de brancos, pardos e pretos, especialmente para brancos (36%). Para as crianças pretas observou-se a "diminuição da vantagem do subgrupo preto, que caiu de 7% para apenas 3% em 1980”. Em relação à escolaridade, a população negra, em sua maioria, apresenta níveis inferiores aos da população branca. Quanto maior o nível de escolaridade da mãe, menor o nível de mortalidade das crianças menores de um ano, de modo que também nesta relação é maior a mortalidade infantil de pretos, seguida pela de pardos (TAMBURO,1987). A mesma autora, ao estudar a mortalidade infantil no estado de São Paulo, utilizando-se dos dados do censo de 1991 e de estatísticas do registro civil, associando-os às variáveis cor/raça e a condições sócio-econômicas, verificou, entre outros resultados, a acentuada dificuldade de acesso de mães negras ás consultas de pré-natal, maior proporção de mulheres que apresentam nenhum ou baixos níveis de escolaridade, maior mortalidade de crianças negras vítimas de doenças infecciosas, parasitárias e respiratórias e a maior ocorrência de óbitos decorrentes da falta de assistência médica. O baixo peso ao nascer também se acentua para essas crianças, o que, como aponta a autora, pode ser conseqüência da desnutrição e de doenças maternas, como a hipertensão e diabetes, não controladas no período gestacional. (TAMBURO, 2001) 2.10. O panorama atual da saúde da população negra Conforme a avaliação de (OLIVEIRA, 2001), ainda que na última década sejam crescentes no Brasil as discussões acerca das doenças raciais/étnicas relacionadas a população negra, esse debate, quer no interior das ONGs, quer no meio acadêmico, – exceto para a anemia falciforme - ainda não recebeu das escolas de medicina, o reconhecimento científico. 2.11. Ações governamentais
  • 44. No campo político, registram-se algumas iniciativas do governo (OLIVEIRA, 2001): 1. Definição do quesito cor pelo Ministério da Saúde, desde março de 1996, para a padronização de informações sobre raça e cor dos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país. 2. Realização da Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra pelo Ministério da Saúde e do GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, em abril de 1996. 3. Inclusão do quesito cor na Norma de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, outubro de 1996 pela Resolução 196/96. 4. Organização da Pré-conferência Cultura & Saúde da População Negra (Brasília, setembro de 2000), promovida pela Fundação Cultural Palmares e pelo Ministério da Saúde, como parte das atividades preparatórias do governo brasileiro para a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância. 5. Implantação de medidas no campo da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos com perspectivas de benefícios para as mulheres negras: o quesito cor na Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes; a reinstalação do Comitê Nacional de Mortalidade Materna e a notificação compulsória dos óbitos maternos (1997). Inclusão do quesito cor nas declarações de óbito. 6. Aprovação do Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde (PAF/MS) em agosto de 1996, uma diretriz completa para a atenção à anemia falciforme, com oferta do diagnóstico neonatal e ampliação do acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento. Porém, como afirma OLIVEIRA (2001), as ações governamentais até aqui empreendidas são, contudo, insuficientes para atender à demanda por políticas e serviços de saúde, uma vez que a maior parte ainda está em projeto.
  • 45. 2.12. Principais reivindicações Uma análise das principais reivindicações do movimento negro no que tange às políticas públicas na área de saúde permite elencar as seguintes medidas que, embora sem contemplação, traduzem necessidades prioritárias: 1. implementação de políticas de educação continuada em saúde da mulher, em particular sobre saúde reprodutiva da mulher negra; 2. inclusão de orientações específicas sobre saúde da mulher negra no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM); 3. observação de cuidados especiais com a anticoncepção hormonal e o DIU (Dispositivo Intra-uterino) em mulheres portadoras de hipertensão, diabetes, miomas e anemia falciforme; 4. dedicação de atenção especial ao risco de hipertensão arterial, especialmente, das mulheres negras por parte dos serviços de saúde, sobretudo durante o pré-natal; 5. capacitação e formação de lideranças comunitárias sobre a saúde da população negra pelo Ministério da Saúde; 6. incorporação de conteúdos que tratem da saúde da população negra nos treinamentos, capacitação e aperfeiçoamento do Ministério da Saúde; 7. desenvolvimento de estudos nas escolas de medicina voltados para as especificidades da população negra. (OLIVEIRA, 2001). Neste sentido, a autora aponta a urgência da elaboração de um Plano Nacional de Atenção à Saúde da População Negra, que defina as diretrizes de ação a partir da inclusão do recorte racial/étnico, a fim de proporcionar uma abordagem diferenciada de determinadas doenças e contemplar as repercussões do racismo na saúde da população negra.
  • 46. 3. A QUESTÃO RACIAL NO CONTEXTO DOS ESTUDOS SOBRE A SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA No Brasil, são grandes as dificuldades em torno da identificação racial da população negra. O fato de sermos um país mestiço, que nunca adotou oficialmente uma linha demarcatória de cor, torna subjetiva a classificação e a auto-classificação dessa variável (CONSORTE, 1995). Tais dificuldades são invariavelmente vivenciadas por pesquisadores de qualquer área temática quando pretendem considerar em seus estudos o recorte racial/étnico. A categoria cor, entre nós, geralmente vem associada à idéia de raça, o que torna o tema complexo até mesmo do ponto de vista conceitual, aspecto reconhecido por estudiosos da área e que foi definido por SANTOS (2001) como um “terreno movediço”. Por um lado, a não sistematização do item cor pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o não cruzamento com outras variáveis impossibilita uma avaliação evolutiva e comparativa das condições de vida da população negra. Além disso, as categorias de cor utilizadas para definir a população negra nos Censos (parda e preta) são bastante discutíveis. (CARNEIRO, 1990). Por outro lado, a não-identidade racial existente entre os negros acentua essa problemática. 3.1. O item cor O item cor foi introduzido no censo demográfico realizado no país, em 1872, no qual a classificação da população compreendia as categorias branca, preta e parda. No recenseamento de 1890, as alternativas de cor foram mantidas.
  • 47. Em 1940, foram adotadas as opções: branca, preta, amarela e parda (esta última destinava-se aos que não se enquadrassem nos três primeiros grupos). Os censos de 1950 e 1960 adotaram os mesmos critérios utilizados em 1940. No censo de 1970, foi omitido o quesito cor, que retornou em 1980, com as mesmas variáveis de classificação de 1940 (BERQUÓ, 1988). Em 1976, a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios incluiu pela primeira vez o quesito cor no Suplemento de Mobilidade Social e Cor, utilizando dois critérios para sua identificação: diante de uma pergunta aberta, o recenseado classificava sua cor livremente; depois, de acordo com as categorias preestabelecidas: branca, parda, preta e amarela (ARAÚJO, 1987). Os dois últimos censos, de 1991 e 2000, utilizaram cinco categorias para a identificação de cor: branca, parda, preta, amarela e indígena e valeram-se da auto-identificação. Contudo, o grande número e a variedade de cores mencionadas nas respostas, presentes já no Censo de 1980, evidenciam as dificuldades dos brasileiros para se auto-classificar em relação á sua cor (SANTOS, 2001). O IBGE em 1980 contabilizou mais de uma centena de cores: lilás, ouro, rosada, saraúba, encerada, branca suja, morena roxa, negrota, queimada, sapecada e turva são alguns exemplos do que SANTOS (2001) denomina de "exacerbado arco-íris brasileiro". 3.2. Raça ou etnia? No Brasil, pensa-se em raça ou em cor? Ou, ainda: se reconhece raça ou etnia? Como foi dito, embora aqui a idéia de raça geralmente venha associada à categoria cor, em boa parte das vezes os termos são agregados, passando-se a ter uma noção de cor/raça. Os conceitos de raça e etnia no país são bastante polêmicos, tanto na academia, quanto nos centros de pesquisas e entidades do movimento negro.
  • 48. Por vezes, o conceito de raça é tomado em sua acepção biológica, em outras, aparece como uma categoria social (OLIVEIRA, 1995). A noção de etnia, embora ainda pouco discutida no que diz respeito aos negros brasileiros, também gera polêmica. Segundo CONSORTE (1987): ”Para a ideologia dominante, os negros não constituem grupos étnicos, não possuem territórios específicos, não falam a língua dos seus antepassados e, freqüentemente, ignoram tudo a respeito da história dos seus maiores" Para CONSORTE (1998), enquanto a idéia de raça se identifica cada vez mais com o passado, dando ênfase aos aspectos físicos, o conceito de etnia emerge vinculado ao futuro, pautado na noção de pertencimento e na comunhão de valores. Na conceitualização de raça, todavia, residem dificuldades reconhecidas pela maioria dos estudiosos da temática racial brasileira. Trata-se de uma discussão complexa, como reconhece SANTOS (2001), entre outros. No meio acadêmico, o tema tem em NOGUEIRA (1985) o enfoque que desmembra o “preconceito de origem” considerado típico dos Estados Unidos, do “preconceito de marca”, mais comum no Brasil. Por esse entendimento, seria negro, nos Estados Unidos, quem tivesse “origem” africana, independentemente do matiz da pele. Aqui, a cor da pele (marca) cuidaria de definir o indivíduo em termos raciais. Todavia, esse texto não traduz inteiramente o que acontece em um país de dimensões continentais, constituído por várias culturas, como o Brasil. Como se sabe, uma pessoa classificada como morena no nordeste tem grande chance de ser considerada negra no interior de Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul. SCHWARTZMAN16 (1999), admite que essa possibilidade levantada por Nogueira talvez explique a ausência de uma “pesquisa sistemática no Brasil sobre o tema da origem, ao passo que o conceito de marca tem prevalecido, apesar das limitações que possam ter os dados existentes a este respeito”. 16 Simon Schwartzman, foi presidente do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no período de maio de 1994 a janeiro de 1999.
  • 49. Como afirma, tendo em vista a preparação do Censo de 2000, tentou-se aperfeiçoar o quesito cor, buscando introduzir a variável origem, o que atenderia melhor aos pesquisadores que trabalham com dados de população. Para tanto, como teste, fez-se uso da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de julho de 1998. Pretendia-se verificar se os respondentes que se classificavam como pretos ou pardos identificavam-se como negros ou descendentes de africanos; assim como saber se aqueles auto-classificados como brancos se vinculavam a etnias específicas. Dessa forma, poder-se-ia vincular as respostas à pergunta básica sobre cor. Analisando o teste, assim se manifestou: “Os resultados confirmam que o Brasil não tem linhas de demarcação nítidas entre populações em termos de características étnicas, lingüísticas, culturais ou históricas, o que faz com que qualquer tentativa de classificar as pessoas de acordo com estas categorias esteja sujeita a grande imprecisão.” (SCHWARTZMAN, 1999) Conclui, o autor, pela impossibilidade de substituir o modelo vigente (marca) por um outro, que aponte a origem, "porque só uma parcela da população ‘preta’ ou ‘parda’ se identifica como de origem africana ou negra". (SCHWARTZMAN, 1999) Fica assim evidenciado que as dificuldades para se estudar a questão racial negra vêm de longe e estão cristalizadas, o que torna o tema das doenças raciais/étnicas ainda mais complexo. 3.3. A importância do item cor na área de saúde Um exemplo significativo, que permite compreender como a problemática racial se manifesta na prática é o não preenchimento do item cor nos documentos de saúde, que dificulta ou até mesmo inviabiliza saber, como afirma OLIVEIRA (1994), de que adoecem ou falecem os negros no Brasil. Segundo ela: “ ... é fundamental que se entenda que o ‘quesito cor’ ou a identificação racial é um item necessário e indispensável nos
  • 50. serviços de saúde. Não apenas porque facilita e serve para diagnosticar ou prevenir as doenças atualmente consideradas étnicas, mas sobretudo porque possibilita saber também como é o estado de saúde da população negra; ajuda a precisar mais o descaso, a omissão, a dificuldade de acesso, o racismo subjacente e intricado à marginalização de classe. (OLIVEIRA, 1994) Há de se considerar também as limitações manifestadas pela própria população negra no entendimento dessa questão. Como já indicado, pude presenciar essa dificuldade em minhas pesquisas domiciliares: Com o objetivo de introduzir as entrevistadas na discussão acerca das doenças raciais/étnicas perguntava se já havia ouvido falar na anemia falciforme17 — por tratar-se da doença racial de maior visibilidade — e suas respostas foram amplamente negativas. Diante disso, explicava-lhes em que consiste essa anomalia, assim como as informava acerca de sua particularidade racial/étnica. Todas as entrevistadas entendiam que a discussão acerca da existência das doenças raciais/étnicas era uma manifestação discriminatória. No grupo de mulheres brancas dizia-se: A necessidade de vincular a variável cor/raça ao binômio saúde/doença, levou, no início da década de 1990, entidades do movimento social negro a se mobilizarem para reivindicar junto à prefeitura de São Paulo que essa informação fosse incluída e preenchida nos documentos de saúde dos órgãos institucionais, o que resultou na publicação da portaria n.º 696/9018, que 17 Anemia falciforme é uma doença genética e hereditária, mais freqüente na população negra. A esse respeito ver o vídeo Eu, Mulher Negra, Cebrap, 1994; Cadernos de Pesquisa Cebrap, no.2, 1994; Cartilha Anemia Falciforme/Anime-se e Informe-se - Cebrap e Fala Preta, 1996; Livreto População Negra em Destaque, 1998. 18 A portaria 696/90 foi baixada durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, então do Partido dos Trabalhadores, pelo secretário municipal de saúde, Dr. Eduardo Jorge. Porém, nas gestões seguintes, de Paulo Maluf e Celso Pitta, esse projeto foi silenciado, retornando somente no ano de 2000, no final da gestão de Celso Pitta.
  • 51. oficializava a inclusão do item cor no Sistema de Informação da Secretaria Municipal de Saúde (Cadernos Cefor, 1992). Não obstante, se, de um lado, pesquisadores e militantes da questão racial entendiam ser necessário considerar o item cor nos documentos de saúde, de outro, parte dos funcionários e profissionais de saúde, além de não compreenderem a razão da inclusão, chegavam a considerar essa atitude discriminatória (Cadernos Cefor, 1992). Diante desse impasse, o movimento social negro promoveu palestras, campanhas e importantes seminários para conscientizar a população e tornar pública a importância do item cor nos documentos de saúde. Entre as iniciativas estava aquele que se tornou um marco, O Quadro Negro de Saúde – Implantação do Quesito Cor no Sistema Municipal de Saúde, pois defendia que a identificação de cor/raça nos prontuários médicos dos usuários do Sistema Municipal de Saúde em São Paulo seguisse a mesma classificação de cor/raça utilizada pelo IBGE no censo de 1980, ou seja, branca, parda, preta e amarela e que esse dado fosse coletado mediante auto-classificação. Segundo depoimentos dos organizadores da campanha, os resultados de todo esse esforço, até o final de 1992, foram positivos, ainda que permanecessem as resistências por parte de profissionais de saúde e funcionários para considerar o quesito cor. No entanto, já no início de 1993, no preenchimento do prontuário dos pacientes passou-se a desconsiderar as normas da auto-classificação. Embora essa discussão tenha sido relegada pelo governo municipal, o movimento social negro permaneceu empenhado na defesa das questões de saúde, como mencionado no capítulo anterior. Em fevereiro de 2000, o assunto voltou a ser analisado pela gestão municipal. O vereador Carlos Neder, após entendimentos com o movimento social negro, apresentou à Câmara dos Vereadores o Projeto de Lei 35/2000, que tem como um de seus objetivos implementar programas e ações de saúde específicos para a saúde da população negra.
  • 52. No mês seguinte, realizou-se o seminário Quesito Cor, na Câmara Municipal dos Vereadores, que contou com a participação de membros do movimento social negro, pesquisadores, acadêmicos e população em geral. Para ROLAND (2000): “A reivindicação da introdução do chamado ‘quesito cor’ nos instrumentos de coleta de informações oficiais tem se constituído numa das principais bandeiras do Movimento Negro no Brasil. Até agora, ainda que com críticas, foi geralmente aceito o método utilizado pelo IBGE. Dilemas e obstáculos têm impedido uma possível reelaboração das classificações raciais oficiais.” 19 3.4. Particularidades do estudo Ações Educativas para a Prevenção da Histerectomia Antes de iniciar a discussão específica sobre as ações educativas para a prevenção da histerectomia20, objeto desse trabalho, é necessário dizer que as etapas que contaram com a participação das entrevistadas, exceto para as situações relacionadas com a histerectomia, transcorreram de modo bastante prazeroso e intenso. Esse ambiente amistoso, porém, foi influenciado negativamente pela abordagem da identificação racial, que suscitou algum constrangimento. Ao serem solicitadas a atribuir sua cor/raça, as mulheres brancas e negras, essas últimas, embora em número reduzido, mostraram-se bastante incomodadas. As primeiras questionavam-me: “... mas por que você está me perguntando a minha cor? O que tem a ver a cor da pessoa com saúde ou doença? Sou branca, ora!” E as negras: “... nossa, que pergunta! Sou como você, parda. Mas por que você precisa anotar essas coisas aí?”21 19 Trecho extraído do Seminário Quesito cor, publicado em “Cidadania Ativa — Propostas para uma São Paulo Saudável e Solidária, Vereador Carlos Neder (PT). Edna Roland é presidente da Fala Preta — Organização de Mulheres negras — e foi a relatora oficial da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, convocada pela ONU, em 2001 na África do Sul. 20 A discussão a respeito da histerectomia encontra-se nos capítulos seguintes. 21 No que se refere aos depoimentos das entrevistadas, embora tenha primado por ser fiel ao seu conteúdo, precisei fazer algumas alterações gramaticais para garantir sua total compreensão.
  • 53. O constrangimento inicial, manifestado pelas entrevistadas, pode ser justificado, como mostra SANTOS (2001), pela complexidade da questão racial: “ a invisibilidade da questão racial deve ser interpretada aqui como um fato que não se nota, não se discute nem se deseja notar ou discutir. É como se não se existisse”. Felizmente, esse clima de mal-estar esteve presente somente nos primeiros momentos da pesquisa, sendo amenizado à medida em que a entrevista seguia, já que essa era uma pergunta inicial do questionário de campo. No decorrer do trabalho, brancas e negras, no entanto, revelariam posições acentuadamente antagônicas sobre a questão racial. 3.5. A auto-classificação de cor/raça Para a coleta da informação relacionada com a variável cor/raça apliquei a mesma metodologia utilizada pelo IBGE no Censo de 2000, a auto-identificação, oferecendo às entrevistadas as cinco categorias de cor já mencionadas: branca, parda, preta, amarela e indígena. Além disso, mediante a experiência positiva obtida em estudos anteriores22, decidi fazer minha própria classificação para contrapor à declaração feita por elas. Das 102 participantes desse estudo, 51 atribuíram para si a cor/raça branca — e foram assim consideradas por mim. Embora, na totalidade dos casos, a auto-atribuição de cor das mulheres brancas correspondesse à minha avaliação, em determinadas entrevistadas as características físicas evidenciavam alguma mestiçagem, sempre atribuída por elas a algum ancestral de origem indígena. Porém, levando-se em conta os critérios de classificação racial existentes em nossa sociedade, poderiam ser identificadas como mulheres brancas e, como apontado, assim se reconheciam. Das 51 mulheres negras, 35 classificaram-se como pardas, 02 como pretas e 14 como morenas. Estas últimas, alegando terem a cor da pele mais 22 Pesquisa Saúde Reprodutiva da Mulher Negra. Área População e Sociedade, Cebrap, 1992; SOUZA, Vera Cristina, Mulher Negra e Miomas: Uma Incursão na Área da Saúde, Raça/Etnia. Dissertação de Mestrado. PUC/SP, 1995.
  • 54. clara e os cabelos ondulados, recusaram-se a se enquadrar na categoria parda23. Todas elas justificavam ser filhas de pais ou mães brancos, sendo comum entre elas a expressão “não puxei minha mãe” ou “não puxei meu pai” se um ou outro fosse negro. Dessa forma, três delas se declararam “morenas café-com-leite”, cinco, “morenas-mestiças” e seis, “morenas-jambo”. Não obstante, dada a importância da relação cor/raça neste estudo, mantive meu critério de avaliação de cor, incluindo as morenas “café-com-leite, mestiças e jambo” no grupo de mulheres negras24. Em certos momentos deste trabalho porém, suas representações serão analisadas à parte. Diferentemente das morenas, duas das 35 entrevistadas, que se auto-declararam pardas, queixaram-se por não haver a categoria negra dentre as opções apresentadas, uma vez que era assim que se consideravam. A tabela abaixo mostra como as entrevistadas se auto-identificaram. TABELA 1 – AUTO-CLASSIFICAÇÃO DA COR PELAS ENTREVISTADAS CATEGORIA UTILIZADA PARA A ANÁLISE DOS DADOS AUTO-CLASSIFICAÇÃO BRANCA PARDA PRETA MORENA* TOTAL Brancas Negras 51 00 00 00 00 35 02 14 51 51 TOTAL 51 35 02 14 102 * 3 “morenas café-com-leite” ; 5 “morenas--jambo” e 06 “morenas–mestiças”. Como dito, utilizei-me das mesmas categorias de cor/raça utilizadas pelo IBGE — branca, parda, preta, amarela e indígena. Porém, para a análise de 23 A esse respeito, ver HARRIS, M, and CONSORTE, J. "Who are the Whites? Imposed Census Categories and the Racial Demography of Brazil", Social Forces, december, 1993. 24 Entendo que somente as características físicas não são suficientes para que a pessoa se identifique como negra, já que ser negro é, a meu ver, sentir-se negro. No entanto, o fato das integrantes desse grupo não se saberem negro não faz com que não sofram discriminação racial, como comprovam inúmeros estudos.
  • 55. dados, como é amplamente adotado pelos estudiosos da questão racial negra, agrupei as pardas e pretas, considerando-as como negras. 3.6. A percepção da discriminação racial25 Como mostra SANTOS (2001), no Brasil a discriminação racial pode ser classificada em função da forma como acontece: “No Brasil, observamos três tipos básicos de discriminação cometidos contra os negros descendentes: (a) o padrão, aquele de todo o dia — o qual a sociedade já assimilou. Muitos nem o notam mais... (b) o ostensivo, que, apesar de ter um componente de habitualidade, choca e fere as pessoas... (c) o sofisticado. Notá-lo, muitas vezes, é difícil em virtude de variações e das circunstâncias em que ocorre.” (SANTOS, 2001) A tabela abaixo mostra que 49.0% das entrevistadas concordavam com a existência do racismo em nossa sociedade, sendo que dessas 72.0% eram negras, contra apenas 28.0% brancas, incluindo-se 05 mulheres auto-classificadas como morenas. Essas últimas, justificavam suas opiniões a esse respeito mediante o contato com amigas, vizinhas ou até mesmo parentes que passaram por essas situações. TABELA 2 – A PERCEPÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL AUTO-IDENTIFICAÇÃO HÁ RACISMO NO BRASIL NÃO HÁ RACISMO NO BRASIL TOTAL Branca % 14 28.0 37 71,2 51 50,0 Negra % 31 62,0 06 11,5 37 36,3 Morena % 05 10.0 09 17.3 14 13,7 TOTAL % 50 49,0 52 51,0 102 100,0 25 Cabe precisar que discriminação racial, não se confunde com racismo ou preconceito racial. É pela externalização do racismo e/ou do preconceito racial que advém a discriminação racial. A esse respeito ver SILVA Jr, Hédio. Limites Constitucionais da Criminalização da Discriminação. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2000.
  • 56. Para as 52 mulheres restantes, partidárias da crença na democracia racial, foram comuns, como será mostrado adiante, os seguintes posicionamentos: “essas coisas existem somente nos Estados Unidos, é só ligar a televisão e ver. Aqui não tem disso. Você pode ver no próprio Centro, uma das melhores médicas que tem lá é de cor. Aqui, branco e negros andam para cima e para baixo livremente; aqui não tem essas coisas de um ser melhor do que o outro” (Teresa - branca, 38 anos, casada, com filhos, sem diagnóstico, ginásio incompleto, dona de casa). 3.6.1. As 14 mulheres auto-declaradas “morenas” No que tange especificamente a esse grupo de mulheres, que não se consideravam brancas, nem tão pouco negras, entendi ser necessário, ainda que brevemente, traçar seus perfis sócio-econômicos, a fim de verificar se suas características físicas diferenciadas influenciavam as variáveis relativas a mercado de trabalho e escolaridade. A análise mostra que essas mulheres apresentavam as mesmas características sociais das demais mulheres negras: em sua maioria apresentavam baixos níveis de escolaridade26 — seis tinham o primário completo, sete o ginásio incompleto e uma havia concluído o segundo grau. No que se refere à inserção no mercado de trabalho, sete estavam desempregadas, quatro eram empregadas domésticas diaristas, duas eram camelôs e uma era auxiliar de escritório. Eram mulheres jovens, entre 24 e 29 anos, que tinham algum vínculo religioso ou eram simpatizantes de alguma religião (nove afirmaram ser evangélicas e cinco católicas). 26. Optei por não considerar a nova classificação de escolaridade atribuída pelo Ministério da Educação (nível básico, fundamental e médio) porque a análise do desmembramento do modelo antigo (primeiro e segundo graus) associado às variáveis cor/raça mostraria haver diferenças importantes na trajetória social e econômica de mulheres brancas e negras.