Índice desenvolvido por pesquisadores mensura o grande impacto da questão
racial na profunda desigualdade social brasileira. Dados da pesquisa apontam como negros
estão sub-representados no topo da distribuição de renda, nos cursos superiores e até
mesmo na população idosa, o que mostra a urgência de propor políticas públicas
específicas de redução de iniquidades raciais.
Publicado pela Folha de São Paulo em 19 de novembro de 2021
Índice mostra desigualdade racial condena negros a menos renda e ensino
1. 1/10
Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella, Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella 19 de novembro de 2021
Índice mostra que desigualdade racial condena negros a
menos renda, ensino e expectativa de vida
www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/11/indice-mostra-que-desigualdade-racial-condena-negros-a-menos-renda-
ensino-e-expectativa-de-vida.shtml
[RESUMO] Índice desenvolvido por pesquisadores mensura o grande impacto da questão
racial na profunda desigualdade social brasileira. Dados da pesquisa apontam como negros
estão sub-representados no topo da distribuição de renda, nos cursos superiores e até
mesmo na população idosa, o que mostra a urgência de propor políticas públicas
específicas de redução de iniquidades raciais.
O Brasil é um país em que a desigualdade social é profunda —e isso não só por ser abissal
a diferença entre grupos sociais, mas por ter longas e centenárias raízes. Dentre os fatores
determinantes da desigualdade social e econômica, a raça tem papel central.
Raça é o conceito sociológico que nem o mais cínico dos analistas sociais consegue evitar.
Está presente em profusão em nossas relações sociais, familiares e de trabalho. Mesmo
quando parece estar ausente, está ali.
2. 2/10
Desigualdade racial no trabalho pelas ruas de SP
Leia Mais
Voltar
Voltar
As desigualdades raciais no Brasil podem ser medidas de diversas formas. Em dois
trabalhos recentes elaborados pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, documentamos: (i)
como negros estão sub-representados no topo da distribuição de renda, no acesso ao
3. 3/10
ensino superior e até mesmo na população idosa; (ii) como desigualdades raciais iniciam-se
na escola e se perpetuam no mundo do trabalho. Assim, apresentamos, a seguir, um
resumo dos principais resultados e da agenda de pesquisa do núcleo.
Desequilíbrios nas distribuições de renda, escolaridade e etária
Os resultados de nosso primeiro estudo revelam que, nas regiões e unidades da Federação
mais desenvolvidas, o acesso da população negra às posições mais altas na distribuição de
renda é relativamente mais difícil. Parte disso é reflexo direto da escolaridade.
Trabalhadores com ensino superior completo ganham, em média, mais que o dobro que
trabalhadores com apenas o ensino médio concluído. Contudo, o acesso ao ensino superior
é diferente entre negros e brancos.
Entre aqueles que concluíram o ciclo superior, há relativamente mais brancos do que
negros, embora haja tendência de convergência para um equilíbrio racial no país.
Com níveis educacionais e renda menores, não é surpreendente que os negros estejam
sub-representados entre os idosos do país. Uma vida de empregos malremunerados,
instabilidade no fluxo de renda, subinvestimento em capital humano, acesso precário à
atenção básica de saúde, sobre-exposição a situações de violência, entre outros fatores,
reduzem a expectativa de vida.
Contrastes da ciclovia
4. 4/10
Voltar
Para mensurar a representação no acesso ao topo das distribuições de renda, educação e
etária, usamos o Índice de Equilíbrio Racial (IER). O IER representa uma forma de medir o
quanto a distribuição racial de determinado subgrupo está destoante do resto da população.
O IER assume valores entre -1 e 1. Quando o índice é negativo, indica que aquele subgrupo
populacional está com uma sobrerrepresentação branca. De forma semelhante, quando o
IER é positivo, naquele subgrupo há uma sobrerrepresentação negra.
Em uma sociedade em que há equilíbrio racial no subgrupo a ser considerado, o IER é nulo.
Nesse caso, a proporção de negros no subgrupo é idêntica à proporção de negros na
população mais ampla.
Os números indicam um grande e generalizado desequilíbrio desfavorável aos negros, isto
é, a população negra está sub-representada no subgrupo que tem ensino superior em todas
as unidades da Federação.
Esse desequilíbrio vem, contudo, caindo de maneira sistemática no país, a despeito de a
população autodeclarada negra estar aumentando. Ou seja, o IER aplicado ao ensino
superior vem, paulatinamente, assumindo valores mais próximos do zero, ou seja, do
equilíbrio racial.
Existem diversas causas por trás da melhora do IER do ensino superior. Entretanto, é
inevitável chamar a atenção para as políticas de ações afirmativas e expansão do ensino
superior. Outro fator relevante são as políticas de expansão do ensino básico.
Como historicamente a população negra teve menor acesso à educação, os avanços
observados desde a redemocratização provavelmente contribuíram para as melhoras
observadas na década de 2010.
5. 5/10
Coalizão Negra por Direitos durante a COP26
Leia Mais
Voltar
Voltar
O mesmo procedimento foi usado para calcular a proporção de negros entre os mais ricos
da população. Se não houvesse desequilíbrios raciais na distribuição de renda, esperar-se-
ia que a proporção de negros entre os mais ricos fosse a mesma para o resto da população.
6. 6/10
Contudo, o Brasil está longe de ser um caso em que a raça é irrelevante para a distribuição
de renda, como mostram os resultados do IER. Os números do desequilíbrio racial na renda
não são apenas estáveis ao longo do tempo, como bastante expressivos (em torno de -0,5).
No que se refere ao envelhecimento desigual entre negros e brancos, percebe-se uma leve
piora no país entre 2012 e 2019. Interessante, contudo, é notar a grande disparidade
regional que há nessa métrica.
Nas regiões Sul e Sudeste, a desigualdade racial no processo de envelhecimento é muito
pior que nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Brancos tendem a estar
sobrerepresentados nos grupos etários mais velhos, sobretudo nas regiões mais ricas do
país, onde há uma oferta maior de serviços privados de saúde e educação, atendendo às
camadas mais ricas da população.
Mercado de trabalho e sua relação com o sistema educacional
Em outro trabalho recente, usando dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) e da Pnadc (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2002 a
2019, mostramos como o mercado de trabalho amplifica desigualdades raciais que já
aparecem na educação básica.
Sabe-se que no mercado de trabalho há diferenças salariais consideráveis entre brancos e
negros. Entre todos os ocupados, trabalhadores brancos ganham quase o dobro que
negros.
Entre apenas aqueles com ensino superior, essa diferença gira em torno de 50%. A despeito
de haver uma convergência entre brancos e negros, sobretudo ocupacional, ela ainda é
muito lenta.
A maior parte da diferença salarial é explicada por diferenças na escolaridade e nos tipos de
ocupação. Contudo, as diferenças salariais permanecem altas mesmo quando comparamos
brancos e negros com ensino superior e dentro da mesma ocupação, o que pode ser reflexo
de discriminação racial no mercado de trabalho.
Embora o acesso ao curso superior tenha crescido mais rapidamente para a população
negra, jovens negros se formam majoritariamente em áreas e em cursos de menor prestígio
ou menores salários. Isso faz com que as oportunidades ocupacionais sejam muito distintas.
7. 7/10
Casos de violência contra negros no Brasil e nos EUA
Leia Mais
Voltar
Voltar
Há sub-representação, medida pelo IER, entre ocupações e profissões de gerência e/ou
direção. Para essas ocupações, o IER é sempre negativo e oscila entre -0,5 e -0,4 para o
período de 2002 a 2019.
8. 8/10
Há ainda importantes diferenças raciais na qualidade do ensino, evidenciadas por um
grande e crescente hiato racial no desempenho do Enem, girando em torno de 0,4 desvios-
padrão da distribuição de notas entre alunos.
Essa diferença no resultado do Enem entre jovens brancos e negros faz com que se
perpetue o acesso relativamente mais restritivo para negros aos melhores cursos de ensino
superior. As diferenças entre brancos e negros no acesso às melhores oportunidades
existentes no sistema básico de educação acabam tendo efeito em cascata sobre o
mercado de trabalho. Intervenções que garantam equalização de oportunidades nas etapas
iniciais do processo educacional têm chances maiores de reduzir a desigualdade racial no
mercado de trabalho.
Outros desequilíbrios raciais
A agenda de pesquisa do Núcleo de Estudos Raciais do Insper envolve a quantificação de
desequilíbrios raciais em várias dimensões da vida social.
O núcleo tem estudado, por exemplo, como é o desequilíbrio racial no ensino médio em
cada unidade da Federação. Ali se mostra que os desequilíbrios são pequenos no acesso
inicial, mas aumentam à medida que os jovens progridem.
Há evidente sub-representação de negros em escolas particulares de ensino médio e
sobrepresentação no ensino para jovens e adultos (EJA). Quando se olha para dentro das
escolas e se ordenam os alunos pelo desempenho nos testes padronizados do Inep, os
negros estão sub-representados no topo da distribuição do desempenho intraescolar.
9. 9/10
Movimentos antirracistas se voltam contra estátuas de figuras coloniais e escravocratas
Leia Mais
Voltar
Voltar
Em outros estudos, acompanham-se algumas firmas pelo sistema de informações da Rais
(Relação Anual de Informações Sociais). Os resultados apontam haver, dentro das firmas,
diferenças relevantes, sobretudo quando contrastadas as distribuições raciais intrafirma com
10. 10/10
as dos seus entornos, sendo esses desequilíbrios ainda mais relevantes, e desfavoráveis
aos trabalhadores negros, nos cargos mais bem-pagos.
Síntese
A desigualdade social brasileira é um fenômeno histórico que está entrelaçada com nossas
desigualdades raciais. A mensuração das diferenças raciais e a identificação dos aspectos
em que elas são mais relevantes são um ponto de partida importante para que se possam
propor políticas públicas específicas de redução de iniquidades raciais.