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Clínica psicanalítica implicada:
interseções com a sociedade, a
cultura e as políticas
públicas de saúde mental, da
infância e da adolescência
CLÍNICA PSICANALÍTICA IMPLICADA:
CONEXÕES COM A CULTURA, A
SOCIEDADE E A POLÍTICA
• Como é possível o avanço da psicanálise a partir dos problemas que a
atualidade incita?
• A psicanálise depara-se com certas problemáticas que não chegam aos
consultórios particulares, mas que são frequentes em instituições ou outros
lugares da cidade onde o psicanalista oferece sua escuta.
• Nesses novos espaços comparece com maior nitidez a dimensão sociopolítica do
sofrimento e faz-se necessário debruçar-se sobre os conceitos psicanalíticos
e as suas extensões, para criar dispositivos clínicos condizentes às questões
do sujeito enredadas às institucionais, sociais e políticas.
• A fronteira entre psicanálise e sociologia é tênue, ainda que delimitada. A
incursão da primeira em relação à segunda acontece por exigência da
prática psicanalítica no momento em que Freud se dá conta de que a
problemática neurótica que leva ao sintoma inclui um componente que não
se pode denominar de outra coisa que não moral.
• Se considerarmos o caso Dora, por exemplo, veremos que estão em jogo em
sua neurose se adequar aos parâmetros sociais (e, portanto, a partir de certos
preceitos morais) (Freud, 1905/1998, p. 20).
• Logo, quando Freud se depara com o desejo em jogo nos processos
neuróticos e, portanto, na clínica também se vê às voltas com ter de lidar com
esse componente moral que se opõe ao desejo em cada caso clínico. Isso o
conduz a toda uma elaboração que o leva a pensar: a) uma teoria da
cultura; b) uma teoria da sociabilidade e; c) instrumentos conceituais de
análise social.
• Conforme nos ensina Estevão (no prelo), há, assim, uma mão dupla: ao mesmo
tempo em que a psicanálise se vale de fenômenos culturais para dar suporte às
suas descobertas e conceituações, a psicanálise também se torna um
instrumento valoroso de compreensão de fenômenos sociais e culturais.
• Nesse sentido, Freud tratou como “aplicações” da psicanálise a outros
campos do saber, as problemáticas que relacionavam o sujeito a um
fenômeno social ou político.
• Freud sempre avançou a teoria implicando as questões sociais e marcando sua
constante recusa em opor indivíduo e sociedade, isto é, reafirmando a
indissociável relação entre um e outro. Essa posição é marcada de forma enfática
na conhecida citação do Psicologia das Massas e Análise do Eu: “A psicologia
individual é também, desde o início, psicologia social” (Freud, 1921/2001, p. 67).
• No que tange à problemática política em Freud, quatro textos se tornam
centrais, a saber, Psicologia das Massas e Análise do Eu(1921/2001),
OFuturo de uma Ilusão(1927/2004d), O Mal-Estar na Cultura (1929/2004c) e
Porque a Guerra? (1933/2004b).
• No primeiro, Freud traça um panorama do ponto de vista libidinal de como se
organizam os laços sociais e da relação dos grupos e massas com os líderes, a
partir do conceito de ideal do Eu, libido, identificação e narcisismo. Ali estão
construídas as bases de uma concepção política, que depois é ampliada
no segundo texto.
• Em O Futuro de uma Ilusão, o que nos importa é a concepção freudiana de que a
constituição psíquica está marcada por uma relação de poder, tal como aparece
na vivência religiosa. O religioso restitui a perda da segurança infantil suposta no
pai, no Édipo, transferindo essa mesma segurança para outro tipo de pai,
endeusado. O problema é que essa segurança detém um preço: a submissão às
exigências desse outro, supostamente protetor. Seguem-se as regras e o
outro lhe oferece garantia e amparo (Freud, 1927/2004d). Trata-se aqui de
uma teoria da submissão do ponto de vista psíquico e inconsciente que será
retomada no texto do Mal-Estar.
• O Mal-Estar na Cultura é o texto principal de Freud sobre sua teoria da
cultura e as formas da sociabilidade a partir da conceituação psicanalítica. Lá
está presente uma série de teses fundamentais do ponto de vista sociológico,
assim como comparecem os elementos que serão cruciais como operadores
de análises sociais. O que mais nos importa aqui é que nesse texto aparece
uma concepção de poder e de desamparo.
• A partir de então tornam-se frequentes as teorizações em que os
psicanalistas buscam construir instrumentos que servem como operadores
para pensar não só a sociedade e a cultura, mas o modo de produção capitalista.
Entra em cena a dimensão política muitas vezes silenciada na psicanálise.
• O modo como os homens organizam sua vida social, a maneira como produzem
os bens para viver, tudo isso está articulado à forma como representam a si
mesmos e aos outros.
• Será na superação da dicotomia entre o social e o psíquico e na recusa
em patologizar determinados processos psíquicos que Freud avança na
proposição da construção de um novo campo de conhecimento.
• Um exemplo de como tais concepções se articulam é quando Freud se
arrisca a falar da guerra sem se limitar a relacionar a questão “aos impulsos” de
um só sujeito. Em Por que a Guerra? o tema é debatido como uma questão
que reflete tanto às pulsões de todos os homens, quanto à política de um
Estado (Freud, 1933/2004b, pp.187-198).
• Tudo indica que essas mesmas posições são sustentadas pelos pós-freudianos,
e principalmente por Lacan.
• Roudinesco (1994) destaca três dispositivos utilizados por Lacan em sua
crítica da sociedade, distribuídos nos registros do simbólico, imaginário e real: o
mito edipiano, como o fundador das sociedades modernas; a função da
identificação, como presente na Psicologia das Massas, para análise da
formação dos grupos, instituições e sociedades; por fim, neste século, o advento
do sujeito da ciência, fenômeno fundamental, segundo Lacan, cuja irrupção foi
evidenciada no nazismo.
• De forma sucinta, podemos entender que Lacan avança nesse sentido
quando nos indica que o sujeito é efeito do significante e do campo simbólico.
De certo modo, coloca-nos diante do cuidado em não nos alienarmos, enquanto
psicanalistas, naquilo que se insere no contexto sócio-histórico.
• Em Função e campo da fala e da linguagem em Psicanálise, Lacan
(1953/1998) nos diz: "Como poderia fazer seu ser o eixo de tantas vidas, quem
nada soubesse da dialética que o compromete com essas vidas num movimento
simbólico?" (p.322). É preciso, pois, atentar para a subjetividade de seu tempo ou
para que "se conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua
de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas" (p.
322).
• Assim, há uma extrapolação do conceito de discurso para além da fala,
algo que viria não só do sujeito, mas também do social. Nesse texto, a
ideia de discurso é tratada como algo que influencia tanto a economia psíquica
do sujeito (sua fantasia, seu desejo e as formações de seu inconsciente), como a
relação com os outros sujeitos.
• Na Proposição de 9 de outubro de 1967, ele nomeia de psicanálise em
extensão "tudo o queresume a função de nossa Escola como
presentificadora da psicanálise no mundo" (Lacan, 1967/2003a, p.251) e de
psicanálise em intensão "a didática, como não fazendo mais do que preparar
operadores para ela".
• Em 1971, em Ato de fundação, Lacan (1971/2003b) destaca a importância
necessária em articular psicanálise e ciências afins. Enfatiza a possibilidade de
trocas entre os campos de conhecimento, tanto no que diz respeito a
algumas ciências servirem ao esclarecimento da psicanálise, como naquilo
que a psicanálise pode servir como inspiração complementar a estas
mesmas ciências.
• Portanto, o discurso pode ser considerado como correspondente àquilo que
possibilita o laço social e que se dá dentro do campo da linguagem. Afinal,
sendo o inconsciente estruturadocomo uma linguagem, tal como Lacan
conceitua em 1953, podemos dizer que a consequência é que o laço social
também o seria. Assim, a lógica do significante ordena tanto o sujeito como as
relações entre sujeitos, ou seja, o social.
• A pretendida posição de subversão da psicanálise não é algo intrínseco à
sua teoria ou à sua clínica e por isso requer constante reflexão sobre suas
implicações sociais e políticas. A psicanálise foi transgressora ao escutar como
sofrimento, e não como loucura, os sintomas histéricos das mulheres que à
época encontravam seu destino final nos hospícios. Teve, para isso, que
confrontar o seu discurso com os discursos morais e científicos
predominantes na época. Entendemos que continuar confrontando os
discursos atuais é essencial. No entanto, esse caminho só será legítimo se
utilizarmos os recursos da psicanálise e, para ler criticamente esses discursos,
partirmos da escuta e interpelação daqueles que encontramos nas instituições
de saúde, de assistência ou de justiça, nas ruas e nas comunidades
marginalizadas. A partir destas margens é que pensamos ser possível
continuar a avançar na psicanálise.
O sofrimento sociopolítico e a clínica
psicanalítica
• Caterina Koltai (2012), nos lembra que a concepção lacaniana de que o
inconsciente é socialteria permitido explicitar ainda mais o que já estava
no texto freudiano; ou seja, que o sujeito é, por definição, marcado pela
história, e não pode ser pensado apenas a partir da relação com seus pais. A
autora defende que a psicanálise não é só uma terapêutica do sujeito, mas uma
teorização da relação dele com o mundo, o que faz com que as
transformações sociais interessem tanto à teoria psicanalítica, quanto a sua
prática (Koltai, 2012).
• Desde Freud sabe-se que a psicanálise lida com a relação tensa entre
indivíduo e sociedade. Trata-se de resgatar a radicalidade da proposta
psicanalítica e ressaltar o caráter ético e político dessa escuta, trazendo
contribuições à clínica e elucidando aspectos referentes ao sujeito em
desamparo social e discursivo (Rosa, 2002).
• Sob esta perspectiva é necessário pensar, de um lado, nas formas de alienação
do sujeito que se situa nas bordas do funcionamento social e, de outro,
no impasse ético-político do psicanalista nessa cena, ou seja, como ele se
posiciona na cena política que produz a desigualdade social (Alencar, 2011).
• Confrontado com sua própria estrutura fantasmática e com os impasses
frente ao sofrimento de origem sociopolítica, sobrevém a resistência do
analista.
Tomar esse outro como um sujeito do desejo, atravessado pelo inconsciente e
confrontado com situações de extremo desamparo, dor e humilhação, situações
geradas pela ordem social da qual o psicanalista usufrui –é levantar o recalque que
promove a distância social e nos permite conviver, alegres, surdos, indiferentes ou
paranoicos, com o outro miserável.... Nessas situações, a escuta supõe romper
com o pacto de silêncio do grupo social a que pertencemos e do qual
usufruímos; usufruto que supõe a inocência, a ignorância sobre as
determinações da miséria do outro e a reflexão sobre a igualdade entre os
homens, quando, de fato, o que fazemos é excluí-los (ROSA, 2002, p. 44).
• Entendemos que se trata da clínica-política, pois aborda duas faces: a face
do sujeito no contexto sociopolítico e a do questionamento da ética desse
contexto que gera não só sintoma, mas a desarticulação subjetiva impeditiva da
construção do sintoma.
• Pode-se dizer que o psicanalista escuta o sujeito quando não o confunde
com o modo, muitas vezes degradado, no qual ele é apresentado no laço
social. Laço, nesse caso, marcado por preconceitos de classe, raça, gênero
e cultura. Tais preconceitos levam ao sofrimento para além da dor de
existir, ou dos padecimentos neuróticos ou psicóticos. Ainda, esses
preconceitos lançam o sujeito ao desamparo discursivo
• As intervenções psicanalíticas desenvolvidas junto a sujeitos submetidos a
violências em suas diversas formas (exclusão social, pobreza, racismo,
indiferença, humilhação, imigração forçada, exílio) remetem ao cenário social,
político e cultural em que os sujeitos se constituem e dos quais sofrem as
incidências. Incidências presentes tanto na constituição do sujeito, como
nas estratégias políticas de destituição do sujeito.
• Os discursos que circulam num dado tempo indicamos modos de
pertencimento possíveis para cada sujeito, atribuindo, a cada um, valores,
lugares e posições no laço.
• A invisibilidade dos conflitos gerados no e pelo laço social recai sobre o sujeito,
individualizando seus impasses, patologizando ou criminalizando suassaídas.
• Ao supor que detém as ferramentas necessárias para que o sujeito alcance o
seu bem-estar, o adulto ou a instituição, acaba por excluir o caráter enigmático do
desejo. E isso por sua conduta se pautar no corolário de um eu ideal, isto é,
corolário desse outro imaginário.
• Este discurso social apresenta-se como emissário de uma verdade e de
um valor a-histórico e apolítico. No entanto é carregado de interesses
políticos e econômicos, pautados na manutenção da ordem social específica
que representa.
• Pois bem, o equívoco alienante que provoca é apresentar-se como se fosse o
discurso do Outro.
• O discurso social pretende, para aumentar a sua eficácia, recobrir por inteiro o
real, apresentando-se ao sujeito como Outro consistente/não-castrado, sem
espaço para o enigma, para a singularidade, para a polissemia da palavra.
Com a potência adquirida por passar-se por discurso do Outro e por sua
pretensa dimensão simbólica, o discurso social captura o sujeito em suas
malhas, seja na constituição subjetiva, seja nas circunstâncias que
promovem a destituição subjetiva.Apresentado como discurso do Outro, um
discurso hegemônico e universalizado desaloja o sujeito da sua história pessoal,
sociocultural e política, desarvorando-o de seu lugar discursivo, do lugar a
partir do qual ele fala
• Desamparo [Hilflosigkeit], em Freud, ganha centralidade na segunda teoria
da angústia, na Conferência XXXII, Angústia e Vida Pulsional(1933/2004a), em
que se articula com a angústia e com a dimensão do traumático. O conceito
trata da experiência estruturante do sujeito, relacionada à ausência ou falta
de amparo, referida primeiramente aos primórdios da existência humana. O bebê
por sua imaturidade orgânica e psíquica é inteiramente dependente dos cuidados
de outrem e incapaz de sobreviver sozinho, o que ocasiona a entrada do sujeito
na linguagem pela via do desejo do Outro. Na sua constituição o sujeito tece
bordas em torno do real, tecidas a partir do desejo do Outro e da
transmissão da cultura pela via da linguagem. Bordas que protegem da angústia
e do trauma. Mas a marca do desamparo está sempre presente remetendo à
dimensão trágica da existência, ao vazio estrutural que habita o sujeito, ao
real de sua falta-a-ser e se evidencia quando são retiradas as coordenadas
simbólicas que sustentam o sujeito. A dimensão traumática refere-se
• Nessas circunstâncias, a clínica encontra uma primeira direção: separar a
alienação estrutural do sujeito ao discurso do Outro, da alienação ao discurso
social e ideológico.
• A preocupação em construir uma clínica com os sujeitos desamparados do
ponto de vista discursivo, para usar as palavras de Pujó (2000) ou de Rosa
(2002) se faz indispensável.
• O seu avanço foi alavancado pela psicologia institucional a partir das reflexões
da reforma psiquiátrica que apresentou a modalidade clínico-política que
avançou na direção da circulação do sujeito na cidade, ao seu modo singular.
• “Não existe uma psicanálise do individual e outra ‘aplicada’ ao sintoma social.
Pois o sintoma é sempre social... o que chamamos de individual, a
singularidade, é sempre o efeito de uma rede discursiva, que é a rede
mesma do coletivo” (Calligaris, 1991, p. 12).
• E o avanço não seria possível sem superar, como já adiantamos, uma
dicotomia e um recalque: a questão da política na psicanálise.Os casos que
se apresentam para os psicanalistas na clínica-política são diferentes, em
vários aspectos, daqueles de pacientes encontrados nos consultórios.
Distintos, particularmente, quanto à face sociopolítica do sofrimento e,
algumas vezes, quanto à falta de uma demanda de intervenção
psicanalítica ou mesmo psicológica, substituída por aparentes demandas
objetivas voltadas para as carências materiais.
• Nessas circunstancias, consideramos importante ressaltar o que entendemos
por psicanálise implicada: aquela que escuta o sujeito ali onde só aparecem
inicialmente os modos de alienação em que ele é capturado e enredadopela
maquinaria do poder. A perspectiva que apresentamos é de que nos mantemos
na esfera da clínica, não sendo nem psicanálise aplicada, nem clínica do social,
nem psicanálise em extensão, mas uma clínica do sujeito no laço social, uma
prática psicanalítica clínico-política (Rosa, 2016).
• Deve considerar os efeitos dos discursos sociais e o modo como operam
nas relações de podere de governança sobre esses “excluídos”.
• A clínica convoca o analista a tensionar, com sua presença estrangeira, o espaço
entre enunciado e enunciação, abrindo espaço para a falta e a fala. No
entanto, essa é uma meta e não ponto de partida. Meta que pode ser
constituída de intervenções a partir do modo em que esse sujeito está
inserido no laço social, na relação com o outro; a partir da sua posição
discursiva, da modalidade de angústia que apresenta. Dependendo disto,
algumas vezes falamos com ele,outras o acompanhamos nas trajetórias pela
cidade, outras procuramos com ele seus pares e apoios afetivos, outras o
escutamos no divã.
• Deste ângulo, há situações em que o espaço público, seja na rua ou nas
instituições, é o lugar privilegiado de um trabalho analítico onde se pode
autenticar outra posição para o sujeito.
• A prática psicanalítica clínico-política exige intervenções não convencionais e
uma posição de invenção do psicanalista na direção da polissemia da palavra.
• Concluindo, por mais que se considere o sintoma como social, nem
sempre a clínica é política. Para que ela o seja, na nossa perspectiva, é
preciso escutar o sujeito e interrogar a modalidade de laço social que o
enreda (Martins, 2015).
• As instituições de atendimento às crianças são historicamente permeadas por
discursos universalizantes e normatizantes, que dificultam o acolhimento à
singularidade. Ao psicanalista cabe questionar esses discursos, visando o sujeito
criança em sua relação com o desejo, oferecendo lugar às construções
singulares de cada um.
• O lugar destinado às crianças em cada momento da história tem definido o que
será ofertado às mesmas no campo da saúde, da educação ou da família. A
inclusão da criança como objeto de conhecimento foi resultado de um processo
afirmado com o advento da ciência moderna.
• Nesse movimento, os discursos universalizantes passaram a ter papel
privilegiado e a consideração do sujeito em suas particularidades perdeu
destaque diante daquilo que seria definido pelo lastro científico.
• Entretanto, os primeiros profissionais a se ocuparem do desenvolvimento de um
trabalho específico com as crianças envolvendo os aspectos mentais e cognitivos
não foram os médicos, mas os educadores, no início do século XVIII. Eles
estavam preocupados com a reeducação das crianças excluídas que, na época,
eram aquelas portadoras de alguma deficiência. Foram eles os responsáveis pelo
surgimento de instituições com ensino especial para atendê-las.
• É no século XX, juntamente com a psicologia do desenvolvimento, que a
medicina, na especialidade da psiquiatria, se insere e influencia esse império da
clínica dos déficits, com ressonâncias ainda hoje na política de assistência.
• Como reflexo desse percurso histórico os tratamentos dos transtornos psíquicos
infantis e o campo da saúde mental ficaram marcados por certo atraso. A
promulgação de um atendimento especializado para crianças na saúde mental,
regimentado pelo Ministério da Saúde, é, inclusive, bastante recente. Até 2002 as
orientações políticas seguidas eram as mesmas vigentes na saúde mental dos
adultos. Somente a partir da Portaria MS 336/02 é previsto um modelo de
intervenção específico ao público infanto-juvenil (COUTO, 2004; FERREIRA,
2004; GUERRA, 2005).
• Na saúde mental, um dos avanços conquistados - e marca da psicanálise - tem
sido a inclusão da dimensão clínica no direcionamento do atendimento, através
de uma proposta de organização da assistência que articule subjetividade (o
"cada um") e esfera política (o "para todos").
• Mesmo assim, deve-se destacar que os discursos que sustentam um ideal de
universalização, de saúde e de bem-estar não estão apartados dessa esfera e
que diretrizes inflexíveis que definem normas sobre local e modelos de
atendimento a determinadas patologias acabam por funcionar na contramão da
escuta à dimensão clínica pensada pela psicanálise (MEYER; BERLINCK, 2011).
• Quando pensamos nessa aplicação da psicanálise e especificamos a clínica com
crianças, algumas peculiaridades se apresentam: a necessidade de incluir
indispensavelmente a família; o trabalho através de uma linguagem diferenciada
(o brincar); e a forte presença de outros saberes - especialmente o da educação -
numa implicação mais direta no trabalho clínico (GUERRA, 2005). Se estamos na
clínica dos transtornos graves, essa interface com os setores educacional,
médico, jurídico, da assistência social e da cultura se faz ainda mais presente por
tornar-se imprescindível que coloquemos em questão a imagem social deficitária
atribuída a essas crianças.
• Guerra (2005), Freire e Bastos (2004), Kelly Silva (2006) e Machado (2016) citam
uma estratégia de equipe multiprofissional marcada pela psicanálise e aplicada à
prática institucional especialmente com psicóticos: a prática feita por
vários2 ou prática entre vários, um conceito da psicanálise lacaniana. São
instituições, já em seu funcionamento, organizadas pela lógica psicanalítica,
distintas daquelas em que a psicanálise aparece apenas na presença de um dos
membros da equipe, como naquela em que atuei. Nessa perspectiva, os técnicos
das várias especialidades não se completam para formar o todo das disciplinas,
assim como nenhum membro da equipe detém a palavra final sobre o caso - o
que constituiria um saber acerca da criança tomada como objeto.
• Assim, é ofertada ao sujeito a possibilidade de produzir um saber sobre si que
será apreendido pelos profissionais que dele se ocupam. Caberá à criança a
escolha de com quem irá trabalhar, como será o trabalho com cada um - o que
acontecerá a partir dos vínculos que o sujeito construir e dos lugares que atribuir
a cada um dos presentes na equipe. Entretanto, todos os profissionais estarão ali
para escutar o que é colocado por aquele sujeito, suas manifestações
inconscientes e os tipos de relações construídas com os técnicos e com as outras
crianças.
• Kelly Silva (2006) e Machado (2016) referem-se ao psicanalista Antônio Di
Ciaccia (2005) na proposição de que a prática entre vários estrutura-se segundo
quatro eixos: a parceria de cada membro da equipe com a criança, que deve
apresentar-se frente a ela despido de sua especialidade, mas como um parceiro
na sua construção frente ao sofrimento; a reunião de equipe, momento em que
os olhares sobre a criança serão compartilhados e a posição de cada técnico
relativa ao caso poderá ser trabalhada; a função do diretor terapêutico,
responsável para que o trabalho em relação a uma determinada criança avance;
e a referência teórico-clínica à psicanálise freudo-lacaniana, em que, juntos, os
profissionais discutem e fazem a teoria avançar.
• “a clínica psicanalítica de crianças é artesanal, faz-se e refaz-se a cada dia, a
cada caso, a cada nova situação com que nos deparamos. Não há regras
estabelecidas. Há uma práxis terapêutica que é a do trabalho em transferência,
nos vários atravessamentos que se entrecruzam: criança, família, escola, outros
profissionais e instituições - sustentada por uma formação analítica de um lado, e
de outro por um trabalho interdisciplinar” (SILVA, I., 2003, p. 37)
• a presença de discursos universalizantes e normalizantes nas instituições de
atendimento às crianças foi historicamente construída, proveniente,
principalmente, do saber da pedagogia e da medicina. Uma interseção que se faz
fortemente presente ainda nos dias de hoje no que diz respeito a esse público.
• Apesar da contribuição da psicanálise para o advento da psiquiatria infantil, o
ideal de adequação dos indivíduos com algum tipo de transtorno mental,
impulsionado pelas demandas escolares, instalou-se também na prática médica.
Isso explica muitas das queixas com as quais o psicanalista de crianças se
depara tanto nas instituições quanto no consultório.
• Mesmo assim, a prática psicanalítica com crianças pode acontecer nesses
espaços institucionais e carregar a marca da ética da psicanálise. Cabe, portanto,
ao psicanalista escutar esses discursos e demandas que envolvem a instituição
em que trabalha, para que, ao manejar com eles, possa estabelecer um giro
visando, em sua prática, o sujeito criança que ali se apresenta.
• As peculiaridades da escuta do analista envolvem perceber a marca do
inconsciente nos sintomas que se apresentam, a relação singular desse sujeito
com o desejo, que quebra ideais de normalidade e enquadramento, pois aponta
para uma construção muito particular em que, muitas vezes o que é tido como
problema a ser sanado, é, na verdade, a amarração que foi possível para aquela
criança diante dos elementos com os quais contava - muito mais resolutiva,
portanto, do que deficitária. A escuta da singularidade revela que, no final das
contas, ninguém pode vangloriar-se de uma normalidade: ela simplesmente não
existe.
• Nesse sentido, reconhecer a singularidade das infâncias que acessam
determinado serviço possibilita a abertura para novos sentidos e construções
sobre o processo de desenvolvimento e de vida. Significa sustentar a
possibilidade de um devir, de que algo novo possa se produzir na e pela
relação de cuidado, podendo cunharum campo descrito como potencial,
acompanhando as variações afetivas que estão em jogo. Num processo de
trabalho clínico comprometido com essa ética, há o favorecimento de uma
apropriação criativa que as crianças podem fazer de si mesmas, compondo
transformações acerca de sua própria história e reposicionando-as em
relação ao mundo ao seu redor.
• psicanalista pode investir na construção de dispositivos clínicos que façam
a palavra circular, para que a criança possa se apropriar de um discurso que lhe
é próprio enquanto sujeito.
• Construir um trabalho pautado sob essa ética implica considerar a criança como
sujeito de desejo. Assim, trata-se de sustentar uma presença sensível, uma
posição que dê ouvidos para asmúltiplas afetações e, dessa forma, que a
dimensão subjetiva não seja silenciada, podendo operar com a produção da
diferença, e não da anulação desta (França & Rocha, 2015).
• Ao considerar as contingências de cada caso e cada sujeito em sua
singularidade, a psicanálise caminha em direção contrária ao discurso capitalista
contemporâneo, que se pauta em práticas universalizantes que rotulam,
vitimizam e patologizam o sujeito, com um viés cientificista, nesta era da
globalização. O cuidado implicado, então, proporciona criações de sentido para
as vivências das crianças, inclusive sobre a circulação pelos não-lugares, como
dito anteriormente, dando-lhes a oportunidade de exercer também sua cidadania
• Saggese (2015a) desenvolve dois pontos centrais da obra: a relação entre
juventude e saúde mental e a especificidade da clínica com adolescentes. Com
relação ao primeiro, este autor aponta o desafio de ser adolescente no mundo
pós-tradicional, onde a adolescência aparece como um período de indefinição, ao
contrário das sociedades tradicionais, que ofereciam ritos de passagem, os quais
auxiliavam o adolescente a ingressar no mundo adulto. Processo este que se
desenvolve em um mundo em que, como diz Giddens, “oportunidade e perigo
estão equilibrados em igual medida" (Saggese, 2015a, p. 10). Saggese (Ibid.) diz
que essas são as bases para se pensar a articulação entre juventude e saúde
mental.
• A partir dessas reflexões, a questão da especificidade da clínica com
adolescentes é desenvolvida. Vivemos atualmente uma situação de
psiquiatrização da vida, o que é expresso no crescente aumento dos códigos
classificatórios dos transtornos mentais (Saggese, Oliveira, Teixeira, 2013).
Essas questões se refletem diretamente na clínica, pois, como descreve Saggese
(2015a; 2015b), o momento atual é de preponderância da psiquiatria biomédica,
a qual prioriza as intervenções estritamente médicas, terapias baseadas em
fármacos e internações hospitalares supostamente eficazes, em detrimento de
um olhar mais amplo do campo da saúde mental, que inclua uma visão do
sintoma como o resultado de um conflito psíquico. Nesse sentido, o autor nos
desafia a pensar um “limite” para a atuação psiquiátrica na clínica da
adolescência.
• “Existe uma dor incontornável no processo de adolescer, processo esse que não
pode ser cancelado por psicofármacos” (Saggese, 2015a, p. 10). Saggese
(2015b) complementa essa ideia dizendo que “a adolescência, enquanto
fenômeno sociocultural, não pode ser tratada como uma patologia. O que não é a
mesma coisa que dizer que não existe fenômeno francamente patológico na
adolescência” (p. 21).

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A clínica psicanalítica e suas conexões com a cultura, a sociedade e a política

  • 1. Clínica psicanalítica implicada: interseções com a sociedade, a cultura e as políticas públicas de saúde mental, da infância e da adolescência
  • 2. CLÍNICA PSICANALÍTICA IMPLICADA: CONEXÕES COM A CULTURA, A SOCIEDADE E A POLÍTICA
  • 3. • Como é possível o avanço da psicanálise a partir dos problemas que a atualidade incita? • A psicanálise depara-se com certas problemáticas que não chegam aos consultórios particulares, mas que são frequentes em instituições ou outros lugares da cidade onde o psicanalista oferece sua escuta. • Nesses novos espaços comparece com maior nitidez a dimensão sociopolítica do sofrimento e faz-se necessário debruçar-se sobre os conceitos psicanalíticos e as suas extensões, para criar dispositivos clínicos condizentes às questões do sujeito enredadas às institucionais, sociais e políticas.
  • 4. • A fronteira entre psicanálise e sociologia é tênue, ainda que delimitada. A incursão da primeira em relação à segunda acontece por exigência da prática psicanalítica no momento em que Freud se dá conta de que a problemática neurótica que leva ao sintoma inclui um componente que não se pode denominar de outra coisa que não moral. • Se considerarmos o caso Dora, por exemplo, veremos que estão em jogo em sua neurose se adequar aos parâmetros sociais (e, portanto, a partir de certos preceitos morais) (Freud, 1905/1998, p. 20).
  • 5. • Logo, quando Freud se depara com o desejo em jogo nos processos neuróticos e, portanto, na clínica também se vê às voltas com ter de lidar com esse componente moral que se opõe ao desejo em cada caso clínico. Isso o conduz a toda uma elaboração que o leva a pensar: a) uma teoria da cultura; b) uma teoria da sociabilidade e; c) instrumentos conceituais de análise social. • Conforme nos ensina Estevão (no prelo), há, assim, uma mão dupla: ao mesmo tempo em que a psicanálise se vale de fenômenos culturais para dar suporte às suas descobertas e conceituações, a psicanálise também se torna um instrumento valoroso de compreensão de fenômenos sociais e culturais.
  • 6. • Nesse sentido, Freud tratou como “aplicações” da psicanálise a outros campos do saber, as problemáticas que relacionavam o sujeito a um fenômeno social ou político. • Freud sempre avançou a teoria implicando as questões sociais e marcando sua constante recusa em opor indivíduo e sociedade, isto é, reafirmando a indissociável relação entre um e outro. Essa posição é marcada de forma enfática na conhecida citação do Psicologia das Massas e Análise do Eu: “A psicologia individual é também, desde o início, psicologia social” (Freud, 1921/2001, p. 67).
  • 7. • No que tange à problemática política em Freud, quatro textos se tornam centrais, a saber, Psicologia das Massas e Análise do Eu(1921/2001), OFuturo de uma Ilusão(1927/2004d), O Mal-Estar na Cultura (1929/2004c) e Porque a Guerra? (1933/2004b). • No primeiro, Freud traça um panorama do ponto de vista libidinal de como se organizam os laços sociais e da relação dos grupos e massas com os líderes, a partir do conceito de ideal do Eu, libido, identificação e narcisismo. Ali estão construídas as bases de uma concepção política, que depois é ampliada no segundo texto.
  • 8. • Em O Futuro de uma Ilusão, o que nos importa é a concepção freudiana de que a constituição psíquica está marcada por uma relação de poder, tal como aparece na vivência religiosa. O religioso restitui a perda da segurança infantil suposta no pai, no Édipo, transferindo essa mesma segurança para outro tipo de pai, endeusado. O problema é que essa segurança detém um preço: a submissão às exigências desse outro, supostamente protetor. Seguem-se as regras e o outro lhe oferece garantia e amparo (Freud, 1927/2004d). Trata-se aqui de uma teoria da submissão do ponto de vista psíquico e inconsciente que será retomada no texto do Mal-Estar.
  • 9. • O Mal-Estar na Cultura é o texto principal de Freud sobre sua teoria da cultura e as formas da sociabilidade a partir da conceituação psicanalítica. Lá está presente uma série de teses fundamentais do ponto de vista sociológico, assim como comparecem os elementos que serão cruciais como operadores de análises sociais. O que mais nos importa aqui é que nesse texto aparece uma concepção de poder e de desamparo. • A partir de então tornam-se frequentes as teorizações em que os psicanalistas buscam construir instrumentos que servem como operadores para pensar não só a sociedade e a cultura, mas o modo de produção capitalista. Entra em cena a dimensão política muitas vezes silenciada na psicanálise.
  • 10. • O modo como os homens organizam sua vida social, a maneira como produzem os bens para viver, tudo isso está articulado à forma como representam a si mesmos e aos outros. • Será na superação da dicotomia entre o social e o psíquico e na recusa em patologizar determinados processos psíquicos que Freud avança na proposição da construção de um novo campo de conhecimento. • Um exemplo de como tais concepções se articulam é quando Freud se arrisca a falar da guerra sem se limitar a relacionar a questão “aos impulsos” de um só sujeito. Em Por que a Guerra? o tema é debatido como uma questão que reflete tanto às pulsões de todos os homens, quanto à política de um Estado (Freud, 1933/2004b, pp.187-198).
  • 11. • Tudo indica que essas mesmas posições são sustentadas pelos pós-freudianos, e principalmente por Lacan. • Roudinesco (1994) destaca três dispositivos utilizados por Lacan em sua crítica da sociedade, distribuídos nos registros do simbólico, imaginário e real: o mito edipiano, como o fundador das sociedades modernas; a função da identificação, como presente na Psicologia das Massas, para análise da formação dos grupos, instituições e sociedades; por fim, neste século, o advento do sujeito da ciência, fenômeno fundamental, segundo Lacan, cuja irrupção foi evidenciada no nazismo.
  • 12. • De forma sucinta, podemos entender que Lacan avança nesse sentido quando nos indica que o sujeito é efeito do significante e do campo simbólico. De certo modo, coloca-nos diante do cuidado em não nos alienarmos, enquanto psicanalistas, naquilo que se insere no contexto sócio-histórico. • Em Função e campo da fala e da linguagem em Psicanálise, Lacan (1953/1998) nos diz: "Como poderia fazer seu ser o eixo de tantas vidas, quem nada soubesse da dialética que o compromete com essas vidas num movimento simbólico?" (p.322). É preciso, pois, atentar para a subjetividade de seu tempo ou para que "se conheça bem a espiral a que o arrasta sua época na obra contínua de Babel, e que conheça sua função de intérprete na discórdia das línguas" (p. 322).
  • 13. • Assim, há uma extrapolação do conceito de discurso para além da fala, algo que viria não só do sujeito, mas também do social. Nesse texto, a ideia de discurso é tratada como algo que influencia tanto a economia psíquica do sujeito (sua fantasia, seu desejo e as formações de seu inconsciente), como a relação com os outros sujeitos. • Na Proposição de 9 de outubro de 1967, ele nomeia de psicanálise em extensão "tudo o queresume a função de nossa Escola como presentificadora da psicanálise no mundo" (Lacan, 1967/2003a, p.251) e de psicanálise em intensão "a didática, como não fazendo mais do que preparar operadores para ela".
  • 14. • Em 1971, em Ato de fundação, Lacan (1971/2003b) destaca a importância necessária em articular psicanálise e ciências afins. Enfatiza a possibilidade de trocas entre os campos de conhecimento, tanto no que diz respeito a algumas ciências servirem ao esclarecimento da psicanálise, como naquilo que a psicanálise pode servir como inspiração complementar a estas mesmas ciências. • Portanto, o discurso pode ser considerado como correspondente àquilo que possibilita o laço social e que se dá dentro do campo da linguagem. Afinal, sendo o inconsciente estruturadocomo uma linguagem, tal como Lacan conceitua em 1953, podemos dizer que a consequência é que o laço social também o seria. Assim, a lógica do significante ordena tanto o sujeito como as relações entre sujeitos, ou seja, o social.
  • 15. • A pretendida posição de subversão da psicanálise não é algo intrínseco à sua teoria ou à sua clínica e por isso requer constante reflexão sobre suas implicações sociais e políticas. A psicanálise foi transgressora ao escutar como sofrimento, e não como loucura, os sintomas histéricos das mulheres que à época encontravam seu destino final nos hospícios. Teve, para isso, que confrontar o seu discurso com os discursos morais e científicos predominantes na época. Entendemos que continuar confrontando os discursos atuais é essencial. No entanto, esse caminho só será legítimo se utilizarmos os recursos da psicanálise e, para ler criticamente esses discursos, partirmos da escuta e interpelação daqueles que encontramos nas instituições de saúde, de assistência ou de justiça, nas ruas e nas comunidades marginalizadas. A partir destas margens é que pensamos ser possível continuar a avançar na psicanálise.
  • 16. O sofrimento sociopolítico e a clínica psicanalítica
  • 17. • Caterina Koltai (2012), nos lembra que a concepção lacaniana de que o inconsciente é socialteria permitido explicitar ainda mais o que já estava no texto freudiano; ou seja, que o sujeito é, por definição, marcado pela história, e não pode ser pensado apenas a partir da relação com seus pais. A autora defende que a psicanálise não é só uma terapêutica do sujeito, mas uma teorização da relação dele com o mundo, o que faz com que as transformações sociais interessem tanto à teoria psicanalítica, quanto a sua prática (Koltai, 2012). • Desde Freud sabe-se que a psicanálise lida com a relação tensa entre indivíduo e sociedade. Trata-se de resgatar a radicalidade da proposta psicanalítica e ressaltar o caráter ético e político dessa escuta, trazendo contribuições à clínica e elucidando aspectos referentes ao sujeito em desamparo social e discursivo (Rosa, 2002).
  • 18. • Sob esta perspectiva é necessário pensar, de um lado, nas formas de alienação do sujeito que se situa nas bordas do funcionamento social e, de outro, no impasse ético-político do psicanalista nessa cena, ou seja, como ele se posiciona na cena política que produz a desigualdade social (Alencar, 2011). • Confrontado com sua própria estrutura fantasmática e com os impasses frente ao sofrimento de origem sociopolítica, sobrevém a resistência do analista.
  • 19. Tomar esse outro como um sujeito do desejo, atravessado pelo inconsciente e confrontado com situações de extremo desamparo, dor e humilhação, situações geradas pela ordem social da qual o psicanalista usufrui –é levantar o recalque que promove a distância social e nos permite conviver, alegres, surdos, indiferentes ou paranoicos, com o outro miserável.... Nessas situações, a escuta supõe romper com o pacto de silêncio do grupo social a que pertencemos e do qual usufruímos; usufruto que supõe a inocência, a ignorância sobre as determinações da miséria do outro e a reflexão sobre a igualdade entre os homens, quando, de fato, o que fazemos é excluí-los (ROSA, 2002, p. 44).
  • 20. • Entendemos que se trata da clínica-política, pois aborda duas faces: a face do sujeito no contexto sociopolítico e a do questionamento da ética desse contexto que gera não só sintoma, mas a desarticulação subjetiva impeditiva da construção do sintoma. • Pode-se dizer que o psicanalista escuta o sujeito quando não o confunde com o modo, muitas vezes degradado, no qual ele é apresentado no laço social. Laço, nesse caso, marcado por preconceitos de classe, raça, gênero e cultura. Tais preconceitos levam ao sofrimento para além da dor de existir, ou dos padecimentos neuróticos ou psicóticos. Ainda, esses preconceitos lançam o sujeito ao desamparo discursivo
  • 21. • As intervenções psicanalíticas desenvolvidas junto a sujeitos submetidos a violências em suas diversas formas (exclusão social, pobreza, racismo, indiferença, humilhação, imigração forçada, exílio) remetem ao cenário social, político e cultural em que os sujeitos se constituem e dos quais sofrem as incidências. Incidências presentes tanto na constituição do sujeito, como nas estratégias políticas de destituição do sujeito. • Os discursos que circulam num dado tempo indicamos modos de pertencimento possíveis para cada sujeito, atribuindo, a cada um, valores, lugares e posições no laço.
  • 22. • A invisibilidade dos conflitos gerados no e pelo laço social recai sobre o sujeito, individualizando seus impasses, patologizando ou criminalizando suassaídas. • Ao supor que detém as ferramentas necessárias para que o sujeito alcance o seu bem-estar, o adulto ou a instituição, acaba por excluir o caráter enigmático do desejo. E isso por sua conduta se pautar no corolário de um eu ideal, isto é, corolário desse outro imaginário. • Este discurso social apresenta-se como emissário de uma verdade e de um valor a-histórico e apolítico. No entanto é carregado de interesses políticos e econômicos, pautados na manutenção da ordem social específica que representa.
  • 23. • Pois bem, o equívoco alienante que provoca é apresentar-se como se fosse o discurso do Outro. • O discurso social pretende, para aumentar a sua eficácia, recobrir por inteiro o real, apresentando-se ao sujeito como Outro consistente/não-castrado, sem espaço para o enigma, para a singularidade, para a polissemia da palavra. Com a potência adquirida por passar-se por discurso do Outro e por sua pretensa dimensão simbólica, o discurso social captura o sujeito em suas malhas, seja na constituição subjetiva, seja nas circunstâncias que promovem a destituição subjetiva.Apresentado como discurso do Outro, um discurso hegemônico e universalizado desaloja o sujeito da sua história pessoal, sociocultural e política, desarvorando-o de seu lugar discursivo, do lugar a partir do qual ele fala
  • 24. • Desamparo [Hilflosigkeit], em Freud, ganha centralidade na segunda teoria da angústia, na Conferência XXXII, Angústia e Vida Pulsional(1933/2004a), em que se articula com a angústia e com a dimensão do traumático. O conceito trata da experiência estruturante do sujeito, relacionada à ausência ou falta de amparo, referida primeiramente aos primórdios da existência humana. O bebê por sua imaturidade orgânica e psíquica é inteiramente dependente dos cuidados de outrem e incapaz de sobreviver sozinho, o que ocasiona a entrada do sujeito na linguagem pela via do desejo do Outro. Na sua constituição o sujeito tece bordas em torno do real, tecidas a partir do desejo do Outro e da transmissão da cultura pela via da linguagem. Bordas que protegem da angústia e do trauma. Mas a marca do desamparo está sempre presente remetendo à dimensão trágica da existência, ao vazio estrutural que habita o sujeito, ao real de sua falta-a-ser e se evidencia quando são retiradas as coordenadas simbólicas que sustentam o sujeito. A dimensão traumática refere-se
  • 25. • Nessas circunstâncias, a clínica encontra uma primeira direção: separar a alienação estrutural do sujeito ao discurso do Outro, da alienação ao discurso social e ideológico. • A preocupação em construir uma clínica com os sujeitos desamparados do ponto de vista discursivo, para usar as palavras de Pujó (2000) ou de Rosa (2002) se faz indispensável. • O seu avanço foi alavancado pela psicologia institucional a partir das reflexões da reforma psiquiátrica que apresentou a modalidade clínico-política que avançou na direção da circulação do sujeito na cidade, ao seu modo singular.
  • 26. • “Não existe uma psicanálise do individual e outra ‘aplicada’ ao sintoma social. Pois o sintoma é sempre social... o que chamamos de individual, a singularidade, é sempre o efeito de uma rede discursiva, que é a rede mesma do coletivo” (Calligaris, 1991, p. 12). • E o avanço não seria possível sem superar, como já adiantamos, uma dicotomia e um recalque: a questão da política na psicanálise.Os casos que se apresentam para os psicanalistas na clínica-política são diferentes, em vários aspectos, daqueles de pacientes encontrados nos consultórios. Distintos, particularmente, quanto à face sociopolítica do sofrimento e, algumas vezes, quanto à falta de uma demanda de intervenção psicanalítica ou mesmo psicológica, substituída por aparentes demandas objetivas voltadas para as carências materiais.
  • 27. • Nessas circunstancias, consideramos importante ressaltar o que entendemos por psicanálise implicada: aquela que escuta o sujeito ali onde só aparecem inicialmente os modos de alienação em que ele é capturado e enredadopela maquinaria do poder. A perspectiva que apresentamos é de que nos mantemos na esfera da clínica, não sendo nem psicanálise aplicada, nem clínica do social, nem psicanálise em extensão, mas uma clínica do sujeito no laço social, uma prática psicanalítica clínico-política (Rosa, 2016). • Deve considerar os efeitos dos discursos sociais e o modo como operam nas relações de podere de governança sobre esses “excluídos”.
  • 28. • A clínica convoca o analista a tensionar, com sua presença estrangeira, o espaço entre enunciado e enunciação, abrindo espaço para a falta e a fala. No entanto, essa é uma meta e não ponto de partida. Meta que pode ser constituída de intervenções a partir do modo em que esse sujeito está inserido no laço social, na relação com o outro; a partir da sua posição discursiva, da modalidade de angústia que apresenta. Dependendo disto, algumas vezes falamos com ele,outras o acompanhamos nas trajetórias pela cidade, outras procuramos com ele seus pares e apoios afetivos, outras o escutamos no divã.
  • 29. • Deste ângulo, há situações em que o espaço público, seja na rua ou nas instituições, é o lugar privilegiado de um trabalho analítico onde se pode autenticar outra posição para o sujeito. • A prática psicanalítica clínico-política exige intervenções não convencionais e uma posição de invenção do psicanalista na direção da polissemia da palavra. • Concluindo, por mais que se considere o sintoma como social, nem sempre a clínica é política. Para que ela o seja, na nossa perspectiva, é preciso escutar o sujeito e interrogar a modalidade de laço social que o enreda (Martins, 2015).
  • 30. • As instituições de atendimento às crianças são historicamente permeadas por discursos universalizantes e normatizantes, que dificultam o acolhimento à singularidade. Ao psicanalista cabe questionar esses discursos, visando o sujeito criança em sua relação com o desejo, oferecendo lugar às construções singulares de cada um. • O lugar destinado às crianças em cada momento da história tem definido o que será ofertado às mesmas no campo da saúde, da educação ou da família. A inclusão da criança como objeto de conhecimento foi resultado de um processo afirmado com o advento da ciência moderna.
  • 31. • Nesse movimento, os discursos universalizantes passaram a ter papel privilegiado e a consideração do sujeito em suas particularidades perdeu destaque diante daquilo que seria definido pelo lastro científico. • Entretanto, os primeiros profissionais a se ocuparem do desenvolvimento de um trabalho específico com as crianças envolvendo os aspectos mentais e cognitivos não foram os médicos, mas os educadores, no início do século XVIII. Eles estavam preocupados com a reeducação das crianças excluídas que, na época, eram aquelas portadoras de alguma deficiência. Foram eles os responsáveis pelo surgimento de instituições com ensino especial para atendê-las.
  • 32. • É no século XX, juntamente com a psicologia do desenvolvimento, que a medicina, na especialidade da psiquiatria, se insere e influencia esse império da clínica dos déficits, com ressonâncias ainda hoje na política de assistência. • Como reflexo desse percurso histórico os tratamentos dos transtornos psíquicos infantis e o campo da saúde mental ficaram marcados por certo atraso. A promulgação de um atendimento especializado para crianças na saúde mental, regimentado pelo Ministério da Saúde, é, inclusive, bastante recente. Até 2002 as orientações políticas seguidas eram as mesmas vigentes na saúde mental dos adultos. Somente a partir da Portaria MS 336/02 é previsto um modelo de intervenção específico ao público infanto-juvenil (COUTO, 2004; FERREIRA, 2004; GUERRA, 2005).
  • 33. • Na saúde mental, um dos avanços conquistados - e marca da psicanálise - tem sido a inclusão da dimensão clínica no direcionamento do atendimento, através de uma proposta de organização da assistência que articule subjetividade (o "cada um") e esfera política (o "para todos"). • Mesmo assim, deve-se destacar que os discursos que sustentam um ideal de universalização, de saúde e de bem-estar não estão apartados dessa esfera e que diretrizes inflexíveis que definem normas sobre local e modelos de atendimento a determinadas patologias acabam por funcionar na contramão da escuta à dimensão clínica pensada pela psicanálise (MEYER; BERLINCK, 2011).
  • 34. • Quando pensamos nessa aplicação da psicanálise e especificamos a clínica com crianças, algumas peculiaridades se apresentam: a necessidade de incluir indispensavelmente a família; o trabalho através de uma linguagem diferenciada (o brincar); e a forte presença de outros saberes - especialmente o da educação - numa implicação mais direta no trabalho clínico (GUERRA, 2005). Se estamos na clínica dos transtornos graves, essa interface com os setores educacional, médico, jurídico, da assistência social e da cultura se faz ainda mais presente por tornar-se imprescindível que coloquemos em questão a imagem social deficitária atribuída a essas crianças.
  • 35. • Guerra (2005), Freire e Bastos (2004), Kelly Silva (2006) e Machado (2016) citam uma estratégia de equipe multiprofissional marcada pela psicanálise e aplicada à prática institucional especialmente com psicóticos: a prática feita por vários2 ou prática entre vários, um conceito da psicanálise lacaniana. São instituições, já em seu funcionamento, organizadas pela lógica psicanalítica, distintas daquelas em que a psicanálise aparece apenas na presença de um dos membros da equipe, como naquela em que atuei. Nessa perspectiva, os técnicos das várias especialidades não se completam para formar o todo das disciplinas, assim como nenhum membro da equipe detém a palavra final sobre o caso - o que constituiria um saber acerca da criança tomada como objeto.
  • 36. • Assim, é ofertada ao sujeito a possibilidade de produzir um saber sobre si que será apreendido pelos profissionais que dele se ocupam. Caberá à criança a escolha de com quem irá trabalhar, como será o trabalho com cada um - o que acontecerá a partir dos vínculos que o sujeito construir e dos lugares que atribuir a cada um dos presentes na equipe. Entretanto, todos os profissionais estarão ali para escutar o que é colocado por aquele sujeito, suas manifestações inconscientes e os tipos de relações construídas com os técnicos e com as outras crianças.
  • 37. • Kelly Silva (2006) e Machado (2016) referem-se ao psicanalista Antônio Di Ciaccia (2005) na proposição de que a prática entre vários estrutura-se segundo quatro eixos: a parceria de cada membro da equipe com a criança, que deve apresentar-se frente a ela despido de sua especialidade, mas como um parceiro na sua construção frente ao sofrimento; a reunião de equipe, momento em que os olhares sobre a criança serão compartilhados e a posição de cada técnico relativa ao caso poderá ser trabalhada; a função do diretor terapêutico, responsável para que o trabalho em relação a uma determinada criança avance; e a referência teórico-clínica à psicanálise freudo-lacaniana, em que, juntos, os profissionais discutem e fazem a teoria avançar.
  • 38. • “a clínica psicanalítica de crianças é artesanal, faz-se e refaz-se a cada dia, a cada caso, a cada nova situação com que nos deparamos. Não há regras estabelecidas. Há uma práxis terapêutica que é a do trabalho em transferência, nos vários atravessamentos que se entrecruzam: criança, família, escola, outros profissionais e instituições - sustentada por uma formação analítica de um lado, e de outro por um trabalho interdisciplinar” (SILVA, I., 2003, p. 37) • a presença de discursos universalizantes e normalizantes nas instituições de atendimento às crianças foi historicamente construída, proveniente, principalmente, do saber da pedagogia e da medicina. Uma interseção que se faz fortemente presente ainda nos dias de hoje no que diz respeito a esse público.
  • 39. • Apesar da contribuição da psicanálise para o advento da psiquiatria infantil, o ideal de adequação dos indivíduos com algum tipo de transtorno mental, impulsionado pelas demandas escolares, instalou-se também na prática médica. Isso explica muitas das queixas com as quais o psicanalista de crianças se depara tanto nas instituições quanto no consultório. • Mesmo assim, a prática psicanalítica com crianças pode acontecer nesses espaços institucionais e carregar a marca da ética da psicanálise. Cabe, portanto, ao psicanalista escutar esses discursos e demandas que envolvem a instituição em que trabalha, para que, ao manejar com eles, possa estabelecer um giro visando, em sua prática, o sujeito criança que ali se apresenta.
  • 40. • As peculiaridades da escuta do analista envolvem perceber a marca do inconsciente nos sintomas que se apresentam, a relação singular desse sujeito com o desejo, que quebra ideais de normalidade e enquadramento, pois aponta para uma construção muito particular em que, muitas vezes o que é tido como problema a ser sanado, é, na verdade, a amarração que foi possível para aquela criança diante dos elementos com os quais contava - muito mais resolutiva, portanto, do que deficitária. A escuta da singularidade revela que, no final das contas, ninguém pode vangloriar-se de uma normalidade: ela simplesmente não existe.
  • 41. • Nesse sentido, reconhecer a singularidade das infâncias que acessam determinado serviço possibilita a abertura para novos sentidos e construções sobre o processo de desenvolvimento e de vida. Significa sustentar a possibilidade de um devir, de que algo novo possa se produzir na e pela relação de cuidado, podendo cunharum campo descrito como potencial, acompanhando as variações afetivas que estão em jogo. Num processo de trabalho clínico comprometido com essa ética, há o favorecimento de uma apropriação criativa que as crianças podem fazer de si mesmas, compondo transformações acerca de sua própria história e reposicionando-as em relação ao mundo ao seu redor.
  • 42. • psicanalista pode investir na construção de dispositivos clínicos que façam a palavra circular, para que a criança possa se apropriar de um discurso que lhe é próprio enquanto sujeito. • Construir um trabalho pautado sob essa ética implica considerar a criança como sujeito de desejo. Assim, trata-se de sustentar uma presença sensível, uma posição que dê ouvidos para asmúltiplas afetações e, dessa forma, que a dimensão subjetiva não seja silenciada, podendo operar com a produção da diferença, e não da anulação desta (França & Rocha, 2015).
  • 43. • Ao considerar as contingências de cada caso e cada sujeito em sua singularidade, a psicanálise caminha em direção contrária ao discurso capitalista contemporâneo, que se pauta em práticas universalizantes que rotulam, vitimizam e patologizam o sujeito, com um viés cientificista, nesta era da globalização. O cuidado implicado, então, proporciona criações de sentido para as vivências das crianças, inclusive sobre a circulação pelos não-lugares, como dito anteriormente, dando-lhes a oportunidade de exercer também sua cidadania
  • 44. • Saggese (2015a) desenvolve dois pontos centrais da obra: a relação entre juventude e saúde mental e a especificidade da clínica com adolescentes. Com relação ao primeiro, este autor aponta o desafio de ser adolescente no mundo pós-tradicional, onde a adolescência aparece como um período de indefinição, ao contrário das sociedades tradicionais, que ofereciam ritos de passagem, os quais auxiliavam o adolescente a ingressar no mundo adulto. Processo este que se desenvolve em um mundo em que, como diz Giddens, “oportunidade e perigo estão equilibrados em igual medida" (Saggese, 2015a, p. 10). Saggese (Ibid.) diz que essas são as bases para se pensar a articulação entre juventude e saúde mental.
  • 45. • A partir dessas reflexões, a questão da especificidade da clínica com adolescentes é desenvolvida. Vivemos atualmente uma situação de psiquiatrização da vida, o que é expresso no crescente aumento dos códigos classificatórios dos transtornos mentais (Saggese, Oliveira, Teixeira, 2013). Essas questões se refletem diretamente na clínica, pois, como descreve Saggese (2015a; 2015b), o momento atual é de preponderância da psiquiatria biomédica, a qual prioriza as intervenções estritamente médicas, terapias baseadas em fármacos e internações hospitalares supostamente eficazes, em detrimento de um olhar mais amplo do campo da saúde mental, que inclua uma visão do sintoma como o resultado de um conflito psíquico. Nesse sentido, o autor nos desafia a pensar um “limite” para a atuação psiquiátrica na clínica da adolescência.
  • 46. • “Existe uma dor incontornável no processo de adolescer, processo esse que não pode ser cancelado por psicofármacos” (Saggese, 2015a, p. 10). Saggese (2015b) complementa essa ideia dizendo que “a adolescência, enquanto fenômeno sociocultural, não pode ser tratada como uma patologia. O que não é a mesma coisa que dizer que não existe fenômeno francamente patológico na adolescência” (p. 21).