SlideShare uma empresa Scribd logo
Gostaria que nos contasse, de forma breve, como surgiu
seu interesse pela língua e literatura russas, e quais
as circunstâncias pessoais, históricas e políticas que o
levaram a viver e estudar na então União Soviética.
Em 1963, eu morava em São Paulo e mili-
tava no PCB [Partido Comunista Brasileiro].
O Partido me propôs um curso de formação
política de seis meses na escola de formação
de quadros do PCUS [Partido Comunista da
União Soviética] em Moscou. Era a realiza-
ção de um sonho. Eu cursava desenho mecâ-
nico na Escola Semog e, no dia 16 de agosto
desse ano, houve a festa de colação de grau.
Recebi o diploma e, no dia 19, viajei para
Moscou. Uma vez em Moscou e em contato
com a língua russa, percebi que tinha faci-
lidade para entendê-la e daí veio a intenção
de estudá-la pra valer.
Meses depois, fomos surpreendidos pelo
golpe civil-militar de 1964 e, como ficamos
sem condições de retornar ao Brasil, o curso
que deveria durar seis meses foi estendido
para dois anos. Terminado esse período, in-
gressei no curso de tradução da Universida-
de Lomonóssov em 1965.
Em 1966, comecei a trabalhar na Rádio
Paz e Progresso, um segmento da Rádio
Moscou dedicado quase exclusivamente a
questões políticas. Aí fui tradutor, locutor,
autor, entrevistei Gregório Bezerra, Marco
Antônio Coelho e Luís Carlos Prestes. A
tradução de artigos jornalísticos, combina-
da com o estudo da língua e da literatura
russas, foi uma experiência essencial para
minha formação de tradutor. Outra ques-
tão fundamental foi o convívio exclusivo
com a língua russa falada no dia a dia. Tão
logo comecei a trabalhar na rádio, passei a
alugar quartos em casas de famílias russas,
mesmo tendo meu quarto no alojamento
da universidade. O convívio com os rus-
sos e com a língua em seu estado natural
foi determinante para a aquisição da ple-
na fluência na língua e a assimilação da
linguagem coloquial, quesitos de primeira
essência sem os quais nenhum tradutor
consegue dar conta da tradução das falas
das personagens literárias e da oralidade
da narrativa. Além disso, esse convívio foi
fundamental para conhecer melhor a reali-
dade soviética, escamoteada tanto nas des-
crições do Partidão quanto na propaganda
soviética. Por meio dos meus senhorios,
conheci outras famílias russas, e todas,
sem exceção, tinham parentes próximos
ou distantes que haviam sido vítimas do
stalinismo.
E como foi sua trajetória até chegar a traduzir
historiadores e filósofos russos? Qual foi sua primeira
obra traduzida diretamente do russo?
Na Lomonóssov, estudei língua russa, teoria
e prática da tradução técnico-científica e li-
terária, além de literatura russa e disciplinas
correlatas. Também assisti a aulas e pales-
tras, na Lomonóssov e no Instituto Gorki,
de importantes pensadores russos, como o
crítico e historiador da literatura russa Dmi-
tri Likhatchóv, a filósofa Polina Gaidenko,
o grande crítico e especialista em Tolstói e
Dostoiévski Borís Búrtsov (autor do extraor-
dinário livro A personalidade de Dostoiévski)
e de vários outros intelectuais importantes.
Em função disso, minha primeira tradução
do russo para o português foi um livro de
filosofia: Fundamentos lógicos da ciência, do
filósofo ucraniano Pável V. Kopnin, publica-
do no Brasil pela editora Civilização Brasi-
leira, em 1972.
Quando começou a traduzir Dostoiévski?
Em que circunstâncias?
Bem, comecei a traduzir Dostoiévski quan-
do já havia traduzido cerca de 40 obras para
o português, mais de 10 das quais obras de
ficção. O primeiro livro de Dostoiévski que
traduzi, Crime e castigo, foi também o pri-
meiro que li.
Quais os problemas, a seu ver, das traduções indiretas?
O tradutor de texto original é um mediador
entre o autor e o leitor de sua tradução, e
esta é uma interação entre duas línguas,
Entrevista Paulo Bezerra
Repetições de palavras, falas ásperas e até deselegantes podem parecer gafes de
interpretação aos leitores mais desavisados. Grave engano. Sobretudo quando se
trata das obras do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Para o tradutor e crítico literário
brasileiro Paulo Bezerra, suprimir palavras ou amaneirar o texto é sinal profundo de
desrespeito com o autor. “Estilizá-lo e torná-lo palatável às chamadas regras do bem
escrever significa trair uma peculiaridade essencial de seu estilo”, assegura.
Aos 76 anos e com mais de 50 obras traduzidas diretamente do russo para o
português, Bezerra acaba de concluir O adolescente, o último dos cinco grandes
romances da maturidade de Dostoiévski, publicado pela editora 34. Aposentado da
universidade, dedica-se agora integralmente à tradução. No momento, encara a Teoria
do romance, de Miklhail Bakhtin, que sairá em três volumes – o primeiro já
está impresso –, e uma nova tradução da Estética da criação verbal.
Ler Dostoiévski conduzido por esse exímio mediador é mergulhar no universo
narrativo do autor sem rodeios, sabendo que se respeitam com franca honestidade o
estilo literário e as peculiaridades das personagens.
Nesta entrevista ao SobreCultura, Bezerra conta um pouco da sua trajetória,
destaca a tradução como trabalho poético e fala da ética que deve nortear o tradutor
e dos reveses da profissão.
Entrevista concedida a Alicia Ivanissevich |sobreCultura | RJ |
fotoMARCIONUNES/Divulgação
O tradutor de texto
original é um mediador
entre o autor e o leitor
de sua tradução, e esta é
uma interação entre duas
línguas, dois sistemas
de códigos linguísticos,
duas culturas e – acho
que não exagero –, duas
subjetividades criadoras
dois sistemas de códigos linguísticos, duas
culturas e – acho que não exagero –, duas
subjetividades criadoras. Na tradução indi-
reta, a mediação se dá entre dois traduto-
res, o autor é deslocado para a condição de
fonte e o leitor só chega a ele pela media-
ção de um terceiro. Parafraseando Platão, o
tradutor de texto indireto é um imitador de
terceiro grau. Ao contrário da relação dual
entre original e tradução no processo dire-
to, na tradução indireta temos a interação
entre três línguas, três sistemas de códigos
linguísticos, três culturas. Só esse fato já dá
a ideia da diferença que pode haver entre o
original e sua tradução indireta e das perdas
que inevitavelmente acarreta a versão desse
original em uma terceira língua.
Estou falando de ficção, e é desta que
tomo exemplos. Dostoiévski é o maior ar-
tífice das crises do homem. Quando suas
personagens entram em crise, esta se mani-
festa imediatamente na linguagem.
Personagens como o epiléptico príncipe
Míchkin de O idiota falam não só conforme
seu nível de escolaridade, sua cultura, mas
igualmente segundo seu estado de saúde
mental, e é este que determina a qualidade
de sua fala, a qual pode embaralhar-se, ter
o ritmo alterado, a sintaxe sinuosa, descon-
tínua, desestruturada. O mesmo ocor­re com
a mulher do capitão Sneguirióv de Os ir-
mãos Karamázov, uma doente mental cuja
linguagem embaralhada, descontínua e
desestruturada traduz o tumulto e a deses­
truturação de sua mente. Encontramos o
exemplo mais radical dessa linguagem de-
sestruturada no senhor Golyádkin, doente
mental e personagem central de O duplo,
cujos ritmo e sinuosidade do discurso tra-
duzem o modo de funcionamento de seu
sistema nervoso desestruturado. Em uma
perfeita homologia entre o ser e o modo de
representá-lo, Dostoiévski nivela persona-
gens e linguagem, revestindo suas obras
de uma contundente e nada convencional
verossimilhança só possível em realistas
peculiares como ele. Pois bem, nas tradu-
ções tanto do francês quanto do inglês de-
saparecem as peculiaridades das falas das
personagens dostoievskianas, ou seja, es-
fumaçam-se as próprias personagens como
unidades caracterológicas, e temos um dis-
curso linear, claro e elegante, bem ao gosto
daquilo que o grande teórico da tradução
Henri Meschonnic chama de “mito fran-
cês da clareza”, coisa totalmente oposta a
Dostoiévski. Demais, em sua obra são fre-
quentes repetições da mesma palavra pelo
narrador e até mesmo por personagens, e
eu, por uma questão de respeito ético pela
palavra do outro, que considero inviolável,
mantenho todas as repetições porque fazem
parte de seu estilo.
Muito já se disse sobre o jeito rude e direto da escrita de
Dostoiévski. Em vez de embelezar autores clássicos,
como fizeram outros, o senhor buscou respeitar esse
estilo duro e, por vezes, dissonante, ao traduzi-lo
diretamente para o português. Gostaria que nos falasse
sobre essa escolha estilística.
Alguém já disse, acho que um teórico da li-
teratura, que o estilo é o homem. Como es-
pecialista em teoria da literatura e sobretudo
como tradutor, eu afirmo: o estilo, o ritmo
das falas e a forma de sua articulação são
o modus vivendi das personagens, sua iden-
tidade caracterológica, seu jeito de estar no
mundo, até a prova de sua sanidade ou insa-
nidade mental.
Dostoiévski apresenta suas personagens
em uma espécie de díade individual-social,
falando conforme sua pertença a um meio
social definido, segundo seu nível de esco-
laridade, sua individualidade. Ele não doura
a pílula de ninguém; uns são brandos, outros
duros, outros refinados, outros rudes, dota-
dos de uma linguagem tosca, como de alguém
que brotou da terra. Dostoiévski não estiliza,
por isso suas personagens falam como são em
vida: a dureza ou suavidade de suas falas diz
muito de suas reais personalidades.
Sua paixão por Dostoiévski o levou a conhecer
São Petersburgo com Crime e castigo em mãos.
Como foi essa experiência? Como lhe pareceu a cidade
que conhecia até então apenas pela literatura?
De fato, minha penúltima visita a Leningra-
do (hoje São Petersburgo, onde estive pela
última vez em 2013) se deu sob o efeito
da leitura de Crime e castigo, O duplo e O
adolescente, todos ambientados nessa cida-
de. Percorri as principais ruas que serviram
como espaço da ação: Praça Siennáya e ad-
jacências, espaço de parte da ação de Crime
e castigo, Rua Gorókhovaya, citada nas três
obras, assim como o Konogvardêiskii Bul-
var, por onde passaram todos esses heróis
dostoievskianos. Foi uma emoção indescri­
tível: era como se eu estivesse acompanhan-
do as personagens ou sendo acompanhado
por elas.
Que tipo de ética deve reger a obra do tradutor? E o que
não pode faltar em uma boa tradução?
O primeiro compromisso do tradutor é o
comprometimento ético com a palavra do
outro, que é inviolável em quaisquer que
sejam as circunstâncias. Por essa razão,
procuro traduzir o discurso do autor tal
qual ele é. O tradutor que suprime palavras
de uma obra ou amaneira o estilo do autor
comete a presunção de se achar superior
a ele a ponto de poder “corrigi-lo”. Dosto­
iévski é rude, áspero, deselegante quando
a forma o requer; logo, estilizá-lo e torná-lo
palatável às chamadas regras do bem escre-
ver significa trair uma peculiaridade essen-
cial de seu estilo.
Como o senhor vê hoje a profissão de tradutor? É mais
valorizada do que quando começou, ou não? O que pode
ser feito nesse sentido?
Durante muitos anos a tradução no Brasil
foi considerada ‘bico’. Mas as coisas vêm
mudando, sobretudo, depois da lei de 1999,
promulgada pelo então presidente Fernan-
do Henrique Cardoso, que dá ao tradutor
de obras de domínio público os mesmos di-
reitos autorais que antes pertenciam ao au-
tor. Isso vem estimulando o surgimento de
novos tradutores bem qualificados e o sur-
gimento de traduções de grande qualidade,
especialmente de clássicos.
Se temos editores que respeitam e valori-
zam os tradutores, também temos uma gran-
de legião de picaretas do livro, que apenas
exploram tradutores e não se preocupam
com a qualidade da tradução. Mas já temos
cursos de tradução em níveis de graduação
e pós-graduação em diversas universidades,
o que contribui para valorizar a tradução
como atividade criadora. Apesar disso, ain-
da há muito por fazer.
O senhor conseguiu conciliar suas atividades de docente
em três universidades (Uerj, USP e UFF) com as de
tradutor por muitos anos. Agora, que está aposentado
das aulas e pode se dedicar mais intensamente à
tradução, acaba de concluir O adolescente, o último dos
cinco grandes romances da maturidade de Dostoiévski
publicado pela editora 34. Com mais de 40 obras
traduzidas em seu currículo, há algo que ainda gostaria
de fazer?
Na realidade, são mais de 50 obras tradu-
zidas. Neste momento, estou traduzindo a
Teoria do romance, de Miklhail Bakhtin,
que sairá em três livros (já saiu Teoria do
romance I. A estilística), e retraduzindo a
Estética da criação verbal, que sairá em
quatro livros, todos pela Editora 34, de São
Paulo. Talvez ainda traduza Recordações da
casa dos mortos, de Dostoiévski, natural-
mente com outro título.
A tradução como trabalho poético
O primeiro compromisso
do tradutor é o
comprometimento ético
com a palavra do outro,
que é inviolável em
quaisquer que sejam as
circunstâncias

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Literatura
LiteraturaLiteratura
Ofício de Poeta - Gênero Poesia
Ofício de Poeta - Gênero PoesiaOfício de Poeta - Gênero Poesia
Ofício de Poeta - Gênero Poesia
raikabarreto
 
10460 teoria literaria
10460 teoria literaria10460 teoria literaria
10460 teoria literaria
Leandro Vieira
 
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
RODRIGOVIEIRA249
 
O Estilo em Caneta Feliz
O Estilo em Caneta FelizO Estilo em Caneta Feliz
O Estilo em Caneta Feliz
Isabel DA COSTA
 
Teoria literária 2013
Teoria literária 2013Teoria literária 2013
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leah
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leahEstilistica fônica presente nas composições de sandy leah
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leahFernando Gonçalves Vieira
 
Introdução ao estudo da literatura
Introdução ao estudo da literaturaIntrodução ao estudo da literatura
Introdução ao estudo da literatura
Flavio Maia Custodio
 
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literaturaEnsino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
newtonbonfim
 
Exercícios sobre metalinguagem
Exercícios sobre metalinguagemExercícios sobre metalinguagem
Exercícios sobre metalinguagemma.no.el.ne.ves
 
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108luisprista
 
Olimpiada de lingua_portuguesa
Olimpiada de lingua_portuguesaOlimpiada de lingua_portuguesa
Olimpiada de lingua_portuguesaangelacolinas
 
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12Péricles Penuel
 
Intertextualidade é metalinguagem
Intertextualidade é metalinguagemIntertextualidade é metalinguagem
Intertextualidade é metalinguagemEdilson A. Souza
 

Mais procurados (16)

Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Ofício de Poeta - Gênero Poesia
Ofício de Poeta - Gênero PoesiaOfício de Poeta - Gênero Poesia
Ofício de Poeta - Gênero Poesia
 
10460 teoria literaria
10460 teoria literaria10460 teoria literaria
10460 teoria literaria
 
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
O ESTUDO DAS OBRAS DE LITERATURA NA DINÂMICA DA LEITURA LITERÁRIA PREDOMINANT...
 
O Estilo em Caneta Feliz
O Estilo em Caneta FelizO Estilo em Caneta Feliz
O Estilo em Caneta Feliz
 
Teoria literária 2013
Teoria literária 2013Teoria literária 2013
Teoria literária 2013
 
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leah
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leahEstilistica fônica presente nas composições de sandy leah
Estilistica fônica presente nas composições de sandy leah
 
Introdução ao estudo da literatura
Introdução ao estudo da literaturaIntrodução ao estudo da literatura
Introdução ao estudo da literatura
 
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literaturaEnsino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
Ensino medio livre_edicao_2012_unidade_01_literatura
 
Exercícios sobre metalinguagem
Exercícios sobre metalinguagemExercícios sobre metalinguagem
Exercícios sobre metalinguagem
 
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108
Apresentação para décimo ano de 2014 5, aula 107-108
 
Olimpiada de lingua_portuguesa
Olimpiada de lingua_portuguesaOlimpiada de lingua_portuguesa
Olimpiada de lingua_portuguesa
 
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12
Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12
 
Metalinguagem e intertextualidade
Metalinguagem e intertextualidadeMetalinguagem e intertextualidade
Metalinguagem e intertextualidade
 
Intertextualidade é metalinguagem
Intertextualidade é metalinguagemIntertextualidade é metalinguagem
Intertextualidade é metalinguagem
 
Trabalho
TrabalhoTrabalho
Trabalho
 

Destaque

Estacion No. 2
Estacion No. 2Estacion No. 2
Estacion No. 2
PAPAVECO
 
A caminho jun jul 2012 4
A caminho jun jul 2012 4A caminho jun jul 2012 4
A caminho jun jul 2012 4gerardofreitas
 
Chung chi giam sat
Chung chi giam satChung chi giam sat
Chung chi giam satCu Viet Hung
 
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIALLA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
MENGUECHE2015
 
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016PORTFOLIO-ALMANZIL 2016
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016Al Manzil
 
tipos de graficos
tipos de graficos tipos de graficos
tipos de graficos
LuisQuinillo
 
Historia de la humanidad
Historia de la humanidadHistoria de la humanidad
Historia de la humanidad
Guada Weht
 
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...Vitor Falleiros
 
Oniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
Oniris a dádiva dos deuses de Rita VilelaOniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
Oniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
Rita Vilela
 
La Historia de la Humanidad
La Historia de la HumanidadLa Historia de la Humanidad
La Historia de la Humanidad
3512156485
 
用最時尚的方式學經濟學
用最時尚的方式學經濟學用最時尚的方式學經濟學
用最時尚的方式學經濟學
琛為 黃
 
JOB Discription
JOB DiscriptionJOB Discription
JOB DiscriptionRitu Ahuja
 
外匯懶人包 初級篇
外匯懶人包  初級篇外匯懶人包  初級篇
外匯懶人包 初級篇
琛為 黃
 

Destaque (17)

Estacion No. 2
Estacion No. 2Estacion No. 2
Estacion No. 2
 
A caminho jun jul 2012 4
A caminho jun jul 2012 4A caminho jun jul 2012 4
A caminho jun jul 2012 4
 
Homem e mulher no shoping
Homem e mulher no shopingHomem e mulher no shoping
Homem e mulher no shoping
 
Curso de líder de yoga do riso
Curso de líder de yoga do risoCurso de líder de yoga do riso
Curso de líder de yoga do riso
 
Chung chi giam sat
Chung chi giam satChung chi giam sat
Chung chi giam sat
 
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIALLA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
LA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
 
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016PORTFOLIO-ALMANZIL 2016
PORTFOLIO-ALMANZIL 2016
 
tipos de graficos
tipos de graficos tipos de graficos
tipos de graficos
 
Historia de la humanidad
Historia de la humanidadHistoria de la humanidad
Historia de la humanidad
 
FARO HEALTH
FARO HEALTHFARO HEALTH
FARO HEALTH
 
Shivadance
ShivadanceShivadance
Shivadance
 
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...
FALLEIROS, V - Transferencia de tecnologia do meio academico para o setor pro...
 
Oniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
Oniris a dádiva dos deuses de Rita VilelaOniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
Oniris a dádiva dos deuses de Rita Vilela
 
La Historia de la Humanidad
La Historia de la HumanidadLa Historia de la Humanidad
La Historia de la Humanidad
 
用最時尚的方式學經濟學
用最時尚的方式學經濟學用最時尚的方式學經濟學
用最時尚的方式學經濟學
 
JOB Discription
JOB DiscriptionJOB Discription
JOB Discription
 
外匯懶人包 初級篇
外匯懶人包  初級篇外匯懶人包  初級篇
外匯懶人包 初級篇
 

Semelhante a SobreCultura_CH335_entrevista

01 o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
01   o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura01   o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
01 o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
jasonrplima
 
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdfAlguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
Carolina de Castro Cervi
 
O que é literatura
O que é literaturaO que é literatura
O que é literatura
Evilane Alves
 
Sandro ornellas
Sandro ornellasSandro ornellas
Sandro ornellasliterafro
 
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
Pedro Lima
 
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTELiteratura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
CarolineFrancielle
 
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptxteoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
MarluceBrum1
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontostuff5678
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontostuff5678
 
MÓDULO 1 conhecendo a literatura pronto
MÓDULO  1 conhecendo a literatura prontoMÓDULO  1 conhecendo a literatura pronto
MÓDULO 1 conhecendo a literatura prontoPriscila Santana
 
TRABALHO: Literatura
TRABALHO: LiteraturaTRABALHO: Literatura
TRABALHO: Literatura
LGonc
 
Livro resenha maria lucia c v o andrade
Livro  resenha  maria lucia c v o andradeLivro  resenha  maria lucia c v o andrade
Livro resenha maria lucia c v o andradeVanessa Santana
 
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdfPara Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
ssuser2b5576
 
Rachel - O QUINZE.pptx
Rachel - O QUINZE.pptxRachel - O QUINZE.pptx
Rachel - O QUINZE.pptx
ThuanePereiraDosSant
 
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fasejacsonufcmestrado
 
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26   modernismo no brasil - 3ª faseAula 26   modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
Jonatas Carlos
 
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptxLITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
Andréia Cristina
 
O caso qorpo santo - escrita e loucura
O caso qorpo santo -  escrita e loucuraO caso qorpo santo -  escrita e loucura
O caso qorpo santo - escrita e loucuraGladis Maia
 

Semelhante a SobreCultura_CH335_entrevista (20)

01 o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
01   o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura01   o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
01 o que é literatura - 1o ano - 2014 - literatura
 
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdfAlguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
Alguma Poesia - Carlos Drummond de Andrade material do professor.pdf
 
O que é literatura
O que é literaturaO que é literatura
O que é literatura
 
Sexto --generos-textuais
Sexto --generos-textuaisSexto --generos-textuais
Sexto --generos-textuais
 
Sandro ornellas
Sandro ornellasSandro ornellas
Sandro ornellas
 
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
Monografia: A constituição do espaço em "Vastas emoções e pensamentos imperfe...
 
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTELiteratura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
Literatura é arte/O QUE É LITERATURA E ARTE
 
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptxteoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
teoriadaliteratura-100703164724-phpapp01.pptx
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
 
MÓDULO 1 conhecendo a literatura pronto
MÓDULO  1 conhecendo a literatura prontoMÓDULO  1 conhecendo a literatura pronto
MÓDULO 1 conhecendo a literatura pronto
 
Uma ausência sentida
Uma ausência sentidaUma ausência sentida
Uma ausência sentida
 
TRABALHO: Literatura
TRABALHO: LiteraturaTRABALHO: Literatura
TRABALHO: Literatura
 
Livro resenha maria lucia c v o andrade
Livro  resenha  maria lucia c v o andradeLivro  resenha  maria lucia c v o andrade
Livro resenha maria lucia c v o andrade
 
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdfPara Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
Para Ler Como um Escritor - Francine Prose.pdf
 
Rachel - O QUINZE.pptx
Rachel - O QUINZE.pptxRachel - O QUINZE.pptx
Rachel - O QUINZE.pptx
 
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
3373897 literatura-aula-26-modernismo-no-brasil-3-fase
 
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26   modernismo no brasil - 3ª faseAula 26   modernismo no brasil - 3ª fase
Aula 26 modernismo no brasil - 3ª fase
 
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptxLITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
LITERATURA- A ARTE DA PALAVRA 1 ANOS.pptx
 
O caso qorpo santo - escrita e loucura
O caso qorpo santo -  escrita e loucuraO caso qorpo santo -  escrita e loucura
O caso qorpo santo - escrita e loucura
 

Mais de Alicia Ivanissevich (20)

PWJan17news-p12
PWJan17news-p12PWJan17news-p12
PWJan17news-p12
 
P58-59_CH343_Pelo Brasi
P58-59_CH343_Pelo BrasiP58-59_CH343_Pelo Brasi
P58-59_CH343_Pelo Brasi
 
P8-11_CH343_Entrevista
P8-11_CH343_EntrevistaP8-11_CH343_Entrevista
P8-11_CH343_Entrevista
 
P46-47_CH342_Pelo Brasil
P46-47_CH342_Pelo BrasilP46-47_CH342_Pelo Brasil
P46-47_CH342_Pelo Brasil
 
P8-10_CH342_Entrevista
P8-10_CH342_EntrevistaP8-10_CH342_Entrevista
P8-10_CH342_Entrevista
 
P44-45_CH341_Pelo Brasil
P44-45_CH341_Pelo BrasilP44-45_CH341_Pelo Brasil
P44-45_CH341_Pelo Brasil
 
CH340_P8-11_Entrevista
CH340_P8-11_EntrevistaCH340_P8-11_Entrevista
CH340_P8-11_Entrevista
 
CH340_P48-49_Pelo Brasil
CH340_P48-49_Pelo BrasilCH340_P48-49_Pelo Brasil
CH340_P48-49_Pelo Brasil
 
Perfil_CH260
Perfil_CH260Perfil_CH260
Perfil_CH260
 
Perfil_CH264
Perfil_CH264Perfil_CH264
Perfil_CH264
 
Entrevista_CH308
Entrevista_CH308Entrevista_CH308
Entrevista_CH308
 
Perfil_CH301
Perfil_CH301Perfil_CH301
Perfil_CH301
 
P 56-57_CH339_peloBrasil
P 56-57_CH339_peloBrasilP 56-57_CH339_peloBrasil
P 56-57_CH339_peloBrasil
 
Ciência para todos
Ciência para todosCiência para todos
Ciência para todos
 
Muito além do futebol
Muito além do futebolMuito além do futebol
Muito além do futebol
 
Por uma 'ciência Mercosul'
Por uma 'ciência Mercosul'Por uma 'ciência Mercosul'
Por uma 'ciência Mercosul'
 
criatividade kiwi
criatividade kiwicriatividade kiwi
criatividade kiwi
 
Entrevista_CH253
Entrevista_CH253Entrevista_CH253
Entrevista_CH253
 
Entrevista_CH306
Entrevista_CH306Entrevista_CH306
Entrevista_CH306
 
CH334_P8-10_Entrevista
CH334_P8-10_EntrevistaCH334_P8-10_Entrevista
CH334_P8-10_Entrevista
 

SobreCultura_CH335_entrevista

  • 1. Gostaria que nos contasse, de forma breve, como surgiu seu interesse pela língua e literatura russas, e quais as circunstâncias pessoais, históricas e políticas que o levaram a viver e estudar na então União Soviética. Em 1963, eu morava em São Paulo e mili- tava no PCB [Partido Comunista Brasileiro]. O Partido me propôs um curso de formação política de seis meses na escola de formação de quadros do PCUS [Partido Comunista da União Soviética] em Moscou. Era a realiza- ção de um sonho. Eu cursava desenho mecâ- nico na Escola Semog e, no dia 16 de agosto desse ano, houve a festa de colação de grau. Recebi o diploma e, no dia 19, viajei para Moscou. Uma vez em Moscou e em contato com a língua russa, percebi que tinha faci- lidade para entendê-la e daí veio a intenção de estudá-la pra valer. Meses depois, fomos surpreendidos pelo golpe civil-militar de 1964 e, como ficamos sem condições de retornar ao Brasil, o curso que deveria durar seis meses foi estendido para dois anos. Terminado esse período, in- gressei no curso de tradução da Universida- de Lomonóssov em 1965. Em 1966, comecei a trabalhar na Rádio Paz e Progresso, um segmento da Rádio Moscou dedicado quase exclusivamente a questões políticas. Aí fui tradutor, locutor, autor, entrevistei Gregório Bezerra, Marco Antônio Coelho e Luís Carlos Prestes. A tradução de artigos jornalísticos, combina- da com o estudo da língua e da literatura russas, foi uma experiência essencial para minha formação de tradutor. Outra ques- tão fundamental foi o convívio exclusivo com a língua russa falada no dia a dia. Tão logo comecei a trabalhar na rádio, passei a alugar quartos em casas de famílias russas, mesmo tendo meu quarto no alojamento da universidade. O convívio com os rus- sos e com a língua em seu estado natural foi determinante para a aquisição da ple- na fluência na língua e a assimilação da linguagem coloquial, quesitos de primeira essência sem os quais nenhum tradutor consegue dar conta da tradução das falas das personagens literárias e da oralidade da narrativa. Além disso, esse convívio foi fundamental para conhecer melhor a reali- dade soviética, escamoteada tanto nas des- crições do Partidão quanto na propaganda soviética. Por meio dos meus senhorios, conheci outras famílias russas, e todas, sem exceção, tinham parentes próximos ou distantes que haviam sido vítimas do stalinismo. E como foi sua trajetória até chegar a traduzir historiadores e filósofos russos? Qual foi sua primeira obra traduzida diretamente do russo? Na Lomonóssov, estudei língua russa, teoria e prática da tradução técnico-científica e li- terária, além de literatura russa e disciplinas correlatas. Também assisti a aulas e pales- tras, na Lomonóssov e no Instituto Gorki, de importantes pensadores russos, como o crítico e historiador da literatura russa Dmi- tri Likhatchóv, a filósofa Polina Gaidenko, o grande crítico e especialista em Tolstói e Dostoiévski Borís Búrtsov (autor do extraor- dinário livro A personalidade de Dostoiévski) e de vários outros intelectuais importantes. Em função disso, minha primeira tradução do russo para o português foi um livro de filosofia: Fundamentos lógicos da ciência, do filósofo ucraniano Pável V. Kopnin, publica- do no Brasil pela editora Civilização Brasi- leira, em 1972. Quando começou a traduzir Dostoiévski? Em que circunstâncias? Bem, comecei a traduzir Dostoiévski quan- do já havia traduzido cerca de 40 obras para o português, mais de 10 das quais obras de ficção. O primeiro livro de Dostoiévski que traduzi, Crime e castigo, foi também o pri- meiro que li. Quais os problemas, a seu ver, das traduções indiretas? O tradutor de texto original é um mediador entre o autor e o leitor de sua tradução, e esta é uma interação entre duas línguas, Entrevista Paulo Bezerra Repetições de palavras, falas ásperas e até deselegantes podem parecer gafes de interpretação aos leitores mais desavisados. Grave engano. Sobretudo quando se trata das obras do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Para o tradutor e crítico literário brasileiro Paulo Bezerra, suprimir palavras ou amaneirar o texto é sinal profundo de desrespeito com o autor. “Estilizá-lo e torná-lo palatável às chamadas regras do bem escrever significa trair uma peculiaridade essencial de seu estilo”, assegura. Aos 76 anos e com mais de 50 obras traduzidas diretamente do russo para o português, Bezerra acaba de concluir O adolescente, o último dos cinco grandes romances da maturidade de Dostoiévski, publicado pela editora 34. Aposentado da universidade, dedica-se agora integralmente à tradução. No momento, encara a Teoria do romance, de Miklhail Bakhtin, que sairá em três volumes – o primeiro já está impresso –, e uma nova tradução da Estética da criação verbal. Ler Dostoiévski conduzido por esse exímio mediador é mergulhar no universo narrativo do autor sem rodeios, sabendo que se respeitam com franca honestidade o estilo literário e as peculiaridades das personagens. Nesta entrevista ao SobreCultura, Bezerra conta um pouco da sua trajetória, destaca a tradução como trabalho poético e fala da ética que deve nortear o tradutor e dos reveses da profissão. Entrevista concedida a Alicia Ivanissevich |sobreCultura | RJ | fotoMARCIONUNES/Divulgação O tradutor de texto original é um mediador entre o autor e o leitor de sua tradução, e esta é uma interação entre duas línguas, dois sistemas de códigos linguísticos, duas culturas e – acho que não exagero –, duas subjetividades criadoras
  • 2. dois sistemas de códigos linguísticos, duas culturas e – acho que não exagero –, duas subjetividades criadoras. Na tradução indi- reta, a mediação se dá entre dois traduto- res, o autor é deslocado para a condição de fonte e o leitor só chega a ele pela media- ção de um terceiro. Parafraseando Platão, o tradutor de texto indireto é um imitador de terceiro grau. Ao contrário da relação dual entre original e tradução no processo dire- to, na tradução indireta temos a interação entre três línguas, três sistemas de códigos linguísticos, três culturas. Só esse fato já dá a ideia da diferença que pode haver entre o original e sua tradução indireta e das perdas que inevitavelmente acarreta a versão desse original em uma terceira língua. Estou falando de ficção, e é desta que tomo exemplos. Dostoiévski é o maior ar- tífice das crises do homem. Quando suas personagens entram em crise, esta se mani- festa imediatamente na linguagem. Personagens como o epiléptico príncipe Míchkin de O idiota falam não só conforme seu nível de escolaridade, sua cultura, mas igualmente segundo seu estado de saúde mental, e é este que determina a qualidade de sua fala, a qual pode embaralhar-se, ter o ritmo alterado, a sintaxe sinuosa, descon- tínua, desestruturada. O mesmo ocor­re com a mulher do capitão Sneguirióv de Os ir- mãos Karamázov, uma doente mental cuja linguagem embaralhada, descontínua e desestruturada traduz o tumulto e a deses­ truturação de sua mente. Encontramos o exemplo mais radical dessa linguagem de- sestruturada no senhor Golyádkin, doente mental e personagem central de O duplo, cujos ritmo e sinuosidade do discurso tra- duzem o modo de funcionamento de seu sistema nervoso desestruturado. Em uma perfeita homologia entre o ser e o modo de representá-lo, Dostoiévski nivela persona- gens e linguagem, revestindo suas obras de uma contundente e nada convencional verossimilhança só possível em realistas peculiares como ele. Pois bem, nas tradu- ções tanto do francês quanto do inglês de- saparecem as peculiaridades das falas das personagens dostoievskianas, ou seja, es- fumaçam-se as próprias personagens como unidades caracterológicas, e temos um dis- curso linear, claro e elegante, bem ao gosto daquilo que o grande teórico da tradução Henri Meschonnic chama de “mito fran- cês da clareza”, coisa totalmente oposta a Dostoiévski. Demais, em sua obra são fre- quentes repetições da mesma palavra pelo narrador e até mesmo por personagens, e eu, por uma questão de respeito ético pela palavra do outro, que considero inviolável, mantenho todas as repetições porque fazem parte de seu estilo. Muito já se disse sobre o jeito rude e direto da escrita de Dostoiévski. Em vez de embelezar autores clássicos, como fizeram outros, o senhor buscou respeitar esse estilo duro e, por vezes, dissonante, ao traduzi-lo diretamente para o português. Gostaria que nos falasse sobre essa escolha estilística. Alguém já disse, acho que um teórico da li- teratura, que o estilo é o homem. Como es- pecialista em teoria da literatura e sobretudo como tradutor, eu afirmo: o estilo, o ritmo das falas e a forma de sua articulação são o modus vivendi das personagens, sua iden- tidade caracterológica, seu jeito de estar no mundo, até a prova de sua sanidade ou insa- nidade mental. Dostoiévski apresenta suas personagens em uma espécie de díade individual-social, falando conforme sua pertença a um meio social definido, segundo seu nível de esco- laridade, sua individualidade. Ele não doura a pílula de ninguém; uns são brandos, outros duros, outros refinados, outros rudes, dota- dos de uma linguagem tosca, como de alguém que brotou da terra. Dostoiévski não estiliza, por isso suas personagens falam como são em vida: a dureza ou suavidade de suas falas diz muito de suas reais personalidades. Sua paixão por Dostoiévski o levou a conhecer São Petersburgo com Crime e castigo em mãos. Como foi essa experiência? Como lhe pareceu a cidade que conhecia até então apenas pela literatura? De fato, minha penúltima visita a Leningra- do (hoje São Petersburgo, onde estive pela última vez em 2013) se deu sob o efeito da leitura de Crime e castigo, O duplo e O adolescente, todos ambientados nessa cida- de. Percorri as principais ruas que serviram como espaço da ação: Praça Siennáya e ad- jacências, espaço de parte da ação de Crime e castigo, Rua Gorókhovaya, citada nas três obras, assim como o Konogvardêiskii Bul- var, por onde passaram todos esses heróis dostoievskianos. Foi uma emoção indescri­ tível: era como se eu estivesse acompanhan- do as personagens ou sendo acompanhado por elas. Que tipo de ética deve reger a obra do tradutor? E o que não pode faltar em uma boa tradução? O primeiro compromisso do tradutor é o comprometimento ético com a palavra do outro, que é inviolável em quaisquer que sejam as circunstâncias. Por essa razão, procuro traduzir o discurso do autor tal qual ele é. O tradutor que suprime palavras de uma obra ou amaneira o estilo do autor comete a presunção de se achar superior a ele a ponto de poder “corrigi-lo”. Dosto­ iévski é rude, áspero, deselegante quando a forma o requer; logo, estilizá-lo e torná-lo palatável às chamadas regras do bem escre- ver significa trair uma peculiaridade essen- cial de seu estilo. Como o senhor vê hoje a profissão de tradutor? É mais valorizada do que quando começou, ou não? O que pode ser feito nesse sentido? Durante muitos anos a tradução no Brasil foi considerada ‘bico’. Mas as coisas vêm mudando, sobretudo, depois da lei de 1999, promulgada pelo então presidente Fernan- do Henrique Cardoso, que dá ao tradutor de obras de domínio público os mesmos di- reitos autorais que antes pertenciam ao au- tor. Isso vem estimulando o surgimento de novos tradutores bem qualificados e o sur- gimento de traduções de grande qualidade, especialmente de clássicos. Se temos editores que respeitam e valori- zam os tradutores, também temos uma gran- de legião de picaretas do livro, que apenas exploram tradutores e não se preocupam com a qualidade da tradução. Mas já temos cursos de tradução em níveis de graduação e pós-graduação em diversas universidades, o que contribui para valorizar a tradução como atividade criadora. Apesar disso, ain- da há muito por fazer. O senhor conseguiu conciliar suas atividades de docente em três universidades (Uerj, USP e UFF) com as de tradutor por muitos anos. Agora, que está aposentado das aulas e pode se dedicar mais intensamente à tradução, acaba de concluir O adolescente, o último dos cinco grandes romances da maturidade de Dostoiévski publicado pela editora 34. Com mais de 40 obras traduzidas em seu currículo, há algo que ainda gostaria de fazer? Na realidade, são mais de 50 obras tradu- zidas. Neste momento, estou traduzindo a Teoria do romance, de Miklhail Bakhtin, que sairá em três livros (já saiu Teoria do romance I. A estilística), e retraduzindo a Estética da criação verbal, que sairá em quatro livros, todos pela Editora 34, de São Paulo. Talvez ainda traduza Recordações da casa dos mortos, de Dostoiévski, natural- mente com outro título. A tradução como trabalho poético O primeiro compromisso do tradutor é o comprometimento ético com a palavra do outro, que é inviolável em quaisquer que sejam as circunstâncias