PROGRAMA DE AÇÃO 2024 - MARIANA DA SILVA MORAES.pdf
trabalho ética - utilitarismo Hugo Pinto.pdf
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“A doutrina utilitarista é a de que a felicidade é desejável, e é a única coisa desejável,
como um fim; todas as outras coisas são desejáveis apenas enquanto meios para esse fim.” (Mill:
2020, p.68)
O utilitarismo é uma filosofia moral tipicamente Anglo-saxónica. Inscreve-se na
grande tradição do empirismo inglês tanto do ponto de vista da conceção do mundo, da
teoria do conhecimento, como do interesse crítico em relação ao político. Ele foi
igualmente muito influenciado pelo materialismo das luzes.
O utilitarismo clássico é principalmente obra de três pensadores: Jeremy Bentham
(1748-1832), John Stuart Mill (1806-1873), e Henry Sidgwick (1838-1900).
A orientação empirista e experimentalista dos utilitaristas leva-os a querer colocar
na base da organização da sociedade (das suas instituições e das suas leis) um saber
científico adquirido a posteriori e progressivamente. Os utilitaristas denunciam a
organização e as conceções sócio políticas tradicionais, que justificam o direito, as leis e,
sobretudo, os poderes e os privilégios, de uma maneira simbólica, por meio de narrativas
míticas, especulações metafísicas ou crenças irracionais diversas.
O utilitarismo nasce da necessidade de superar a insatisfação com uma teoria do
bem assente num referente moral (como a justiça ou o dever) cuja objetividade não
depende dos resultados práticos suportados pelos agentes. Em alternativa, o valor moral
de uma ação ou regra passa a ser determinado em função das suas consequências. As
consequências de uma ação determinam-na como boa ou má consoante sejam capazes de
efetivar o que a própria natureza dos agentes assume como algo a ser buscado
necessariamente: a felicidade.
O eudemonismo é a conceção moral que considera que a finalidade da existência
humana é a felicidade e que a ação deve visar esta última.
No que diz respeito à felicidade, Jeremy Bentham afasta-se da tradição clássica.
Ao contrário de Aristóteles, Bentham rejeita a ideia de “bem supremo” (felicidade ou
eudaimonia), de modo que a felicidade da Pólis não pode ser separada do indivíduo, pois
o interesse comum vai ser a soma dos interesses individuais – quanto maior a soma, maior
a felicidade da comunidade. Assim, os membros do corpo social importam mais que o
corpo social em si. Bentham não acredita que seja possível atingir o ideal aristotélico de
vida comum que maximize a felicidade individual. Poder-se-ia dizer que o eudemonismo
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de Bentham é um eudemonismo hedonista e não um eudemonismo intelectualista, como
o de Aristóteles.
O hedonismo identifica a felicidade com a fruição de prazeres, a maior parte das
vezes sensíveis. Pode dizer-se que o utilitarismo pertence a esta tradição que remonta à
antiguidade, a doutrinas como o epicurismo.
Algo é bom porque é útil na promoção da felicidade, mormente daquele tipo de
felicidade percecionada enquanto prazer:
Nature has placed mankind under the governance of two sovereign masters, pain and pleasure. It is
for them alone to point out what we ought to do, as well as to determine what we shall do. (…)
The principle of utility recognizes this subjection, and assumes it for the foundation of that system,
the object of which is to rear the fabric of felicity by the hands of reason and of law. (Bentham:
2000, p.12)
Assim começa o primeiro parágrafo de An Introduction to the Pricipals of Morals
and legislation, de Jeremy Bentham. É bastante esclarecedor de que o princípio da
utilidade governa toda a existência humana, de que ele é universal e tem uma finalidade
dupla: diminuir a dor e aumentar o prazer. Este princípio deve pois funcionar como
critério da vida moral, permitindo avaliar cada ação em relação às suas consequências,
em termos de sofrimentos e prazeres previsíveis. Para Bentham esta avaliação é
quantitativa, como um cálculo, um cálculo de felicidade.
Bentham descreve o princípio da utilidade ou princípio da maior felicidade como
aquele que se caracteriza pela preocupação concreta com o bem comum, por ter em conta
as consequências de uma ação ou de uma disposição sobre todas as pessoas implicadas.
O utilitarista autêntico deve visar a maior felicidade do maior número de pessoas.
Bentham preocupou-se com uma medida quantitativa do prazer que permitisse
identificar o princípio da utilidade numa escala gradativa de prazeres. Inventou então uma
espécie de operação aritmética para medição dos prazeres, chamada de “cálculo
hedonista”, a qual consiste num método para determinar o mais adequado equilíbrio entre
a quantidade de prazer e de dor que leve em consideração, na determinação da felicidade,
fatores tão distintos como a intensidade (quão intensa é), a duração (quanto tempo dura),
A certeza (quão certa ou incerta), a proximidade (no espaço e no tempo), a fecundidade
(se conduzirá a outros prazeres), a pureza (se está contaminada por alguma dor), ou a
extensão (quantos indivíduos atinge). Mas Bentham faz assentar o valor dos prazeres,
sobretudo, na sua duração e intensidade. Os melhores prazeres, bem como os piores
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sofrimentos, são os mais prolongados e intensos. Desta forma, Bentham tem uma visão
quantitativa do bem-estar.
Ainda que subscreva o Princípio da Utilidade, ou Princípio da Maior Felicidade,
John Stuart Mill distancia-se em relação à conceção muito materialista, sensualista e
objetivante de Bentahm. Para ele, além da duração e da intensidade, há que privilegiar a
qualidade dos prazeres. Ele considera possível e necessário hierarquizar os prazeres
segundo critérios qualitativos. Mill rejeita assim uma aritmética dos prazeres inserida
num cálculo hedonista porque existem prazeres intrinsecamente superiores a outros. Mill
identifica os prazeres superiores com os do espírito e os inferiores com os do corpo, “Os
seres humanos têm faculdades mais elevadas do que os apetites animais, e quando se
tornam conscientes delas, não vêm como felicidade nada que não inclua a sua satisfação.”
(Mill: 2020, 14)
Para Mill, a felicidade humana que importa ao utilitarismo dá primazia aos
prazeres intelectuais e emocionais pelo facto de estarem ligados ao exercício das mais
elevadas faculdades do espírito. Para justificar esta perspetiva Mill apela à figura dos
juízes competentes (espécie de sábios peritos na arte de viver), que determinariam, com
base na sua grande experiência de vida a hierarquia das diversas qualidades dos prazeres.
Estes, tendo experimentado todos os tipos de prazer, preferem sempre os intelectuais aos
carnais. Daí o famoso parágrafo que transforma o eudemonismo puramente quantitativo
de Bentham num eudemonismo qualitativo:
É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates
insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só
conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.
(Mill: 2020, p.18)
O utilitarismo não é uma moral que convida o indivíduo a preocupar-se exclusiva
ou principalmente com a sua felicidade pessoal e egoísta. Interpretar assim o princípio de
utilidade é contrário ao espírito dos seus fundadores e ao de toda a tradição do utilitarismo
moderno e contemporâneo. O utilitarismo caracteriza-se pela preocupação concreta com
o bem comum, por ter em conta as consequências de uma ação ou de uma disposição
sobre todas as pessoas implicadas.
O cálculo utilitarista de maximização dos prazeres e minimização dos sofrimentos
deve fazer-se considerando a soma total da felicidade e infelicidade. Ele deve ter em conta
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todos indivíduos afetados pela ação, advogando-se uma igualdade total entre todos eles.
A quantidade de felicidade ou de utilidade dos resultados de uma ação determinam-se
somando os benefícios e os custos que dela decorrem. Os utilitaristas clássicos
acreditavam que é possível medir a quantidade de felicidade produzida por uma ação e
pelas várias alternativas, e comparando esse valor, decidir qual a ação mais vantajosa. A
utilidade de uma ação é sempre a soma total/agregada do valor positivo e negativo dessa
ação, obtendo-se dessa forma o saldo geral de felicidade. A felicidade geral é entendida
como a única coisa desejável por si mesma e deve ser promovida tanto quanto possível.
Há, nestas duas versões do princípio da utilidade um compromisso com a obtenção
de felicidade geral. Tanto Bentham como John Stuart Mill, avaliam os desejos humanos
responsáveis por provocarem as ações e regras à luz do conceito unitário de felicidade –
todos os restantes valores morais são medidos no contexto de uma escala de mediação da
felicidade. O fim último é sempre a felicidade: “A doutrina utilitarista é que a felicidade
é desejável, e é a única coisa desejável como um fim; todas as outras coisas são desejáveis
apenas enquanto meios para esse fim.” (Mill: 2020, p.61) Dessa forma, A natureza
humana está constituída numa tensão constante para a felicidade e, de tal maneira, que
tudo o resto que se possa desejar é sempre um meio para alcançá-la, “Se isto for verdade,
a felicidade é o único fim da ação humana, e a sua promoção o teste para julgar toda a
conduta humana. Daqui, segue-se necessariamente que ela tem de ser o critério da
moralidade, pois uma parte está incluída no todo. (Mill: 2020, p.68)
O utilitarismo clássico de ambos os autores é sempre uma versão de eudemonismo
consequencialista.
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BIBLIOGRAFIA
BENTHAM, Jeremy. An Introduction To The Principals Of Morals And Legislation.
Batoche Books Kitchner, 2000.
MILL, John Stuart. Utilitarismo, seguido de Ensaios sobre Bentham. Tradução,
introdução e notas de Pedro Galvão. Presença, 2020.
Hugo Bettencourt Pinto
Maio 2021