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36 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 37
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fixo da Folha de S. Paulo, onde vive
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1997) do século XXI.
Agora, o pensador passa a ter uma
coluna também na VERO, como
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estreia no dia 4 de outubro, à meia-
-noite, na TV Cultura, o programa
Peripatético,misturaderealityshow
com café filosófico em que Pondé
passa o dia com mais quatro pessoas
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mas cotidianos e contemporâneos.
Em resumo: aos 54 anos, o filósofo
é completamente multimidiático.
O que certamente não o incomoda,
vez que considera o mundo acadê-
mico “pequeno, meio alienado”.
“Nós da academia acabamos numa
espécie de masturbação, ou com um
masturbando o outro. Uma coisa de
m algum momento na segunda me-
tade dos anos 80, o recifense estu-
dante de medicina na Universidade
Federal da Bahia (UFBA) decidiu
abandonar o curso e rumar para
São Paulo em busca de seu sonho
verdadeiro: formar-se filósofo e vi-
rar a voz do liberal-conservadoris-
mo na imprensa de um Brasil que, à
época em processo de redemocrati-
zação, estava bem distante de uma
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era leitor do Paulo Francis, apon-
tava para o jornal e dizia: ‘Eu vou
escrever aqui’.” Passadas pouco mais
de duas décadas, a ambição de Luiz
Felipe Pondé foi alcançada.
Graduado em filosofia pela Univer-
perder um pouco o contato com o
mundo real. Acho que eu também
consegui romper isso de alguma
forma justamente porque fui para
a mídia”, contou ele à reportagem da
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Ao longo da conversa de cerca de
40 minutos, Pondé traz para o di-
álogo uma série de referências ao
explicar a contundência de suas
opiniões — como é de hábito entre
acadêmicos — e ilustra as próprias
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ou exemplos extremos — como é
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savergonhadamente. Sexualidade,
religião e relações familiares estão
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segundo diz, aqueles sobre os quais
mais gosta de se dedicar.
“Eu acho que sou realista, não pes-
simista. Mas, em filosofia, é sempre
mais chique ser pessimista.” “No
Brasil, não existe pensamento de
direita.” “Pecado dá mais tesão do
que liberdade sexual.” Essas são as
amostras mais light da filosofia pon-
deniana, um pensamento pautado
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senso comum e perturbar de ver-
dade o interlocutor; de outro, a su-
posta certeza de que não importam
as preferências nem as convicções
mais róseas do aluno ou do leitor
— este que se defenda como puder
(ou não) das conclusões de Pondé.
Entenda isso na prática com a en-
trevista a seguir.
Vocêdefendeoquechamade
“politicamenteincorreto”.Dizque
hojeasuniversidadesbrasileiras
estãorepletasdepessoasrepetindo
sóoqueamaioriaquerouvir.
Pensaqueissosedásópormeio
dodiscursodessesprofessores,das
ideiasqueelesdefatocriamoude
ambososrecursos?

Tem a ver com o que eles dizem e
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lização das teses, seja nas práticas
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camente correto serve para você
excluir alunos, objetos de pesquisa...
Recentemente recebi e-mail de um
leitor que estuda numa universi-
dade importante aqui de São Paulo,
que fez um trabalho baseado em
Tocqueville, visto como defensor do
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camente correto significa um cons-
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desse pacote, você é mau, você não
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coisas assim. Também quem traba-
lha na mídia tem medo de resvalar
em algum grupo que se sinta ofen-
dido — as pessoas hoje se sentem
ofendidas com qualquer coisa.
Você acredita que quebrou
essa redoma do politicamente
correto também por ter
estudado fora do país?

Isso foi importante no sentido de re-
pertório, né? Agora, eu acho que eu
rompi um tanto, primeiro por não
ter ido para a filosofia para brincar.
Eu era leitor do Paulo Francis, e eu
apontava para o jornal e dizia: “Eu
vou escrever aqui”. Sempre tive a
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sa como filósofo. Por achar que a
discussão na academia era pe-
Eu acho que
sou realista, não
pessimista. Mas,
em filosofia, é
sempre mais
chique ser
pessimista
E
38 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 39
quena, meio alienada. Nós da aca-
demia acabamos numa espécie de
masturbação, ou um masturbando
o outro. Uma coisa de perder um
pouco o contato com o mundo real.
Você é considerado, dentre outros
adjetivos, um pessimista. É um
rótulo que ajuda a resumir sua
interpretação das coisas?

Ajuda. Em grande medida. Agora,
claro que é redutor. Meu pensa-
mento tem muito de pessimista,
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melancólica. No fim das contas, é
sempre um rótulo. Mas ajuda por-
que é mais real do que se me cha-
massem de otimista (risos).
E de realista?

Eu acho que sou realista, não pes-
simista. Mas, em filosofia, é sem-
pre mais chique ser pessimista.
Muito mais (risos).
Você costuma dizer que hoje as
pessoas têm menos vergonha
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religião...
São dois processos. Primeiro, um
que vem desde a Europa, do ilu-
minismo francês, que é a desqua-
lificação da religião como parceira
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você é culto e inteligente, não pode
ser religioso. Até pode ser budis-
ta hoje em dia, mas ser católico,
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ligiões, pega mal. Ao mesmo tem-
po, a gente passou pela revolução
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transa, gosta de sexo. São dois
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que isso é um território em que
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po. Enquanto que, se você disser
que acredita em Jesus, vão achar
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não são religiosas normalmente
têm um preconceito muito grande
com quem é religioso. Acham que
quem é religioso é burro, é idiota,
não compreende o mundo. O que
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de vista prático. Hoje mesmo, na
aula, um aluno comentava uma
filósofa famosa, que foi inclusive
minha professora, e que diz que
quem está dentro de um mito não
percebe que está dentro do mito e
acha que ele é verdade. A Marile-
na Chauí. Mas, se você é marxista,
você está dentro de um mito, e,
no entanto, o marxismo é usado
como ciência por um monte de
gente (risos).
Ainda sobre religião, você
pensa que hoje as crenças são
subestimadas quando se analisa
a sociedade. As religiões então
deveriam de alguma forma estar
presentes no governo?

Não. A religião não deve estar pró-
xima do poder. Acho que o Estado
deve ser laico. O problema é que,
num país como o Brasil, em que a
maioria é religiosa, se você faz um
Estado laico descolado da maioria
religiosa, você pode fazer um Esta-
do laico não democrático. Mas não
acho, por exemplo, que você deve-
ria ter uma bancada em que um
pastor é presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias.
O que acho é que esse rompimen-
to da religião com o Estado não é
nunca pleno. Porque a religião é
cultural, está presente nos depu-
tados, nos juízes. Mas acredito que
deve ser uma intenção daqueles
que estão em cargos públicos ser
o mais possível não religioso nas
suas decisões.
Pessoalmente, você foi do
ateísmo à crença em Deus, sem
participar de nenhuma religião
específica. Como se define
espiritualmente?

Acho a tradição religiosa judaico-
-cristã muito sábia. E me encan-
tam determinadas manifestações
de generosidade do mundo, e de
misericórdia. Num primeiro mo-
mento, fui estudar o conceito de
Deus, e me detive durante muito
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me realizar em nenhum sistema
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absoluto, sabe de tudo, sempre
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disso... Agora, quando digo às ve-
zes que permaneço ateu, é porque
continuo não sentindo necessida-
de da existência de Deus para coi-
sa nenhuma.
Suas aulas costumam
partir de provocações.
Muitas vezes, lançando mão
de hipóteses que desafiam
as moralidades vigentes
hoje. Para um respeitador
entusiasmado do utilitarismo
como você, não seria mais
apropriado discutir fatos
em vez de hipóteses?

Na realidade, eu discuto questões
muito atuais e muito concretas. O
que influencia muito meu ensino
e minha escrita é a minha expe-
riência cética. A gente está acos-
tumado a pensar que ceticismo é
duvidar de Deus. Duvidar de Deus
é muito fácil. O mais legal é duvi-
dar daquilo que as pessoas acham
óbvio. Como o marxismo, como a
ideia de que existe um mundo me-
lhor ou de que é possível melhorar
o mundo. Ceticismo é que nem vir-
tude: só cresce em ambiente hostil.
Então a minha prática de ensino
está muito fincada em levar o alu-
no a uma crise com relação àqui-
lo que parece óbvio para ele. Me
encanta ver um aluno pensando
numa coisa em que nunca tinha
pensado. Ou entendendo o que
Não acho que
deveria haver
uma bancada em
que um pastor
é presidente da
Comissão de
Direitos Humanos
e Minorias
40 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 41
é o argumento do Stuart Mill do
utilitarismo, por exemplo, a ideia
de que você não pode pensar uma
ética que não leve em conta o
bem-estar do ser humano. Mas ao
mesmo tempo posso te contrapor
isso ao Aldous Huxley, ao dizer
que uma pessoa muito preocupa-
da com a felicidade e o bem-estar
fica meio idiota. Acho que a vida
tem uma coisa meio de contraditó-
ria, de ambivalente. Por exemplo,
acho que pecado dá mais tesão do
que liberdade sexual.
E o prazer maior está em lidar
com esse outro, seja aluno ou
leitor, ou no ato de polemizar?

Não, eu não tenho gosto no ato
de polemizar por si. Um colunis-
ta deve polemizar. Um dos efeitos
nocivos do politicamente correto,
em geral, é justamente pensar que
o colunista deve falar o que as
pessoas querem ouvir. Uma vez,
escrevi numa coluna, anos atrás,
uma coisa do tipo “Caro leitor, eu
não estou nem um pouco preocu-
pado com o que você quer. O seu
bem-estar não me interessa”. Mi-
nha intenção primeira, o que me
encanta mesmo, é a experiência
do pensamento.
Em seu livro com
o jornalista João Pereira
Coutinho e o analista político
Denis Rosenfield, Por Que
Virei À Direita, você tenta
explicar sua opção pela via
conservadora na política.
Quando falamos do Brasil,
mais especificamente dos
personagens que ensaiam
disputar a presidência em 2014,
qual deles você considera mais
próximo da direita atualmente?

No nosso contexto brasileiro, a
gente associa “conservador” a Sar-
ney, a Golbery do Couto e Silva...
Não existe partido decente liberal-
-conservador no Brasil. Não existe
opção. Quando falo de direita ou
de liberal-conservador, estou fa-
lando de um partido que tenha de-
fesa forte da sociedade de merca-
do, liberal nesse sentido, para um
Estado pequeno, que não se meta
na vida do cidadão. Dentre as op-
ções aí à frente, eu diria que a me-
nos distante é o Aécio Neves, para
falar um nome. Mas, ainda assim,
no Brasil não existe pensamento
de direita. Porque a direita que
tem aqui é egressa do coronelismo,
do fisiologismo e da ditadura.
Recentemente, você defendeu
que nenhum país do Oriente
Médio vive, de fato, uma
“Primavera Árabe”, e que
analistas políticos, em geral,
gostam de ver quaisquer
movimentos sociais em ebulição
como revolucionários e benéficos,
incluindo, aí, as passeatas de
junho deste ano no Brasil. Queria
que explicasse mais da sua visão
sobre esses protestos e o quanto
mudaram, ou não, o país.

Até agora não dá para dizer que
mudaram. Eu diria que tem de es-
perar no mínimo até a Copa. Para
ver se até lá vão acontecer protes-
tos vigorosos. Mudança, acho que
não aconteceu nenhuma. Tem
gente acuando o Cabral, o trans-
porte público não teve aumento,
daqui a pouco vai ter — senão,
outra coisa vai aumentar, porque
existem custos em questão. Mas
veja que o programa Mais Médi-
cos, o qual eu acho que tem pro-
blemas, se alimentou muito do
que aconteceu em junho. Minha
questão é que não acredito em
processo histórico político. É um
mito. A Revolução Francesa, para
mim, foi mito. A Inglaterra se
modernizou sem uma Revolução
Francesa, assim, grande parte da
Europa, até a França, teria se mo-
dernizado sem Revolução France-
sa, porque é a burguesia que cau-
sou a modernização, arrebentou
com a aristocracia, transformou
o mundo num lugar de liberdades
individuais baseadas no consumo
e na produção.
Você passa a ser colunista
da seção Neurônio, da VERO.
O que se pode esperar dos
textos são mais desafios
ao politicamente correto?
Isso é meio natural em mim. Mas
tenho muito mais tesão em es-
crever sobre comportamento, re-
lação homem e mulher, religião,
problemas cotidianos e concretos
do tipo pai e filho, sabe? Política
nunca me interessou de fato, em
filosofia. Na VERO, eu devo tratar
de temas como pecado, sexuali-
dade. Claro que tendo em mente
o target, muito específico: é uma
revista que circula em Alphaville,
e tenho um grupo de estudo no
bairro já há três anos, minha nora
é de lá, então conheço um pouco
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Na VERO, eu
devo tratar de
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Polemista sem vergonha

  • 1. 34 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 35 entrevista por José Gabriel Navarro fotos Chico Max Polemista sem vergonhaNovo colunista da VERO, o filósofo conservador Luiz Felipe Pondé sente prazer assumido em gerar dúvidas e reações contrárias em leitores e alunos
  • 2. 36 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 37 sidade de São Paulo (USP), com mes- trados na capital paulista e em Paris, doutorado pela USP e pós-doutora- do pela Universidade de Tel Aviv, em Israel, Pondé assina a autoria ou coautoria de mais de oito livros. En- tre eles, o Guia Politicamente Incor- reto da Filosofia, lançado em 2012 pela Leya. Desde 2008, é colunista fixo da Folha de S. Paulo, onde vive o sonho de ser, conforme pretendia, uma espécie de Paulo Francis (1930- 1997) do século XXI. Agora, o pensador passa a ter uma coluna também na VERO, como colaborador da seção Neurônio. E estreia no dia 4 de outubro, à meia- -noite, na TV Cultura, o programa Peripatético,misturaderealityshow com café filosófico em que Pondé passa o dia com mais quatro pessoas em uma casa para tratarem de te- mas cotidianos e contemporâneos. Em resumo: aos 54 anos, o filósofo é completamente multimidiático. O que certamente não o incomoda, vez que considera o mundo acadê- mico “pequeno, meio alienado”. “Nós da academia acabamos numa espécie de masturbação, ou com um masturbando o outro. Uma coisa de m algum momento na segunda me- tade dos anos 80, o recifense estu- dante de medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA) decidiu abandonar o curso e rumar para São Paulo em busca de seu sonho verdadeiro: formar-se filósofo e vi- rar a voz do liberal-conservadoris- mo na imprensa de um Brasil que, à época em processo de redemocrati- zação, estava bem distante de uma economia de livre-mercado. “Eu era leitor do Paulo Francis, apon- tava para o jornal e dizia: ‘Eu vou escrever aqui’.” Passadas pouco mais de duas décadas, a ambição de Luiz Felipe Pondé foi alcançada. Graduado em filosofia pela Univer- perder um pouco o contato com o mundo real. Acho que eu também consegui romper isso de alguma forma justamente porque fui para a mídia”, contou ele à reportagem da VERO em seu apartamento de apro- ximadamente 250 metros quadra- dos, em um condomínio no Alto da Lapa, zona Oeste de São Paulo, entre uma pitada e outra no cachimbo. Ao longo da conversa de cerca de 40 minutos, Pondé traz para o di- álogo uma série de referências ao explicar a contundência de suas opiniões — como é de hábito entre acadêmicos — e ilustra as próprias ideias com frases de alto impacto ou exemplos extremos — como é de hábito entre quem polemiza de- savergonhadamente. Sexualidade, religião e relações familiares estão entre os temas mais frequentes e, segundo diz, aqueles sobre os quais mais gosta de se dedicar. “Eu acho que sou realista, não pes- simista. Mas, em filosofia, é sempre mais chique ser pessimista.” “No Brasil, não existe pensamento de direita.” “Pecado dá mais tesão do que liberdade sexual.” Essas são as amostras mais light da filosofia pon- deniana, um pensamento pautado por um paradoxo: de um lado, a pre- ocupação em mexer com os brios do senso comum e perturbar de ver- dade o interlocutor; de outro, a su- posta certeza de que não importam as preferências nem as convicções mais róseas do aluno ou do leitor — este que se defenda como puder (ou não) das conclusões de Pondé. Entenda isso na prática com a en- trevista a seguir. Vocêdefendeoquechamade “politicamenteincorreto”.Dizque hojeasuniversidadesbrasileiras estãorepletasdepessoasrepetindo sóoqueamaioriaquerouvir. Pensaqueissosedásópormeio dodiscursodessesprofessores,das ideiasqueelesdefatocriamoude ambososrecursos?
 Tem a ver com o que eles dizem e com o que eles fazem. Seja na rea- lização das teses, seja nas práticas de exclusão corporativas. O politi- camente correto serve para você excluir alunos, objetos de pesquisa... Recentemente recebi e-mail de um leitor que estuda numa universi- dade importante aqui de São Paulo, que fez um trabalho baseado em Tocqueville, visto como defensor do pensamento liberal-conservador, e o professor dele não aceitou. Só por isso. Tinha de usar pensadores da linha marxista, foucaultiana, ou Bourdieu, no caso. Então esse politi- camente correto significa um cons- trangimento. Se você não faz parte desse pacote, você é mau, você não se preocupa com os seres humanos, coisas assim. Também quem traba- lha na mídia tem medo de resvalar em algum grupo que se sinta ofen- dido — as pessoas hoje se sentem ofendidas com qualquer coisa. Você acredita que quebrou essa redoma do politicamente correto também por ter estudado fora do país?
 Isso foi importante no sentido de re- pertório, né? Agora, eu acho que eu rompi um tanto, primeiro por não ter ido para a filosofia para brincar. Eu era leitor do Paulo Francis, e eu apontava para o jornal e dizia: “Eu vou escrever aqui”. Sempre tive a intenção de trabalhar na impren- sa como filósofo. Por achar que a discussão na academia era pe- Eu acho que sou realista, não pessimista. Mas, em filosofia, é sempre mais chique ser pessimista E
  • 3. 38 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 39 quena, meio alienada. Nós da aca- demia acabamos numa espécie de masturbação, ou um masturbando o outro. Uma coisa de perder um pouco o contato com o mundo real. Você é considerado, dentre outros adjetivos, um pessimista. É um rótulo que ajuda a resumir sua interpretação das coisas?
 Ajuda. Em grande medida. Agora, claro que é redutor. Meu pensa- mento tem muito de pessimista, tem uma questão pessoal um tanto melancólica. No fim das contas, é sempre um rótulo. Mas ajuda por- que é mais real do que se me cha- massem de otimista (risos). E de realista?
 Eu acho que sou realista, não pes- simista. Mas, em filosofia, é sem- pre mais chique ser pessimista. Muito mais (risos). Você costuma dizer que hoje as pessoas têm menos vergonha de falar sobre sexo do que sobre religião... São dois processos. Primeiro, um que vem desde a Europa, do ilu- minismo francês, que é a desqua- lificação da religião como parceira de alguém inteligente. De que, se você é culto e inteligente, não pode ser religioso. Até pode ser budis- ta hoje em dia, mas ser católico, evangélico, de alguma dessas re- ligiões, pega mal. Ao mesmo tem- po, a gente passou pela revolução sexual, pela ideia de que uma pes- soa bem resolvida fala sobre sexo, transa, gosta de sexo. São dois processos que não têm a ver um com o outro, mas que correm em paralelo. Se você falar que gosta de transar com um pastor alemão, as pessoas vão ficar chocadas, mas não vão falar nada porque acham que isso é um território em que cada um é dono do próprio cor- po. Enquanto que, se você disser que acredita em Jesus, vão achar que você é cafona. As pessoas que não são religiosas normalmente têm um preconceito muito grande com quem é religioso. Acham que quem é religioso é burro, é idiota, não compreende o mundo. O que é absolutamente falso, do ponto de vista prático. Hoje mesmo, na aula, um aluno comentava uma filósofa famosa, que foi inclusive minha professora, e que diz que quem está dentro de um mito não percebe que está dentro do mito e acha que ele é verdade. A Marile- na Chauí. Mas, se você é marxista, você está dentro de um mito, e, no entanto, o marxismo é usado como ciência por um monte de gente (risos). Ainda sobre religião, você pensa que hoje as crenças são subestimadas quando se analisa a sociedade. As religiões então deveriam de alguma forma estar presentes no governo?
 Não. A religião não deve estar pró- xima do poder. Acho que o Estado deve ser laico. O problema é que, num país como o Brasil, em que a maioria é religiosa, se você faz um Estado laico descolado da maioria religiosa, você pode fazer um Esta- do laico não democrático. Mas não acho, por exemplo, que você deve- ria ter uma bancada em que um pastor é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. O que acho é que esse rompimen- to da religião com o Estado não é nunca pleno. Porque a religião é cultural, está presente nos depu- tados, nos juízes. Mas acredito que deve ser uma intenção daqueles que estão em cargos públicos ser o mais possível não religioso nas suas decisões. Pessoalmente, você foi do ateísmo à crença em Deus, sem participar de nenhuma religião específica. Como se define espiritualmente?
 Acho a tradição religiosa judaico- -cristã muito sábia. E me encan- tam determinadas manifestações de generosidade do mundo, e de misericórdia. Num primeiro mo- mento, fui estudar o conceito de Deus, e me detive durante muito tempo nisso. Mas não consegui me realizar em nenhum sistema religioso. Acho que o personagem, o conceito de Deus é encantador: absoluto, sabe de tudo, sempre existiu, não se deprime por causa disso... Agora, quando digo às ve- zes que permaneço ateu, é porque continuo não sentindo necessida- de da existência de Deus para coi- sa nenhuma. Suas aulas costumam partir de provocações. Muitas vezes, lançando mão de hipóteses que desafiam as moralidades vigentes hoje. Para um respeitador entusiasmado do utilitarismo como você, não seria mais apropriado discutir fatos em vez de hipóteses?
 Na realidade, eu discuto questões muito atuais e muito concretas. O que influencia muito meu ensino e minha escrita é a minha expe- riência cética. A gente está acos- tumado a pensar que ceticismo é duvidar de Deus. Duvidar de Deus é muito fácil. O mais legal é duvi- dar daquilo que as pessoas acham óbvio. Como o marxismo, como a ideia de que existe um mundo me- lhor ou de que é possível melhorar o mundo. Ceticismo é que nem vir- tude: só cresce em ambiente hostil. Então a minha prática de ensino está muito fincada em levar o alu- no a uma crise com relação àqui- lo que parece óbvio para ele. Me encanta ver um aluno pensando numa coisa em que nunca tinha pensado. Ou entendendo o que Não acho que deveria haver uma bancada em que um pastor é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
  • 4. 40 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 41 é o argumento do Stuart Mill do utilitarismo, por exemplo, a ideia de que você não pode pensar uma ética que não leve em conta o bem-estar do ser humano. Mas ao mesmo tempo posso te contrapor isso ao Aldous Huxley, ao dizer que uma pessoa muito preocupa- da com a felicidade e o bem-estar fica meio idiota. Acho que a vida tem uma coisa meio de contraditó- ria, de ambivalente. Por exemplo, acho que pecado dá mais tesão do que liberdade sexual. E o prazer maior está em lidar com esse outro, seja aluno ou leitor, ou no ato de polemizar?
 Não, eu não tenho gosto no ato de polemizar por si. Um colunis- ta deve polemizar. Um dos efeitos nocivos do politicamente correto, em geral, é justamente pensar que o colunista deve falar o que as pessoas querem ouvir. Uma vez, escrevi numa coluna, anos atrás, uma coisa do tipo “Caro leitor, eu não estou nem um pouco preocu- pado com o que você quer. O seu bem-estar não me interessa”. Mi- nha intenção primeira, o que me encanta mesmo, é a experiência do pensamento. Em seu livro com o jornalista João Pereira Coutinho e o analista político Denis Rosenfield, Por Que Virei À Direita, você tenta explicar sua opção pela via conservadora na política. Quando falamos do Brasil, mais especificamente dos personagens que ensaiam disputar a presidência em 2014, qual deles você considera mais próximo da direita atualmente?
 No nosso contexto brasileiro, a gente associa “conservador” a Sar- ney, a Golbery do Couto e Silva... Não existe partido decente liberal- -conservador no Brasil. Não existe opção. Quando falo de direita ou de liberal-conservador, estou fa- lando de um partido que tenha de- fesa forte da sociedade de merca- do, liberal nesse sentido, para um Estado pequeno, que não se meta na vida do cidadão. Dentre as op- ções aí à frente, eu diria que a me- nos distante é o Aécio Neves, para falar um nome. Mas, ainda assim, no Brasil não existe pensamento de direita. Porque a direita que tem aqui é egressa do coronelismo, do fisiologismo e da ditadura. Recentemente, você defendeu que nenhum país do Oriente Médio vive, de fato, uma “Primavera Árabe”, e que analistas políticos, em geral, gostam de ver quaisquer movimentos sociais em ebulição como revolucionários e benéficos, incluindo, aí, as passeatas de junho deste ano no Brasil. Queria que explicasse mais da sua visão sobre esses protestos e o quanto mudaram, ou não, o país.
 Até agora não dá para dizer que mudaram. Eu diria que tem de es- perar no mínimo até a Copa. Para ver se até lá vão acontecer protes- tos vigorosos. Mudança, acho que não aconteceu nenhuma. Tem gente acuando o Cabral, o trans- porte público não teve aumento, daqui a pouco vai ter — senão, outra coisa vai aumentar, porque existem custos em questão. Mas veja que o programa Mais Médi- cos, o qual eu acho que tem pro- blemas, se alimentou muito do que aconteceu em junho. Minha questão é que não acredito em processo histórico político. É um mito. A Revolução Francesa, para mim, foi mito. A Inglaterra se modernizou sem uma Revolução Francesa, assim, grande parte da Europa, até a França, teria se mo- dernizado sem Revolução France- sa, porque é a burguesia que cau- sou a modernização, arrebentou com a aristocracia, transformou o mundo num lugar de liberdades individuais baseadas no consumo e na produção. Você passa a ser colunista da seção Neurônio, da VERO. O que se pode esperar dos textos são mais desafios ao politicamente correto? Isso é meio natural em mim. Mas tenho muito mais tesão em es- crever sobre comportamento, re- lação homem e mulher, religião, problemas cotidianos e concretos do tipo pai e filho, sabe? Política nunca me interessou de fato, em filosofia. Na VERO, eu devo tratar de temas como pecado, sexuali- dade. Claro que tendo em mente o target, muito específico: é uma revista que circula em Alphaville, e tenho um grupo de estudo no bairro já há três anos, minha nora é de lá, então conheço um pouco da atmosfera do público. Vou con- tinuar a escrever textos fortes, por- que não sei fazer outra coisa. Na VERO, eu devo tratar de temas como pecado e sexualidade