O documento relata um caso de discriminação racial sofrido por um músico cubano em um shopping de São Paulo e discute a legislação brasileira contra o racismo. O músico Pedro Bandera afirma ter sido impedido de entrar no shopping por seguranças, enquanto colegas brancos não tiveram problemas. Apesar de o processo criminal ter sido arquivado, Bandera pretende recorrer à justiça por meio das leis de defesa do consumidor.
Consumidor luta contra discriminação em estabelecimentos
1. JOSÉGABRIELNAVARRO
jose.gabrielnavarro@grupoestado.com.br
Consumidor discriminado em estabeleci-
mentoscomerciaisporcausadacordapele
oulocalondenasceuévítimadecrime,que
cresceu neste semestre. A Lei Estadual
14.187completoudoisanose puneatosde
discriminaçãoracial.Estásendousadapor
clientesquedizemtersidomaltratadospor
causadacordapele.Amaiorvantagemes-
tá em seu artigo terceiro, que prevê puni-
ção administrativa.
“Emvezdeadenúnciavalercontraofun-
cionário discriminador de uma loja, por
exemplo, é o estabelecimento comercial
quemrespondenaJustiça,sobpenademul-
ta (de até R$ 55,32 mil), suspensão de 30
dias ou cassação da licença de funciona-
mento”,dizocoordenadordePolíticaspa-
raaPopulaçãoNegraeIn-
dígena da Secretaria da
JustiçaedaDefesadaCida-
dania, Antonio Arruda.
Hoje, segundo ele, qua-
tro em cada dez denún-
ciasquechegamàcoorde-
nação envolvem relações
deconsumo.Entreosme-
sesdejaneiroejunhodes-
te ano, foram 22 acusa-
ções. Do segundo semes-
tre de 2010 até o fim do
ano passado, haviam sido
registradassónove–cres-
cimento de 144%.
O músico Pedro Da-
mian Bandera Izquierdo, de 37 anos, não
deixoupassaroqueconsiderouumaindig-
nidadeeracismo.Emagostode2010,apre-
sentou-seemumalivrariadoShoppingCi-
dadeJardim,zonasuldeSãoPaulo,contra-
tado pelos donos da loja.
“Cheguei de táxi com meus instrumen-
tos”,conta Bandera. “Quando desci na en-
trada do prédio para procurar alguém da
produção, dois seguranças me barraram e
forammearrastandoparafora.Foramche-
gandomaisdoisagentes,aímaistrês,eeles
me perguntavam o que eu estava fazendo,
quem havia me mandado ali.”
De acordo com o músico, nascido em
Cuba,outroscolegasdebanda,brancos,en-
traramcomtodososinstrumentosnolocal
sem problemas. “Moro no Brasil há oito
anos e nunca havia sido discriminado.”
OprocessocriminalqueBanderamo-
veu contra o shopping foi arquivado,
mas ele ainda pretende lutar por meio
de leis de defesa do consumidor. Para
isso,contacomaconsultoriadocoorde-
nadordeprojetosdoCentrodeEstudos
dasRelaçõesdeTrabalhoeDesigualda-
de (Ceert), o advogado Daniel Teixeira
(leia mais nesta página).
O Ceert é uma organização que dá
orientação jurídica gratuita em situa-
ções de racismo. Segundo Teixeira, de
2010paracá,cresceramdezeropara30%
dos casos as denúncias contra estabeleci-
mentos comerciais que chegam ao grupo.
“Oincrementodaclassemédiaemancipou
muitos negros. Agora essa população está
seafirmandonaáreadaeconomia,reivindi-
candomais direitos”, afirma o advogado.
Nem só o preconceito com a cor da pele,
porém, causa problemas a estabelecimen-
toscomerciais.Adelegadatitular(afastada
desdeabrilporrazõespessoais)daDelega-
ciadeCrimesRaciaiseDelitosdeIntolerân-
cia(Decradi),MargareteBarreto,dizqueos
casosdediscriminaçãocontraconsumido-
res são motivados pelas mesmas razões
quegeramdiscriminaçãonoEstadodeSão
Paulo no geral (veja quadro nesta página).
“A maioria das denúncias é contra shop-
pings,bancosemercados”,contaela.Onú-
mero de denúncias por racismo foi o que
mais cresceu de 2010 (quando eram 23%
do total) para 2011 (27%).
Injúriaeracismo
A Constituição de 1988 estabelece o racis-
mocomocrimee,pormeiodaLei7.716,do
ano seguinte, pune a prática e a indução à
discriminaçãoderaça,coreetnia.JáoCó-
digo Penal brasileiro regula o crime de
injúriaracial(aatribuiçãodemáqualida-
deaalguémdevidoaraça,cor,etnia,reli-
gião ou origem).
O Judiciário costuma enquadrar co-
moracismoofensasamplas,quepode-
riamterocorridocomqualquerpessoa
“diferente”: negar emprego ou impe-
dir a entrada em um estabelecimento
por causa da cor da pele, por exem-
plo. A injúria racial, no entender dos
juízes,ocorrequandoalguéméofen-
didopessoalmenteporcausadesua
etnia,como ao ser xingado na rua.::
MoronoBrasiljá
háoitoanose
nuncahaviasido
discriminado
antes,emlugar
nenhum”
PEDROBANDERA,
MÚSICOCUBANO
Oconsumidorluta
contraopreconceito
Pormeiodeassessoriade
imprensa,oShopping
CidadeJardimdeclaraque
“estáentreseusvalores
repudiarqualquertipode
discriminação,reforçando
constantementeessacultura
comseusfuncionáriospormeio
detreinamentos”.Omúsico
cubanoPedroBandera,quefala
portuguêscomfluência,dizter
sidoabordadoelevadopara
foradolocalporseguranças,
todosbrancos.
Banderaafirmaquea
denúnciacontraoshoppingfoi
formalizadaquatro mesese
meiodepoisdoepisódio.“Um
mêsemeiodepoisdisso,fui
chamadoàdelegaciaparaouvir
aversãodoCidadeJardim.Eles
disseramqueotáxiemque
chegueiestavaestacionadoem
lugarincorreto,equeacharam
suspeitoqueeutrouxesseos
meusinstrumentosmusicais”,
contaocubano.
Elediztambémqueum
gerentedoshoppingconversou
comeledepois,negandoqueo
casofossederacismo,massim
um“errodeprocedimento”.
Banderadiscorda.“Eudisse
queumerrodeprocedimentoé
terumsegurançamaleducado.
Vejonoquesepassoucomigo
umatodiscriminatório.”
Oprocessocriminalqueo
músicomoveucontrao
estabelecimento,daempresa
JHSF,foiarquivadonomês
passado,porémBanderaainda
desejarecorreràJustiçana
áreacível.
Omaiorproblema,segundo
ele,estáemprovarqueo
episódionoCidadeJardimfoi
motivadoporpreconceito.
Atitularlicenciadada
DelegaciadeCrimesRaciaise
DelitosdeIntolerância
(Decradi),MargareteBarreto,
reconheceadificuldadeem
comprovaradiscriminação,
masdádicas.
“Nomomentoemqueocorre
oproblema,é precisochamara
atençãodequemestiverao
redor,dizeràspessoasque
estáocorrendoumatode
preconceito”,afirma.“Vale
inclusiveusarumacâmerade
celularouogravadordeum
aparelhodemp3pararegistrar
dealgumaformaoquese
passoue,depois,apresentar
provasetestemunhasà
Justiça.”
ONDEDENUNCIAR
JTSEU BOLSO
Quatroemcadadezdenúnciasderacismoregistradas
naSecretariadaJustiçadoEstadodeSãoPaulo
envolvemambientesprivados.Númerodequeixasneste
semestrecontraestabelecimentoscresceu144%
Shoppingdizquerepudia
todotipodediscriminação
>> SecretariadaJustiçaeda
DefesadaCidadania
Telefone:(11)3291-2600
E-mail:denunciaracial@sp.gov.br
>> Procon
Telefone:151
HápostosdoProconnasunidades
doPoupatempo.Épossívelchecar
oendereçodeoutrospostosno
sitewww.procon.sp.gov.br
>> DelegaciadeCrimesRaciaise
DelitosdeIntolerância(Decradi)
Telefone:(11)3311-3556
Endereço:RuaBrigadeiro
Tobias,527,3ºandar,próximo
àestaçãoLuz
TIPOS DE DISCRIMINAÇÃO EM SP
● Em 2011, a cor da pele e a orientação sexual motivaram a maioria
das denúncias
RACIAL
CONTRA
TORCIDAS
RELIGIOSA
CONTRA
GANGUES
OUTRAS
NÃO
CRIMINAIS
BOs
COMPLEMENTARES
27
HOMOFÓBICA 17,2
10,9
7,5
1,1
23,6
7,5
5,2
* Boletins de ocorrência redigidos na Decradi, mas que não dizem respeito a atos discriminatórios
FONTE: DECRADI-SP INFOGRÁFICO/AE
EVELSONDEFREITAS/AE
Banderafoi
cercado por
seguranças no
Shopping Cidade
Jardim,enquanto
colegas brancos
entraram no local
sem problemas
%HermesFileInfo:10-A:20120709:
10A JORNALDATARDE
SEGUNDA-FEIRA,9.7.12