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ÁREAS DE VÁRZEA: FRAGILIDADES NATURAIS E OCUPAÇÃO URBANA
SUSTENTÁVEL
Tainá de Assumpção Andrade Silva (IC) e Monica Machado Stuermer (Orientadora)
Apoio: PIBIC Mackenzie


Resumo

O presente trabalho trata das regiões de fundo de vale e suas atribuições naturais, que lhe conferem
uma condição frágil e ao mesmo tempo de suma importância na manutenção dos ecossistemas
terrestres. Em ambientes urbanos, com destaque sobre a cidade de São Paulo, as várzeas assumem
papel decisivo na acomodação dos picos de chuva. Apesar disso, estas áreas vêm sofrendo contínua
degradação e descaracterização, o que traz conseqüências devastadoras sobre a cidade, suas
estruturas e população. As fragilidades naturais das áreas de várzea, as conseqüências de sua
ocupação inadequada e algumas ferramentas capazes de lidar com esta situação estão
exemplificadas num Estudo de Caso, realizado no bairro de União de Vila Nova Pantanal, na zona
leste da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: água, várzea, ocupação urbana, União de Vila Nova Pantanal, sustentabilidade.


Abstract

The present work is about the wetlands and its natural attributions, which confer them a fragile
conditions and, at the same time, a great importance in terms of the good functioning of earth
ecosystems. In urban environments, especially in São Paulo, the wetlands have been suffering
continuous degradation and identity loss, what results in serious and damaging problems to the city,
its structures and population. Natural fragilities in the wetlands, the consequences of its inappropriate
occupation and some of the useful tools to dealing with this situation are shown in a Case Study, in
the União de Vila Nova Pantanal neighborhood, in the east zone of São Paulo.

Key-words: water, wetlands, urban settlements, União de Vila Nova Pantanal, sustainability.




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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


Introdução

A sustentabilidade é a capacidade dos diversos sistemas da Terra, incluindo as economias e
os sistemas culturais humanos, de sobreviverem e se adaptarem às condições ambientais
em mudança. A primeira etapa para o alcance desta condição é a conservação do capital
natural da terra – os recursos e serviços naturais que mantém a nossa e outras espécies
vivas e que dão suporte às nossas economias. A segunda etapa se constitui em reconhecer
que são muitas e muito diversas as atividades humanas capazes de degradar o capital
natural, ao usarem recursos normalmente renováveis mais rapidamente do que a natureza é
capaz renová-los. A terceira etapa se dá na busca por soluções dos problemas gerados a
partir da degradação, o que muitas vezes envolve conflitos cuja resolução demanda
compromissos e ajustes. Indivíduos que se envolvem neste processo de tomada de decisão
e envolvimento em compromissos, seja politicamente ou socialmente, são os atores da
implantação da sustentabilidade em última instância (MILLER JR., 2006).

Sociedades sustentáveis do ponto de vista ambiental são aquelas em que se busca atender
as necessidades básicas do povo (alimentação, água e ar limpos, abrigo) sem degradar ou
exaurir o capital natural que fornece estes recursos, conforme definido no documento
“Nosso Futuro Comum”, de 1987, da ONU, também conhecido como Relatório Brundtland.
O termo “Desenvolvimento Sustentável” foi definido oficialmente pela Comissão Mundial de
Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMMAD), no Relatório Brundtland, também conhecido
como “Nosso Futuro Comum”. O desenvolvimento sustentável acontece em âmbito
econômico, social e político, de forma a assegurar a satisfação das necessidades do
presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras de darem resposta às
suas próprias necessidades (CDMA,1987 apud SARAIVA, 1999).

De acordo com Brocanelli (2007), a busca pelo desenvolvimento sustentável deve acontecer
em três dimensões da sustentabilidade: ambiental, sócio-cultural e econômica. O capital é
então tratado em três condições distintas: o capital artificial, expresso naquilo que foi
edificado por seres humanos como edifícios, pontes, enfim, as cidades em geral; o capital
humano, exemplificado pela ciência, conhecimento e técnicas; e o capital natural, traduzido
pelo Meio Ambiente e representado, dentre outros, pela água e ar puros e pela diversidade
biológica.

Coimbra (2002) insere a categoria “capital artificial” numa classificação distinta do termo
Meio Ambiente, ao apresentar uma visão integradora e de caráter predominante urbano
quando trata do espaço físico que envolve as comunidades humanas. Ele classifica aquilo
que o homem constrói para organizar sua convivência e trabalho, desde a sua morada até
os grandes aglomerados urbanos, também como uma espécie de Meio Ambiente, que



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cresce e se espalha quase incontrolavelmente, pressionada por fatores como o crescimento
demográfico.

O conceito de capital natural engloba o binômio recursos e serviços naturais, aos quais se
pode atribuir valor econômico, social e ambiental (MILLER JR., 2006). O tema da
sustentabilidade e suas implicações práticas têm sido assunto recorrente nas discussões de
diversas das grandes áreas de conhecimento, por ser um conceito de caráter sistêmico, que
abrange disciplinas socioeconômicas, ambientais, tecnológicas e políticas em seus planos
de atuação. Preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, assim como promover
desenvolvimento humano através da manutenção adequada dos recursos naturais é
fundamental para o cumprimento desta nova concepção, que vem ganhando espaço no
meio empresarial e acadêmico.

A estrutura das cidades, que, segundo Borinelli e Lanza podem ser consideradas
ecossistemas artificiais, criados visando o atendimento das necessidades humanas, se
configurou, no entanto, em grande parte das vezes, de forma genérica; sem planejamento
prévio e ignorando as condicionantes e potencialidades do território natural (FRANCO,
2008). O resultado foram cidades caóticas, desprovidas de qualidade urbana e sufocadas
por problemas ambientais de diversas ordens e tipologias.

Às populações mais marginalizadas em termos de renda e escolaridade são relegadas as
áreas ambientalmente mais frágeis e inadequadas para a ocupação nas cidades (MARTINS,
2006). Tal situação é comum no cenário urbano brasileiro e de outras nações em
desenvolvimento, e se coloca paradoxalmente à idéia de sustentabilidade urbano-ambiental,
já que resulta em segregação física e social, péssimas condições de vida urbana e inevitável
agressão a sistemas fundamentais para sustentação inclusive da vida urbana.

A cidade contemporânea deve apresentar soluções sustentáveis para os assentamentos
humanos altamente adensados. A abordagem do Ecourbanismo, por exemplo, sugere que a
urbanização respeite o suporte físico. O Ecourbanismo define o desenvolvimento de
comunidades humanas multidimensionais sustentáveis através de entornos edificados
harmônicos e sustentáveis. Esta nova concepção de estruturação das cidades
contemporâneas está se convertendo rapidamente em um conceito básico, essencial para
todo o planejamento urbano realmente consciente dos problemas sociais e ambientais que
enfrentam as cidades neste início de século. Trata-se é uma disciplina capaz de articular as
múltiplas e complexas variáveis envolvidas na conversão e superação da mentalidade
compartimentada do urbanismo convencional, em uma estrutura que aproxima o desenho
urbano de questões socioambientais de modo sistêmico e integrado (RUANO, 1999).




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É fato que as comunidades humanas só serão sustentáveis quando, além da efetivação de
instrumentos do planejamento ambiental, os empreendimentos arquitetônicos forem
planejados de maneira harmônica com o meio ambiente, promovendo transformação do
cenário urbano a partir do princípio da sustentabilidade, da preocupação com as futuras
gerações e do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade. Desta
forma, as preocupações com a qualidade ambiental no planejamento das cidades, assim
como as responsabilidades social e política com o desenvolvimento de metas de
desenvolvimento social, cultural e econômico estarão alinhadas aos princípios da
preservação, recuperação e equilíbrio ambiental. De modo a consumar este ciclo, os
recursos naturais e as funções ecossistêmicas poderão encontrar o equilíbrio necessário
para a auto-regeneração constante (BROCANELLI, 2007).

Oferecer alternativas de moradia popular formal, inseridas na cidade e atendidas pelos
serviços básicos de infra-estrutura pública é a forma sustentável capaz de defender esta
população desfavorecida – repetidamente às margens da noção de cidadania – assim como
as áreas ambientalmente frágeis em meio urbano. Há uma parcela de população urbana
que já ocupou estas áreas; é preciso, portanto buscar ferramentas urbanísticas, jurídicas e
ambientais que possibilitem a reversão deste cenário e que combinem direitos humanos e
proteção ambiental, através da formação e atuação de profissionais de diferentes áreas
técnicas: Urbanismo, Direito, Gestão Ambiental, Saneamento e Administração Pública
(MARTINS, 2006).

O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo – elaborado para o período de 2002
a 2012 – desponta como um instrumento eficaz de intervenção urbana, ao tratar a questão
ambiental como um aspecto importante do desenvolvimento urbano. Discorre sobre ações
visando a proteção, conservação e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana,
além do controle da poluição, da necessidade de políticas de educação ambiental e
produção de informação e conhecimento sobre o Meio Ambiente. Trata-se do terceiro plano
de orientação urbana do município de São Paulo e foi pioneiramente elaborado, debatido e
aprovado democraticamente. O plano é também um exemplo formal de preocupação com a
complexidade desafiadora do manejo das águas urbanas, e coloca em seus artigos diversas
recomendações sobre ocupação e cuidados com este valioso recurso. O PDE dispõe sobre
a criação de uma macrozona de proteção ambiental, dentro da qual traz algumas propostas
de soluções inovadoras para as questões pertinentes à água e ao problema de prevenção e
redução de inundações. Ao apresentar as enchentes urbanas como fruto de um conjunto de
fatores – como insuficiência da capacidade da rede de drenagem devido à crescente
impermeabilização do solo; muitas vezes devido à ocupação intensiva das construções em
favelas e loteamentos populares, o assoreamento e poluição dos cursos d’ água, entre



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outros – revela algumas possibilidades de ação, amparadas em suas disposições
ambientais, para a recuperação deste recurso (PDE, 2002).

As AIUs – áreas de intervenção urbana – também citadas pelo PDE visam à reestruturação
dos espaços urbanizados, de modo a proporcionar maiores áreas para circulação e
transporte, bem como espaços abertos, vegetados e permeáveis, como parques e praças.
Dentro desta categoria de projetos estão propostas de ampliação do sistema de áreas
verdes através, por exemplo, da implantação de Parques Lineares de Fundo de Vale, como
elementos estratégicos de recuperação da rede hídrica estrutural, medida de desestímulo a
ocupações inadequadas com conseqüente e esperada melhoria dos problemas de
enchentes. A observação de algumas diretrizes básicas se faz necessária neste tipo de
projeto, para que sejam preservados os cursos d’água e as áreas verdes ao longo dos
fundos de vale do município. Genericamente, o plano estabelece a existência de uma faixa
não edificada de 15 metros ao logo de cada uma das margens do corpo d’água (área non
aedificandi), que, juntamente com a planície aluvial, (esta, quando existir, é determinada por
meio dos registros dentro do prazo de recorrência de chuvas e inundações de vinte anos,
também considerada área non aedificandi) e as áreas de vegetação significativa do
município irão constituir os parques lineares.

Dado que a planície aluvial paulistana chega a atingir, em alguns pontos, quilômetros de
extensão, tal proposição genérica chega a parecer absurda, inadequada e insustentável.
Entretanto, visto que algumas áreas de várzea figuram hoje como áreas urbanas
consolidadas e formalmente estabelecidas, sendo efetivamente impossível restaurar sua
condição anterior, torna-se compreensível a intenção organizadora passível de efetivação
do PDE e suas prescrições.




    Figura 1: Exemplo hipotético de projeto de intervenção em Parque Linear. Fonte: PDE, 2002, pág. 150.

É neste contexto então que se focaliza a água, tanto como recurso básico à sobrevivência
das populações urbanas quanto como elemento de leitura do território e importante
ferramenta de percepção dos processos ecossistêmicos. Torna-se assim necessária a


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visualização e a valorização dos rios, lagos e córregos da cidade, pois o ressurgimento do
espaço das águas na paisagem da cidade de São Paulo é fator fundamental para o alcance
do desenvolvimento sustentável (KAHTOUNI, 2004)

O presente trabalho busca então estudar as fragilidades das áreas de várzea e as formas de
ocupação das mesmas, analisando o histórico de sua ocupação na cidade de São Paulo e
seus conflitos ambientais. O objetivo específico deste estudo é analisar soluções existentes
para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso de área localizada no
município de São Paulo, buscando assim contribuir com a paisagem da cidade sustentável.



Referencial Teórico

A problemática das enchentes está intimamente associada ao processo natural e contínuo
descrito pelo ciclo hidrológico. Nele, massas de água circulam ininterruptamente entre os
diversos compartimentos terrestres, renovando assim este recurso através da força motriz
do Sol e da gravidade. A atmosfera, a hidrosfera e a litosfera – esta última caracterizada
pela particularidade marcante de constituir a superfície dos terrenos e receber sobre estas
superfícies a cobertura vegetal, além de comportar o subsolo, os aqüíferos e corpos d’água
superficiais – são as esferas participantes do ciclo hidrológico.

Sabe-se que a urbanização tem influência significativa sobre o ciclo hidrológico, já que
alterações sobre a superfície terrestre afetam, direta ou indiretamente, as diferentes esferas
participantes do processo. Conseqüências disso são menores taxas de infiltração e
evapotranspiração,    já   que   a   substituição   da   cobertura   vegetal    por   superfícies
impermeabilizadas é marcante quando tratamos da ocupação urbana. Alterações climáticas
e sobre o regime de escoamento e armazenamento de água no solo, assim como a redução
da qualidade das águas superficiais e subterrâneas são evidências do impacto da
urbanização sobre o ciclo hidrológico. É válido destacar aqui a etapa do ciclo em que as
águas se deslocam sobre a superfície e escoam pelos rios ou se depositam em lagos, após
serem precipitadas. A região em que se localiza a cidade de São Paulo sofre em grande
intensidade, a dinâmica destas águas.

O principal elemento estruturador do território paulistano foi o vale do Tietê. Os
colonizadores, vindos do litoral pela Serra do Mar, seguiam o curso do Rio Tamanduateí,
logo atingindo o Porto Geral e o Colégio Jesuíta, ou, rumando para o rio Tietê, continuavam
a interiorização. Não foi à toa que o principal núcleo urbano da Vila concentrou-se por três
séculos na colina histórica da cidade, elevada sobre os rios Tamanduateí e Anhangabaú.

A água e o solo são recursos naturais considerados limitantes à expansão territorial das
cidades e importantes por seu valor econômico e por sua capacidade de controle térmico e


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da qualidade do ar, pois, juntamente com as massas vegetais, umidificam e purificam o ar. A
movimentação das massas de ar é responsável pelo controle das chuvas, que promove a
manutenção do ciclo hidrológico e da qualidade do ar nas cidades. Apesar disso, a cidade
de São Paulo se desenvolveu em um processo historicamente caracterizado pela liberação
das várzeas de inundação – importantes sistemas de manutenção das águas, do solo e da
vegetação – para atividades urbanas. As planícies de inundação paulistanas são delimitadas
por terraços aluviais de ocorrência irregular ao longo da calha fluvial, e são formadas por
dois patamares rebaixados: as porções alagadiças – sujeitas a cheias anuais – e os terrenos
mais elevados, enxutos, sujeitos a alagamentos esporádicos (MATTES, 2001). A
abundância de água no território, quando da fundação da cidade, determinava presença de
grandes destas áreas úmidas, que deveriam ter sido preservadas pelos muitos e diversos
processos e urbanísticos, já que são responsáveis pela retenção e amortecimento dos picos
de cheia, que, se não contidos, acabam por, obviamente, causar danos ao patrimônio
construído e humano da cidade.




        Figura 2: Rio Tamanduateí em São Paulo, na década de 1870. Fonte: Toledo, 2007, página 63.




Estas áreas foram, no entanto – durante os primeiros surtos de expansão da cidade –
contaminadas por efluentes domésticos e industriais. As políticas sanitaristas estabeleceram
então os projetos viários nos fundos de vale: avenidas foram construídas sobre os espaços
de várzea, após obras de canalização de cursos d’água. Este tipo de intervenção começou a
ser implantado a partir da metade do século, com o Plano de Avenidas de Prestes Maia,
favorecendo o quase completo extermínio das áreas úmidas da cidade. Com a destinação
de diversas áreas de fundo de vale da cidade de São Paulo ao uso urbano, fazendo com




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que espaços outrora naturalmente destinados ao escoamento e acomodação das águas
fossem suprimidos, houve significativo agravamento de enchentes (MATTES, 2001).

Em meio a este cenário de ocupação, acabamos finalmente sendo confrontados com a
dúvida óbvia: como trabalhar os recursos hídricos numa cidade como São Paulo, onde a
natureza foi forçada a recuar bruscamente durante a expansão da cidade? Inicialmente, é
necessário que haja ferramentas de legislação e fiscalização eficientes para viabilizar a
reestruturação ecológica. Reaver informações necessárias à restauração da relação homem
– natureza a partir dos conceitos de equilíbrio ambiental, conservação da natureza,
harmonia da paisagem e qualidade de vida, pode ser considerado como um ponto de
partida.

O sítio urbano da Região Metropolitana de São Paulo está localizado em sua maior parte no
Planalto Paulistano, e ocupa uma área de aproximadamente 5.000 km². O Município
apresenta configuração geográfica suave, com altitudes que variam entre 719 metros de
altitude nas planícies aluviais (várzeas) do Rio Tietê e seus afluentes, a 900 metros de
altitude nas áreas de contato com as bordas cristalinas das serras da Cantareira, ao norte, e
do Mar, ao sul (AB’SABER, 2007). A área do município praticamente se confunde com a
bacia do Alto Tietê, pois este se ergue sobre uma extensa região que, em última análise,
sofre drenagem direcionada quase que completamente para o rio Tietê. As várzeas dos rios
paulistanos são enormes: a várzea do Tietê, na região da confluência com o Tamanduateí,
tem quase dez quilômetros de largura, dimensão esta não mais observada ao longo do Rio
Tietê até sua foz, e somente encontrada em rios de grande porte, como o Paraná. As
várzeas são também notavelmente extensas até acima de Mogi das Cruzes, porém
desaparecem bruscamente logo depois da confluência dos rios Tietê e Pinheiros, logo
abaixo do Cebolão.

Vaz (2005,) coloca que a formação das várzeas paulistanas, tão extensas, se deve a uma
camada de rocha muito dura, conhecida em geologia como "soleira", e que dificilmente se
desgasta. Esta soleira ocorre ao longo do rio, desde as proximidades do Cebolão até
próximo de Barueri, e foi capaz de impedir que o Tietê aprofundasse naturalmente a sua
calha, represando suas águas. Os rios Tietê e Pinheiros são rios tipicamente meândricos e
de baixa declividade, mas que têm como afluentes rios e córregos com alta declividade e
maior velocidade de escoamento de águas, como o Tamanduateí, o Pirajussara e o
Aricanduva. Esta condição contribui para a ocorrência de enchentes freqüentes.




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         Figura 3: Altimetria da região metropolitana de São Paulo. Fonte: PDE, 2002, pág. 62.




As áreas de várzea são definidas como aquelas correspondentes ao leito maior de um rio e
se enquadram, ainda que parcialmente, dentro de áreas de preservação permanente
(APPs), que apresentam uma série de restrições de uso impostas por distintas legislações
 Código Florestal (1965), Resoluções CONAMA 302 e 303 (2002), Lei Lehman (1979),
além de regulamentações específicas de uso e ocupação do solo municipais.
O uso adequado das APPs pode promover, além da preservação de recursos naturais, a
melhoria da qualidade de vida dos habitantes da cidade. Melhorias ambientais advindas do
manejo adequado destas áreas se expressam pelo controle climático; capaz de amenizar
temperaturas e propiciar a melhoria da qualidade do ar e redução de ruídos. Evitar perdas
materiais e humanas em função das enchentes, além de proporcionar abrigo para a
avifauna e disponibilizar espaços de lazer e cultura, sempre privilegiando o aspecto estético
da paisagem, são também resultados da otimização do uso e ocupação das APPs.
Apesar de reconhecidas por suas qualidades e funções ambientais, e de estarem protegidas
pela legislação federal, as áreas de APP continuam sofrendo contínua degradação por
ações antrópicas de diferentes origens e ordens: obras de infra-estrutura, tais como
ampliação do
sistema viário e sistemas de drenagem com canalização de córregos; ocupações precárias
e assentamentos ilegais;




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               Figura 4: Relevo e Geologia. Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo.




ocupações de alta densidade sem respeito às fragilidades geológicas e à posição elevada
do lençol freático; depósitos clandestinos de lixo, dentre outras agressões ao meio.
Em função do alto grau de ocupação e alterações realizadas nas margens e nos próprios
cursos d’água urbanos, não se justifica classificar a forma de proteção e preservação das
áreas de várzea urbana como de natureza intocada, mas sim como partes integrantes e
fundamentais para a qualificação do espaço no qual vive o homem.


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As planícies de inundação são delimitadas pelos terrenos aluviais de ocorrência irregular e
são formadas por dois patamares de terrenos rebaixados dispostos ao longo da calha fluvial:
as porções alagadiças, submetidas à cheias anuais, e os terrenos um pouco mais elevados,
enxutos e sujeitos a transbordamentos esporádicos. As águas podem, eventualmente,
extrapolar o leito maior, ocupando parcelas dos terraços aluvionares. (MATTES, 2001) As
funções primárias de um curso d'água e de sua várzea são a coleta, armazenamento e
veiculação das vazões de cheias. As várzeas são áreas naturais de enchente dos rios nos
períodos de chuva, responsáveis por acomodar as águas não infiltradas. A várzea, em sua
condição natural, ou seja, livre da ação antrópica, funciona como uma “esponja”, capaz de
enxugar o excesso das águas pluviais, sendo que sua mata ciliar lindeira funciona como
uma “esponja biológica” para o rio. O solo é responsável por reter as águas e as armazená-
las durante a estação úmida, liberando-as nas épocas de estiagem para alimentação dos
córregos. Este processo ocorre de forma lenta, em função do relevo suave e da baixa
permeabilidade dos solos. (STUERMER, 2008)

Quando não impermeabilizado e revestido de cobertura arbórea, o solo é capaz de reter até
90% das águas das chuvas, reduzindo assim os picos de vazão superficial. No entanto, com
a massiva impermeabilização dos solos e retirada da vegetação em centros urbanos, a água
das chuvas flui diretamente para os rios, pois a capacidade de infiltração é praticamente
reduzida à zero na maior parte da área urbanizada. Sem a presença da vegetação ciliar, o
escoamento superficial é potencializado, fazendo com que sedimentos, entulho e lixo sejam
carregados para o rio de forma mais intensa, causando a poluição das águas e inundações,
com conseqüentes perdas materiais e humanas, revelando um comportamento não
sustentável de ocupação humana e apropriação do território.

Tratar da urbanização paulistana no século XX significa descrever um processo insistente
de degradação das águas, várzeas e áreas verdes originais do território, através de
intervenções diversas sobre os cursos d’água, mas, principalmente, do apagamento de
memórias relacionadas à presença da água nas atividades de lazer e convivência que tanto
fizeram parte do cotidiano da cidade nos séculos anteriores. Os rios Anhangabaú,
Tamanduateí, Pinheiros e Tietê, hoje sufocados e escondidos ora sob grandes avenidas de
fundo de vale ora ladeando vias de trânsito rápido, outrora figuraram como elementos
fundamentais de estruturação do espaço, compondo o topo da hierarquia hídrica local
(Corrêa & Alvim, 1999).

Inicialmente, o processo de expansão urbana na cidade de São Paulo evitou ocupar as
várzeas dos principais rios que cortavam o núcleo urbano em desenvolvimento, uma vez
que saneá-las implicava em investimentos e empreendimentos adicionais.         As várzeas
começaram a ser alteradas e ocupadas de fato a partir das obras associadas à instalação


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de infra-estruturas regionais e urbanas: o sistema ferroviário e o sistema de vias, associados
à retificação dos rios Tamanduateí (1849 a 1916), Tietê (1842 a 1938) e posteriormente do
rio Pinheiros (após 1927). Os rios foram canalizados por razões sanitárias, mas também por
razões financeiras – de ganho de território e especulação imobiliária.

A valorização diferenciada dos terrenos e o nascimento de um mercado imobiliário
altamente lucrativo, imerso num mar de conflitos para demarcação de limites entre terras
públicas e privadas, marcam o período. A cidade se dilatou apresentando um padrão que
intercalava áreas densamente povoadas com áreas de grandes vazios urbanos,
característica esta forçada inicialmente pelas condicionantes naturais do território (várzeas e
etc.) e, posteriormente, devido à atividade especuladora intensa do mercado imobiliário. As
áreas de moradia privilegiada localizavam-se nos pontos mais elevados da cidade, enquanto
que as ferrovias corriam pelos fundos de vale, e as indústrias, instaladas também nos
terrenos baixos, mais baratos, estimularam a ocupação pelos operários destes territórios de
várzea. Com a marcante explosão demográfica do final do século XVIII veio o aumento
significativo da mancha urbana e, consequentemente, das demandas por moradia. Bairros
foram então criados para assentar a população crescente, expandindo os limites geográficos
e loteando chácaras urbanas.

As cheias sempre constituíram um fenômeno marcante no contexto paulistano e, no período
em questão, a região da Várzea do Carmo, correspondente à seção inundável do rio Tietê,
causava grandes preocupações, principalmente quanto aos seus efeitos sanitários, fazendo
com que diversas medidas legislativas fossem lançadas de modo a domar o rio, sua calha e
sua várzea. A eliminação das águas paradas ou represadas foi estabelecida como uma
meta de proteção à saúde pública, baseada na idéia de afastamento destas águas da
população, e não o contrário!

Algumas medidas urbanísticas como o alargamento das ruas, a eliminação de bairros
insalubres, o desenho de um traçado viário associado à infra-estrutura sanitária e a
drenagem na concepção higienista (secar a várzea para incorporá-la à cidade), através de
obras de retificação e canalização foram implantadas visando uma melhor qualidade de vida
e prevenção de doenças na cidade.

Em se tratando do rio Tietê e sua várzea, diversos foram os planos elaborados com relação
ao equacionamento da retificação do rio. O primeiro projeto de retificação, datado de 1887,
previa a retificação conjunta dos rios Tietê e Tamanduateí. No ano de 1892, a Comissão de
Saneamento do Estado faz levantamentos dos terrenos marginais entre os dois rios e lança
as primeiras propostas de intervenção sobre o regime fluvial dos dois rios. Entre 1892 e
1898 são realizadas as primeiras intervenções sobre os rios: a Ilha de Inhumas é suprimida,



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é construído o Canal de Osasco e é feita a desobstrução da curva do rio entre os
quilômetros 16 e 18 da estrada de ferro Sorocabana. Já em 1921, é criada uma comissão
para estudar a execução de obras de retificação a partir da ampliação da embocadura tanto
do Tietê como do Tamanduateí.

Três grandes projetos de retificação foram elaborados a partir da década de 20, o projeto de
Fonseca Rodrigues, o Projeto de Ulhôa Cintra e o Projeto de Saturnino de Brito.

O projeto de Saturnino de Brito, talvez o mais importante por sua qualidade técnica e
ambiental, data de 1924. O plano tinha como objetivos a ocupação das várzeas de
inundação com usos urbanos, dada a sua proximidade com o centro da cidade e a
necessidade de se implantar vias de circulação e promover o saneamento dos terrenos
inundados. O projeto previa, no entanto, o aproveitamento das águas do Tietê em termos
ambientais e urbanos. Saturnino baseou-se na necessidade de preservação das matas na
regularização das vazões do Tietê, para que se mantivesse, à montante da cidade, o regime
de inundações de suas várzeas. A vegetação nas margens do Tietê era predominante
rasteira e as várzeas eram ocupadas em escala muito pequena; eram poucos os que se
aventuravam à moradia em terrenos freqüentemente inundáveis, e Saturnino pretendia
retornar definitivamente ao rio a várzea de expansão de suas águas, pois sabia que
estabelecer usos urbanos comuns significaria estabelecer definitivamente o problema das
inundações. Saturnino contabilizou que, durante o período de cheias, as águas subiam 5
metros acima dos níveis de estiagem e de 2 a 3 metros acima das margens do rio,
enchendo os terrenos marginais cobertos de vegetação rasteira e enchendo cavas de areia,
pedregulho e barro. As obras de retificação seriam então justificadas pela valorização das
terras ao longo das várzeas de inundação, através da possibilidade de utilização destes
terrenos para usos industriais e para a implantação de armazéns associados às ferrovias.
Sua proposta continha então duas seções que acompanhavam o curso natural do Tietê,
eliminando apenas as sinuosidades mais acentuadas e respeitando trechos já retificados:
canais tipo A e B. Contemplava ainda um aumento da seção de vazão. O aterramento das
porções mais baixas permitiu recuperar 25 km² de várzeas inundáveis. A escavação de dois
lagos com 1,2 km² forneceu os materiais a serem utilizados no aterramento, áreas para o
aformoseamento urbano e para prática de esportes na cidade. A proposta retirava parcelas
significativas das planícies de inundação (espaços das águas), embora demonstrasse uma
preocupação em preservá-las enquanto reservatórios naturais de regularização do rio. Em
resumo, ele aterrou as partes mais baixas da várzea, manteve maiores larguras para o
escoamento das águas, conservou margens com avenidas e parques, assegurou a
navegação do Tietê e implantou dois lagos. Infelizmente, o plano do engenheiro Saturnino




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de Brito não saiu do papel, sendo revisado e substituído por um plano lançado em 1929, que
reduziu fortemente a faixa reservada para as águas.

A etapa seguinte – no que se refere ao tratamento das áreas de várzea dentro contexto
histórico da ocupação urbana paulistana – é chamada de etapa das enchentes e perdurou
do final da década de 20 até o início dos anos 90. Foi um período significativamente
marcado por enchentes catastróficas, de grandes dimensões, que afetaram grandemente a
cidade, resultados das intervenções anteriormente implantadas nos cursos d’água, mediante
a construção de canais artificiais que apenas transferiram as inundações, causando
impactos à jusante. Um crescimento urbano sem precedentes marcou o período, trazendo
mudanças sociais, econômicas e urbanísticas à cidade.




                          Figura 5: Vale do Anhangabaú alagado em 1967. Fonte:
             http://theurbanearth.wordpress.com/category/urbanismo/. Acesso em 05/04/2010.



Observa-se um aumento expressivo no número de automóveis, além do aumento do
número de moradias, demandando grandes obras viárias, dentre as quais vale destacar o
Plano de avenidas de Prestes Maia. O Plano de Avenidas de Prestes Maia (1929) trouxe a
concepção do sistema de saneamento e ocupação das várzeas com sistema viário de fundo
de vale. Desde então, predomina a concepção da ocupação das várzeas como espaço
preferencial para a circulação, apesar das conseqüências que tal decisão pudesse (e pôde)
acarretar.

A etapa final, em que a cidade se insere atualmente, trata das questões de drenagem
urbana a partir de um novo conceito, basicamente baseado em soluções estruturais. O
modelo, que prevê, dentre outras medidas, a implantação de reservatórios de detenção para
minimizar as áreas sujeitas às enchentes, continua causando impactos à jusante. À medida
que uma cidade se urbaniza, há um aumento tanto das vazões máximas como da produção



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de sedimentos, o que dificulta o escoamento superficial, causando enchentes indesejadas.
Os impactos gerados pela instalação desorganizada de infra-estrutura geram a redução da
seção     de   escoamento,       expressa,      por   exemplo,      por    canalizações,      retificações,
tamponamento de corpos d’água e projetos de drenagem inadequados. Mesmo assim, as
ações públicas para mitigação de enchentes hoje são genericamente as soluções
estruturais, em que o homem modifica o rio com obras hidráulicas como barragens, diques e
canalizações. (As medidas de controle não-estrutural, em que o homem convive com o rio,
são medidas preventivas, projetadas para garantir proteção completa e de custo geralmente
inferior ao das medidas estruturais. São exemplos de medidas estruturais a elevação das
estruturas existentes, a construção de novas estruturas sobre pilotis, a regulamentação da
ocupação da área de inundação por cercamento, o zoneamento de áreas de inundação, a
regulamentação do loteamento pelo código de construção, o seguro de inundação, uma
previsão regulamentar de cheias e respectivos planos de evacuação, além de incentivos
fiscais para uso prudente da área de inundação e políticas de desenvolvimento adequado ao
município, evitando os prejuízos das inundações.)




        Figura 6: Equipamento de canalização pertencente ao projeto da SEHAB. Fonte: arquivo pessoal




Em resumo, pode-se concluir que, apesar de a cidade de São Paulo ter-se desenvolvido às
margens do rio Tietê e de seus principais afluentes, como os rios Pinheiros e Tamanduateí,
além de inúmeros córregos que formam sub-bacias, o mau gerenciamento dos recursos
hídricos e de seus ciclos naturais, somado à ocupação irracional das várzeas – loteamentos
muitas vezes irregulares e clandestinos – além da violenta remoção de cobertura vegetal
das margens e seu entorno, dando lugar à grandes vias de trânsito e ao loteamento urbano,
culminaram num crescimento do tecido urbano paulistano segundo conceitos e estruturas
genéricas.

As   enchentes       urbanas     constituem,      portanto,    uma     problemática      de    dimensões
metropolitanas, pois, além de causarem transtorno ao trânsito de veículos, inundação e



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desabamento de edificações, também são ocasiões propícias à proliferação de muitas
doenças, como a leptospirose e a hepatite, despertando assim à atenção dos órgãos de
saúde pública. Outro problema decorrente da ocupação desordenada em áreas frágeis é a
poluição dos rios, devido ao despejo de esgoto químico - muitas vezes não tratado – de
indústrias. A falta de controle também sobre a contaminação dos rios por esgoto doméstico
revela a carência de infra-estrutura sanitária que atinge os bairros irregulares da cidade. Um
trabalho de destinação de lixo e campanhas de educação ambiental para evitar que a
população jogue lixo nas ruas e córregos seria uma medida não-estrutural absolutamente
simples e fundamental para reverter este quadro.

No entanto, as colocações do Plano Diretor não são contempladas quando se propõe, por
exemplo, uma taxa de permeabilidade de 20% generalizada para os terrenos e, em área de
várzea, uma permeabilidade de 30%. Estes valores genéricos não contemplam as
características do subsolo, a extensão dos solos aluvionares, suas características
relacionadas à capacidade de infiltração, revelando total falta de preocupação com os solos
de várzea e a linha de inundação. Os trinta metros que devem ser mantidos intactos junto às
margens do corpo d’água são estabelecidos pelo Código Florestal e encontram-se
altamente fora de contexto na maior parte das áreas urbanas. A capacidade de infiltração do
solo é função da granulometria do mesmo, de seu grau de saturação e de compactação.
Além disso, a taxa de infiltração de água no solo é função também do regime de chuvas, do
relevo, da cobertura vegetal e da profundidade do lençol freático. Por essas razões, não se
deve definir a Taxa de Permeabilidade do lote simplesmente como a relação entre a parte
permeável, que permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação, e a área
do lote, como faz o Plano Direto Estratégico do Município de São Paulo vigente.

As Operações Urbanas são, em igual medida, típicos exemplos do descaso com as várzeas,
pois raramente respeitam os solos frágeis ou as cotas de inundação dos rios e córregos. O
adensando em excesso é feito visando à obtenção de Cepac’s, de forma homogênea em
todo o território por ela delimitado.    Aqui vale ressaltar que não é apenas a classe
desfavorecida que “invade a várzea” com ocupações: a diferença é que as classes
abastadas o fazem de forma legalizada. No entanto, o impacto causado é em igual medida
preocupante, o que deve despertar a atenção tanto da sociedade civil como do poder
público, para revisão da efetividade das leis urbano-ambientais de zoneamento urbano e da
fiscalização quanto ao seu cumprimento.

A deficiente drenagem natural é característica dominante dos solos de várzea, devido à sua
topografia predominantemente plana e às suas características físicas; tais como: alta
densidade, baixa porosidade, baixa capacidade de armazenamento de água, reduzida
condutividade hidráulica, baixa velocidade de infiltração e consistência desfavorável. As


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zonas que margeiam os cursos d’água, ainda que estes não estejam canalizados, podem
absorver uma quantidade muito pequena de água, por compactação ou saturação do solo,
ou ainda pela inexistência de vegetação. A planície sedimentar possui lençol freático alto e
capacidade de absorção baixa, já que o solo se satura rapidamente.

A destinação das águas pluviais em grandes cidades é uma problemática complexa e que
demanda esforços das autoridades públicas. Sua função, tendo em vista a preservação do
patrimônio urbano construído, assim como o alcance de condições sanitárias adequadas, é
propor soluções em larga escala para o controle das enchentes, assim como para o
armazenamento de água para abastecimento. Segundo FENDRICH e OLIYNIK (2002), todo
o excesso das águas pluviais não contidas pelo reservatório de armazenamento deveria ser
infiltrado no solo, evitando-se ao máximo seu despejo nas galerias de águas pluviais. A
coleta, seguida do armazenamento e reutilização de águas pluviais resultaria na prevenção
de enchentes e no restabelecimento da circulação de águas subterrâneas, mantendo-se
assim o equilíbrio hídrico da região.

Grandes centros urbanos de todo o mundo e seus administradores e planejadores encaram
inevitavelmente o desafio imposto pelas questões de drenagem urbana. Dentro deste
contexto é que foi elaborado o Plano de Macrodrenagem do município de São Paulo, por
parte do Departamento de Água e Energia Elétrica do município (DAEE-SP), cuja meta
diretriz de trabalho – visando elaborar soluções técnicas ambientalmente coerentes,
eficientes e o menos onerosas possível – é justamente o controle de inundações na bacia
do Alto Tietê, onde se localiza toda a Região Metropolitana de São Paulo.

O controle de cheias de caráter cíclico e a busca por medidas de aproveitamento múltiplo na
Bacia do Alto Tietê se fazem altamente necessários, devido às grandes dificuldades de
drenagem que enfrenta este conjunto hidrográfico, hoje profundamente influenciado pela
ação antrópica da urbanização.

O Plano atua de forma setorial, por sub-bacia. Cada módulo de ação é efetivado por etapas,
privilegiando-se assim, em curto prazo, a construção de reservatórios de contenção de picos
de enchentes, em áreas urbanizadas. Este tipo de solução, implantado em terrenos urbanos
desocupados, visa contribuir para a sua preservação, impedindo sua invasão e ocupação.

As áreas lindeiras aos rios Tietê e Tamanduateí já haviam sido objeto de estudos do
governo estadual na década de 90 do século XIX, graças ao reconhecimento da
necessidade de obras de saneamento nas várzeas daqueles rios, após a epidemia de febre
amarela em 1889. Diversos estudos e planos foram elaborados a partir daquele momento,
sempre com o objetivo de realizar revisões das vazões de projeto. O projeto do engenheiro
Saturnino de Brito para o Tietê, por exemplo, aumentou a vazão de projeto do rio, que



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passou de 174 m3/s (1894) para 400 m3/s (1925), após algumas intervenções em seu leito.
No entanto, mesmo com as diversas obras realizadas na calha do Tietê, ainda se observa
uma defasagem – com tendência crescente – entre capacidades e demandas hidrológicas
deste e de outros rios paulistanos.




                     Figura 7: Bacia Hidrográfica do alto Tietê. Fonte: DAEE-SP.

Em termos gerais, o Plano Diretor de Macrodrenagem visa diagnosticar os problemas
existentes e aqueles previstos no horizonte do projeto (2020) e então, através de uma
abordagem técnico-econômica e ambiental, elaborar soluções, realizar cálculos de pré-
dimensionamento e esquemas de hierarquização.

O Plano Diretor de Macrodrenagem contempla soluções outras que não constituem apenas
obras de engenharia. São soluções abrangentes que envolvem também soluções não-
estruturais, como recomendações de gerenciamento de drenagem, disciplinamento do uso e
ocupação do solo e educação ambiental.

Vale citar também a outorga do direito de impermeabilização das áreas em processo de
urbanização das bacias hidrográficas, passível de ser utilizada em todos os casos
envolvendo intervenções no meio urbano, nos quais haja a possibilidade de aumento dos
coeficientes de escoamento superficial direto. Este conceito limitava-se, até recentemente,
aos casos de obras que interferissem fisicamente nos leitos fluviais. Atualmente, ele garante
uma série de ferramentas ao DAEE e às Prefeituras Municipais para atuarem mais
diretamente   numa     das    principais     causas      do    agravamento         das   inundações:   a
impermeabilização não controlada e não outorgada do solo urbano. O Plano de Drenagem
se configura então em um instrumento de planejamento bastante relevante em termos de
aplicação efetiva, dado que busca compreender o problema das enchentes de forma global,


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considerando aspectos ambientais, institucionais e do financiamento das medidas
preconizadas, no âmbito da Bacia Hidrográfica.

A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais
de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica
destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas,
assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo
das margens do rio é de fundamental importância porque, ainda que seja constituída de
espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que promove o
fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva antes da
mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a
minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de
evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o
ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos
fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008).




                  Figura 8: Diretriz para ocupação de várzea – possibilidade de zoneamento:
             Zona 1 : Leito menor, área de escoamento rápido – deve ser totalmente desimpedida
Zona 2: Leito maior – parcela significativa da vazão - área de alta restrição (parques e construções adequadas)
       Zona 3: área de inundação – águas praticamente paradas – construções à prova de inundações
    Zona 4: áreas seguras – controle de erosão – reservatórios de controle de cheias – áreas de infiltração
                                           Fonte: Stuermer, 2008.



As várzeas têm a potencialidade de contribuir para a melhoria da qualidade da água e do ar,
a manutenção de espaços abertos e a preservação de ecossistemas importantes. A
alternativa expressa pelo Parque Linear Urbano, implantado respeitando-se os limites
registrados das cheias e, portanto, excedendo os limites geralmente estabelecidos pelos
Planos Diretores parece ser a solução de melhor custo-benefício ambiental e financeiro para
a área das várzeas.

Áreas Inundáveis devem estar contempladas no Plano Diretor Municipal, permitindo ao
Município a viabilização da regularização e um controle efetivo do uso e ocupação do solo,



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em especial nestas áreas, como forma de atribuir a verdadeira vocação para as mesmas,
garantindo a qualidade de vida para o sistema ambiental como um todo.

Em termos gerais, o desenho ambiental da cidade visa colaborar com a coletividade local ao
evidenciar e qualificar áreas públicas, que dentre muitos usos de cunho ecológico, podem
ainda desempenhar funções de lazer e prática de atividade física para a população. Esta
visão ecológica e sustentável de mundo é recente, e cada vez mais impõe suas
necessidades e urgência de ação por parte da sociedade. Foi implantada no pós-segunda
Guerra Mundial, quando a percepção de que a crise ambiental tinha tomado dimensões
planetárias que seriam dificilmente sanadas se não observadas em escala urbana: a cidade
como um ecossistema antrópico capaz de sufocar outros ecossistemas (estes naturais),
responsáveis pela manutenção de ciclos biogeoquímicos e outros serviços ecossistêmicos
fundamentais para a salubridade e qualidade de vida da comunidade biológica da qual
fazem parte os seres humanos. A busca de um novo paradigma de ocupação urbana em
áreas do território com fragilidades, com especial destaque para as áreas de várzea e seu
ecossistema adjacente deve vir acompanhada de um estudo sistêmico de amparo ecológico,
urbanístico, técnico arquitetônico e legal; no qual todos os elementos, inclusive a natureza e
a sociedade humana, interagem numa grande e complexa teia de relações, em que
associações de mútuo benefício devem dirigir todo o processo de planejamento,
implantação e gestão das áreas ocupadas (e a serem ocupadas) e dos elementos que a
compõem.



Método

A busca orientada por informação teórica de cunho técnico, sociológico e ambiental, capaz
de garantir uma sólida base de conhecimento integrado, constituiu a primeira etapa de
trabalho dentro da organização desta pesquisa. Em seguida foi realizado um Estudo de
Caso, com visita a campo, coleta de dados em campo e em órgão público e entrevista. O
subseqüente processo de aplicação do conhecimento adquirido no primeiro momento da
pesquisa nesta segunda etapa resultou na amarração final do trabalho, em que se
apresentam diagnósticos, análises e conclusões.
O trabalho prático, traduzido pelo Estudo de Caso, se desenvolveu a partir de uma
abordagem    qualitativa,   expressa   principalmente   em   levantamentos      fotográficos    e
observações em campo. A União de Vila Nova Pantanal (ou Jardim Helena) foi o bairro
escolhido para exemplificar um caso de ocupação inadequada de área de várzea,
claramente exemplificado por meio dos danos catastróficos que sofreu com as fortes chuvas
de verão. Diversas visitas a campo revelaram nitidamente a situação precária e irregular



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com que se deram estas ocupações e a resposta infalível da natureza, com conseqüências
desastrosas sobre as estruturas e a população ali residente. Em visita à subprefeitura de
São Miguel Paulista, na zona leste da cidade, foram recolhidos dados preciosos sobre a
população, o histórico de ocupação, a regularidade dos lotes, os planos e projetos para a
área, dentre outros.


Resultados e discussão

A partir do interesse despertado graças à veiculação de um grande volume de notícias a
respeito das recentes enchentes de verão e do caos por elas gerado na região do Jardim
Helena, optou-se por realizar um estudo de caso na região, caracterizada pela significativa e
inadequada ocupação sobre a APA do Rio Tietê.

O bairro escolhido foi a União de Vila Nova Pantanal, localizado na região leste de São
Paulo e sobre área de Parque, que constitui um típico exemplo de ocupação urbana
inadequada em área inundável, de várzea, em uma tipologia predominantemente de favela.
Enchentes ali são recorrentes, sendo válido ressaltar o conjunto de inundações catastróficas
que abateu a região no início deste ano de 2010. Em áreas ribeirinhas como o Jardim
Pantanal, há, no período de baixas enchentes, uma tendência forte de ocupação urbana,
que acaba por sofrer posteriormente com as alterações no ciclo de cheias: o rio volta
naturalmente a acomodar suas águas no seu leito maior, onde foi feita a urbanização
indevida. A urbanização inadequada ali é também fruto da segregação social sofrida por
populações com dificuldades econômicas, que são forçadas a habitar estas áreas de risco,
pertencentes ao público e desprezadas pelo poder privado (MARTINS, 2006).




  Figura 9: Mapa de localização – União de Vila Nova   Figura 10: Foto aérea – União de Vila Nova
            Pantanal. Fonte: Google Maps.                    Pantanal. Fonte: Google Maps.




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Em entrevista dirigida ao funcionário responsável pela Coordenadoria de Planejamento
Urbano da Subprefeitura de São Miguel Paulista, Sr. Carlos Seixas, algumas questões
quanto à regularidade da ocupação da área de várzea em que se insere a União de Vila
Nova Pantanal, assim como aspectos sociais, técnicos e ambientais da ocupação foram
discutidas e questionadas.




   Figura 11: Destruição causada por enchentes –   Figura 12: Pilha de lixo – U.V.N. Pantanal. Fonte:
      U.D.V. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal.                      arquivo pessoal.



Em termos da inserção de grande parte da região de São Miguel Paulista em território frágil,
e seu processo de ocupação, foi pontuado que o Jardim Helena, distrito onde se encontra o
Jardim Pantanal, encontra-se fisicamente isolado dos demais por grandes obstáculos: o
norte está o Rio Tietê, ao sul a estrada de ferro da CPTM, a leste o Córrego Três Pontes e a
oeste o Rio Tietê aproxima-se muito da estrada de ferro, tornando difícil o acesso. É por
esse motivo que o Jardim Helena é o distrito onde houve menor desenvolvimento urbano e
econômico: os terrenos tinham portanto preço mais baixo, o que atraiu população de menor
renda. Até o governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) as ocupações eram discretas,
mas, a partir daí, os movimentos organizados de ocupação ganharam força e pressionaram
as invasões de áreas particulares e da APA em direção ao Rio Tietê. A partir de 2002 as
invasões se intensificaram e, com o apoio dos movimentos organizados, caçambeiros e do
crime organizado, verificou-se o aumento do aterro da várzea e de novas construções.
Estima-se que, atualmente, a área de parcelamento irregular do solo e ocupação no Jardim
Helena seja de 2.000.000 m².
Em 2005 a Subprefeitura São Miguel foi obrigada a se socorrer da ajuda do Ministério
Público e da Justiça a fim de conseguir liminar para a desocupação de grande área que
estava sendo ocupada. A operação de retirada dos invasores contou com o auxílio da
Polícia Militar e foi um sucesso, mas a pressão de ocupação continuou nas áreas próximas.
A ocupação da União de Vila Nova Pantanal, é hoje objeto de urbanização pelo CDHU. A
APA da área de São Miguel é particular, ou seja, embora o Estado tenha declarado a área
como sendo de proteção ambiental, não efetuou a desapropriação. A maioria dos


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proprietários regulares abandonou seus terrenos, devido às sérias restrições à utilização das
áreas. Apenas a fiscalização era incapaz de impedir a forte pressão de invasão face aos
ingredientes supra citados. Foi por este motivo que, a partir de 2008, começou operar na
área do Jardim Helena a Operação Defesa das Águas, um grupo composto por diversos
órgãos municipais e estaduais com o objetivo principal de impedir o despejo de entulhos,
aterro e ocupação da APA. Através de convênio do Estado com a Prefeitura de São Paulo, o
DAEE elaborou o Projeto Parque Várzeas do Tietê, lançado com o objetivo de impedir o
aumento das ocupações e retomar as áreas mais vulneráveis da várzea, dada a cota
altimétrica predominantemente baixa do bairro e sua localização sobre uma área de
preservação.




                  Figura 13: Sobreposição do bairro de União Vila Nova à área de parque (APA)
            Fonte:http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/infocidade/mapas_subs/27_mapa_base_2008_6.pdf


O parque linear Jacu, localizado em União de Vila Nova, foi implantado como compensação
ambiental de outra obra pública e foi incorporado ao Parque Várzeas do Tietê. Após as
inundações ocorridas no Jardim Helena a partir de dezembro de 2009 a março de 2010, já
foram demolidas mais de 1.200 edificações nas áreas de ocupação e o DAEE está
estudando a alteração dos limites do parque inicialmente idealizado. A implantação do



                                                                                                     23
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


parque já está ocorrendo com a construção do dique no Jardim Romano. Com a
implantação do dique continuarão as remoções. Em decorrência das inundações ocorridas
no final de 2009 e início de 2010, o prefeito de São Paulo declarou de utilidade pública áreas
para implantação de habitação de interesse social. No entanto, não existem áreas no Jardim
Helena com porte para construção de conjuntos habitacionais, uma vez que boa parte do
distrito está inserido na APA.




               Figura 14: Futuro parque Linear Jacu – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal



Finalmente, tratou-se do papel da várzea na acomodação das cheias naturais e levantou-se
a questão da ocupação antrópica destas áreas com a urbanização, em União de Vila Nova e
em diversas outras áreas da cidade. O entrevistado destacou que a ocupação desordenada
da várzea do Tietê poderia ter sido evitada se o Governo do Estado tivesse desapropriado
toda a área que inicialmente estava prevista para a implantação do Parque Ecológico do
Tietê e que incluía a parte da APA existente no Distrito do Jardim Helena. Seixas citou
também o atraso para a implantação da Operação Defesa das Águas, que poderia, se não
evitar, diminuir muito a ocupação. A proposta agora é remanejar a área prevista pelo Projeto
Parque Várzeas do Tietê e pela implantação dos planos de urbanização das ZEIS, de modo
a reduzir as ocupações de potencial degradante e evitar que novas ocupações perturbem
ainda mais o regime de funcionamento do rio e sua várzea.
A observação cuidadosa da situação enfrentada hoje pelo bairro de União de Vila Nova
Pantanal e muitos outros, que insistiram, ainda que muitas vezes por falta de opção, por
ocupar áreas de várzea, permite depreender que os benefícios desta ocupação são
absurdamente inferiores aos seus custos, que transcendem a esfera das perdas materiais e
humanas e tem influência marcante e decisiva sobre toda a dinâmica urbana.




                                                                                                      24
Universidade Presbiteriana Mackenzie


A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais
de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica
destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas,
assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo
das margens do rio é também de fundamental importância porque, ainda que seja
constituída de espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que
promove o fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva
antes da mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a
minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de
evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o
ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos
fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008).

A gama de soluções estruturais atualmente muito utilizadas no trato da drenagem urbana
são sob muitos aspectos desfavoráveis e definitivamente incapazes de desempenhar o
papel da várzea, além de dispensarem manutenção periódica, difícil e cara.




        Figura 15: Campinho de       Figura 16: Canais com fluxo de alta densidade povoados por
        futebol e praça – UVNP.   vegetação resistente à poluição e com capacidade limpante, junto à
        Fonte: arquivo pessoall   praça: exemplo de solução estrutural – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo
                                                               pessoal




Caso se insista na utilização destas soluções (construção de diques e canais para a
acomodação das águas excedentes, por exemplo), deve-se utilizar modelos e dimensões
diversas, capazes de permitir a criação de novas funções. Expandir o canal em um ritmo
alternativo, escolher vegetação e o mobiliário urbano adequado, criando represas, tanques




                                                                                                        25
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


de retenção, pequenos parques, áreas de vegetação e canais com fluxo de alta densidade
pode ser boas alternativas (vide figs. 15, 16 e17).




    Figura 17: Espaço público + absorção do impacto causado pelas águas de tempestade. Espaço urbano onde
    convivem pequenos parques de uso comunitário e estruturas drenantes representadas pelos canais com fluxo
                         de alta densidade. Corte perspectivado. Fonte: arquivo pessoal



Os sistemas viários podem também contar com sistemas de canalização e coleta de água.
Um canal aberto age para coletar e filtrar água servida. Uma tela de vegetação funciona
como barreira visual. Tal sistema é mais fácil de manter do que um tubo subterrâneo, além
de ter maior capacidade e atuar como um elemento urbano. Lajes, por exemplo, são pouco
utilizadas e podem ser transformadas em telhados verdes, que absorvam água,
minimizando enchentes e trazendo conforto térmico para a edificação. Rotas de cultivos
urbanos podem ser implantadas no topo da moradia, despertando o interesse da população
para uma atividade de lazer, preservação sustentável do espaço e subsistência.




          Figura 18: Canal de coleta de água paralelo a via. Mini parque linear. Fonte: SEHAB,2008.




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Universidade Presbiteriana Mackenzie


Conclusão

A partir do conhecimento adquirido durante o período de revisão bibliográfica e através das
visitas, da entrevista e de pesquisa em sites de órgãos públicos, pode-se depreender que há
em São Paulo uma tendência repetitiva quanto ao sistema de liberação das várzeas de
inundação para usos urbanos. Seja com o intuito de sanear, seja para oferecer moradia e
serviços próximos ao centro da cidade ou para acomodar a população de baixa renda,
forçada pelas garras da segregação social a residir em áreas de risco, o padrão se repete e,
como num sistema simples de ação e reação, as conseqüências trágicas desta incoerência
são cansativamente reproduzidas, gerando danos que permanecem como cicatrizes
dolorosas na vida da cidade.

O presente trabalho tinha como objetivo principal estudar as fragilidades das áreas de
várzea e rever o processo de ocupação das mesmas, pontuado por diversos conflitos
ambientais. Concluída esta etapa, pretendia-se analisar soluções e ferramentas existentes
para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso paulistano, o que foi feito com
a União de Vila Nova Pantanal, de modo a contribuir com a configuração da sustentabilidade
urbana, mesmo que de forma parcial.

A incorporação do urbanismo sustentável deve se tornar a concepção orientadora do
planejamento das cidades, pois prevê as fragilidades e vocações do território para novas
ocupações e tenta restaurar as áreas de risco ocupadas, tomando o devido cuidado de não
se deixar levar pela idéia simplista de restauro da forma original da paisagem, antes da
existência da cidade, mas sim se adequando e conformando a ela.



Bibliografia

AB’SABER, Aziz.Nacib. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Edição FAc-Similar-
50                      anos,                         Ateliê                        Editorial,2007.
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                                                                                                27
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


Disponível                                         em                                             :
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(impasses urbanísticos, jurídicos e sociais da moradia nas áreas de proteção a mananciais
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STUERMER, Monica Machado; BROCANELEI, Pérola Felipette; VIEIRA, Jefferson
Hartmann. Lâmpadas de água – litros transformados em lux(z). 2008. Disponível em:
http://www.fae.edu/seminario_sustentabilidade/inovacao/P%C3%A9rola%20Brocaneli,%20M
onica%20Stueemer%20e%20Jeffeerson%20Vieira.pdf

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TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. 4 Ed. Revisada. São
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VAZ, Luiz F. Reforma universitária (O Estado de São Paulo - Editorial - 29/5/2005)

ZUCCOLO, Renato Mattos. Algo do Tietê hoje - leito, várzea e afluentuba. São Paulo: Nova
Bandeira Produções editoriais, 2000.




                                                                                                28
Universidade Presbiteriana Mackenzie


Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMADS) e
Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA). Enchentes no Estado do
Rio de Janeiro - uma abordagem geral. Rio de Janeiro, SEMADS & SERLA, 2001 .




Contato: tatai.andrade@hotmail.com e mstuermer@mackezie.br




                                                                                         29

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Áreas de várzea: fragilidades naturais e ocupação urbana sustentável

  • 1. Universidade Presbiteriana Mackenzie ÁREAS DE VÁRZEA: FRAGILIDADES NATURAIS E OCUPAÇÃO URBANA SUSTENTÁVEL Tainá de Assumpção Andrade Silva (IC) e Monica Machado Stuermer (Orientadora) Apoio: PIBIC Mackenzie Resumo O presente trabalho trata das regiões de fundo de vale e suas atribuições naturais, que lhe conferem uma condição frágil e ao mesmo tempo de suma importância na manutenção dos ecossistemas terrestres. Em ambientes urbanos, com destaque sobre a cidade de São Paulo, as várzeas assumem papel decisivo na acomodação dos picos de chuva. Apesar disso, estas áreas vêm sofrendo contínua degradação e descaracterização, o que traz conseqüências devastadoras sobre a cidade, suas estruturas e população. As fragilidades naturais das áreas de várzea, as conseqüências de sua ocupação inadequada e algumas ferramentas capazes de lidar com esta situação estão exemplificadas num Estudo de Caso, realizado no bairro de União de Vila Nova Pantanal, na zona leste da cidade de São Paulo. Palavras-chave: água, várzea, ocupação urbana, União de Vila Nova Pantanal, sustentabilidade. Abstract The present work is about the wetlands and its natural attributions, which confer them a fragile conditions and, at the same time, a great importance in terms of the good functioning of earth ecosystems. In urban environments, especially in São Paulo, the wetlands have been suffering continuous degradation and identity loss, what results in serious and damaging problems to the city, its structures and population. Natural fragilities in the wetlands, the consequences of its inappropriate occupation and some of the useful tools to dealing with this situation are shown in a Case Study, in the União de Vila Nova Pantanal neighborhood, in the east zone of São Paulo. Key-words: water, wetlands, urban settlements, União de Vila Nova Pantanal, sustainability. 1
  • 2. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Introdução A sustentabilidade é a capacidade dos diversos sistemas da Terra, incluindo as economias e os sistemas culturais humanos, de sobreviverem e se adaptarem às condições ambientais em mudança. A primeira etapa para o alcance desta condição é a conservação do capital natural da terra – os recursos e serviços naturais que mantém a nossa e outras espécies vivas e que dão suporte às nossas economias. A segunda etapa se constitui em reconhecer que são muitas e muito diversas as atividades humanas capazes de degradar o capital natural, ao usarem recursos normalmente renováveis mais rapidamente do que a natureza é capaz renová-los. A terceira etapa se dá na busca por soluções dos problemas gerados a partir da degradação, o que muitas vezes envolve conflitos cuja resolução demanda compromissos e ajustes. Indivíduos que se envolvem neste processo de tomada de decisão e envolvimento em compromissos, seja politicamente ou socialmente, são os atores da implantação da sustentabilidade em última instância (MILLER JR., 2006). Sociedades sustentáveis do ponto de vista ambiental são aquelas em que se busca atender as necessidades básicas do povo (alimentação, água e ar limpos, abrigo) sem degradar ou exaurir o capital natural que fornece estes recursos, conforme definido no documento “Nosso Futuro Comum”, de 1987, da ONU, também conhecido como Relatório Brundtland. O termo “Desenvolvimento Sustentável” foi definido oficialmente pela Comissão Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMMAD), no Relatório Brundtland, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”. O desenvolvimento sustentável acontece em âmbito econômico, social e político, de forma a assegurar a satisfação das necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras de darem resposta às suas próprias necessidades (CDMA,1987 apud SARAIVA, 1999). De acordo com Brocanelli (2007), a busca pelo desenvolvimento sustentável deve acontecer em três dimensões da sustentabilidade: ambiental, sócio-cultural e econômica. O capital é então tratado em três condições distintas: o capital artificial, expresso naquilo que foi edificado por seres humanos como edifícios, pontes, enfim, as cidades em geral; o capital humano, exemplificado pela ciência, conhecimento e técnicas; e o capital natural, traduzido pelo Meio Ambiente e representado, dentre outros, pela água e ar puros e pela diversidade biológica. Coimbra (2002) insere a categoria “capital artificial” numa classificação distinta do termo Meio Ambiente, ao apresentar uma visão integradora e de caráter predominante urbano quando trata do espaço físico que envolve as comunidades humanas. Ele classifica aquilo que o homem constrói para organizar sua convivência e trabalho, desde a sua morada até os grandes aglomerados urbanos, também como uma espécie de Meio Ambiente, que 2
  • 3. Universidade Presbiteriana Mackenzie cresce e se espalha quase incontrolavelmente, pressionada por fatores como o crescimento demográfico. O conceito de capital natural engloba o binômio recursos e serviços naturais, aos quais se pode atribuir valor econômico, social e ambiental (MILLER JR., 2006). O tema da sustentabilidade e suas implicações práticas têm sido assunto recorrente nas discussões de diversas das grandes áreas de conhecimento, por ser um conceito de caráter sistêmico, que abrange disciplinas socioeconômicas, ambientais, tecnológicas e políticas em seus planos de atuação. Preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, assim como promover desenvolvimento humano através da manutenção adequada dos recursos naturais é fundamental para o cumprimento desta nova concepção, que vem ganhando espaço no meio empresarial e acadêmico. A estrutura das cidades, que, segundo Borinelli e Lanza podem ser consideradas ecossistemas artificiais, criados visando o atendimento das necessidades humanas, se configurou, no entanto, em grande parte das vezes, de forma genérica; sem planejamento prévio e ignorando as condicionantes e potencialidades do território natural (FRANCO, 2008). O resultado foram cidades caóticas, desprovidas de qualidade urbana e sufocadas por problemas ambientais de diversas ordens e tipologias. Às populações mais marginalizadas em termos de renda e escolaridade são relegadas as áreas ambientalmente mais frágeis e inadequadas para a ocupação nas cidades (MARTINS, 2006). Tal situação é comum no cenário urbano brasileiro e de outras nações em desenvolvimento, e se coloca paradoxalmente à idéia de sustentabilidade urbano-ambiental, já que resulta em segregação física e social, péssimas condições de vida urbana e inevitável agressão a sistemas fundamentais para sustentação inclusive da vida urbana. A cidade contemporânea deve apresentar soluções sustentáveis para os assentamentos humanos altamente adensados. A abordagem do Ecourbanismo, por exemplo, sugere que a urbanização respeite o suporte físico. O Ecourbanismo define o desenvolvimento de comunidades humanas multidimensionais sustentáveis através de entornos edificados harmônicos e sustentáveis. Esta nova concepção de estruturação das cidades contemporâneas está se convertendo rapidamente em um conceito básico, essencial para todo o planejamento urbano realmente consciente dos problemas sociais e ambientais que enfrentam as cidades neste início de século. Trata-se é uma disciplina capaz de articular as múltiplas e complexas variáveis envolvidas na conversão e superação da mentalidade compartimentada do urbanismo convencional, em uma estrutura que aproxima o desenho urbano de questões socioambientais de modo sistêmico e integrado (RUANO, 1999). 3
  • 4. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 É fato que as comunidades humanas só serão sustentáveis quando, além da efetivação de instrumentos do planejamento ambiental, os empreendimentos arquitetônicos forem planejados de maneira harmônica com o meio ambiente, promovendo transformação do cenário urbano a partir do princípio da sustentabilidade, da preocupação com as futuras gerações e do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade. Desta forma, as preocupações com a qualidade ambiental no planejamento das cidades, assim como as responsabilidades social e política com o desenvolvimento de metas de desenvolvimento social, cultural e econômico estarão alinhadas aos princípios da preservação, recuperação e equilíbrio ambiental. De modo a consumar este ciclo, os recursos naturais e as funções ecossistêmicas poderão encontrar o equilíbrio necessário para a auto-regeneração constante (BROCANELLI, 2007). Oferecer alternativas de moradia popular formal, inseridas na cidade e atendidas pelos serviços básicos de infra-estrutura pública é a forma sustentável capaz de defender esta população desfavorecida – repetidamente às margens da noção de cidadania – assim como as áreas ambientalmente frágeis em meio urbano. Há uma parcela de população urbana que já ocupou estas áreas; é preciso, portanto buscar ferramentas urbanísticas, jurídicas e ambientais que possibilitem a reversão deste cenário e que combinem direitos humanos e proteção ambiental, através da formação e atuação de profissionais de diferentes áreas técnicas: Urbanismo, Direito, Gestão Ambiental, Saneamento e Administração Pública (MARTINS, 2006). O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo – elaborado para o período de 2002 a 2012 – desponta como um instrumento eficaz de intervenção urbana, ao tratar a questão ambiental como um aspecto importante do desenvolvimento urbano. Discorre sobre ações visando a proteção, conservação e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana, além do controle da poluição, da necessidade de políticas de educação ambiental e produção de informação e conhecimento sobre o Meio Ambiente. Trata-se do terceiro plano de orientação urbana do município de São Paulo e foi pioneiramente elaborado, debatido e aprovado democraticamente. O plano é também um exemplo formal de preocupação com a complexidade desafiadora do manejo das águas urbanas, e coloca em seus artigos diversas recomendações sobre ocupação e cuidados com este valioso recurso. O PDE dispõe sobre a criação de uma macrozona de proteção ambiental, dentro da qual traz algumas propostas de soluções inovadoras para as questões pertinentes à água e ao problema de prevenção e redução de inundações. Ao apresentar as enchentes urbanas como fruto de um conjunto de fatores – como insuficiência da capacidade da rede de drenagem devido à crescente impermeabilização do solo; muitas vezes devido à ocupação intensiva das construções em favelas e loteamentos populares, o assoreamento e poluição dos cursos d’ água, entre 4
  • 5. Universidade Presbiteriana Mackenzie outros – revela algumas possibilidades de ação, amparadas em suas disposições ambientais, para a recuperação deste recurso (PDE, 2002). As AIUs – áreas de intervenção urbana – também citadas pelo PDE visam à reestruturação dos espaços urbanizados, de modo a proporcionar maiores áreas para circulação e transporte, bem como espaços abertos, vegetados e permeáveis, como parques e praças. Dentro desta categoria de projetos estão propostas de ampliação do sistema de áreas verdes através, por exemplo, da implantação de Parques Lineares de Fundo de Vale, como elementos estratégicos de recuperação da rede hídrica estrutural, medida de desestímulo a ocupações inadequadas com conseqüente e esperada melhoria dos problemas de enchentes. A observação de algumas diretrizes básicas se faz necessária neste tipo de projeto, para que sejam preservados os cursos d’água e as áreas verdes ao longo dos fundos de vale do município. Genericamente, o plano estabelece a existência de uma faixa não edificada de 15 metros ao logo de cada uma das margens do corpo d’água (área non aedificandi), que, juntamente com a planície aluvial, (esta, quando existir, é determinada por meio dos registros dentro do prazo de recorrência de chuvas e inundações de vinte anos, também considerada área non aedificandi) e as áreas de vegetação significativa do município irão constituir os parques lineares. Dado que a planície aluvial paulistana chega a atingir, em alguns pontos, quilômetros de extensão, tal proposição genérica chega a parecer absurda, inadequada e insustentável. Entretanto, visto que algumas áreas de várzea figuram hoje como áreas urbanas consolidadas e formalmente estabelecidas, sendo efetivamente impossível restaurar sua condição anterior, torna-se compreensível a intenção organizadora passível de efetivação do PDE e suas prescrições. Figura 1: Exemplo hipotético de projeto de intervenção em Parque Linear. Fonte: PDE, 2002, pág. 150. É neste contexto então que se focaliza a água, tanto como recurso básico à sobrevivência das populações urbanas quanto como elemento de leitura do território e importante ferramenta de percepção dos processos ecossistêmicos. Torna-se assim necessária a 5
  • 6. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 visualização e a valorização dos rios, lagos e córregos da cidade, pois o ressurgimento do espaço das águas na paisagem da cidade de São Paulo é fator fundamental para o alcance do desenvolvimento sustentável (KAHTOUNI, 2004) O presente trabalho busca então estudar as fragilidades das áreas de várzea e as formas de ocupação das mesmas, analisando o histórico de sua ocupação na cidade de São Paulo e seus conflitos ambientais. O objetivo específico deste estudo é analisar soluções existentes para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso de área localizada no município de São Paulo, buscando assim contribuir com a paisagem da cidade sustentável. Referencial Teórico A problemática das enchentes está intimamente associada ao processo natural e contínuo descrito pelo ciclo hidrológico. Nele, massas de água circulam ininterruptamente entre os diversos compartimentos terrestres, renovando assim este recurso através da força motriz do Sol e da gravidade. A atmosfera, a hidrosfera e a litosfera – esta última caracterizada pela particularidade marcante de constituir a superfície dos terrenos e receber sobre estas superfícies a cobertura vegetal, além de comportar o subsolo, os aqüíferos e corpos d’água superficiais – são as esferas participantes do ciclo hidrológico. Sabe-se que a urbanização tem influência significativa sobre o ciclo hidrológico, já que alterações sobre a superfície terrestre afetam, direta ou indiretamente, as diferentes esferas participantes do processo. Conseqüências disso são menores taxas de infiltração e evapotranspiração, já que a substituição da cobertura vegetal por superfícies impermeabilizadas é marcante quando tratamos da ocupação urbana. Alterações climáticas e sobre o regime de escoamento e armazenamento de água no solo, assim como a redução da qualidade das águas superficiais e subterrâneas são evidências do impacto da urbanização sobre o ciclo hidrológico. É válido destacar aqui a etapa do ciclo em que as águas se deslocam sobre a superfície e escoam pelos rios ou se depositam em lagos, após serem precipitadas. A região em que se localiza a cidade de São Paulo sofre em grande intensidade, a dinâmica destas águas. O principal elemento estruturador do território paulistano foi o vale do Tietê. Os colonizadores, vindos do litoral pela Serra do Mar, seguiam o curso do Rio Tamanduateí, logo atingindo o Porto Geral e o Colégio Jesuíta, ou, rumando para o rio Tietê, continuavam a interiorização. Não foi à toa que o principal núcleo urbano da Vila concentrou-se por três séculos na colina histórica da cidade, elevada sobre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. A água e o solo são recursos naturais considerados limitantes à expansão territorial das cidades e importantes por seu valor econômico e por sua capacidade de controle térmico e 6
  • 7. Universidade Presbiteriana Mackenzie da qualidade do ar, pois, juntamente com as massas vegetais, umidificam e purificam o ar. A movimentação das massas de ar é responsável pelo controle das chuvas, que promove a manutenção do ciclo hidrológico e da qualidade do ar nas cidades. Apesar disso, a cidade de São Paulo se desenvolveu em um processo historicamente caracterizado pela liberação das várzeas de inundação – importantes sistemas de manutenção das águas, do solo e da vegetação – para atividades urbanas. As planícies de inundação paulistanas são delimitadas por terraços aluviais de ocorrência irregular ao longo da calha fluvial, e são formadas por dois patamares rebaixados: as porções alagadiças – sujeitas a cheias anuais – e os terrenos mais elevados, enxutos, sujeitos a alagamentos esporádicos (MATTES, 2001). A abundância de água no território, quando da fundação da cidade, determinava presença de grandes destas áreas úmidas, que deveriam ter sido preservadas pelos muitos e diversos processos e urbanísticos, já que são responsáveis pela retenção e amortecimento dos picos de cheia, que, se não contidos, acabam por, obviamente, causar danos ao patrimônio construído e humano da cidade. Figura 2: Rio Tamanduateí em São Paulo, na década de 1870. Fonte: Toledo, 2007, página 63. Estas áreas foram, no entanto – durante os primeiros surtos de expansão da cidade – contaminadas por efluentes domésticos e industriais. As políticas sanitaristas estabeleceram então os projetos viários nos fundos de vale: avenidas foram construídas sobre os espaços de várzea, após obras de canalização de cursos d’água. Este tipo de intervenção começou a ser implantado a partir da metade do século, com o Plano de Avenidas de Prestes Maia, favorecendo o quase completo extermínio das áreas úmidas da cidade. Com a destinação de diversas áreas de fundo de vale da cidade de São Paulo ao uso urbano, fazendo com 7
  • 8. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 que espaços outrora naturalmente destinados ao escoamento e acomodação das águas fossem suprimidos, houve significativo agravamento de enchentes (MATTES, 2001). Em meio a este cenário de ocupação, acabamos finalmente sendo confrontados com a dúvida óbvia: como trabalhar os recursos hídricos numa cidade como São Paulo, onde a natureza foi forçada a recuar bruscamente durante a expansão da cidade? Inicialmente, é necessário que haja ferramentas de legislação e fiscalização eficientes para viabilizar a reestruturação ecológica. Reaver informações necessárias à restauração da relação homem – natureza a partir dos conceitos de equilíbrio ambiental, conservação da natureza, harmonia da paisagem e qualidade de vida, pode ser considerado como um ponto de partida. O sítio urbano da Região Metropolitana de São Paulo está localizado em sua maior parte no Planalto Paulistano, e ocupa uma área de aproximadamente 5.000 km². O Município apresenta configuração geográfica suave, com altitudes que variam entre 719 metros de altitude nas planícies aluviais (várzeas) do Rio Tietê e seus afluentes, a 900 metros de altitude nas áreas de contato com as bordas cristalinas das serras da Cantareira, ao norte, e do Mar, ao sul (AB’SABER, 2007). A área do município praticamente se confunde com a bacia do Alto Tietê, pois este se ergue sobre uma extensa região que, em última análise, sofre drenagem direcionada quase que completamente para o rio Tietê. As várzeas dos rios paulistanos são enormes: a várzea do Tietê, na região da confluência com o Tamanduateí, tem quase dez quilômetros de largura, dimensão esta não mais observada ao longo do Rio Tietê até sua foz, e somente encontrada em rios de grande porte, como o Paraná. As várzeas são também notavelmente extensas até acima de Mogi das Cruzes, porém desaparecem bruscamente logo depois da confluência dos rios Tietê e Pinheiros, logo abaixo do Cebolão. Vaz (2005,) coloca que a formação das várzeas paulistanas, tão extensas, se deve a uma camada de rocha muito dura, conhecida em geologia como "soleira", e que dificilmente se desgasta. Esta soleira ocorre ao longo do rio, desde as proximidades do Cebolão até próximo de Barueri, e foi capaz de impedir que o Tietê aprofundasse naturalmente a sua calha, represando suas águas. Os rios Tietê e Pinheiros são rios tipicamente meândricos e de baixa declividade, mas que têm como afluentes rios e córregos com alta declividade e maior velocidade de escoamento de águas, como o Tamanduateí, o Pirajussara e o Aricanduva. Esta condição contribui para a ocorrência de enchentes freqüentes. 8
  • 9. Universidade Presbiteriana Mackenzie Figura 3: Altimetria da região metropolitana de São Paulo. Fonte: PDE, 2002, pág. 62. As áreas de várzea são definidas como aquelas correspondentes ao leito maior de um rio e se enquadram, ainda que parcialmente, dentro de áreas de preservação permanente (APPs), que apresentam uma série de restrições de uso impostas por distintas legislações  Código Florestal (1965), Resoluções CONAMA 302 e 303 (2002), Lei Lehman (1979), além de regulamentações específicas de uso e ocupação do solo municipais. O uso adequado das APPs pode promover, além da preservação de recursos naturais, a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da cidade. Melhorias ambientais advindas do manejo adequado destas áreas se expressam pelo controle climático; capaz de amenizar temperaturas e propiciar a melhoria da qualidade do ar e redução de ruídos. Evitar perdas materiais e humanas em função das enchentes, além de proporcionar abrigo para a avifauna e disponibilizar espaços de lazer e cultura, sempre privilegiando o aspecto estético da paisagem, são também resultados da otimização do uso e ocupação das APPs. Apesar de reconhecidas por suas qualidades e funções ambientais, e de estarem protegidas pela legislação federal, as áreas de APP continuam sofrendo contínua degradação por ações antrópicas de diferentes origens e ordens: obras de infra-estrutura, tais como ampliação do sistema viário e sistemas de drenagem com canalização de córregos; ocupações precárias e assentamentos ilegais; 9
  • 10. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Figura 4: Relevo e Geologia. Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo. ocupações de alta densidade sem respeito às fragilidades geológicas e à posição elevada do lençol freático; depósitos clandestinos de lixo, dentre outras agressões ao meio. Em função do alto grau de ocupação e alterações realizadas nas margens e nos próprios cursos d’água urbanos, não se justifica classificar a forma de proteção e preservação das áreas de várzea urbana como de natureza intocada, mas sim como partes integrantes e fundamentais para a qualificação do espaço no qual vive o homem. 10
  • 11. Universidade Presbiteriana Mackenzie As planícies de inundação são delimitadas pelos terrenos aluviais de ocorrência irregular e são formadas por dois patamares de terrenos rebaixados dispostos ao longo da calha fluvial: as porções alagadiças, submetidas à cheias anuais, e os terrenos um pouco mais elevados, enxutos e sujeitos a transbordamentos esporádicos. As águas podem, eventualmente, extrapolar o leito maior, ocupando parcelas dos terraços aluvionares. (MATTES, 2001) As funções primárias de um curso d'água e de sua várzea são a coleta, armazenamento e veiculação das vazões de cheias. As várzeas são áreas naturais de enchente dos rios nos períodos de chuva, responsáveis por acomodar as águas não infiltradas. A várzea, em sua condição natural, ou seja, livre da ação antrópica, funciona como uma “esponja”, capaz de enxugar o excesso das águas pluviais, sendo que sua mata ciliar lindeira funciona como uma “esponja biológica” para o rio. O solo é responsável por reter as águas e as armazená- las durante a estação úmida, liberando-as nas épocas de estiagem para alimentação dos córregos. Este processo ocorre de forma lenta, em função do relevo suave e da baixa permeabilidade dos solos. (STUERMER, 2008) Quando não impermeabilizado e revestido de cobertura arbórea, o solo é capaz de reter até 90% das águas das chuvas, reduzindo assim os picos de vazão superficial. No entanto, com a massiva impermeabilização dos solos e retirada da vegetação em centros urbanos, a água das chuvas flui diretamente para os rios, pois a capacidade de infiltração é praticamente reduzida à zero na maior parte da área urbanizada. Sem a presença da vegetação ciliar, o escoamento superficial é potencializado, fazendo com que sedimentos, entulho e lixo sejam carregados para o rio de forma mais intensa, causando a poluição das águas e inundações, com conseqüentes perdas materiais e humanas, revelando um comportamento não sustentável de ocupação humana e apropriação do território. Tratar da urbanização paulistana no século XX significa descrever um processo insistente de degradação das águas, várzeas e áreas verdes originais do território, através de intervenções diversas sobre os cursos d’água, mas, principalmente, do apagamento de memórias relacionadas à presença da água nas atividades de lazer e convivência que tanto fizeram parte do cotidiano da cidade nos séculos anteriores. Os rios Anhangabaú, Tamanduateí, Pinheiros e Tietê, hoje sufocados e escondidos ora sob grandes avenidas de fundo de vale ora ladeando vias de trânsito rápido, outrora figuraram como elementos fundamentais de estruturação do espaço, compondo o topo da hierarquia hídrica local (Corrêa & Alvim, 1999). Inicialmente, o processo de expansão urbana na cidade de São Paulo evitou ocupar as várzeas dos principais rios que cortavam o núcleo urbano em desenvolvimento, uma vez que saneá-las implicava em investimentos e empreendimentos adicionais. As várzeas começaram a ser alteradas e ocupadas de fato a partir das obras associadas à instalação 11
  • 12. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 de infra-estruturas regionais e urbanas: o sistema ferroviário e o sistema de vias, associados à retificação dos rios Tamanduateí (1849 a 1916), Tietê (1842 a 1938) e posteriormente do rio Pinheiros (após 1927). Os rios foram canalizados por razões sanitárias, mas também por razões financeiras – de ganho de território e especulação imobiliária. A valorização diferenciada dos terrenos e o nascimento de um mercado imobiliário altamente lucrativo, imerso num mar de conflitos para demarcação de limites entre terras públicas e privadas, marcam o período. A cidade se dilatou apresentando um padrão que intercalava áreas densamente povoadas com áreas de grandes vazios urbanos, característica esta forçada inicialmente pelas condicionantes naturais do território (várzeas e etc.) e, posteriormente, devido à atividade especuladora intensa do mercado imobiliário. As áreas de moradia privilegiada localizavam-se nos pontos mais elevados da cidade, enquanto que as ferrovias corriam pelos fundos de vale, e as indústrias, instaladas também nos terrenos baixos, mais baratos, estimularam a ocupação pelos operários destes territórios de várzea. Com a marcante explosão demográfica do final do século XVIII veio o aumento significativo da mancha urbana e, consequentemente, das demandas por moradia. Bairros foram então criados para assentar a população crescente, expandindo os limites geográficos e loteando chácaras urbanas. As cheias sempre constituíram um fenômeno marcante no contexto paulistano e, no período em questão, a região da Várzea do Carmo, correspondente à seção inundável do rio Tietê, causava grandes preocupações, principalmente quanto aos seus efeitos sanitários, fazendo com que diversas medidas legislativas fossem lançadas de modo a domar o rio, sua calha e sua várzea. A eliminação das águas paradas ou represadas foi estabelecida como uma meta de proteção à saúde pública, baseada na idéia de afastamento destas águas da população, e não o contrário! Algumas medidas urbanísticas como o alargamento das ruas, a eliminação de bairros insalubres, o desenho de um traçado viário associado à infra-estrutura sanitária e a drenagem na concepção higienista (secar a várzea para incorporá-la à cidade), através de obras de retificação e canalização foram implantadas visando uma melhor qualidade de vida e prevenção de doenças na cidade. Em se tratando do rio Tietê e sua várzea, diversos foram os planos elaborados com relação ao equacionamento da retificação do rio. O primeiro projeto de retificação, datado de 1887, previa a retificação conjunta dos rios Tietê e Tamanduateí. No ano de 1892, a Comissão de Saneamento do Estado faz levantamentos dos terrenos marginais entre os dois rios e lança as primeiras propostas de intervenção sobre o regime fluvial dos dois rios. Entre 1892 e 1898 são realizadas as primeiras intervenções sobre os rios: a Ilha de Inhumas é suprimida, 12
  • 13. Universidade Presbiteriana Mackenzie é construído o Canal de Osasco e é feita a desobstrução da curva do rio entre os quilômetros 16 e 18 da estrada de ferro Sorocabana. Já em 1921, é criada uma comissão para estudar a execução de obras de retificação a partir da ampliação da embocadura tanto do Tietê como do Tamanduateí. Três grandes projetos de retificação foram elaborados a partir da década de 20, o projeto de Fonseca Rodrigues, o Projeto de Ulhôa Cintra e o Projeto de Saturnino de Brito. O projeto de Saturnino de Brito, talvez o mais importante por sua qualidade técnica e ambiental, data de 1924. O plano tinha como objetivos a ocupação das várzeas de inundação com usos urbanos, dada a sua proximidade com o centro da cidade e a necessidade de se implantar vias de circulação e promover o saneamento dos terrenos inundados. O projeto previa, no entanto, o aproveitamento das águas do Tietê em termos ambientais e urbanos. Saturnino baseou-se na necessidade de preservação das matas na regularização das vazões do Tietê, para que se mantivesse, à montante da cidade, o regime de inundações de suas várzeas. A vegetação nas margens do Tietê era predominante rasteira e as várzeas eram ocupadas em escala muito pequena; eram poucos os que se aventuravam à moradia em terrenos freqüentemente inundáveis, e Saturnino pretendia retornar definitivamente ao rio a várzea de expansão de suas águas, pois sabia que estabelecer usos urbanos comuns significaria estabelecer definitivamente o problema das inundações. Saturnino contabilizou que, durante o período de cheias, as águas subiam 5 metros acima dos níveis de estiagem e de 2 a 3 metros acima das margens do rio, enchendo os terrenos marginais cobertos de vegetação rasteira e enchendo cavas de areia, pedregulho e barro. As obras de retificação seriam então justificadas pela valorização das terras ao longo das várzeas de inundação, através da possibilidade de utilização destes terrenos para usos industriais e para a implantação de armazéns associados às ferrovias. Sua proposta continha então duas seções que acompanhavam o curso natural do Tietê, eliminando apenas as sinuosidades mais acentuadas e respeitando trechos já retificados: canais tipo A e B. Contemplava ainda um aumento da seção de vazão. O aterramento das porções mais baixas permitiu recuperar 25 km² de várzeas inundáveis. A escavação de dois lagos com 1,2 km² forneceu os materiais a serem utilizados no aterramento, áreas para o aformoseamento urbano e para prática de esportes na cidade. A proposta retirava parcelas significativas das planícies de inundação (espaços das águas), embora demonstrasse uma preocupação em preservá-las enquanto reservatórios naturais de regularização do rio. Em resumo, ele aterrou as partes mais baixas da várzea, manteve maiores larguras para o escoamento das águas, conservou margens com avenidas e parques, assegurou a navegação do Tietê e implantou dois lagos. Infelizmente, o plano do engenheiro Saturnino 13
  • 14. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 de Brito não saiu do papel, sendo revisado e substituído por um plano lançado em 1929, que reduziu fortemente a faixa reservada para as águas. A etapa seguinte – no que se refere ao tratamento das áreas de várzea dentro contexto histórico da ocupação urbana paulistana – é chamada de etapa das enchentes e perdurou do final da década de 20 até o início dos anos 90. Foi um período significativamente marcado por enchentes catastróficas, de grandes dimensões, que afetaram grandemente a cidade, resultados das intervenções anteriormente implantadas nos cursos d’água, mediante a construção de canais artificiais que apenas transferiram as inundações, causando impactos à jusante. Um crescimento urbano sem precedentes marcou o período, trazendo mudanças sociais, econômicas e urbanísticas à cidade. Figura 5: Vale do Anhangabaú alagado em 1967. Fonte: http://theurbanearth.wordpress.com/category/urbanismo/. Acesso em 05/04/2010. Observa-se um aumento expressivo no número de automóveis, além do aumento do número de moradias, demandando grandes obras viárias, dentre as quais vale destacar o Plano de avenidas de Prestes Maia. O Plano de Avenidas de Prestes Maia (1929) trouxe a concepção do sistema de saneamento e ocupação das várzeas com sistema viário de fundo de vale. Desde então, predomina a concepção da ocupação das várzeas como espaço preferencial para a circulação, apesar das conseqüências que tal decisão pudesse (e pôde) acarretar. A etapa final, em que a cidade se insere atualmente, trata das questões de drenagem urbana a partir de um novo conceito, basicamente baseado em soluções estruturais. O modelo, que prevê, dentre outras medidas, a implantação de reservatórios de detenção para minimizar as áreas sujeitas às enchentes, continua causando impactos à jusante. À medida que uma cidade se urbaniza, há um aumento tanto das vazões máximas como da produção 14
  • 15. Universidade Presbiteriana Mackenzie de sedimentos, o que dificulta o escoamento superficial, causando enchentes indesejadas. Os impactos gerados pela instalação desorganizada de infra-estrutura geram a redução da seção de escoamento, expressa, por exemplo, por canalizações, retificações, tamponamento de corpos d’água e projetos de drenagem inadequados. Mesmo assim, as ações públicas para mitigação de enchentes hoje são genericamente as soluções estruturais, em que o homem modifica o rio com obras hidráulicas como barragens, diques e canalizações. (As medidas de controle não-estrutural, em que o homem convive com o rio, são medidas preventivas, projetadas para garantir proteção completa e de custo geralmente inferior ao das medidas estruturais. São exemplos de medidas estruturais a elevação das estruturas existentes, a construção de novas estruturas sobre pilotis, a regulamentação da ocupação da área de inundação por cercamento, o zoneamento de áreas de inundação, a regulamentação do loteamento pelo código de construção, o seguro de inundação, uma previsão regulamentar de cheias e respectivos planos de evacuação, além de incentivos fiscais para uso prudente da área de inundação e políticas de desenvolvimento adequado ao município, evitando os prejuízos das inundações.) Figura 6: Equipamento de canalização pertencente ao projeto da SEHAB. Fonte: arquivo pessoal Em resumo, pode-se concluir que, apesar de a cidade de São Paulo ter-se desenvolvido às margens do rio Tietê e de seus principais afluentes, como os rios Pinheiros e Tamanduateí, além de inúmeros córregos que formam sub-bacias, o mau gerenciamento dos recursos hídricos e de seus ciclos naturais, somado à ocupação irracional das várzeas – loteamentos muitas vezes irregulares e clandestinos – além da violenta remoção de cobertura vegetal das margens e seu entorno, dando lugar à grandes vias de trânsito e ao loteamento urbano, culminaram num crescimento do tecido urbano paulistano segundo conceitos e estruturas genéricas. As enchentes urbanas constituem, portanto, uma problemática de dimensões metropolitanas, pois, além de causarem transtorno ao trânsito de veículos, inundação e 15
  • 16. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 desabamento de edificações, também são ocasiões propícias à proliferação de muitas doenças, como a leptospirose e a hepatite, despertando assim à atenção dos órgãos de saúde pública. Outro problema decorrente da ocupação desordenada em áreas frágeis é a poluição dos rios, devido ao despejo de esgoto químico - muitas vezes não tratado – de indústrias. A falta de controle também sobre a contaminação dos rios por esgoto doméstico revela a carência de infra-estrutura sanitária que atinge os bairros irregulares da cidade. Um trabalho de destinação de lixo e campanhas de educação ambiental para evitar que a população jogue lixo nas ruas e córregos seria uma medida não-estrutural absolutamente simples e fundamental para reverter este quadro. No entanto, as colocações do Plano Diretor não são contempladas quando se propõe, por exemplo, uma taxa de permeabilidade de 20% generalizada para os terrenos e, em área de várzea, uma permeabilidade de 30%. Estes valores genéricos não contemplam as características do subsolo, a extensão dos solos aluvionares, suas características relacionadas à capacidade de infiltração, revelando total falta de preocupação com os solos de várzea e a linha de inundação. Os trinta metros que devem ser mantidos intactos junto às margens do corpo d’água são estabelecidos pelo Código Florestal e encontram-se altamente fora de contexto na maior parte das áreas urbanas. A capacidade de infiltração do solo é função da granulometria do mesmo, de seu grau de saturação e de compactação. Além disso, a taxa de infiltração de água no solo é função também do regime de chuvas, do relevo, da cobertura vegetal e da profundidade do lençol freático. Por essas razões, não se deve definir a Taxa de Permeabilidade do lote simplesmente como a relação entre a parte permeável, que permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação, e a área do lote, como faz o Plano Direto Estratégico do Município de São Paulo vigente. As Operações Urbanas são, em igual medida, típicos exemplos do descaso com as várzeas, pois raramente respeitam os solos frágeis ou as cotas de inundação dos rios e córregos. O adensando em excesso é feito visando à obtenção de Cepac’s, de forma homogênea em todo o território por ela delimitado. Aqui vale ressaltar que não é apenas a classe desfavorecida que “invade a várzea” com ocupações: a diferença é que as classes abastadas o fazem de forma legalizada. No entanto, o impacto causado é em igual medida preocupante, o que deve despertar a atenção tanto da sociedade civil como do poder público, para revisão da efetividade das leis urbano-ambientais de zoneamento urbano e da fiscalização quanto ao seu cumprimento. A deficiente drenagem natural é característica dominante dos solos de várzea, devido à sua topografia predominantemente plana e às suas características físicas; tais como: alta densidade, baixa porosidade, baixa capacidade de armazenamento de água, reduzida condutividade hidráulica, baixa velocidade de infiltração e consistência desfavorável. As 16
  • 17. Universidade Presbiteriana Mackenzie zonas que margeiam os cursos d’água, ainda que estes não estejam canalizados, podem absorver uma quantidade muito pequena de água, por compactação ou saturação do solo, ou ainda pela inexistência de vegetação. A planície sedimentar possui lençol freático alto e capacidade de absorção baixa, já que o solo se satura rapidamente. A destinação das águas pluviais em grandes cidades é uma problemática complexa e que demanda esforços das autoridades públicas. Sua função, tendo em vista a preservação do patrimônio urbano construído, assim como o alcance de condições sanitárias adequadas, é propor soluções em larga escala para o controle das enchentes, assim como para o armazenamento de água para abastecimento. Segundo FENDRICH e OLIYNIK (2002), todo o excesso das águas pluviais não contidas pelo reservatório de armazenamento deveria ser infiltrado no solo, evitando-se ao máximo seu despejo nas galerias de águas pluviais. A coleta, seguida do armazenamento e reutilização de águas pluviais resultaria na prevenção de enchentes e no restabelecimento da circulação de águas subterrâneas, mantendo-se assim o equilíbrio hídrico da região. Grandes centros urbanos de todo o mundo e seus administradores e planejadores encaram inevitavelmente o desafio imposto pelas questões de drenagem urbana. Dentro deste contexto é que foi elaborado o Plano de Macrodrenagem do município de São Paulo, por parte do Departamento de Água e Energia Elétrica do município (DAEE-SP), cuja meta diretriz de trabalho – visando elaborar soluções técnicas ambientalmente coerentes, eficientes e o menos onerosas possível – é justamente o controle de inundações na bacia do Alto Tietê, onde se localiza toda a Região Metropolitana de São Paulo. O controle de cheias de caráter cíclico e a busca por medidas de aproveitamento múltiplo na Bacia do Alto Tietê se fazem altamente necessários, devido às grandes dificuldades de drenagem que enfrenta este conjunto hidrográfico, hoje profundamente influenciado pela ação antrópica da urbanização. O Plano atua de forma setorial, por sub-bacia. Cada módulo de ação é efetivado por etapas, privilegiando-se assim, em curto prazo, a construção de reservatórios de contenção de picos de enchentes, em áreas urbanizadas. Este tipo de solução, implantado em terrenos urbanos desocupados, visa contribuir para a sua preservação, impedindo sua invasão e ocupação. As áreas lindeiras aos rios Tietê e Tamanduateí já haviam sido objeto de estudos do governo estadual na década de 90 do século XIX, graças ao reconhecimento da necessidade de obras de saneamento nas várzeas daqueles rios, após a epidemia de febre amarela em 1889. Diversos estudos e planos foram elaborados a partir daquele momento, sempre com o objetivo de realizar revisões das vazões de projeto. O projeto do engenheiro Saturnino de Brito para o Tietê, por exemplo, aumentou a vazão de projeto do rio, que 17
  • 18. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 passou de 174 m3/s (1894) para 400 m3/s (1925), após algumas intervenções em seu leito. No entanto, mesmo com as diversas obras realizadas na calha do Tietê, ainda se observa uma defasagem – com tendência crescente – entre capacidades e demandas hidrológicas deste e de outros rios paulistanos. Figura 7: Bacia Hidrográfica do alto Tietê. Fonte: DAEE-SP. Em termos gerais, o Plano Diretor de Macrodrenagem visa diagnosticar os problemas existentes e aqueles previstos no horizonte do projeto (2020) e então, através de uma abordagem técnico-econômica e ambiental, elaborar soluções, realizar cálculos de pré- dimensionamento e esquemas de hierarquização. O Plano Diretor de Macrodrenagem contempla soluções outras que não constituem apenas obras de engenharia. São soluções abrangentes que envolvem também soluções não- estruturais, como recomendações de gerenciamento de drenagem, disciplinamento do uso e ocupação do solo e educação ambiental. Vale citar também a outorga do direito de impermeabilização das áreas em processo de urbanização das bacias hidrográficas, passível de ser utilizada em todos os casos envolvendo intervenções no meio urbano, nos quais haja a possibilidade de aumento dos coeficientes de escoamento superficial direto. Este conceito limitava-se, até recentemente, aos casos de obras que interferissem fisicamente nos leitos fluviais. Atualmente, ele garante uma série de ferramentas ao DAEE e às Prefeituras Municipais para atuarem mais diretamente numa das principais causas do agravamento das inundações: a impermeabilização não controlada e não outorgada do solo urbano. O Plano de Drenagem se configura então em um instrumento de planejamento bastante relevante em termos de aplicação efetiva, dado que busca compreender o problema das enchentes de forma global, 18
  • 19. Universidade Presbiteriana Mackenzie considerando aspectos ambientais, institucionais e do financiamento das medidas preconizadas, no âmbito da Bacia Hidrográfica. A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas, assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo das margens do rio é de fundamental importância porque, ainda que seja constituída de espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que promove o fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva antes da mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008). Figura 8: Diretriz para ocupação de várzea – possibilidade de zoneamento: Zona 1 : Leito menor, área de escoamento rápido – deve ser totalmente desimpedida Zona 2: Leito maior – parcela significativa da vazão - área de alta restrição (parques e construções adequadas) Zona 3: área de inundação – águas praticamente paradas – construções à prova de inundações Zona 4: áreas seguras – controle de erosão – reservatórios de controle de cheias – áreas de infiltração Fonte: Stuermer, 2008. As várzeas têm a potencialidade de contribuir para a melhoria da qualidade da água e do ar, a manutenção de espaços abertos e a preservação de ecossistemas importantes. A alternativa expressa pelo Parque Linear Urbano, implantado respeitando-se os limites registrados das cheias e, portanto, excedendo os limites geralmente estabelecidos pelos Planos Diretores parece ser a solução de melhor custo-benefício ambiental e financeiro para a área das várzeas. Áreas Inundáveis devem estar contempladas no Plano Diretor Municipal, permitindo ao Município a viabilização da regularização e um controle efetivo do uso e ocupação do solo, 19
  • 20. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 em especial nestas áreas, como forma de atribuir a verdadeira vocação para as mesmas, garantindo a qualidade de vida para o sistema ambiental como um todo. Em termos gerais, o desenho ambiental da cidade visa colaborar com a coletividade local ao evidenciar e qualificar áreas públicas, que dentre muitos usos de cunho ecológico, podem ainda desempenhar funções de lazer e prática de atividade física para a população. Esta visão ecológica e sustentável de mundo é recente, e cada vez mais impõe suas necessidades e urgência de ação por parte da sociedade. Foi implantada no pós-segunda Guerra Mundial, quando a percepção de que a crise ambiental tinha tomado dimensões planetárias que seriam dificilmente sanadas se não observadas em escala urbana: a cidade como um ecossistema antrópico capaz de sufocar outros ecossistemas (estes naturais), responsáveis pela manutenção de ciclos biogeoquímicos e outros serviços ecossistêmicos fundamentais para a salubridade e qualidade de vida da comunidade biológica da qual fazem parte os seres humanos. A busca de um novo paradigma de ocupação urbana em áreas do território com fragilidades, com especial destaque para as áreas de várzea e seu ecossistema adjacente deve vir acompanhada de um estudo sistêmico de amparo ecológico, urbanístico, técnico arquitetônico e legal; no qual todos os elementos, inclusive a natureza e a sociedade humana, interagem numa grande e complexa teia de relações, em que associações de mútuo benefício devem dirigir todo o processo de planejamento, implantação e gestão das áreas ocupadas (e a serem ocupadas) e dos elementos que a compõem. Método A busca orientada por informação teórica de cunho técnico, sociológico e ambiental, capaz de garantir uma sólida base de conhecimento integrado, constituiu a primeira etapa de trabalho dentro da organização desta pesquisa. Em seguida foi realizado um Estudo de Caso, com visita a campo, coleta de dados em campo e em órgão público e entrevista. O subseqüente processo de aplicação do conhecimento adquirido no primeiro momento da pesquisa nesta segunda etapa resultou na amarração final do trabalho, em que se apresentam diagnósticos, análises e conclusões. O trabalho prático, traduzido pelo Estudo de Caso, se desenvolveu a partir de uma abordagem qualitativa, expressa principalmente em levantamentos fotográficos e observações em campo. A União de Vila Nova Pantanal (ou Jardim Helena) foi o bairro escolhido para exemplificar um caso de ocupação inadequada de área de várzea, claramente exemplificado por meio dos danos catastróficos que sofreu com as fortes chuvas de verão. Diversas visitas a campo revelaram nitidamente a situação precária e irregular 20
  • 21. Universidade Presbiteriana Mackenzie com que se deram estas ocupações e a resposta infalível da natureza, com conseqüências desastrosas sobre as estruturas e a população ali residente. Em visita à subprefeitura de São Miguel Paulista, na zona leste da cidade, foram recolhidos dados preciosos sobre a população, o histórico de ocupação, a regularidade dos lotes, os planos e projetos para a área, dentre outros. Resultados e discussão A partir do interesse despertado graças à veiculação de um grande volume de notícias a respeito das recentes enchentes de verão e do caos por elas gerado na região do Jardim Helena, optou-se por realizar um estudo de caso na região, caracterizada pela significativa e inadequada ocupação sobre a APA do Rio Tietê. O bairro escolhido foi a União de Vila Nova Pantanal, localizado na região leste de São Paulo e sobre área de Parque, que constitui um típico exemplo de ocupação urbana inadequada em área inundável, de várzea, em uma tipologia predominantemente de favela. Enchentes ali são recorrentes, sendo válido ressaltar o conjunto de inundações catastróficas que abateu a região no início deste ano de 2010. Em áreas ribeirinhas como o Jardim Pantanal, há, no período de baixas enchentes, uma tendência forte de ocupação urbana, que acaba por sofrer posteriormente com as alterações no ciclo de cheias: o rio volta naturalmente a acomodar suas águas no seu leito maior, onde foi feita a urbanização indevida. A urbanização inadequada ali é também fruto da segregação social sofrida por populações com dificuldades econômicas, que são forçadas a habitar estas áreas de risco, pertencentes ao público e desprezadas pelo poder privado (MARTINS, 2006). Figura 9: Mapa de localização – União de Vila Nova Figura 10: Foto aérea – União de Vila Nova Pantanal. Fonte: Google Maps. Pantanal. Fonte: Google Maps. 21
  • 22. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Em entrevista dirigida ao funcionário responsável pela Coordenadoria de Planejamento Urbano da Subprefeitura de São Miguel Paulista, Sr. Carlos Seixas, algumas questões quanto à regularidade da ocupação da área de várzea em que se insere a União de Vila Nova Pantanal, assim como aspectos sociais, técnicos e ambientais da ocupação foram discutidas e questionadas. Figura 11: Destruição causada por enchentes – Figura 12: Pilha de lixo – U.V.N. Pantanal. Fonte: U.D.V. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal. arquivo pessoal. Em termos da inserção de grande parte da região de São Miguel Paulista em território frágil, e seu processo de ocupação, foi pontuado que o Jardim Helena, distrito onde se encontra o Jardim Pantanal, encontra-se fisicamente isolado dos demais por grandes obstáculos: o norte está o Rio Tietê, ao sul a estrada de ferro da CPTM, a leste o Córrego Três Pontes e a oeste o Rio Tietê aproxima-se muito da estrada de ferro, tornando difícil o acesso. É por esse motivo que o Jardim Helena é o distrito onde houve menor desenvolvimento urbano e econômico: os terrenos tinham portanto preço mais baixo, o que atraiu população de menor renda. Até o governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) as ocupações eram discretas, mas, a partir daí, os movimentos organizados de ocupação ganharam força e pressionaram as invasões de áreas particulares e da APA em direção ao Rio Tietê. A partir de 2002 as invasões se intensificaram e, com o apoio dos movimentos organizados, caçambeiros e do crime organizado, verificou-se o aumento do aterro da várzea e de novas construções. Estima-se que, atualmente, a área de parcelamento irregular do solo e ocupação no Jardim Helena seja de 2.000.000 m². Em 2005 a Subprefeitura São Miguel foi obrigada a se socorrer da ajuda do Ministério Público e da Justiça a fim de conseguir liminar para a desocupação de grande área que estava sendo ocupada. A operação de retirada dos invasores contou com o auxílio da Polícia Militar e foi um sucesso, mas a pressão de ocupação continuou nas áreas próximas. A ocupação da União de Vila Nova Pantanal, é hoje objeto de urbanização pelo CDHU. A APA da área de São Miguel é particular, ou seja, embora o Estado tenha declarado a área como sendo de proteção ambiental, não efetuou a desapropriação. A maioria dos 22
  • 23. Universidade Presbiteriana Mackenzie proprietários regulares abandonou seus terrenos, devido às sérias restrições à utilização das áreas. Apenas a fiscalização era incapaz de impedir a forte pressão de invasão face aos ingredientes supra citados. Foi por este motivo que, a partir de 2008, começou operar na área do Jardim Helena a Operação Defesa das Águas, um grupo composto por diversos órgãos municipais e estaduais com o objetivo principal de impedir o despejo de entulhos, aterro e ocupação da APA. Através de convênio do Estado com a Prefeitura de São Paulo, o DAEE elaborou o Projeto Parque Várzeas do Tietê, lançado com o objetivo de impedir o aumento das ocupações e retomar as áreas mais vulneráveis da várzea, dada a cota altimétrica predominantemente baixa do bairro e sua localização sobre uma área de preservação. Figura 13: Sobreposição do bairro de União Vila Nova à área de parque (APA) Fonte:http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/infocidade/mapas_subs/27_mapa_base_2008_6.pdf O parque linear Jacu, localizado em União de Vila Nova, foi implantado como compensação ambiental de outra obra pública e foi incorporado ao Parque Várzeas do Tietê. Após as inundações ocorridas no Jardim Helena a partir de dezembro de 2009 a março de 2010, já foram demolidas mais de 1.200 edificações nas áreas de ocupação e o DAEE está estudando a alteração dos limites do parque inicialmente idealizado. A implantação do 23
  • 24. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 parque já está ocorrendo com a construção do dique no Jardim Romano. Com a implantação do dique continuarão as remoções. Em decorrência das inundações ocorridas no final de 2009 e início de 2010, o prefeito de São Paulo declarou de utilidade pública áreas para implantação de habitação de interesse social. No entanto, não existem áreas no Jardim Helena com porte para construção de conjuntos habitacionais, uma vez que boa parte do distrito está inserido na APA. Figura 14: Futuro parque Linear Jacu – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal Finalmente, tratou-se do papel da várzea na acomodação das cheias naturais e levantou-se a questão da ocupação antrópica destas áreas com a urbanização, em União de Vila Nova e em diversas outras áreas da cidade. O entrevistado destacou que a ocupação desordenada da várzea do Tietê poderia ter sido evitada se o Governo do Estado tivesse desapropriado toda a área que inicialmente estava prevista para a implantação do Parque Ecológico do Tietê e que incluía a parte da APA existente no Distrito do Jardim Helena. Seixas citou também o atraso para a implantação da Operação Defesa das Águas, que poderia, se não evitar, diminuir muito a ocupação. A proposta agora é remanejar a área prevista pelo Projeto Parque Várzeas do Tietê e pela implantação dos planos de urbanização das ZEIS, de modo a reduzir as ocupações de potencial degradante e evitar que novas ocupações perturbem ainda mais o regime de funcionamento do rio e sua várzea. A observação cuidadosa da situação enfrentada hoje pelo bairro de União de Vila Nova Pantanal e muitos outros, que insistiram, ainda que muitas vezes por falta de opção, por ocupar áreas de várzea, permite depreender que os benefícios desta ocupação são absurdamente inferiores aos seus custos, que transcendem a esfera das perdas materiais e humanas e tem influência marcante e decisiva sobre toda a dinâmica urbana. 24
  • 25. Universidade Presbiteriana Mackenzie A ocupação antrópica de regiões de fundos de vale deve seguir alguns critérios ambientais de modo a se estabelecer usos e densidades coerentes com a fragilidade natural típica destas áreas. Sazonalidade e freqüência das inundações devem também ser consideradas, assim como a ocorrência de um lençol freático raso. A preservação da vegetação ao longo das margens do rio é também de fundamental importância porque, ainda que seja constituída de espécies rasteiras, têm papel fundamental no ecossistema da várzea, já que promove o fenômeno da interceptação, através do qual a vegetação recolhe parte da chuva antes da mesma atingir o solo, que pode evaporar a partir das superfícies dos vegetais; a minimização das enchentes à jusante através da fricção, efeito esponja e elevadas taxas de evapotranspiração; o controle do assoreamento por reter sedimentos, tornando o ecossistema da várzea uma fonte de matéria orgânica para peixes e demais organismos fluviais e um habitat para espécies significativas (STUERMER, 2008). A gama de soluções estruturais atualmente muito utilizadas no trato da drenagem urbana são sob muitos aspectos desfavoráveis e definitivamente incapazes de desempenhar o papel da várzea, além de dispensarem manutenção periódica, difícil e cara. Figura 15: Campinho de Figura 16: Canais com fluxo de alta densidade povoados por futebol e praça – UVNP. vegetação resistente à poluição e com capacidade limpante, junto à Fonte: arquivo pessoall praça: exemplo de solução estrutural – Jd. Pantanal. Fonte: arquivo pessoal Caso se insista na utilização destas soluções (construção de diques e canais para a acomodação das águas excedentes, por exemplo), deve-se utilizar modelos e dimensões diversas, capazes de permitir a criação de novas funções. Expandir o canal em um ritmo alternativo, escolher vegetação e o mobiliário urbano adequado, criando represas, tanques 25
  • 26. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 de retenção, pequenos parques, áreas de vegetação e canais com fluxo de alta densidade pode ser boas alternativas (vide figs. 15, 16 e17). Figura 17: Espaço público + absorção do impacto causado pelas águas de tempestade. Espaço urbano onde convivem pequenos parques de uso comunitário e estruturas drenantes representadas pelos canais com fluxo de alta densidade. Corte perspectivado. Fonte: arquivo pessoal Os sistemas viários podem também contar com sistemas de canalização e coleta de água. Um canal aberto age para coletar e filtrar água servida. Uma tela de vegetação funciona como barreira visual. Tal sistema é mais fácil de manter do que um tubo subterrâneo, além de ter maior capacidade e atuar como um elemento urbano. Lajes, por exemplo, são pouco utilizadas e podem ser transformadas em telhados verdes, que absorvam água, minimizando enchentes e trazendo conforto térmico para a edificação. Rotas de cultivos urbanos podem ser implantadas no topo da moradia, despertando o interesse da população para uma atividade de lazer, preservação sustentável do espaço e subsistência. Figura 18: Canal de coleta de água paralelo a via. Mini parque linear. Fonte: SEHAB,2008. 26
  • 27. Universidade Presbiteriana Mackenzie Conclusão A partir do conhecimento adquirido durante o período de revisão bibliográfica e através das visitas, da entrevista e de pesquisa em sites de órgãos públicos, pode-se depreender que há em São Paulo uma tendência repetitiva quanto ao sistema de liberação das várzeas de inundação para usos urbanos. Seja com o intuito de sanear, seja para oferecer moradia e serviços próximos ao centro da cidade ou para acomodar a população de baixa renda, forçada pelas garras da segregação social a residir em áreas de risco, o padrão se repete e, como num sistema simples de ação e reação, as conseqüências trágicas desta incoerência são cansativamente reproduzidas, gerando danos que permanecem como cicatrizes dolorosas na vida da cidade. O presente trabalho tinha como objetivo principal estudar as fragilidades das áreas de várzea e rever o processo de ocupação das mesmas, pontuado por diversos conflitos ambientais. Concluída esta etapa, pretendia-se analisar soluções e ferramentas existentes para a ocupação destas áreas, através de um estudo de caso paulistano, o que foi feito com a União de Vila Nova Pantanal, de modo a contribuir com a configuração da sustentabilidade urbana, mesmo que de forma parcial. A incorporação do urbanismo sustentável deve se tornar a concepção orientadora do planejamento das cidades, pois prevê as fragilidades e vocações do território para novas ocupações e tenta restaurar as áreas de risco ocupadas, tomando o devido cuidado de não se deixar levar pela idéia simplista de restauro da forma original da paisagem, antes da existência da cidade, mas sim se adequando e conformando a ela. Bibliografia AB’SABER, Aziz.Nacib. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Edição FAc-Similar- 50 anos, Ateliê Editorial,2007. Atlas Ambiental do Município de São Paulo, 2000. Disponível em: http://atlasambiental.prefeitura.sp.gov.br/?id=11 BECHARA, G.C.. Apresentação Cetrel Lumina soluções ambientais, 2006. BROCANELI, Pérola Felipette. Ressurgimento das águas na paisagem paulistana: fator fundamental para a cidade sustentável. Tese (Doutorado em paisagem e Ambiente). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2007. CETESB. Drenagem Urbana – Manual de projeto. São Paulo: 1986. DAEE. Plano de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê - Calha do rio Tietê entre as barragens da Penha e Edgard de Souza: diagnóstico hidráulico-hidrológico. 27
  • 28. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 Disponível em : http://www.sigrh.sp.gov.br/sigrh/basecon/macrodrenagem/calhatiete/index.html. QUEIROZ NETO, J. P. de. Geomorfologia e Pedologia. Revista Brasileira de Geomorfologia, V.1, nº1, p.59-67. 2000. KAHTOUNI, Saide. Cidade das águas. Saide Kahtouni. São Carlos : Editora RiMa, 2004. MARTINS, Maria Lúcia Rafinetti. Moradia e Mananciais: tensão e diálogo na metrópole (impasses urbanísticos, jurídicos e sociais da moradia nas áreas de proteção a mananciais na RMSP). 2006. Disponível em : http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/martins_moradia-e-mananciais.pdf MATTES, Delmar. O espaço das águas: as várzeas de inundação na cidade de são Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, 2001. MILLER Jr., G. Tyler. Ciência Ambiental. Editora Thomson, 2008. FENDRICH, Roberto; OLIYNIK, Rogério. Manual de utilização de Águas Pluviais – 100 maneiras práticas. 1. Ed. Curitiba: Livraria do Chain Editora, 2002. RUANO, Miguel. Ecourbanismo, entornos humanos sostenibles: 60 proyectos. 2. Ed. Barcelona: Editora GG, 1999. São Paulo (Estado) – Secretaria do Meio Ambiente. A água no olhar da História. [texto, projeto e pesquisa Dora Shellard Corrêa, Zuleika M. F. Alvim]. São Paulo: A Secretaria, 1999. STUERMER, Monica Machado; BROCANELEI, Pérola Felipette; VIEIRA, Jefferson Hartmann. Lâmpadas de água – litros transformados em lux(z). 2008. Disponível em: http://www.fae.edu/seminario_sustentabilidade/inovacao/P%C3%A9rola%20Brocaneli,%20M onica%20Stueemer%20e%20Jeffeerson%20Vieira.pdf TÂNGARI, Vera Regina; SCHLEE, Mônica Bahia; ANDRADE, Rubens de; DIAS, Maria Ângela. Águas urbanas: uma contribuição para a regeneração ambiental como campo disciplinar integrado. 1 Ed. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, programa de pós-graduação em arquitetura, 2007. TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. 4 Ed. Revisada. São Paulo: Cosac Naify, 2007. VAZ, Luiz F. Reforma universitária (O Estado de São Paulo - Editorial - 29/5/2005) ZUCCOLO, Renato Mattos. Algo do Tietê hoje - leito, várzea e afluentuba. São Paulo: Nova Bandeira Produções editoriais, 2000. 28
  • 29. Universidade Presbiteriana Mackenzie Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMADS) e Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA). Enchentes no Estado do Rio de Janeiro - uma abordagem geral. Rio de Janeiro, SEMADS & SERLA, 2001 . Contato: tatai.andrade@hotmail.com e mstuermer@mackezie.br 29