4. Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
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5. Poesia
«Canto…» «como um possesso / Que na casca do tempo,
a canivete, / Gravasse a fúria de cada momento;»
(vv. 1-3)
Arma que o sujeito poético
usa para lutar contra a morte
Desejo de lutar contra
a efemeridade da vida
Arma
«Canto, a ver se o meu canto compromete /
A eternidade no meu sofrimento.» (vv. 5-6)
«Bicho instintivo que adivinha a morte /
No corpo dum poeta que a recusa, /
Canto como quem usa /
Os versos em legítima defesa.»
(vv. 13-16)
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6. «Outros, felizes,
sejam rouxinóis…» (v. 7)
Canto dos outros
«Eu ergo a voz assim,
num desafio:»
(v. 8)
Canto do sujeito
poético
Harmonia
Grito contra
a morte
Franz von Stuck, Orfeu (1891).
O canto do eu e o canto dos outros
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7. «Saibam que há gritos como há nortadas /
Violências famintas de ternura.»
(vv. 11-12)
A agressividade do eu
traduz também
aspiração ao afeto
A força da revolta
do eu assemelha-se à
força dos elementos
da Natureza
«Canto, sem perguntar à Musa /
Se o canto é de terror ou de beleza.»
(vv. 17-18)
Oscilação entre
exaltação e horror
A realidade, ainda
que bela, é marcada pela
omnipresença da morte
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8. «Orfeu rebelde» (título)
O eu poético identifica-se
com poeta da mitologia
grega célebre pelo seu
canto melodioso, que
encantava a Natureza Representação de Orfeu encantando
os que o rodeiam, num sarcófago
do século III a. C., na Grécia.
Poeta cujo canto
tem um forte impacto
naqueles que o rodeiam
Poeta que procurou
lutar contra a morte
recorrendo ao seu canto
O seu canto
não é harmonioso,
mas um grito
de revolta
MAS é um
«Orfeu rebelde»
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9. Luigi Vacca (1824) — representação da descida
de Orfeu ao Inferno, na cortina do Teatro
de Chambéry, em França.
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