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FILOSOFIA CLÍNICA: INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE PENSAMENTO1
por
MONICA AIUB
São Vicente, fevereiro de 2001.
Os procedimentos clínicos consistem em intervenções no processo de pensamento do
partilhante. Essas intervenções iniciam-se desde o primeiro contato entre o filósofo
clínico e a pessoa.
O primeiro momento da clínica - exames categoriais - já constitui uma intervenção, pois
o filósofo clínico solicita que a pessoa conte sua história de forma ordenada, desde seu
nascimento até os dias atuais. Ao fazê-lo, a pessoa evoca imagens de sua história,
direciona sua atenção para fatos ocorridos em tempos passados, relaciona tais fatos a
outros, e tudo isso produz um movimento em sua estrutura de pensamento.
“O conhecimento factual necessário para o raciocínio e para a tomada de
decisões chega à mente sob a forma de imagens. (...) Essas diversas imagens -
perceptivas, evocadas a partir do passado real e evocadas a partir de planos
para o futuro são construções do cérebro (...) Todos possuímos provas concretas
de que sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não
obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão
reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a idade e experiência se
modificam, as versões da mesma coisa evoluem. (DAMÁSIO, 1996: 123, 124 e
128 respectivamente)
O que ocorre quando o filósofo clínico pede à pessoa que conte sua história
ordenadamente, é a evocação de imagens do passado real. Imagens que talvez não fossem
evocadas se o filósofo clínico não solicitasse. Ao recordá-las a pessoa produz uma nova
interpretação, uma versão evoluída. Como as imagens solicitadas são cronológicas, a
versão de toda a história da pessoa pode ser re-interpretada, re-pensada, re-fletida. Por
isso, em alguns casos, basta à pessoa ordenar sua história para resolver suas questões,
como nos ensinou, diversas vezes, Lúcio Packter.
Solicitar essa ordenação é uma intervenção direta no pensamento da pessoa e, em si,
contém riscos, como por exemplo, afrontar a pessoa. Porém, comparando-se às
intervenções feitas quando o filósofo clínico utiliza os submodos, é mínima,
considerando que o filósofo clínico cuidará para não interferir nessa história, buscando
sempre a interpretação da própria pessoa, e jamais, oferecendo a dele.
1
Publicado no site www.filosofiaclinica.com.br em fevereiro de 2001.
Outras vezes, somente a re-interpretação dessas imagens não é suficiente para resolver as
questões das pessoas. Nesse caso, outros procedimentos clínicos tentarão evocar imagens
a partir de planos para o futuro, ou produzir imagens perceptivas.
Além de organizar lógica e cronologicamente a história da pessoa, sabemos que os
exames categoriais têm a função de localizá-la existencialmente, ou seja, fornecem ao
filósofo clínico, os dados necessários para compreender a pessoa e sua história, para
situar suas questões dentro de um contexto, para traçar as circunstâncias dela.
De posse desses dados, o filósofo clínico poderá preparar-se para intervenções mais
diretas no pensamento de seu partilhante. Para tal, montará a Estrutura de Pensamento
dele, e planejará suas ações para o uso dos submodos. Nesse momento, organizará os
dados colhidos durante os exames categoriais e escolherá as formas de intervenção mais
apropriadas à pessoa. Sabemos que a Filosofia Clínica parte da pessoa e não da teoria, daí
a necessidade de conhecê-la para depois intervir.
“Imagine o que é conviver com alguém que não julgará suas ações, que não
colocará você num enquadramento tipológico, que acompanhará
existencialmente você respeitando o modo como você é, que estará ao lado
quando for para ser e que evitará afrontamentos inúteis à maneira como você se
estruturou”(PACKTER, 1997: 63).
Os processos citados permitem um certo grau de previsibilidade das reações da pessoa,
permitindo que tais intervenções sejam feitas de maneira segura. Então, inicia-se o uso
dos submodos.
Toda vez que um submodo é utilizado, imagens são criadas ou evocadas, gerando novos
movimentos na estrutura de pensamento. Por exemplo, se utilizo o submodo “em direção
às sensações” uma imagem perceptiva será produzida, a atenção da pessoa será
encaminhada às sensações, seu pensamento será movimentado nessa direção. Se utilizar o
submodo “roteirizar”, imagens do passado ou do futuro serão evocadas para constituírem
o roteiro da história, e a própria história roteirizada será uma imagem, para a qual o
pensamento será direcionado.
“O cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por circuitos
bioquímicos e neurais recíprocos dirigidos um para o outro (...)
Não é apenas a separação entre mente e cérebro que é um mito. É provável que a
separação entre mente e corpo não seja menos fictícia. A mente encontra-se
incorporada, na plena acepção da palavra, e não apenas cerebralizada” (113-
146).
Os trechos citados são de António Damasio, em O Erro de Descartes, e mostram-nos
que não é possível dissociar corpo e mente, um dos princípios da Filosofia Clínica é
justamente esse, a não dissociação entre corpo e mente. Quando interferimos no
pensamento, interferimos na pessoa, que é um todo, indissociável.
“(...) A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma notória a regulação dos
hormônios sexuais, provocando não só mudanças no impulso sexual, mas também
variações no ciclo menstrual. A perda de alguém que se ama profundamente,
mais uma vez um estado dependente de processamento cerebral amplo, leva a
uma depressão do sistema imunológico, a ponto de os indivíduos se tornarem
mais propensos a infecções e, em conseqüência direta ou indireta, mais
suscetíveis a desenvolver determinados tipos de câncer. Pode-se morrer de
desgosto, na realidade, tal como na poesia. Claro que a influência no sentido
inverso, a de substâncias químicas do corpo no cérebro, também tem sido
observada. É bem sabido que o tabaco, o álcool e as drogas (médicas ou não)
penetram no cérebro e influenciam em seu funcionamento, alterando desse modo
também a mente”(DAMÁSIO, 1996: 148-9).
Por isso, intervenções no pensamento podem ser importantes para a pessoa, podem
direcionar sua vidas para mudanças nas formas de agir, de pensar, de lidar com suas
questões. Assim como substâncias químicas alteram nosso pensamento e nosso
comportamento, idéias também possuem essa propriedade.
A Filosofia Clínica, ao fazer essas intervenções, estará movimentando a estrutura de
pensamento do partilhante numa determinada direção, e tal movimento poderá gerar
transformações na pessoa, tanto na forma de pensar, no comportamento, como no aspecto
físico. Para ilustrar essa afirmação utilizo meu próprio exemplo: após submeter-me à
Filosofia Clínica, modifiquei diversos aspectos de meu agir e pensar, mas modifiquei
também fisicamente, 30 quilos a menos e nenhuma crise de asma no último ano. Como
isso ocorreu? Talvez o filósofo clínico responsável por esse trabalho, Lúcio Packter,
possa explicar melhor, mas sem dúvida, atribuo essas modificações aos efeitos da
Filosofia Clínica.
Bibliografia:
DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
PACKTER, L. Filosofia Clínica: Propedêutica. Porto Alegre: AGE, 1997.

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  • 1. FILOSOFIA CLÍNICA: INTERVENÇÕES NO PROCESSO DE PENSAMENTO1 por MONICA AIUB São Vicente, fevereiro de 2001. Os procedimentos clínicos consistem em intervenções no processo de pensamento do partilhante. Essas intervenções iniciam-se desde o primeiro contato entre o filósofo clínico e a pessoa. O primeiro momento da clínica - exames categoriais - já constitui uma intervenção, pois o filósofo clínico solicita que a pessoa conte sua história de forma ordenada, desde seu nascimento até os dias atuais. Ao fazê-lo, a pessoa evoca imagens de sua história, direciona sua atenção para fatos ocorridos em tempos passados, relaciona tais fatos a outros, e tudo isso produz um movimento em sua estrutura de pensamento. “O conhecimento factual necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens. (...) Essas diversas imagens - perceptivas, evocadas a partir do passado real e evocadas a partir de planos para o futuro são construções do cérebro (...) Todos possuímos provas concretas de que sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a idade e experiência se modificam, as versões da mesma coisa evoluem. (DAMÁSIO, 1996: 123, 124 e 128 respectivamente) O que ocorre quando o filósofo clínico pede à pessoa que conte sua história ordenadamente, é a evocação de imagens do passado real. Imagens que talvez não fossem evocadas se o filósofo clínico não solicitasse. Ao recordá-las a pessoa produz uma nova interpretação, uma versão evoluída. Como as imagens solicitadas são cronológicas, a versão de toda a história da pessoa pode ser re-interpretada, re-pensada, re-fletida. Por isso, em alguns casos, basta à pessoa ordenar sua história para resolver suas questões, como nos ensinou, diversas vezes, Lúcio Packter. Solicitar essa ordenação é uma intervenção direta no pensamento da pessoa e, em si, contém riscos, como por exemplo, afrontar a pessoa. Porém, comparando-se às intervenções feitas quando o filósofo clínico utiliza os submodos, é mínima, considerando que o filósofo clínico cuidará para não interferir nessa história, buscando sempre a interpretação da própria pessoa, e jamais, oferecendo a dele. 1 Publicado no site www.filosofiaclinica.com.br em fevereiro de 2001.
  • 2. Outras vezes, somente a re-interpretação dessas imagens não é suficiente para resolver as questões das pessoas. Nesse caso, outros procedimentos clínicos tentarão evocar imagens a partir de planos para o futuro, ou produzir imagens perceptivas. Além de organizar lógica e cronologicamente a história da pessoa, sabemos que os exames categoriais têm a função de localizá-la existencialmente, ou seja, fornecem ao filósofo clínico, os dados necessários para compreender a pessoa e sua história, para situar suas questões dentro de um contexto, para traçar as circunstâncias dela. De posse desses dados, o filósofo clínico poderá preparar-se para intervenções mais diretas no pensamento de seu partilhante. Para tal, montará a Estrutura de Pensamento dele, e planejará suas ações para o uso dos submodos. Nesse momento, organizará os dados colhidos durante os exames categoriais e escolherá as formas de intervenção mais apropriadas à pessoa. Sabemos que a Filosofia Clínica parte da pessoa e não da teoria, daí a necessidade de conhecê-la para depois intervir. “Imagine o que é conviver com alguém que não julgará suas ações, que não colocará você num enquadramento tipológico, que acompanhará existencialmente você respeitando o modo como você é, que estará ao lado quando for para ser e que evitará afrontamentos inúteis à maneira como você se estruturou”(PACKTER, 1997: 63). Os processos citados permitem um certo grau de previsibilidade das reações da pessoa, permitindo que tais intervenções sejam feitas de maneira segura. Então, inicia-se o uso dos submodos. Toda vez que um submodo é utilizado, imagens são criadas ou evocadas, gerando novos movimentos na estrutura de pensamento. Por exemplo, se utilizo o submodo “em direção às sensações” uma imagem perceptiva será produzida, a atenção da pessoa será encaminhada às sensações, seu pensamento será movimentado nessa direção. Se utilizar o submodo “roteirizar”, imagens do passado ou do futuro serão evocadas para constituírem o roteiro da história, e a própria história roteirizada será uma imagem, para a qual o pensamento será direcionado. “O cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos dirigidos um para o outro (...) Não é apenas a separação entre mente e cérebro que é um mito. É provável que a separação entre mente e corpo não seja menos fictícia. A mente encontra-se incorporada, na plena acepção da palavra, e não apenas cerebralizada” (113- 146). Os trechos citados são de António Damasio, em O Erro de Descartes, e mostram-nos que não é possível dissociar corpo e mente, um dos princípios da Filosofia Clínica é justamente esse, a não dissociação entre corpo e mente. Quando interferimos no pensamento, interferimos na pessoa, que é um todo, indissociável.
  • 3. “(...) A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma notória a regulação dos hormônios sexuais, provocando não só mudanças no impulso sexual, mas também variações no ciclo menstrual. A perda de alguém que se ama profundamente, mais uma vez um estado dependente de processamento cerebral amplo, leva a uma depressão do sistema imunológico, a ponto de os indivíduos se tornarem mais propensos a infecções e, em conseqüência direta ou indireta, mais suscetíveis a desenvolver determinados tipos de câncer. Pode-se morrer de desgosto, na realidade, tal como na poesia. Claro que a influência no sentido inverso, a de substâncias químicas do corpo no cérebro, também tem sido observada. É bem sabido que o tabaco, o álcool e as drogas (médicas ou não) penetram no cérebro e influenciam em seu funcionamento, alterando desse modo também a mente”(DAMÁSIO, 1996: 148-9). Por isso, intervenções no pensamento podem ser importantes para a pessoa, podem direcionar sua vidas para mudanças nas formas de agir, de pensar, de lidar com suas questões. Assim como substâncias químicas alteram nosso pensamento e nosso comportamento, idéias também possuem essa propriedade. A Filosofia Clínica, ao fazer essas intervenções, estará movimentando a estrutura de pensamento do partilhante numa determinada direção, e tal movimento poderá gerar transformações na pessoa, tanto na forma de pensar, no comportamento, como no aspecto físico. Para ilustrar essa afirmação utilizo meu próprio exemplo: após submeter-me à Filosofia Clínica, modifiquei diversos aspectos de meu agir e pensar, mas modifiquei também fisicamente, 30 quilos a menos e nenhuma crise de asma no último ano. Como isso ocorreu? Talvez o filósofo clínico responsável por esse trabalho, Lúcio Packter, possa explicar melhor, mas sem dúvida, atribuo essas modificações aos efeitos da Filosofia Clínica. Bibliografia: DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1996. PACKTER, L. Filosofia Clínica: Propedêutica. Porto Alegre: AGE, 1997.