Este artigo apresenta uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes ao ensino de Filosofia no Ensino Médio. Os autores destacam os principais valores, instrumentos e metas apontados nesta legislação, como a formação do cidadão, o desenvolvimento do pensamento crítico e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos. Além disso, oferecem considerações sobre como aplicar estes parâmetros na prática do ensino de Filosofia em sala de aula.
2. GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rosinha Garotinho
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
Claudio Mendonça
SUBSECRETARIA ADJUNTA DE
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO
Alba Rodrigues Cruz
3. GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
SUBSECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJAMENTO
PEDAGÓGICO
EQUIPE TÉCNICA
Celia Maria Penedo
Esther Santos Ferreira Monteiro
Flávia Monteiro de Barros
Hilton Miguel de Castro Júnior
Maria da Glória R. V. Della Fávera
Roseni Silvado Cardoso
Tânia Jacinta Barbosa
Rio de Janeiro 2006
4. REORIENTAÇÃO CURRICULAR - EQUIPE UFRJ
Direção Geral
Profª. Ângela Rocha
Doutora em Matemática – Instituto de Matemática da UFRJ
Coordenação Geral
Profª. Maria Cristina Rigoni Costa
Doutora em Língua Portuguesa – Faculdade de Letras da UFRJ
Coordenação de Ciências Humanas
Profª. Gracilda Alves
Doutora em História – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Professor Orientador
Prof. Fernando Santoro
Doutor em Filosofia - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (fsantoro@ifcs.ufrj.br)
Professores Autores
Ana Cláudia de Freitas Bucker C.E. Teotônio Brandão Vilela
Ana Regina Prazeres Lemos C.E. Prefeiro Mendes de Moraes (anarprazeres@bol.com.br)
Ângela de Assis Melo C.E. Prof. Alcina Rodrigues Lima
Angélica Domingues dos Santos Figueira CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Daniel Vieira Inácio CIEP-175 José Lins do Rego (danvinacio@yahoo.com.br)
Devanir Rodrigues de Campos C.E. Visconde de Itaboraí (devanir-campos@ig.com.br)
Dora Maria Couto Marques Cardozo I.E. Rangel Pestana
Idali da Rocha Silva CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Iza Maria dos Santos C.E. Nilo Peçanha
5. José Augusto da Silva Santos Júnior E.E. Prof. Hennry de Mendonça Gama (augustojunior7@gmail.com)
José Manoel Tiago Bessa da Costa C.E. Conselheiro Macedo Soares
Jussara Azevedo da Silva C.E. Teotônio Brandão Vilela (jmtbc@oi.com.br)
Maria Tereza Marcelino C.E. José Fonseca (mtmarcelino@yahoo.com.br)
Patrícia Pereira Consendey CIEP-274 Lenine Cortes Falante (patcosendey@click21.com.br)
Rachel Audízio Miranda Mota CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Sérgio Lúcio Garcia Ramos E.E.E.S. Jornalista Orlando Dantas (sergioramos@casadamoeda.com.br)
6. Prezados (as) Professores (as)
Visando promover a melhoria da qualidade do ensino, a Secretaria de Estado de Educação do
Rio de Janeiro realizou, ao longo de 2005, em parceria com a UFRJ, curso para os professores
docentes de diferentes disciplinas onde foram apropriados os conceitos e diretrizes propostos
na Reorientação Curricular. A partir de subsídios teóricos, os professores produziram materiais
de práticas pedagógicas para, utilização em sala de aula que integram este fascículo.
O produto elaborado pelos próprios professores da Rede consiste em materiais orientadores
para que cada disciplina possa trabalhar a nova proposta curricular, no dia a dia da sala de aula.
Pode ser considerado um roteiro com sugestões para que os professores regentes, de todas
as escolas, possam trabalhar a sua disciplina com os diferentes recursos disponibilizados na
escola. O material produzido representa a consolidação da proposta de Reorientação Curricular,
amadurecida durante dois anos (2004-2005), na perspectiva da relação teoria-prática.
Cabe ressaltar que a Reorientação Curricular é uma proposta que ganha contornos diferentes
face à contextualização de cada escola. Assim apresentamos, nestes volumes, sugestões que
serão redimensionadas de acordo com os valores e práticas de cada docente.
Esta ação objetiva propiciar a implementação de um currículo que, em sintonia com as novas
demandas sociais, busque o enfrentamento da complexidade que caracteriza este novo século.
Nesta perspectiva, é necessário envolver toda escola no importante trabalho de construção
de práticas pedagógicas voltadas para a formação de alunos cidadãos, compromissados com a
ordem democrática.
Certos de que cada um imprimirá a sua marca pessoal, esperamos estar contribuindo para
que os docentes busquem novos horizontes e consolidem novos saberes e expressamos os
agradecimentos da SEE/RJ aos professores da rede pública estadual de ensino do Rio de
Janeiro e a todo corpo docente da UFRJ envolvidos neste projeto.
Claudio Mendonça
Secretário de Estado de Educação
7. SUMÁRIO
13 Apresentação das reflexões e sugestões didáticas para o curso de
Filosofia no Ensino Médio
Fernando Santoro
15 Reflexões iniciais: Interpretando para a sala de aula os Parâmetros
Curriculares Nacionais referentes à Filosofia
José Manoel Tiago Bessa da Costa & Ana Regina Prazeres Lemos
21 Transversalidade no ensino de Filosofia
Sérgio Lúcio Garcia Ramos
30 A formação do cidadão e a Filosofia
Daniel Vieira Inácio
40 Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa
José Augusto da Silva Santos Junior
46 As religiões e o ensino da Filosofia
Ana Cláudia de Freitas Bucker, Angélica Domingues dos Santos Figueira, Idali da Rocha e Silva, Jussara
Azevedo da Silva, Rachel Audízio Miranda Mota & Devanir Rodrigues de Campos
50 O corpo no ensino da Filosofia?
Dora Maria Couto Marques Cardozo
55 Páginas de Filosofia na Internet
Maria Tereza Marcelino,Ângela de Assis Melo, Iza Maria dos Santos & Patrícia Pereira Cosendey
57 A Filosofia no Ensino Médio e a prova de Filosofia no vestibular
Fernando Santoro
8. Filosofia
APRESENTAÇÃO DAS REFLEXÕES E SUGESTÕES DIDÁTICAS PARA
O CURSO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO
De setembro a dezembro de 2005, reunimo-nos, cerca de trinta professores regentes de
Filosofia das escolas estaduais do Estado do Rio de Janeiro e um professor do Departamento
de Filosofia da UFRJ, para avaliar, refletir e discutir o ensino da Filosofia no Ensino Médio, e
para sugerir práticas didáticas para o mesmo.
Em continuidade à primeira etapa do Programa Sucesso Escolar, foi avaliado o documento
preliminar produzido para Reorientação Curricular. Esta avaliação teve como balizas, primeiro, as
diversas experiências docentes reunidas neste grupo, bastante heterogêneo e representativo das
diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro. Nossa realidade vigente comporta vários níveis
de diferenças: regiões mais ou menos servidas culturalmente, alunos com maiores ou menores
níveis de carência material, professores com formação filosófica menos ou mais amadurecida.
Também foi largamente usado como horizonte de avaliação da orientação curricular do ensino
de Filosofia o documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN-EM).
Assim, confrontamos dois documentos orientadores e propositivos de objetivos educacionais
com a variedade das nossas experiências docentes. Com isto, tanto se pôde avaliar a distância
entre as realidades efetivas e as metas e caminhos educacionais almejados, como também se fez
uma avaliação das diferentes vias e dos objetivos propostos pelos dois documentos. Houve um
consenso na interpretação de que os PCN-EM se orientavam mais para uma formação cidadã,
enquanto o documento preliminar de Reorientação Curricular era mais exigente no tocante à
delimitação de uma formação filosófica e à capacitação de habilidades mais específicas, tais
como a de domínio de um campo conceitual próprio. Esses dois horizontes estiveram sempre
presentes, seja na avaliação de nossas carências atuais, seja nas propostas de atividades didáticas
sugeridas.
Muitos dos artigos e das propostas surgiram orientados, seja para atender algum dos objetivos
dos parâmetros curriculares, seja para enfrentar dificuldades experimentadas na sala de aula.
Duas idéias percorreram quase todas as avaliações e sugestões didáticas: primeiro, o objetivo
de buscar uma formação humanista e cidadã (contra a idéia de uma educação meramente
informativa); segundo, a ênfase no caminho da interdisciplinaridade, tanto no diálogo transversal
com outras disciplinas escolares, quanto no uso de meios de expressão diversos, não restritos
ao universo dos textos filosóficos.
Apresentação 13
9. Os três primeiros artigos são bastante representativos da discussão geral empreendida e
discutem e sustentam os princípios de todas as sugestões didáticas, tanto as suas quanto as
dos demais artigos. O primeiro, de José Manoel da Costa e Ana Regina Lemos, apresenta
os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, já na perspectiva de sua
aplicação em sala de aula. O segundo artigo, de Sérgio Ramos, propõe um dialogo sobre as
diversas transversalidades possíveis no ensino de Filosofia e apresenta alguns exemplos de
atividades didáticas. O terceiro, de Daniel Inácio, ressalta a importância da preocupação com
a formação da cidadania no ensino de Filosofia e também propõe práticas para a sala de
aula.
Os artigos seguintes tratam de questões e problemas surgidos a partir das experiências
docentes. O quarto, de José Augusto Santos, trata da produção filosófica em Língua Portuguesa,
a necessidade de ampliar o domínio das obras filosóficas, atravessando as fronteiras entre
Filosofia e Literatura, e as vantagens pedagógicas dessa abordagem do ensino filosófico. O
quinto, significativamente preparado a doze mãos, reflete sobre a idéia de tolerância na relação
entre Filosofia e Religiões. O sexto, de Dora Cardozo, trata de um tema que vem sofrendo
importantes transformações na vida quotidiana e na reflexão filosófica: o corpo. São artigos
sobre questões específicas da docência filosófica no Ensino Médio, exemplos de alguns dos
muitos temas e problemas que podem ser abordados e discutidos neste campo. Há muitos
outros temas, igualmente relevantes, que não foram abordados neste momento, mas que
podem ser objeto de discussões futuras. Alguns deles foram sugeridos nos encontros e podem
ficar como indicações para novos artigos: Filosofia e Cultura, Meios de Comunicação, entre
outros.
Quatro professoras pesquisaram algumas páginas relevantes de Filosofia na Internet e montaram
uma lista de sites que podem ser consultados tanto pelos professores quanto por seus alunos..
Durante o período dos encontros, aconteceu, paralelamente, uma discussão, promovida pelo
Departamento de Filosofia da UFRJ, sobre as formas de implementação da prova de Filosofia
no vestibular. Foi feita uma ponte entre os dois foros de discussão, o que contribuiu para o
amadurecimento da questão em ambos. Por conta desta interação, acrescentamos um artigo
sobre o Ensino Médio e a prova de Filosofia no vestibular.
Nos artigos, colocamos em destaque as propostas de atividades didáticas e algumas sugestões
bibliográficas. Houve uma ênfase em quatro tipos de atividade: interpretação de obras artísticas
(poemas, filmes etc.); debates orientados; leitura de trechos de textos filosóficos; expressão
escrita. Foram sempre oferecidos exemplos para cada atividade.
Nem seria preciso lembrar que estas atividades são apenas algumas poucas sugestões
repertoriadas nas experiências de um pequeno universo de professores, ainda que bastante
representativo; elas devem servir para atiçar a imaginação de todos nós, professores de Filosofia,
na lida com os estudantes. Os professores podem e devem usar, inverter, transformar, recriar
suas próprias atividades, segundo seu repertório filosófico e cultural e, sobretudo, segundo as
características de recepção dos estudantes da sua escola.
Fernando Santoro
14 Ensimo Médio
10. Filosofia
REFLEXÕES INICIAIS: INTERPRETANDO PARA A SALA DE AULA
OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS REFERENTES À
FILOSOFIA
Resumo
Leitura dos principais valores, instrumentos e metas, apontados
pela legislação dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes
ao estudo de Filosofia no Ensino Médio. Considerações sobre o
modo de aplicá-los à sala de aula.
O Ensino Médio, como parte da educação básica, deve educar todo jovem brasileiro e tem
como fundamento: formar e orientar o cidadão para suplantar obstáculos e obter uma vida
adulta equilibrada, solidária e feliz. A Lei de Diretrizes e Bases estabelece, no Artigo 35, como
finalidades do Ensino Médio:
• a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos (inciso I);
• a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo (inciso II);
• o aprimoramento do educando, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual do pensamento crítico (inciso III);
• a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos
(inciso IV).
Por essa razão, propõe-se um currículo que tenha como precedência as competências básicas
e não o acúmulo de informações. Um currículo que esteja inserido nos contextos culturais,
éticos e sociais em que o aluno se desenvolve e não restrito a um repertório unificado de textos
e formulações.
A LDB, em seu Art. 36 §1º, estabelece:
“o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da
cidadania” (inciso III).
A LDB reconhece a importância da Filosofia na formação do indivíduo para exercer plenamente
a cidadania, uma vez que este necessita compreender o universo cultural em que está inserido,
Reflexões Iniciais 15
11. analisar os nexos que promovem a realidade na sua existência humana e ser capaz de desenvolver
ações nesse contexto.
A LDB procura indicar o que é relevante aprender com a Filosofia, extraindo, do enorme
universo de conhecimentos filosóficos, aquilo que pode ser desenvolvido para o aluno do Ensino
Médio, enfatizando a forma da atitude e atividade filosófica mais do que um conhecimento de
doutrinas abstratas.
Para desempenhar este exercício pleno da cidadania, entendida como horizonte de consumação
das virtudes humanas, surge o papel essencial da Filosofia numa formação humanista integral
que “costura os pedaços” do agir e do saber, numa visão mais ampla e crítica dos vários
conhecimentos específicos e especializados produzidos pelo ser humano.
Conforme indicado expressamente pela resolução 03/98, a saber, no § 2º alínea b, art. 10:
“As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e
contextualizado para os conhecimentos de Filosofia”.
Quer dizer: os conhecimentos filosóficos não estão restritos a um campo disciplinar
exclusivo, mas podem transitar e formar elos interdisciplinares com os diversos saberes e,
conseqüentemente, com as diversas disciplinas do programa escolar. Isso possibilita maior
coesão na formação de uma pessoa livre e capaz de todas as potencialidades humanas, e não
apenas do desempenho de uma função qualificada qualquer (um emprego).
Por outro lado, não se pode esquecer o caráter histórico cultural da Filosofia, que nos remete às
origens de nossa civilização. A Filosofia surge no amplo diálogo da praça pública grega, onde
cada cidadão podia se pronunciar, gerando, dessa forma, a possibilidade de cada habitante da
cidade desenvolver o espírito crítico com o diálogo e o debate daquilo que era melhor para cada
um e para a cidade. Nesse ponto, ressaltamos o papel da Filosofia na sua natureza reflexiva,
aflorando a capacidade de o homem pensar e avaliar a sua condição e suas relações
com os outros e com o mundo em sua totalidade.
“Observadas as diferenças de intenção nas várias abordagens filosóficas, o conceito de
reflexão, em geral, abarca duas dimensões distintas, que freqüentemente se confundem:
a reconstrução (racional), quando o exame analítico se volta para as condições de
possibilidade de competências cognitivas, lingüísticas e de ação (...); a crítica, quando
a reflexão se volta para os modelos de percepção e ação compulsivamente restritos,
pelos quais, em nossos processos de formação individual ou coletiva, nos iludimos a nós
mesmos e, por um esforço de análise, consegue flagrá-los em sua parcialidade”.1
“(...) Aliás, é fundamental para esta proposta que ele (o professor) tenha feita a sua escolha
categorial e axiológica a partir da qual lê e entende o mundo, pensa e ensina.”2
Cada professor de Filosofia já possui um modo determinado de pensar, segundo a sua opção,
que ele considera justificada e com a qual ele lê e entende o mundo. Essa condição é suposta
1 PCNEM. MEC / SEMT. Brasília, 1999. p.331.
2 Ibidem
16 Ensimo Médio
12. Filosofia
como ponto de partida, consolidada pela formação cultural necessária do professor, mas não
implica em um uso doutrinário. Ao contrário, são justamente esses valores e categorias trazidos
pelo professor, junto com os trazidos pelos seus alunos, que devem dar início à reflexão e
serem, ao longo do curso, esclarecidos, avaliados, analisados, debatidos, sustentados e criticados.
Assim, o aluno deve desenvolver a capacidade de analisar e avaliar quaisquer posições, valores
e argumentos, com os quais ele convive normalmente, muitas vezes apresentados na lida
quotidiana de forma parcial, intolerante, ideológica e mesmo falaciosa.
Mas, além da capacidade de reflexão e análise de argumentos em geral, que competências e
habilidades próprias devem ser desenvolvidas na aula de Filosofia? A Filosofia deve levar
em conta as finalidades do Ensino Médio, expressas na Lei 9394/96 conforme Resolução nº
03/98:
Art. 2º. A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados
na Lei 9.394, a saber:
I - os fundamentos ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, ao respeito
ao bem comum e à ordem democrática;
II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços da solidariedade humana e de
tolerância recíproca.
Art. 3º. Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática
administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de
convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de
política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo
e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser
coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:
I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização,
estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a
afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a
inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade,
valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer
o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade
responsável.
II - a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos
humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando a constituição de identidades
que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito
ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o
combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de
Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano.
III - a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo
da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias no
testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo
reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da
solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos
na vida profissional, social, civil e pessoal.
Reflexões Iniciais 17
13. A Filosofia aponta para a formação básica do aluno no Ensino Médio como cidadão, expresso
nesta Resolução, aprofundando três dimensões da totalidade do ser humano: a Ética, a
Estética e a Política.
Tais valores projetam um fundo de valores e atitudes, um ethos como base de formação da
pessoa humana, salientando as dimensões da sensibilidade para a diversidade cultural, da
responsabilidade e integridade nas atitudes e da participação cidadã, que devem permear a
vivência escolar. Isto ultrapassa a idéia de educação meramente informativa, meramente voltada
para a aquisição de conhecimentos. Assim, a aula de Filosofia, não apenas se serve do amplo
espectro da cultura para introduzir as especificidades próprias da sua disciplina; mas interage
com essa cultura circundante, refletindo sobre seus valores enquanto os apresenta e aprecia. O
que se pretende é a formação autônoma do caráter, o reconhecimento dos direitos humanos
e o desenvolvimento da sensibilidade “na igualdade do acesso aos bens naturais e culturais”
(p.332).
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS EM
FILOSOFIA
É natural o aluno desconhecer e mesmo estranhar, no início do curso de Filosofia, as causas
de se estudar esta disciplina. Herdamos uma cultura em que a “autoridade” do conhecimento
é proveniente dos mais velhos ou dos mestres que nos transmitiram seus conhecimentos
como “conteúdos inquestionáveis” que preenchem o “vazio” dos que ignoram as ciências e as
tradições humanas. Uma disciplina que não é determinada por seus conteúdos informativos e
que começa por questionar-se a si mesma em todos os seus temas é uma disciplina que causa
espanto.
Alem disso, é comum a pergunta “Para quê Filosofia?”. Já se pode sentir, na lida com os jovens,
os pressupostos de uma ética utilitarista que não percebe os valores autônomos da reflexão, do
conhecimento, da fruição cultural. Pressupostos que vêem a escola como mera capacitação para
o mercado de trabalho e têm dificuldade de perceber uma experiência de formação humana
integral, de pensamento livre, de prazer com as produções culturais.
Há de se desenvolver ações em que o educando possa perceber a importância da Filosofia
quando elucida e desenvolve princípios e suposições, desmistifica conteúdos considerados
difíceis, possibilita reinterpretar as ciências humanas e superar paradigmas consagrados
pela opinião pública, rever os pré-conceitos estabelecidos pelo senso comum, estimular o
conhecimento mais desenvolvido e aprofundado de cada tema. Esse exercício de reflexão e
descoberta das suposições pode incidir não apenas em temas do quotidiano, como também
nos diversos saberes das diferentes disciplinas estudadas na escola. Nesse sentido, abre-se, na
aula de Filosofia, também um diálogo interdisciplinar efetivo, como uma via de integração de
toda a experiência de aprendizagem escolar.
18 Ensimo Médio
14. Filosofia
Todavia, além da consolidação de uma formação humanista integral, envolvendo o
desenvolvimento geral de capacidades estéticas, éticas e políticas, a Filosofia tem também
objetivos pedagógicos específicos, principalmente a capacitação para ler e interpretar textos
filosóficos, isto é, os textos que constituem os produtos objetivos da história da Filosofia. É
preciso tornar familiar aos educandos os textos dos filósofos de forma a provocar o despertar
de uma consciência crítica e um hábito de reflexão sobre o mundo em geral e, particularmente,
sobre os problemas fundamentais abordados pela tradição filosófica. Tais problemas envolvem
a tematização do sentido do conhecimento como um todo, da existência humana, das relações
entre os homens, dos valores culturais que transparecem nos hábitos, nas crenças, nas artes,
entre outros. Isso, na linguagem de formulações e expressões produzidas ao longo da tradição
filosófica.
Ensinar Filosofia no Ensino Médio converte-se então, também, na tarefa de estimular o
estudante a ascender a uma competência discursiva filosófica. É preciso familiarizar o estudante
com as perspectivas, os temas, os problemas e, especialmente, com o vocabulário preciso, as
categorias que são usadas pelos filósofos nos textos legados pela tradição.
A LDB apresenta tais competências e habilidades no quadro abaixo:
• Ler textos filosóficos de modo
significativo.
• Ler, de modo filosófico, textos de
diferentes estruturas e registros.
• Elaborar por escrito o que foi apropriado
Representação e Comunicação
de modo reflexivo.
• Debater, tomando uma posição,
defendendo-a argumentativamente e
mudando de posição face a argumentos mais
consistentes.
• Articular conhecimentos filosóficos e
diferentes conteúdos e modos discursivos
Investigação e compreensão
nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes
e em outras produções culturais.
• Contextualizar conhecimentos filosóficos,
tanto no plano de sua origem específica,
quanto em outros planos: o pessoal-
Contextualização sócio-cultural
biográfico; o entorno sócio-político,
histórico e cultural; o horizonte da sociedade
científico-tecnológica.
(Extraído da LDB-PCN EM, p.349.)
Reflexões Iniciais 19
15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (Orientações
Educacionais Complementares). www.mec.gov.br, 2005.
Ministério da Educação. LEI nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional. www.mec.gov.br, 2005.
20 Ensimo Médio
16. Filosofia
TRANSVERSALIDADE NO ENSINO DE FILOSOFIA
Resumo
Discussão sobre a transdisciplinaridade no ensino da Filosofia,
seus obstáculos, suas vantagens, sua adequação aos valores
de formação humanista e cidadã, prescritos pelos Parâmetros
Curriculares do ensino de Filosofia. Algumas sugestões para
situar o ensino de Filosofia no contexto social e cultural do
estudante.
1. INTRODUÇÃO
Em algumas situações, o maior desafio de escrever um texto não está na seleção ou na
especificação de seu conteúdo, mas na maneira de escrevê-lo. Responder adequadamente à
pergunta do como escrever constitui o primeiro e mais significativo passo para se definir que
tipo de relação se quer ter com o leitor. Entre quem escreve e a palavra escrita, há sempre
uma conversa silenciosa com quem a lerá. E assim, mesmo antes de ler um texto, o leitor já
esteve presente em sua concepção, como um elemento desafiador e questionador que alavanca
a produção. E, para esse texto em especial, há um fator que aprofunda a necessidade desse
diálogo: ele se destina a semelhantes, vai de professores para professores. Talvez, por isso, o
clima de conversa precise ser mais cuidadosamente cultivado. Portanto, caros leitores, sintam-
se convidados a um daqueles papos na sala de professores, onde o magistério acontece como
troca de experiências.
2. NÓS E OS NÓS DA ESCOLA
“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”
Maurice Merleau-Ponty
Não é de hoje que nós, professores, nos vemos às voltas com a temática da transdisciplinaridade,
como quem carrega uma difícil tarefa, muito alardeada e pouco realizada. E, mesmo para
aqueles que a vêem como uma grande oportunidade para a reformulação do fazer pedagógico,
não há como negar que, em muitas situações, ela parece ser um desafio maior do que as nossas
possibilidades de ação. Com efeito, a Escola é uma instituição social e, como tal, está sempre
em contato muito estreito com as demandas de uma sociedade em contínua transformação.
Transversalidade no ensino de Filosofia 21
17. Dependendo da escola e do contexto cultural e social específico no qual ela se encontra,
percebemos a dificuldade de estabelecer um diálogo direto e efetivo com essas transformações.
O que este trabalho pretende mostrar é que esse desafio cotidiano tem, como principal
trincheira, não o que está fora dos muros da escola, mas, sim, dentro deles. A frase acima de
Merleau-Ponty nos aponta este caminho: reaprender a ver.
O frenético ritmo das mudanças culturais e sociais mundiais, ocorridas, sobretudo, na segunda
metade do século passado, estabeleceu a necessidade de novos rumos para os fazeres didático-
pedagógicos. Muitas e diversificadas foram as propostas teóricas que se apresentaram em nossa
área e se colocaram sobre nossa mesa. Embora cada uma com sua peculiaridade conceitual, de
uma forma geral, todas apontavam para uma mudança comum de eixo em relação ao modelo
tradicional de ensino. Com certeza, já ouvimos muito sobre esse tema, principalmente os que,
dentre nós, se formaram professores após a LDB/97. O foco deixaria de ser o ensino e passaria
a ser o aprendizado. O quadro abaixo ilustra essa transformação de paradigmas:
Didática tradicional Didática moderna Componentes
A quem se ensina? Quem aprende? O aluno
Quem ensina? Com quem se aprende? O professor
Para que se ensina? Para que se aprende? Os objetivos
O que se ensina? O que se aprende? As matérias
Como se ensina? Como se aprende? Os métodos
Contudo, há mesmo uma enorme distância entre teoria e prática, e nós, que somos a escola,
estamos situados no meio, para desfazer essa distância. Árdua tarefa? Com certeza. Mas, assim
como caju que não tem cica, escola sem utopia não tem a menor graça. E cá estamos nós em
nossa tarefa diária de superação, buscando novos olhares ou, como afirmou Merleau-Ponty,
reaprendendo a ver.
3. DESATANDO OS NÓS: FILOSOFIA E TRANSDISCIPLINARIDADE
“... vislumbra-se de forma clara a intenção pedagógica da utilização da Filosofia
no Ensino Médio, o que supõe a aceitação de posicionamentos diferentes entre os
professores de Filosofia na escolha dos conteúdos programáticos, mas não quanto ao
norte educativo centrado na formação da cidadania.”
(PCNEM – Orientações Educacionais Complementares)
O foco em quem aprende e não mais em quem ensina trouxe-nos uma nova LDB, preocupada
com a formação cidadã e a autonomia crítica e intelectual do aluno, colocando de vez, como
prioridade, a questão metodológica da prática escolar. Não mais o quê? mas como?. Nesse
contexto é que aparece a Filosofia no currículo do Ensino Médio. Não são raros os momentos
em que, na leitura dos PCNEM, percebemos toda a expectativa que o legislador debruça sobre
essa inclusão. Por exemplo: “...enquanto os temas de ética e cidadania bordejam as demais disciplinas
como reflexão transversal, no ensino da Filosofia esses temas podem constituir os eixos principais do conteúdo
22 Ensimo Médio
18. Filosofia
programático”. Essa enorme responsabilidade integradora colocada para nós, professores de
Filosofia, ou filósofos-educadores, como prefere nos denominar o texto dos PCNEM, resulta
numa imensa oportunidade de mostrar, na prática, toda a vitalidade do pensar filosófico e
sua importância curricular. Inclusive se, futuramente, quisermos demonstrar a necessidade de
adotar a Filosofia em todas as séries do Ensino Médio, e não mais apenas na primeira, ou até
mesmo no segundo segmento do Ensino Fundamental, o que, desde já, nos parece razoável.
É que pensar transdisciplinarmente não é apenas o adendo de um poderoso instrumento para
abordar concretamente um problema. Para a Filosofia, é o seu procedimento natural, visto que
a Filosofia antecede, histórica e essencialmente, toda divisão disciplinar. De modo que pensar
filosoficamente é estar sempre habitando um entre-mundos, caminhando nas encruzilhadas
dos saberes, território de fronteiras indiscerníveis. A Filosofia não se delimita e nem tampouco
se define por um espaço conceitual específico. Ao contrário das ciências, não é a delimitação do
objeto que a define, mas o modo de tomá-lo.
Desde os seus primórdios, já na Grécia Clássica, a Filosofia nasce e se desenvolve tendo como
principal objetivo o que Platão denomina conversão da alma. Contudo, essa tarefa não se conclui
pela visão absoluta de uma verdade, mas pela reorientação do olhar. Em suas palavras, na
República: “...ela (a Filosofia) não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já a
possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça
por levá-lo à boa direção”.
Esse foco, não no que se vê, mas no olhar que liberta, como expresso no Mito da Caverna,
está presente não só em Platão, mas em toda a História da Filosofia; na concepção de Merleau-
Ponty, anteriormente citada, ou mesmo na idéia de Adorno de que o problema filosófico é
uma ferida aberta no tempo. E nesse sentido é que os PCNEM admitem a impossibilidade de
definir saberes oficiais para a disciplina da Filosofia, estabelecendo como norte pedagógico não
conteúdos específicos, como nas outras disciplinas, mas o desenvolvimento de competências
como a leitura significativa, o debate argumentativo e a reflexão crítica.
4. DO MUNDO DO ALUNO PARA UM ALUNO DO MUNDO – A
(RE)CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE
“Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar.”
KANT
Entende-se, então, toda a expectativa sobre a contribuição da Filosofia no Ensino Médio.
Enquanto que, para as outras disciplinas, é preciso um giro copernicano na prática pedagógica
para se deslocar o foco do ensino, do saber científico, para quem aprende; na Filosofia, este
já é um movimento natural, pois nela se tem como foco não o que se vê, mas o olhar de
quem olha, ou seja, nesse caso, o aluno. Torná-lo crítico e autônomo é, portanto, um objetivo
que pressupõe, sobretudo nas aulas de Filosofia, o fortalecimento do olhar, a capacidade de
enxergar a realidade de uma perspectiva para além do senso comum.
Transversalidade no ensino de Filosofia 23
19. Dessa forma, reconstruir a subjetividade é um movimento sempre de mediação entre o
conhecimento que o aluno traz e a superação deste. Por isso, o diálogo da Filosofia com
o aluno precisa ser transdisciplinar, pois essa bagagem que ele traz consigo, que orienta as
suas ações e pensamentos, é, na exata medida, a sua visão de mundo, o mundo que ele traz
para a escola. E o mundo não vem para ele dividido em disciplinas, vem num aglomerado
indiscernível de dimensões (política, cultural, artística etc.) do qual ele não dá conta, mesmo
se tem a ilusão de que dá. Possibilitar-lhe um olhar analítico capaz de discernir essas camadas
da realidade, pensá-las separadamente e depois relacioná-las e integrá-las é um caminho para
torná-lo autônomo e crítico.
5. A LEITURA TRANS
“O que não sei fazer, desconto nas palavras.”
Manoel de Barros
Como citado anteriormente, os PCNEM reconhecem a impossibilidade de estabelecer
conteúdos consensuais para as aulas de Filosofia. O que ele não transige é quanto ao norte
pedagógico focado na formação da cidadania. E, quanto a este ponto, perguntemo-nos: quais
são as competências a serem trabalhadas no ensino da Filosofia para formar cidadãos? Ora, por
definição, podemos dizer que cidadão é aquele que possui autonomia crítica para pensar e agir,
protagonizando os rumos de sua sociedade. Para isso, é preciso que ele se desenvolva não só
do ponto de vista intelectual, ou da organização de suas idéias, como também da construção de
suas argumentações, já que é através delas que ele desenvolverá a sua atuação na coletividade.
Todas essas metas, colocadas como objetivos operacionais para nós, professores, estão
fundamentadas na intensidade da relação que o aluno adquirirá com a leitura e a capacidade
de compreensão e interpretação. Como pensar fora da linguagem, se nos nossos mais
despretensiosos pensamentos ela se apresenta como liberdade e limite, simultaneamente?
Limite do que pode ser dito e liberdade de expressar-se dizendo. É preciso então fazer com
que o aluno descubra na linguagem uma porta pela qual ele abra para si a sua realidade, onde
ele se coloque inteiro, de forma crítica e interpretativa. Nesse sentido é que os PCNEM, em
suas orientações educacionais complementares, apresentam, como a principal ferramenta
pedagógica a ser utilizada, a leitura significativa de textos, filosóficos ou não, contanto que
estes últimos sejam abordados dentro do espectro conceitual da disciplina. E, de fato, sem a
perspectiva da formação de um leitor ativo não há possibilidade de formação cidadã. O ato de
ler tem que promover a significação do mundo e da vida. Deve despertar um certo incômodo
para com a realidade, que leve o aluno a superar o conhecimento que traz dela previamente,
colocando para si o desafio da reflexão e da descoberta. Deve buscar a contextualização do
texto filosófico com a sua realidade de vida.
Assim como música e dança são dimensões que se condensam de forma complementar,
também a escrita se coloca como movimento que complementa a leitura. Além de um momento
de intimidade com a reflexão, alavancado pela necessidade de produzir um texto, escrever
promove a organização das idéias no sentido do desdobramento e do aprofundamento de um
24 Ensimo Médio
20. Filosofia
pensamento. Contudo, sabemos das adversidades que a realidade escolar nos apresenta. Não
é incomum, principalmente para nós, professores da primeira série do Ensino Médio, receber
alunos que beiram o analfabetismo funcional. E aí, o que fazer? Em primeiro lugar, não desistir
do desafio. Avaliar o aluno pelo que ele construiu ao longo do ano letivo. Estimulá-lo à prática
do debate em grupo para promover a capacidade de se fazer entender e de participar. Depois,
colocá-lo para escrever o que pensou e falou, estimulando o desafio da coerência escrita.
Dependendo da deficiência com que se está trabalhando, o crescimento do aluno pode não vir
a ser percebido em uma ou duas aulas apenas, mas, com uma boa dose de insistência e estímulo,
ele certamente ocorrerá. Lembremos: não se constrói o leitor sem o gosto pela leitura, nem a
capacidade de escrever sem ter o que dizer e a premência de dizê-lo. Quando percebe a leitura
e a escrita como meios de expressão e potencialização de sua identidade e interação social, o
aluno desenvolve concomitantemente a compreensão sistemática da língua.
Para essa realidade deficiente de aproveitamento do idioma, vale também uma boa dica: por
vezes o texto filosófico pode ser denso em demasia para ser colocado de primeira para os
alunos. E é aí que cresce em importância metodológica o texto não filosófico. Nesse sentido,
uma música (o rap, pela penetração cultural e pela postura crítica, pode ser uma boa opção),
uma poesia, um pequeno conto ou até mesmo um filme podem servir como boas ferramentas
para a abordagem de um problema filosófico, antes de este ser trabalhado conceitualmente.
Isto facilita a entrada no texto filosófico e evita o desestímulo pela sensação de incapacidade
de compreensão por parte do aluno.
6. MÃOS À OBRA (MAS, AFINAL, COMO POSSO FAZER?)
Quando se falou aqui sobre os nós da escola, privilegiaram-se os aspectos comuns às instituições
de ensino de uma forma geral, focando a necessidade de se conectar a escola às transformações
ocorridas na sociedade. Contudo, cada escola tem seu nó singular, suas especificidades
regionais e culturais, suas carências e benefícios. Do ponto de vista de sua gestão, elas serão
mais ou menos aparelhadas, mais ou menos organizadas, mais ou menos democráticas etc.
Essas particularidades devem ser levadas em conta na hora de se pensar qual tipo de atividade
transversal é mais adequado. É importante começar pelo possível, nem tão rápido que pareça
inconveniente, e nem tão lento que se torne inviável. A escola é feita sempre de dimensões
múltiplas que se condensam em realidades diferentes. Toda escola, a depender das pessoas que
a fazem, terá um caráter mais tradicional ou mais transformador, mais democrático ou mais
centralizador. O importante, caro colega, é que os primeiros passos transversais sejam dados,
primeiramente dentro de sua sala de aula, posteriormente em uma aula conjunta com um
professor de outra disciplina mais chegado a você, para aproximar o pensar filosófico dos
saberes de outras áreas. Pouco a pouco a comunidade escolar poderá estar toda reunida em
torno de projetos comuns.
Estão relacionadas abaixo algumas sugestões de atividades pedagógicas transversais, para serem
utilizadas, transformadas, recriadas etc.
Transversalidade no ensino de Filosofia 25
21. 7. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
1. Do senso comum ao senso crítico
Duração: 5h/aula + 2h de projeção do filme + atividade em casa
Do ponto de vista à perspectiva
Entregar um apagador na mão de um aluno e pedir para descrevê-lo (Obs.: descrever não
é definir). Ao notar que o aluno gira o apagador para poder descrevê-lo, dizer que já é o
suficiente. Perguntar à turma o que ele fez para poder descrever o objeto. Explicar que girar
um objeto que se quer descrever é um ato inconsciente que busca multiplicar os pontos de
vista e as perspectivas do objeto. Repetir e variar o exemplo. Estimular uma reflexão acerca da
necessidade de se buscar ver a realidade de várias maneiras diferentes. Sobretudo, se o objeto
é imaterial: uma idéia, um valor, um conceito, a sociedade etc. Apresentar o conceito de senso
comum, identificando-o como um conhecimento parcial, irrefletido e, por isso, mal formulado,
da realidade.
Procurando o senso comum no cotidiano (1ª Avaliação)
Realizar uma atividade em grupo na qual se desenvolverá um debate para identificar formas
e situações vivas de como o senso comum se apresenta na realidade. Posteriormente, propor
a elaboração de um texto justificando o tema escolhido e relacionando-o com o conteúdo.
Verificar o aproveitamento dos debates e auxiliar as reflexões.
Leitura do Mito da Caverna de Platão
Após a leitura, estimular um debate aberto para contextualização do texto filosófico com o as
idéias de senso comum e senso crítico.
Apresentação do filme: “Show de Truman” – seguido de debate (2ª Avaliação)
Propor, ao final, a elaboração de um texto individual livre relacionando o filme e o Mito da
Caverna com a atualidade sob o título: “Quais são as cavernas de hoje?”
Entrega dos textos
Troca dos textos entre os alunos. Posteriormente, realizar algumas leituras para todos e estimular
comentários.
26 Ensimo Médio
22. Filosofia
2. Palavra e poder
Duração: 2h/aula, atividade extraclasse
Dentro do contexto do estudo dos conflitos entre filósofos e sofistas na Grécia Clássica,
realizar uma visita à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal, para estimular as reflexões
acerca da palavra como instrumento de poder na Polis, e promover a contextualização com a
sociedade brasileira atual
3. Meu pequeno dicionário filosófico
Duração: 1h/aula
Esta atividade é interessante de ser trabalhada ao final do ano letivo, como última avaliação.
Iniciar perguntando qual a função de um dicionário. Mostrar que o significado e o sentido de
cada palavra são dados sempre por outras, e assim indefinidamente. Escrever então a palavra
FILOSOFIA no quadro e sugerir a elaboração em conjunto de um dicionário filosófico
diferente, em que não se produzirá uma definição específica para FILOSOFIA, mas serão
citadas diversas palavras que tenham uma relação estreita com ela. Estimular a citação dos
termos pelos alunos e ir escrevendo em volta da palavra FILOSOFIA cada um deles na medida
em que são propostos. Quando formar um universo de uns vinte termos citados pelos alunos,
propor a elaboração de um texto que forme uma imagem do que eles entendem por Filosofia,
contendo necessariamente um mínimo de oito termos dentre os que foram por eles citados.
4. O julgamento de Sócrates
Duração: 3h/aula
Aula expositiva sobre o julgamento de Sócrates, na Atenas Clássica, com leitura de trechos
da Apologia de Sócrates de Platão, da comédia As Nuvens de Aristófanes e da Apologia de Sócrates
de Xenofonte. Em seguida, simular um julgamento, em que os alunos serão distribuídos para
exercer os papéis de juiz, advogados, promotores, júri e réu. Em aula posterior, serão discutidas
as formas de poder da Comunicação e a utilização política da persuasão. (3h/aula)
5. Filosofia e comunicação
Duração: 3h/aula
Objetivos
1. Desconstruir o senso comum que entende a Comunicação como essencialmente lingüística,
conduzindo à experimentação da arte como meio de expressão e comunicação.
Transversalidade no ensino de Filosofia 27
23. 2. Discutir a Comunicação como forma de poder.
3. Discutir a importância da Comunicação como expressão da liberdade humana na construção
de uma sociedade, de fato, democrática.
Conteúdo
Introdução ao pensamento crítico da Teoria da Comunicação.
Introdução à Filosofia da Linguagem.
Introdução ao pensamento crítico da Comunicação Social.
Procedimentos
Utilização de textos, poesias, matérias jornalísticas, músicas, telas de pintura e obras de arte em
geral a serem sugeridos pelos alunos e pelo professor como instrumentos pedagógicos para as
discussões.
Trabalhar a relatividade da linguagem como suposto meio objetivo de comunicação. Para tanto,
utilizar três matérias atuais de diferentes jornais que se ocupem de um mesmo conteúdo para
trabalhar com as diferenças de sentido. (1h/aula)
Utilizar telas de Claude Monet e Salvador Dali para trabalhar com os aspectos sensíveis,
contraditórios e instáveis da Comunicação. (1h/aula)
Dividir a turma em três grupos que discutirão a comunicação a partir da poesia de uma música
conhecida, de uma fotografia do Sebastião Salgado e de uma bula de remédio respectivamente.
Depois abrir uma roda para discutir os meios e maneiras da comunicação. (1h/aula)
Sugestões de textos filosóficos para serem trabalhados nesta temática
O sofista e a República – livros 7 e 10 – (Platão), Escola de Frankfurt de uma forma geral,
nas críticas sobre a cultura de massa (sobretudo Marcuse e Adorno), De Magistro (Santo
Agostinho), As Palavras e as Coisas (Foucault), Conversações (Deleuze), Uma história da
Razão (François Châtelet).
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. W. et al. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
AGOSTINHO, Sto. De Magistro. São Paulo: Abril Cultural, 1873.
BARROS, Manoel de. O Livro das ignorãças, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.
BORNHEIM, G. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1992.
28 Ensimo Médio
24. Filosofia
CASSIN, Bárbara. Ensaios sofísticos. São Paulo: Edições Siciliano, 1990. (Ed. A.L. de Oliveira e
L.C.Leão).
COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofia. Campinas: Ed. Unicamp, 1992 (Ed. F. Carotti).
CORNFORD, F.M. Principium Sapientiae - As origens do pensamento filosófico grego. Lisboa: F.C.G.,
1981 (Ed. M.M.R. dos Santos).
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1986 (Ed. P.Civelli).
JAEGER, W. Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1979, (Ed. A. M. Parreira).
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
LAÊRTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988 (Ed. M.G.
Koury).
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Trad. de R. Piero. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos S.A, 1971.
ORTEGA Y GASSET. Desumanização da Arte e Outros Ensaios sobre Estética. Coimbra:
Almedina.
PESSOA, Fernando. Obra Completa. (2v.) Rio de Janeiro: N.Aguilar, 1986.
PLATÃO. A República. Trad. de M.H.R. Pereira. Lisboa: F.C.G., 1987.
RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: Globo, 1953, 8ªed.1976 (Ed. P Rónai).
SCHILLER, F. Cartas sobre a educação estética do homem. Trad. de R. Schwarz e M. Suzuki. São
Paulo: Iluminuras, 1990.
SNELL, Bruno. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu. Trad. de P. Carvalho. São
Paulo: Perspectiva, 2001.
SOUZA, Eudoro de. Mitologia. Brasília, Ed UnB, 1980.
_________ . Origem da Poesia e da Mitologia. Lisboa: INCM, 2000.
Transversalidade no ensino de Filosofia 29
25. A FORMAÇÃO DO CIDADÃO E A FILOSOFIA
Resumo
Encontramos, na origem da Filosofia e da vida política,
algumas condições coincidentes que podem orientar a prática
do professor de Filosofia. Essas condições devem aparecer
também na escola e na sala de aula, para que os alunos
possam seguir no seu aprendizado de cidadania. Avaliamos,
por outro lado, algumas situações em que tais condições
desaparecem, podendo comprometer o desenvolvimento do
aluno. Por fim, conhecendo melhor o contexto necessário para
a formação cidadã, indicamos caminhos (conteúdos, textos e
práticas) que possam estimular a prática e o concernimento
político do aluno.
1. AS CONDIÇÕES DO SURGIMENTO DA CIDADANIA E DA FILOSOFIA
O surgimento da Polis grega foi o pano de fundo histórico tanto do aparecimento da Filosofia
quanto da cidadania. A Polis1 não teve uma forma rígida, mas alguns elementos foram marcantes.
Primeiramente, a palavra deixou de ter o uso ritualístico de uma correta submissão ao culto, para
tornar-se o maior instrumento de disputa e determinação do poder. Este, por sua vez, advém
da persuasão, o que supõe um público que precisa decidir algo, e essa decisão será o resultado
do debate. A linguagem deixou o campo da obediência irrefletida e do mando, para se tornar
algo novo, instrumento eficiente de pessoas cientes de seus interesses, de suas possibilidades e
de regras. O discurso agora busca apoio dos outros para, então, tornar-se efetivo.
Mas a palavra se estabelece sobre outra grande marca da Polis: um espaço de trocas, de trânsito
e de plena publicidade, a Ágora. Esse espaço indica uma submissão do privado e individual face
ao interesse comum. Esse campo aberto de interesse comum marca a percepção do vínculo
entre os membros; ele é uma necessidade pois, com a vontade de participar do poder, espera-se
dos outros membros práticas claras e acessíveis2. Dessa forma, as condutas, os procedimentos
e os conhecimentos, que antes eram restritos, vão aparecendo no espaço público e tornando-
1 Cf. Vernant, p. 39.
2 Idem, p.41-42.
30 Ensimo Médio
26. Filosofia
se elementos da cultura comum. Estes, ao chegarem à praça pública, podem ser reavaliados
e confrontados. A norma deixa de ser indiscutível, e não pode mais se manter se não for
adequada ao interesse público, porque a palavra que antes lhe servia obediente pode voltar-
se contra ela. Para auxiliar nas necessidades de publicidade, os gregos se apoderam da escrita
fenícia e a adaptam à sua língua. Dessa forma podem, além de redigir as leis, transmitir ao
público, com maior facilidade, os conhecimentos que antes eram restritos a poucos3.
Mas, apesar do uso da escrita dar acesso ao conhecimento e torná-lo um bem comum, muitas
vezes esse conhecimento é encarado ainda como algo misterioso. Principalmente no aspecto
religioso, a publicidade não é suficiente para expressar o pleno sentido de seus ensinamentos,
por não ser acessível por meios simples, por requisitar preparativos e iniciações. Para esse
conhecimento, a exposição pública não é garantia de acesso. Os primeiros sábios tiveram a
preocupação com a revelação dos mistérios, buscando a elevação do espírito humano. Porém,
a cidade se dirige a ele como a um ser extraordinário, deslocado acima ou fora dela. E a
publicidade que faz de seus conhecimentos é a de um ensinamento elevado, que não encontra
lugar na vida cotidiana da cidade e, mesmo na praça pública, continua sendo mistério4.
Essa posição do sábio o desloca da cidade porque foge a outro elemento constante da Polis,
a Philia - amizade. Um sentimento perceptível na vida militar – em que a bravura individual
passa a ser menos valorizada diante da formação do grupo –, mas que envolve, de fato, todo
o espírito da cidade. O sentimento de associação só pode ser assegurado no mundo devido
à percepção, entre os membros, de sua semelhança e mais abstratamente de sua igualdade.
Abstraindo as distinções sociais e considerando as relações recíprocas, ficamos diante do
vínculo, um sentimento compartilhado de participação. Cada cidadão é a unidade do sistema
político, que é guiado pelo equilíbrio. Esta relação ganhou uma forma conceitual com a palavra
isonomia, “igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder”5.
Dentro desse contexto, a Filosofia oscila entre uma total dedicação às causas políticas – como
nos sofistas e com Sócrates – e o deslocamento da cidade, que vive o Sábio – como nos
pitagóricos. Entre esses dois caminhos originários, nós, professores da rede pública estadual,
devemos fazer uma opção: considerar a Filosofia um conhecimento de acesso restrito
que não cabe em um espaço público como a escola, ou considerá-la um elemento
acessível a todos aqueles que tiverem uma postura ativa e interessada.
Se considerarmos que a Filosofia é um campo de difícil acesso, e que nossos alunos só poderão
caminhar por ela após uma iniciação ou preparo especial, estaremos fechando a eles a possibilidade
de aprenderem a Filosofia na íntegra. Este pode não ser o objetivo do curso atual de Filosofia
no Ensino Médio, cabendo melhor a uma graduação universitária. Porém, ver a Filosofia como
algo elevado não impede que possamos abordar elementos dela, de encontrarmos textos mais
acessíveis ou autores mais acessíveis, pela identificação com as questões abordadas, pelo uso
mais leve do vocabulário teórico ou, quem sabe, um outro caminho.
3 Idem, p. 43.
4 Idem, p. 47-48.
5 Idem, p. 49.
A Formação do Cidadão e a Filosofia 31
27. Se considerarmos a Filosofia como algo acessível, então basta o interesse pessoal para se
adentrar no emaranhado de idéias dos livros de Filosofia e alcançar o seu foco. Mas poderá
faltar ao aluno esse interesse que aparece como elemento fundamental. Assim, uma crítica que
podemos fazer é a de que a Filosofia, mesmo sendo considerada acessível, é difícil para as mentes
pouco amadurecidas dos alunos do Ensino Médio e, exatamente por isso, faltará interesse da
parte dos alunos. Dessa forma, igualamos as duas possibilidades na dificuldade – é difícil, por
isso não será interessante, e terá pouco acesso. Porém, o que esta segunda possibilidade tem
em foco – e nos ligamos aos gregos nesse momento – é a percepção da sua condição de igual
diante dos outros interlocutores, inclusive do texto lido. Tanto os interlocutores de um diálogo
devem tratar-se como de igual capacidade, como os textos devem considerar o leitor da mesma
forma. Então, cabe ao professor perceber se a falta de comunicação acontece pela falta de
atenção do ouvinte ou leitor, como também da falta de habilidade de se expressar de quem diz
e escreve, ou do desinteresse pelo dito e pelo escrito. O professor deve deixar aflorar no jovem
a consciência de não ser maior nem menor, mas de igual capacidade.
Essa consciência é o grande elemento desejado por qualquer professor. Pois, a partir dela, o
aluno deixa de ser aquele menino omisso que nada quer, para ser alguém que procura o que
quer e precisa. Se, por um lado, a consciência de poder compreender é requisito fundamental
para aprender, por outro, a consciência de ser parte é requisito para o agir político do
cidadão. E se considerarmos a omissão como um elemento político, cada cidadão deverá se
responsabilizar por abandonar nas mãos de outrem o poder que lhe cabe. E já vimos condições
dessa consciência, vivida no mundo grego antigo: um sentimento de vínculo que somente os
semelhantes podem ter; o poder da palavra que disputa e depois soluciona, próprio de cada
um; um lugar especial onde todos possam se manifestar sobre coisas de interesse público.
Sobre essas condições, os indivíduos podem convocar outros indivíduos a tomar parte numa
mesma causa; interceder pelos semelhantes; como proceder a qualquer benefício imaginável
envolvendo o apoio do grupo. Apoio que é convocado pela palavra e deve ser expresso em
público. Publicidade que torna o conhecimento um bem comum; em que podemos perceber
sua busca como uma decisão pessoal referente à sua ligação com a coletividade, e que, ao fim,
lhe oferece seus frutos.
Pensar se essa consciência pode ser promovida no aluno é pensar se as pessoas podem ser
divididas entre os melhores e os piores, fortes e fracos. Acaso seria pensar como Platão, que
é melhor optar por um único intelecto maior para dirigir a cidade, um Rei Filósofo, pois
este poderia vislumbrar o bem, em vez de entregarmos o destino da cidade nas mãos de
um grande grupo, incapaz de avaliar adequadamente o que é o bem? Mas Platão também
reconhece que a impossibilidade da maioria é a proveniente da não educação, ou falta da
educação correta (daquela educação para vislumbrar o bem e que deve ser ascendente), mas
não da impossibilidade da educação, pois para ele o aprendizado é o vislumbrar consciente
daquilo que já está impresso na alma6.
A não ser que desejemos abandonar a democracia ou abandonar a Filosofia no Ensino Médio
– pela impossibilidade de ensiná-la –, a nossa opção é a de mostrar ao aluno suas possibilidades
6 Platão. A República.
32 Ensimo Médio
28. Filosofia
educacionais e políticas, os elementos que cerceiam essas possibilidades e as condições internas
e externas ao sujeito para realizá-las.
2. SOBRE O QUE SE ESPERA DE UM CIDADÃO E ALGUMAS
DIFICULDADES PARA UMA FORMAÇÃO “CIDADÔ
Dentre as indicações mais importantes que podemos ter sobre o trabalho que deverá formar
cidadãos, podemos considerar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino
Médio, com destaque para os elementos apresentados em “O sentido do aprendizado na área”,
que consta na parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Após várias considerações sobre o histórico e a importância do estudo de humanidades no
Ensino Médio, os PCN assumem como princípio para o desenvolvimento político “a política
da igualdade, que consagra o Estado de Direito e a democracia” porque ela “está corporificada
no aprender a conviver, na construção de uma sociedade solidária através da ação cooperativa
e não-individualista”. É importante lembrar que assumem ainda a “estética da sensibilidade”
devido ao sentido de “aprender a conhecer” e “aprender a fazer” como aspectos intrínsecos à
experiência humana. Como também a “ética da identidade”, tentando envolver através dela a
responsabilidade e a solidariedade, enfatizando o “aprender a ser”. As palavras-chave acabam
sendo verbos: aprender, conhecer, fazer, conviver e ser. A preocupação com a conduta na
coletividade destaca acima de tudo a preocupação de que os alunos passem a atuar. Isto é
perceptível também nas noções de competência e habilidade que pautam todo o PCN.
Um homem socialmente ativo deverá construir suas relações com os outros membros da
sociedade; modelos serão para ele elementos a serem avaliados e que poderão suspender,
se assim o decidir. É importante, para garantir a autonomia, que ele seja capaz de avaliar
opções, de pensar sobre elas, e o princípio de “aprender a conhecer”, se levado a sério, deverá
libertar o aluno do professor. Não podemos considerar suficiente para a cidadania a posse de
instrumentos para seguir orientações, pois isto, ao invés de libertar a pessoa, a manterá presa
às idéias de outros. A postura reprodutora isolada dentro da escola é considerada como algo
nocivo à formação do aluno, e em seu lugar busca-se erigir uma postura ativa.
A liberdade é parte da condição humana e pré-requisito para agir efetivamente. Entretanto, muitas
confusões sobre o exercício da liberdade aparecem, tanto em alunos quanto em professores e
administradores. Essas confusões têm origem na padronização exigida dentro da instituição:
não se pode abandonar universalizações (idéias padrões para conduzir o todo), mas também se
deve valorizar as singularidades (as manifestações culturais ou produções pessoais)7. Noções
universais são utilizadas nas instituições por motivos óbvios como avaliação do conhecimento e
comportamento, que refletem necessidades de qualidade de ensino, de acesso, de ordem pública
dentro da instituição etc. Diante dessas necessidades, pode-se ser orientado por uma idéia geral
7 A preocupação com a tendência ao totalitarismo através de sistematização teórica e práticas políticas já foi apresentada
no artigo de Rosely Giordano “Políticas da educação e sistemas filosóficos: a vontade da exclusão”, que saiu no caderno
CEDES, no número 64, dedicado ao ensino de Filosofia no Ensino Médio.
A Formação do Cidadão e a Filosofia 33
29. e gerar práticas totalitárias que não prevêem as manifestações distintas do plano administrativo,
pois este está fechado. Mas a escola estará diante da diferença, estampada em cada aluno, que
traz porta adentro uma parte do mundo. Por isso, a escola deve preocupar-se em não negar aos
alunos as condições para perceber, na convivência com os outros, possibilidades de caminhar
em conjunto e potencializar forças na busca de um interesse comum.
Reconhecer-se como membro da comunidade e reconhecer as diferenças existentes dentro
dela não define o cidadão por completo, pois um cidadão não é uma pessoa que participa de
uma sociedade previamente definida e com regras imutáveis, nem de uma sociedade em que
há uma oligarquia definindo a conduta de outros; o cidadão sabe do seu poder de participar
e o utiliza. Entretanto, pensa-se no aluno como um candidato a se tornar um cidadão ao sair
da escola, atualmente incapaz de assumir-se como cidadão. Logo, para formar cidadãos, a
escola deve transmitir conhecimentos para a inserção autônoma na sociedade. Conhecimento
mínimo necessário para cumprir seus deveres e não deixar que usurpem os seus direitos, ou
para que seu poder de decisão possa ser bem explorado, e assim, usufruir os benefícios de ser
um cidadão. Mas há nessa perspectiva uma cilada: de considerar que a instrumentalização, por
si só, forma o cidadão.
O exercício da liberdade não deve estar abaixo da instrumentalização, quando pensamos em
formar cidadãos. Ter habilidades e conhecimentos necessários à vida adulta não é suficiente
para garantir a consciência do processo político, nem da força de ser um cidadão. Se a prática
política é parte elementar do processo político que o aluno precisa conhecer, deve complementar
a teoria com a prática política. E em que consiste essa prática? Em ações que busquem não o
interesse particular ou a destruição da instituição, mas interesses comuns, interesses públicos.
Essas ações devem pautar-se por orientações normativas, que determinam limites e garantem
direitos claros. Por fim, se essas ações devem partir dos alunos, eles devem ter o direito de
um espaço para manifestar seus interesses. Isso só não terá sentido se os alunos não tiverem
interesses comuns compatíveis com a instituição; se a escola não se assumir como um espaço
para o exercício da cidadania; se aos alunos for negado o direito de se manifestarem; se os
alunos forem considerados inaptos para exercer cidadania.
A grande armadilha administrativa é permitir que as noções universais ordenadoras da escola se
cristalizem e acabem reprimindo os alunos. Mas fica difícil debater isto com as administrações
escolares quando estas precisam lidar com alunos oriundos de uma cultura violenta, irresponsável
e sem compromisso; quando alunos chegam na escola encarnando a lei do mais forte e agindo
como se cada espaço dado a eles fosse um sinal de fraqueza da escola; quando cada espaço
dado aos alunos torna-se espaço para exercer sua força sem compromisso. Essa postura não é
uma unanimidade entre os alunos, mas a existência de alunos assim é facilmente reconhecida
no enfrentamento que eles fazem aos professores, na busca de realizar desejos que fogem
inteiramente aos objetivos de ensino-aprendizado. E mesmo os alunos que não vivem um
enfrentamento com os professores consideram sinal de fraqueza ceder espaço a esses alunos
agressivos. Este é o caso em que as manifestações dos alunos não se compatibilizam com a
escola: a escola não é um espaço para a simples reprodução, mas para o desenvolvimento.
É preciso, por outro lado, descobrir os alunos envolvidos em atividades criativas, artísticas,
esportivas etc. Se há alunos em busca de espaço para manifestar sua criação ou sua habilidade.
34 Ensimo Médio
30. Filosofia
Para os alunos “criadores”, a escola deve abrir espaço, para os alunos “baderneiros!” não.
Se há o interesse em conhecer as produções dos alunos, pode-se tentar abrir o espaço aos
interessados.
Se a vida de um aluno na escola desenvolve-se sob um regime totalitário, e toda a manifestação
de liberdade tem um clima de interdito, um clima parecido com o de algumas imagens sociais
muito difundidas sobre hierarquia de poder e poder da força, então poderemos enquadrar as
seguintes dificuldades: a escola não se assume como um espaço para o exercício da cidadania,
não permite aos alunos se manifestarem, nem considera os alunos aptos para a cidadania.
Primeiro, esperar o desenvolvimento cidadão onde não há espaço para um cidadão é como
esperar nascer uma planta no asfalto. Se a escola não for espaço para a cidadania, não pode
tentar desenvolvê-la nos alunos. Segundo, formar cidadãos sem que os aprendizes se manifestem
é como tentar ensinar futebol sem tocar numa bola. O uso da palavra como elemento de
enfrentamento é condição para a cidadania. Terceiro, não podemos esperar alguém tornar-se
apto para a cidadania e só depois dar-lhe o direito para isto, senão estaremos vinculando o
direito a uma aptidão: só terão direito à cidadania aqueles que forem aptos! E quem decide
quem é apto para a cidadania? Ninguém, a cidadania é um direito de todos.
A escola não deve ser para o aluno um outro, que mesmo diante da boa vontade de alguns
professores, existe para ensinar-lhe coisas das quais não consegue retirar nenhum sentido, mas
ainda assim deverá aprender, e de alguma forma muito nebulosa aceitar, para conseguir emprego
ou passar no vestibular. Pois, em geral, o sentido estabelecido pelos alunos não está ligado nem
ao conhecimento oferecido pela escola, nem a uma idéia de cidadania, mas no diploma, como
uma espécie de status exigido para participar de algumas entrevistas de emprego. Assim, muitos
alunos, longe de desejar uma vida democrática, nem mesmo se interessam pelos conteúdos
oferecidos e, por vezes, sequer querem ir à escola. Por contraditório que seja, os “bons alunos”
são os que aceitam as normas sem nunca manifestar sua insatisfação ou lutarem contra elas, e
os alunos que desenvolvem um valor de liberdade, mesmo que distorcido e irresponsável, estão
sempre em confronto com as normas e insatisfeitos com a escola, não valorizam a escola e não
ligam de arriscar suas notas. Ou seja, nem o aluno “comportado”, nem o “bagunceiro” está se
aproximando do sentido de cidadania. E sabemos que o aluno ativo não pode se manter fora
do grupo, à margem, nem considerar a ordem existente como intocável.
Agora, após observar as condições, objetivos e alguns empecilhos para a formação cidadã,
cabe-nos encontrar caminhos para viabilizar tal formação cidadã e vislumbrar, dentro desses
caminhos, a parcela que cabe aos professores de Filosofia.
3. INDICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR
DE FILOSOFIA
O trabalho para formação cidadã, por tudo o que já foi dito até aqui, deve envolver manifestação
de pensamento e atividade coletiva, e ambas precisam abordar os assuntos referentes à
A Formação do Cidadão e a Filosofia 35
31. comunidade escolar ou à sociedade como um todo. Tendo em vista o trabalho do professor de
Filosofia, pode-se indicar uma estratégia, pautada em dois pontos: o material e as atividades.
Pode-se centrar o trabalho em uma dessas três atividades ligadas à leitura: debate, pesquisa
e redação. O debate deve ser mais que um bate-boca, uma tentativa de afirmar, defender e
derrubar teses. Para isso, as idéias expressas pelos alunos devem ser apontadas em forma de
proposição para serem avaliadas. Mas, para que o debate não se torne uma guerra, deve-se
manter claro o que buscamos: entender algo a respeito de um assunto, descobrindo idéias
coerentes e defensáveis, e eliminando idéias incoerentes e indefensáveis. A pesquisa é proposta
no sentido de conhecer a opinião pública, o senso comum, a respeito do assunto tratado. Isto
exigirá, primeiro, que os alunos formulem perguntas objetivas; segundo, que eles avaliem o
resultado da pesquisa, relacionando com as teses conhecidas (tenham surgido do debate ou da
leitura). As perguntas devem ser pensadas com o professor (e não pelo professor) e aprovadas
por ele. A redação pode enfocar a defesa de idéias, uma crítica sobre o resultado da leitura, da
pesquisa ou do debate; mas também pode consistir em propostas dentro do tema, no intuito
de corrigir os problemas encontrados.
O material básico será a fonte de leitura, que pode aparecer em três situações: um despertar
para o assunto, uma definição conceitual e uma abordagem filosófica propriamente dita. Para
debate não precisa ser um texto filosófico, pode ser trecho de obra literária, propaganda, objeto,
música ou qualquer outro, desde que seja associado ao assunto e incentive interpretações dos
alunos. Ou seja, algo que chame a atenção do aluno e provoque sua fala. Definições conceituais
podem ser encontradas em dicionários de Filosofia, mas também em dicionários da Língua
Portuguesa. Mas não pode faltar a leitura de um trecho de texto filosófico, pois o objetivo
da disciplina Filosofia é alcançar a expressão pública das idéias e sua defesa racional, o que
acontece no texto filosófico; mas devemos evitar trechos demasiadamente complexos, para
não tornar o trabalho de esclarecimento demasiado cansativo.
4. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
Tema: Liberdade e direito à liberdade.
Duração: 3h/aula + 2 atividades extraclasse
1º) Material
AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA
1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano
sofra algum mal.
2 – Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos
casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
36 Ensimo Médio
32. Filosofia
3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito
com a Primeira e a Segunda Leis.
MANUAL DE ROBÓTICA
56ª Edição, 2058.
Texto para debate: Asimov, Isaac. As três leis da robótica. In: Eu, robô.
Ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ele concebe o bem-estar dos
outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa,
contanto que não cause dano à liberdade dos outros (isto é, ao direito de outrem) aspirarem a
um fim semelhante, e que pode coexistir com a liberdade de cada um, segundo uma lei universal
possível. – Um governo que se erigisse sobre o princípio da benevolência para com o povo à
maneira de um pai relativamente aos seus filhos, isto é, um governo paternal (imperium paternale),
onde, por conseguinte, os súditos, como crianças menores que ainda não podem distinguir o
que lhes é verdadeiramente útil ou prejudicial, são obrigados a comportar-se apenas de modo
passivo, a fim de esperarem somente do juízo do chefe do Estado a maneira como devem
ser felizes, e apenas da sua bondade que ele também o queira – um tal governo é o maior
despotismo que pensar se pode (constituição, que suprime toda a liberdade dos súditos, os quais,
por conseguinte, não têm direito algum). Não é o governo paternal, mas um governo patriótico
(imperium, non paternale, sed patrioticum), o único concebível para homens capazes de direitos, ao
mesmo tempo em relação com a benevolência do soberano. Com efeito, o modo de pensar é
patriótico quando cada qual no Estado (sem excetuar o chefe) considera a comunidade como o
seio materno, ou o país como o solo paterno de que provém e no qual nasceu, e que deve deixar
também atrás de si como um penhor precioso para unicamente preservar os direitos do mesmo
mediante leis da vontade comum, mas não para se sentir autorizado a dispor dele segundo o
seu capricho incondicional. – Este direito da liberdade advém-lhe, a ele que é membro de uma
comunidade, enquanto homem, ou seja, enquanto ser que em geral é capaz de direitos.
Texto filosófico selecionado em: Kant, Immanuel. Da relação da teoria à prática no direito
político. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70.
2º) Procedimento
1- Ler com os alunos as três leis da robótica e realizar um debate. Podemos propor questões
como: Os robôs são livres? Por quê? Os homens são livres? Por quê? Os robôs fazem ações
além das previstas nas três leis? Por quê? (Precisaria de outra lei? Precisaria ter desejos ou
sentimentos?) Os homens fazem ações além das previstas por lei? O que as leis pedem aos
homens? As leis determinam nossas ações? Podem ser usadas para nos controlar?
2- Apontar definições e conceitos. Pode ser ao final, sintetizando, ou no decorrer do debate,
para dar um impulso. Conceitos-chave: liberdade, determinação, limites. Idéias abordáveis:
natureza humana, controle social, autonomia e heteronomia. A intenção não é de fazê-los
decorar, mas de dar apoio à leitura.
A Formação do Cidadão e a Filosofia 37
33. 3- Ler o trecho de Kant buscando a idéia principal (o direito à liberdade) e sua defesa. Depois
avaliar se está de acordo com as conclusões do debate e com os conceitos apresentados. Pode-
se, então, pedir aos alunos que apontem a idéia principal do texto e sua defesa em uma redação
própria.
4- Pode-se ainda debater a relação entre direito à liberdade, limites e a escola, e como eles
pensam que deveria ser a participação dos alunos dentro dela. Isto pode gerar um texto crítico,
ou uma pesquisa de opinião entre os membros da escola.
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
Para introduzir questões
1. Eu, Etiqueta. In: Corpo. Drummond de Andrade, Carlos.
Temas abordáveis: alienação, ideologia.
2. O Operário em Construção. In: Nossa Senhora de Paris. Moraes, Vinicius de.
Temas abordáveis: alienação, ideologia, uso do poder, desigualdade social.
3. Carta testamento de Getúlio Vargas.
Temas abordáveis: paternalismo, consciência política, soberania.
4. Eu tenho um sonho. Discurso de Martin Luther King na Marcha para Washington.
Temas abordáveis: liberdade, direitos civis, desigualdade social, preconceito.
Filosóficas
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Ed. UNB, (Ed. M.G.Kury), 1999.
_________ . A Política. São Paulo: M. Fontes, 1991 (Ed. R.L.Ferreira).
PLATÃO. A República. Trad. de M.H.R. Pereira. Lisboa: F.C.G., 1987.
HEGEL, F.W. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, col. Os pensadores,
1974 (ed. A. Pinto de Carvalho).
KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70.
MORUS, Thomas. A Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
NIETZSCHE, F.W. Genealogia da Moral, São Paulo, Companhia das Letras, 998, (Ed. P.C. de
Souza).
_________ . Além do bem e do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 1999,(Ed. P.C. de Souza).
Em especial o § 26, onde são abordáveis: divisão social, valores sociais.
38 Ensimo Médio
34. Filosofia
_________ . Assim falava Zaratustra. Em especial os capítulos “Das três transformações” e “Do
novo ídolo”.
RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977, (Ed. H.
Japiassu).
RUSSELL, Bertrand. Elogio do lazer. Zahar Editores. Rio de Janeiro, RJ. Em especial o primeiro
capítulo: divisão social, trabalho, ideologia, civilização.
HOBBES. Leviatã. Os pensadores. Nova Cultural. São Paulo, SP. Em especial os cap. X, XIV,
XVII e XX, mas usando trechos curtos e específicos.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. In: http://www.dominiopublico.gov.br/. Em
especial os cap. “O fato das aglomerações” e “A época do mocinho satisfeito”.
Outros livros disponíveis no site http://www.dominiopublico.gov.br/
MAQUIAVEL. O Príncipe.
ROUSSEAU. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.
_________ . Do contrato social.
MARX. Manuscritos econômico-filosóficos.
LUKÁCS, George. Consciência de Classe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais (Ensino Médio) – Parte IV – Ciências
Humanas e suas Tecnologias.
RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questões colocadas pelos movimentos sociais. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 113-128, jul./dez. 2002.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
GIORDANO, Rosely. Políticas da educação e sistemas filosóficos: a vontade da exclusão. Cad. CEDES
v.24 n.64 Campinas set./dez. 2004
A Formação do Cidadão e a Filosofia 39
35. AULAS DE FILOSOFIA EM LÍNGUA PORTUGUESA
Resumo
Considerações sobre a produção filosófica em Língua
Portuguesa. Ampliação do conceito de texto filosófico ou de
temática filosófica. Vantagens da interdisciplinaridade com as
disciplinas de Literatura e Língua Portuguesa para a formação
das capacidades lingüísticas.
“Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção.”
Caetano Veloso, Língua in: Velô, 1984.
Na controversa questão do ensino de Filosofia no Brasil, encontramos diversas propostas
para sua prática nas escolas brasileiras. Devido a problemas de ordem estrutural e histórica, a
educação brasileira ainda caminha em busca de seus paradigmas. Nesta intermitente progressão,
o ensino de Filosofia algumas vezes foi excluído (como na lei 5692/71), de forma que não
consolidou, até hoje, uma tradição mais consistente.
Trazida pelos padres jesuítas no período colonial, a Filosofia até os dias de hoje é pensada como
um saber adjacente e improdutivo na escola brasileira. Permanecendo à margem na formação
humanística da maioria dos brasileiros, o discurso filosófico ressoa como uma falação estranha
e acessível a poucos. Desta forma, o lugar da Filosofia passou a ser, e continua sendo, em
nossa formação humanista, um estar entre o que é disperso pela cultura literária geral e o que
é estreitamente acadêmico-universitário.
No Brasil, a responsabilidade do saber filosófico foi tradicionalmente confiada à universidade.
Contudo, a experiência acadêmica com tais valores produziu pouco de realmente significativo
e inovador dentro da cultura mais ampla. A Filosofia, dentro da visão acadêmica brasileira, tem
permanecido pouco dinâmica e muito atrelada a cânones estrangeiros, e não falamos apenas dos
clássicos, o que seria natural, visto a Filosofia ser um legado de todo o Ocidente. Na academia,
raramente surge algum movimento de reflexão da realidade a partir de algum pensamento
de nossa vivência – uma experiência tal como a de Ariano Suassuna, escritor e professor da
cadeira de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, que repercute a cultura popular e
cria a partir dela (Movimento Armorial), é, de fato, uma entre poucas exceções.
40 Ensimo Médio
36. Filosofia
Porém, mesmo que de forma heterodoxa, a tradição cultural literária em Língua Portuguesa
provocou manifestações de pensamento que acumularam de modo não sistemático valores
que podemos chamar de filosóficos. Saindo do contexto acadêmico, certas questões próprias
da Filosofia manifestaram-se por variadas vias. Essa produção não acadêmica de questões
filosóficas, essa Filosofia alternativa tem provocado discussões dentro e fora da academia, às
vezes mais do que as originadas na academia. Compreender o que é Filosofia, compondo o
que é tradicional com o que é alternativo, não é algo evidente. Porém, é nessa composição do
alternativo com o tradicional que poderemos trilhar um sentido efetivo, e ao mesmo tempo
mais atraente, para a Filosofia na escola. Nas dificuldades com a docência tradicional de ensino
de Filosofia, baseada em textos de autores clássicos, acabamos por procurar a Filosofia também
em outros meios, tais como a literatura e a música quiçá por encontrar neste campo elementos
mais próximos de uma vivência autêntica e original do pensamento. Dado o caráter introdutório
da Filosofia no Ensino Médio, tais vias não são apenas pedagogicamente mais eficazes, como
servem também de entrada para os textos clássicos da História da Filosofia.
Se pudermos apontar um método corrente para o ensino da Filosofia, certamente uma ampla
maioria concordará que uma boa formação filosófica passa pelo esclarecimento de questões
apresentadas pelos pensadores clássicos e tradicionais da Filosofia. Mas o problema central
do Ensino Médio está em como chegar a esses textos tradicionais sem afastar o interesse do
aluno com a complexidade e estranheza inerente aos mesmos. Sem entrar na questão de definir
a tradição ortodoxa (o que, em Filosofia, sempre é um problema, visto que a mesma é por
demais fecunda), voltemos um olhar a tudo o que pode ser filosófico. Aquilo que realiza uma
atitude filosófica, ou seja, uma perspectiva de reflexão.
Com esta ampliação do olhar, possibilitamos, também, uma ativa reflexão sobre a produção
filosófica em Língua Portuguesa, em particular a que compõe a história da Filosofia no Brasil.
Essa polêmica discussão — existência ou não de significativa Filosofia na história do pensamento
brasileiro — nos induz a indagar: devemos procurar questões filosóficas estritamente no que
é produzido dentro da academia? Tal indagação pretende, entre outras coisas, renovar o olhar
do professor quanto ao material que pode ser explorado em sua prática docente, assim como
evitar uma inocente banalização da Filosofia, em que qualquer coisa, qualquer objeto cultural,
possa ser tomada como objeto filosófico. Não queremos, também, perder de vista os objetivos
formadores do ensino de Filosofia, por ficarmos restritos à prática muito comum, porque fácil,
do debate sobre qualquer tema, e de qualquer modo.
Importante é ressaltar um aspecto metodológico do uso da Filosofia em Língua Portuguesa.
Nenhum texto, música, filme ou qualquer outro meio deverá ser apresentado como filosófico
sem o direito de sê-lo, quer dizer, sem que o professor justifique o por quê de tratá-lo como
tal. Sem isso, banaliza-se a Filosofia. Isto não impede que outras coisas do quotidiano sejam
objeto de reflexão, i.e., objeto de uma abordagem filosófica, mas deve ficar clara a diferença
entre um texto não filosófico estudado por uma perspectiva filosófica e um texto que não faz
parte da ortodoxia filosófica acadêmica mas que contém, de fato, reflexões filosóficas e pode
ser considerado como tal. O que devemos fazer, na qualidade de professores dessa disciplina,
é relacionar o pensamento produzido em Língua Portuguesa com a tradição filosófica geral.
Podemos até contrastar, de um lado, o que pode ser uma reflexão filosófica com, de outro,
Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 41
37. aquilo que efetivamente não o é. Nem sempre é tão fácil fazê-lo, mas a dificuldade, nesse caso,
serve à compreensão das fronteiras da Filosofia; como diz o poeta Alberto Pucheu1: fronteiras
desguarnecidas.
1. COMO ENCONTRAR QUESTÕES FILOSÓFICAS EM TEXTOS
ORIGINAIS EM LÍNGUA PORTUGUESA?
Para começar, podemos ter um olhar mais filosófico sobre nossos autores literários. As
questões filosóficas que a Língua Portuguesa evoca a partir de sua escritura são, muitas vezes,
ora questões estéticas: “Ora, a literatura para que valha alguma coisa, há de ser o resultado
emocional da experiência humana”.2; ora metafísicas existenciais: “Eu estava agora tão maior
que não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longo. Eu era ao longe.[...] como
poderei dizer se não timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o
que digo. Então adoro.”3 E ontológicas, como na filosofia sensacionista de Fernando Pessoa4:
“Vi que não há Natureza,/Que Natureza não existe,/Que há montes, vales, planícies,/Que há
arvores, flores, ervas,/Que há rios e pedras,/Mas que não há um todo a que isso pertença,/Que
um conjunto real e verdadeiro/ É uma doença das nossas idéias.”5 Estes são apenas alguns
exemplos.
Nesse campo, encontraremos questões filosóficas, ainda que nas formas próprias da literatura:
o romance, o sermão, o poema, a canção. Autores como Fernando Pessoa, Antônio Vieira,
Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Carlos Drummond
de Andrade, José Saramago e muitos outros abordarão de forma não-conceitual questões
claramente filosóficas. Mas, às vezes, também encontraremos a Filosofia em Língua Portuguesa
na forma de ensaios e tratados filosóficos, com um uso conceitual autêntico, como em
Fernando Pessoa, Farias Brito, Eudoro de Sousa ou José Gil. É importante também saber que
um conteúdo filosófico pode se apresentar em diversas formas de escritura: desde os poemas
dos Pré-Socráticos e diálogos de Platão, até os tratados sistemáticos de Hegel e aforismos de
Nietszche.
Atentos à possibilidade filosófica contida na Língua Portuguesa, podemos aproximar a filosofia
da realidade em sala de aula. De fato, é raro encontrar alunos que tenham lido algum tratado de
Filosofia, porém, muitos deles já ouviram falar e até mesmo já leram algum autor que escreve
em Língua Portuguesa. Muitas vezes são autores que já despertaram preferências e até paixões.
Essa aproximação entre filosofia e literatura é apenas uma de tantas possibilidades do estudo
de autores da língua mátria, pois há também textos interessantes no domínio da Antropologia
1 PUCHEU, Alberto. A fronteira desguarnecida. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.
2 ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio, 1916. 3ª ed.. Rio: José Olympio, 1954. p.308.
3 LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H.
4 Um conceito elaborado por Fernando Pessoa: perspectiva filosófica em que só existem como coisas reais as sensações.
5 PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. p.70.
42 Ensimo Médio
38. Filosofia
e demais Ciências Humanas. Nessa perspectiva, temos uma ferramenta vital para a introdução
às questões filosóficas.
Um uso de tais materiais textuais aproxima, evidentemente, o curso de Filosofia das disciplinas
de Literatura e Língua Portuguesa. Vale lembrar que, entre os autores filosoficamente
aproveitáveis, estão os maiores mestres da língua, como já citamos. Essa interdisciplinaridade
pode e deve ser explorada em atividades elaboradas em conjunto com os professores dessas
áreas. O resultado pedagógico amplia-se para a aprendizagem de um melhor uso da língua,
tanto no que se refere à sua compreensão quanto à sua escritura.
A produção filosófica em Língua Portuguesa contribui de forma vital para o início do
aprendizado de Filosofia, visto que é mais fácil para o aluno compreender o que se pensou
a partir de um contexto mais próximo. É preciso ressaltar que esta não é, de modo algum,
uma preferência de ordem xenófoba, excludente dos textos clássicos da História da Filosofia
Ocidental. Ao contrário, trata-se de alçar a Língua Portuguesa à condição cosmopolita que
pode lhe conferir a universalidade dos problemas filosóficos, universalidade conquistada por
todas as culturas que produziram filosofia, desde os gregos até nós.
A inserção de material didático alternativo provoca no ambiente escolar uma nova visão sobre a
Filosofia, mas também uma nova visão sobre nossa própria produção cultural e nossa tarefa de
semeá-la e cultivá-la. Como vimos, os seus efeitos não se restringem aos objetivos específicos
da disciplina Filosofia, mas repercutem em toda a formação do aluno, especialmente no
desenvolvimento de suas capacidades lingüísticas.
2. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
1. O que caracteriza um texto como filosófico?
Duração: 2h./aula para cada versão
Primeira versão
Apresentar dois textos sobre um mesmo assunto, um filosófico, outro não. Listar as diferenças
entre os dois, com ajuda da turma. Depois, apresentar um novo tema e propor uma nova
questão. Dividir, então, a turma em dois grupos e pedir a cada integrante dos grupos a produção
um texto sobre a questão proposta. Ao primeiro grupo, um texto que aborde a questão de
forma não filosófica. Ao outro, um texto que aborde a questão de forma filosófica. Ao final, os
alunos deverão descobrir e listar as diferenças entre um e outro.
Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 43
39. Segunda versão
Repetir os procedimentos descritos acima, mas, desta vez, utilizar três fontes didáticas para
o exercício: material filosófico em Língua Portuguesa; material não filosófico em Língua
Portuguesa e um texto filosófico tradicional da História da Filosofia.
2. A Filosofia em diversos estilos
Duração: 2h./aula
Apresentar um fragmento de texto filosófico a ser selecionado a partir do tema que estiver sendo
estudado. Ler o texto com a turma e realizar um debate aberto estimulando a interpretação.
Posteriormente, propor a transcrição do texto em estilos diferentes (diálogo, poesia, rap, carta
ou o que mais for sugerido pelos próprios alunos). A transcrição possibilita ao aluno identificar
o que há de essencial no texto, para, a partir daí, transformar apenas a maneira de dizê-lo.
3. Exemplos de bibliografia em Língua Portuguesa
a) literariamente filosófica
ANDRADE, Carlos Drummond de. O corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões.
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: N. Fronteira, 1986.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H.
MACHADO DE ASSIS, J. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Tecnoprint.
_________ . Quincas Borba. Rio de Janeiro: Tecnoprint.
PESSOA, Fernando. Obra poética.
SARAMAGO, José. Memorial do convento. Lisboa: Caminho, 1995.
VIEIRA, Antônio. Obras completas, Porto: Lello, 1951.
44 Ensimo Médio
40. Filosofia
b) estritamente filosófica
BOTELHO, Afonso & BRAZ TEIXEIRA, Antônio (org.). Filosofia da saudade. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1986.
CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes.
GIL, José. Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio d’água, 1997.
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Ática, 1989.
PESSOA, Fernando. Obras em prosa.
QUADROS, Antônio. O espírito da cultura portuguesa, Lisboa: Soc. Expansão Cultural, 1967.
SOUZA, Eudoro de. Mitologia. Brasília: Ed UnB, 1980.
SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. Recife: UFPe, 1974.
_________ . Iniciação à estética. Recife: UFPe, 1975.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: 1916; 3ª ed., José Olympio,
1954 p.308
GALLO, Sílvio & KOHAN, Walter Omar. Filosofia no Ensino Médio. 2ª ed. Petrópolis: Vozes.
PLATÃO. A República. 2ª. ed. São Paulo: Difel, 1973.
SANTORO, Fernando. Le Portugais, langue baroque, In : Vocabulaire Européen des Philosophies.
Paris : Le Robert/ Seuil, 2004 pp. 967-977.
Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 45