O documento fornece um resumo histórico de Sapiranga, Rio Grande do Sul, desde os primeiros assentamentos no século 18 até a emancipação política do município em 1954. Detalha a fundação da fazenda Padre Eterno, a colonização alemã na região a partir de 1845, e a evolução do nome da localidade de Padre Eterno para Sapiranga. Também aborda o movimento religioso Mucker liderado por Jacobina Maurer na década de 1870.
3. Sapiranga é um município jovem.
Possui cinqüenta anos de emancipação
política. Porém seus antepassados
remontam para mais de duzentos anos,
quando os portugueses, lagunenses e
paulistas por aqui passavam.
4.
5. POR SEUS JARDINS É CHAMADA CIDADE
DAS ROSAS,
PELO MEIO DE TRANSPORTE MAIS
POPULAR, DE CIDADE DAS BICICLETAS;
PELA SUA NATUREZA ALIADA A PRÁTICA
DE ESPORTES É CONSIDERADA A CIDADE
DO VÔO LIVRE NO MORRO FERRABRAZ;
E....
6.
7. SAPIRANGA
POR TER SIDO PALCO DE UM
DOS MOVIMENTOS MAIS
SANGRENTOS DO PERÍODO
IMPERIAL É A TERRA DE
JACOBINA.
8.
9. SAPIRANGA
O espaço onde hoje está Sapiranga era um
“sertão” chamado de Padre Eterno que
pertencia a Fazenda Mascarenhas, cuja sede
se localiza onde hoje é a cidade de
Montenegro. Essa fazenda fazia parte do
distrito do Cahy, parte do termo de Triunfo.
Os moradores eram lusos, os Alves Pedroso,
que aqui se estabeleceram para defender o
território dos ataques dos espanhóis e
garantir a terra aos portugueses.
10. SAPIRANGA
Padre Eterno era um capelão negro muito
velho, chamado Ignácio Coelho dos Santos,
que vivia neste lugar antes de 1750. Ficou
conhecido por suas atividades religiosas
(cantava, rezava, batizava e fazia enterros).
11. No início do século XIX, um lagunense, Manoel
José de Leão, vendeu seus bens e negócios,
vindo para o sul. Entre seus bens estavam as
terras do Padre Eterno. Aqui estabeleceu
uma fazenda escravocrata para criação de
gado que era transportado por rio até sua
charqueada, localizada nas terras do lugar
Triunfo e Charqueadas hoje.
12.
13. Leão morreu em 22 de dezembro de 1820, deixando um
testamento e uma rica herança, na qual a própria Santa Casa
era herdeira. Os filhos com a partida do pai administraram os
bens e anos mais tarde abriram o testamento e fizeram o
inventário dos bens. O inventário iniciou em 1831 e os
herdeiros não concordaram com a partilha e entram na justiça
contra a madrasta.
Em meio ao processo judicial, eclode a Revolução Farroupilha.
Os filhos de Leão são mortos em uma emboscada em casa. O
rumo do inventário muda. Como não havia dinheiro suficiente
para pagamento das despesas, a justiça determinou o leilão em
praça pública da Fazenda Padre Eterno, localizada em São
Leopoldo e pertencente a parte correspondente a Irmandade
Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e a falecida esposa
de Leão, D. Bernardina Joaquina da Silva.
15. A Fazenda Padre Eterno foi arrematada em
praça pública por João Pedro Schmidt, um
comerciante do Hamburgerberg em julho de
1842. Essa venda é importante porque marca
o início da colonização alemã. Três anos
após a compra, o comerciante cria a
sociedade com seu vizinho João Kraemer.
17. Através da Sociedade Schmidt & Kraemer
foram loteadas as áreas da Fazenda Padre
Eterno, ocupando o lugar através da venda
de lotes chamados de prazos para colonos e
seus filhos, que organizam pequenas
propriedades, policultoras, usando mão-de-
obra familiar, para venda de sobras no
mercado interno regional.
19. Os primeiros colonos a comprarem terras
(chamadas de prazos coloniais) são João
Hofmeister e Henrique Pedro Müller, em
1845. Os primeiros lotes vendidos foram os
próximos da encosta ( Morro Ferrabraz).
20. Os colonos produziam mandioca, cana,
frutas,verduras; criam aves, porcos, algumas
cabeças de bovinos como vacas para
produção de leite, bois para força de tração
em carroças, arado e moendas.
22. Os agrimensores que vieram para medir e
demarcar os prazos coloniais encontraram
nos matos e capões uma fruta vermelha
parecida com cereja, mas de tamanho maior,
com o nome de araçá-pyranga. Esta fruta
originou o nome do município. Inicialmente
chamavam as áreas do Kraemer-eck de
Araçá-pyranga, depois o nome rapidamente
evoluiu para Sapiranga.
23. NOMES DE SAPIRANGA
- Padre Eterno: nome dado ao lugar, ao sertão, ao
cantão, a encosta durante o século XVIII.
-Fazenda Padre Eterno: por ocasião da compra por
Manoel José de Leão, que transformou o lugar em
fazenda.
- Fazenda Leão: nome dado a sede da Fazenda
Padre Eterno e estendido para a área não loteada
pela Sociedade Schmidt & Kraemer.
- Sapiranga: com a estação férrea ficou definitiva a
denominação para toda a vila e depois cidade e
município.
25. EVOLUÇÃO POLÍTICA
ADMINISTRATIVA DE SAPIRANGA
1754: Padre Eterno como parte da Fazenda Mascarenhas, localizado na freguezia de
Triunfo, no distrito do Cahy.
1784: Rincão dentro da serra chamado Padre Eterno.
1791: concessão de datas a soldados em troca de soldo.
Finais do século XVIII e início do XIX: Fazenda Padre Eterno como parte da Aldeia de
Nossa Senhora dos Anjos, pertencente a Porto Alegre.
1815: Leão solicita a sesmaria chamada de Fazenda padre Eterno.
1846: Fazenda Padre Eterno como parte do território do município de São Leopoldo.
1850: Fazenda Padre Eterno como distrito de São Leopoldo.
1874: Fazenda Leão como denominação dos colonos alemães.
1890: Em 28 de março foi criado o 5º distrito de São Leopoldo com o nome de Sapiranga
com o Ato municipal nº 154. A 2 de maio é elevada a categoria de freguesia pelo Ato
Municipal nº 219.
1954: em 15 de dezembro deste ano pela Lei Estadual nº 2529 é criado o município de
Sapiranga.
20 de fevereiro de 1955: eleições para o primeiro mandato municipal para prefeito, vice-
prefeito e vereadores.
28 de fevereiro de 1955: instalação do município com posse dos vereadores e prefeito com
seu respectivo vice.
1984: diminuição da área por anexação de parte do território a leste para Parobé.
1989: emancipação de Nova Hartz com diminuição do 3º distrito.
1997: emancipação de Araricá com diminuição do 2º distrito.
Área inicial de 232km2 resultando em 135,38km2 em 1989.
26. MORRO FERRABRAZ
Denominação dada ao Morro pelos tropeiros
que passavam por estes pagos ao
transportar gado para Sorocaba, sendo visto
de Porto Alegre, de Santo Antônio da
Patrulha, de São Francisco de Paula e de
Gramado.
O nome é originário do português medieval e
era o nome de um monstro Sarraceno das
músicas de gesta dos castelos.
28. No lugar da antiga estação
férrea foi construído em um
grande jardim de rosas que
simbolizam nossa cidade.
Nestes canteiros que se
estendem pela avenida 20 de
setembro, formando o canteiro
central.
38. MOVIMENTO MUCKER
26/04/1866 – Casamento de Jacobina Mentz com João Jorge
Maurer.
1867 - Primeiros desmaios de Jacobina.
1868 – Início da dedicação de Maurer aos tratamentos de
saúde.
1869/70 – Hardes Fleck ensina a Bíblia para Jacobina.
1870/73 – Reação das igrejas ao casal Maurer.
1869/71 – Conflitos com o pastor Boeber.
28/10/72 – Última participação do casal Maurer na Igreja
Evangélica.
19/05/1872 – Ascensão de Jacobina.
11/01/73 – Nomeação de Lúcio Schreiner como subdelegado
de 4º distrito.
04/05/73 – Aparição de Jacobina após período de sono;
desligamento das igrejas na qual pertenciam (rompimento com
as igrejas ).
05/05/73 – Nomeação dos apóstolos para explicar a opinião
pública suas razões.
39. MOVIMENTO MUCKER
08/05/73 – Denúncia do subdelegado Spindler.
10/05/73 – Abaixo-assinado dos moradores do Padre Eterno.
Maio de 1873: Sindicância de Spindler, representação do Pastor Boeber, artigo
no jornal “A REFORMA”, depoimento de Carlos Einsfeld.
20/05/1873 – prisão de Maurer. Interrogatório do pastor- colono João Jorge
Klein.
22/05/1873 – Prisão de Jacobina..
24/05/1873 – Internação de Jacobina na Irmandade Santa Casa de Misericórdia
em Porto Alegre.
26/05/1873 – Auto de busca na casa de Maurer.
30/05/1873 – Pedido de internação de Jacobina para ser examinada.
02/06/1873 – Encaminhamento ao Presidente da Província do relatório sobre o
caso e encerramento do mesmo.
13/06/1873 – Pedido de alta para Jacobina pelo Dr. Sampaio. Possível soltura
de Maurer. O casal foi posto em liberdade num hotel sem direito à volta.
26/06/1873 – Consulta do chefe de polícia a Schreiner sobre a possibilidade de
retorno do casal ao Ferrabraz.
29/06/1873 – Resposta de Schreiner.
05/07/1873 – Assinatura do termo de bem viver por Maurer e Jacobina:
compromisso de cessar com as reuniões religiosas em sua casa.
29/10/1873 – Suicídio de João Pedro Hirt, sogro do subdelegado Spindler
40. MOVIMENTO MUCKER
O5/11/1873 – Visita de Schreiner a casa dos
Maurer.
22/11/1873 – Atentado à vida do inspetor
João Lehn em sua própria casa.
28/11/1873 – Pedido, assinado pelos
moradores de São Leopoldo, para
deportação dos Maurer e seus adeptos.
10/12/1873 – Representação entregue
pessoalmente ao Imperador Pedro II sobre
as perseguições que os Mucker vinham
sendo objeto.
41. MOVIMENTO MUCKER
20/01/1874 – Despacho do ministro da Justiça, enviado para o chefe de polícia,
pedindo informações sobre as acusações dos Mucker.
29/01/1874 – Resposta ao despacho.
10/02/1874 – Encaminhamento das informações a respeito da representação
dos Mucker e seu arquivamento.
23/02/1874 – Notificação da formação de culpa pelo atentado ao inspetor a
Rodolfo e Jacó Sehn.
30/04/1874 – Assassinato do jovem Jorge Haubert.
01 a 09/05/1874 – Inquérito policial.
16/05/1874 – prisão e recrutamento para Marinha de Henrique Guilherme
Gaelzer e Cristiano Richter.
19/05/1874 – Data da carta escrita por Jacobina para seu primo Lúcio
Schreiner.
20/05/1874 – Data da carta de Jacobina a seu primo Matias Schroeder.
24/05/1874 – Anúncio público da substituição de João Jorge Maurer por
Rodolfo Sehn.
16/06/1874 – Chacina da família Cassel: Ana Maria, Luisa, Arnold, Regina e
João.
16 a 24/06/1874 – Prisão dos suspeitos
42. MOVIMENTO MUCKER
20/01/1874 – Despacho do ministro da Justiça, enviado para o chefe de polícia,
pedindo informações sobre as acusações dos Mucker.
29/01/1874 – Resposta ao despacho.
10/02/1874 – Encaminhamento das informações a respeito da representação
dos Mucker e seu arquivamento.
23/02/1874 – Notificação da formação de culpa pelo atentado ao inspetor a
Rodolfo e Jacó Sehn.
30/04/1874 – Assassinato do jovem Jorge Haubert.
01 a 09/05/1874 – Inquérito policial.
16/05/1874 – prisão e recrutamento para Marinha de Henrique Guilherme
Gaelzer e Cristiano Richter.
19/05/1874 – Data da carta escrita por Jacobina para seu primo Lúcio
Schreiner.
20/05/1874 – Data da carta de Jacobina a seu primo Matias Schroeder.
24/05/1874 – Anúncio público da substituição de João Jorge Maurer por
Rodolfo Sehn.
16/06/1874 – Chacina da família Cassel: Ana Maria, Luisa, Arnold, Regina e
João.
16 a 24/06/1874 – Prisão dos suspeitos
43. MOVIMENTO MUCKER
25/06/1874 – Início da reação e dos ataques dos Mucker (14 ataques) em
Campo Bom e no Ferrabraz.
26/06/1874 – Início da reação dos colonos, revidando aos ataques (Picada do
Hortênsio e Linha Nova).
28/06/1874 – Chegada das tropas do Cel. Genuíno Sampaio ( 3º e 12º Batalhão
de Infantaria) a casa de Pedro Serrano, no Padre Eterno. 1º combate.
02 a 07/07/1874 – ataques a casas de Mucker.
19/07/1874 – Segundo ataque de Genuíno resultando em torno de 28 mortos e
prisão de 52 pessoas entre mulheres e crianças.
20/07/1874 – Ataque noturno ao acampamento do Cel. Genuíno Sampaio. O
coronel está ferido, mas considerado sem risco de vida.
21/07/1874 – constatação da morte de Genuíno.
26/07/1874 – Reação dos colonos contra os Mucker.
28/07/1874 – Rendição do velho Luppa, manifestando sua intenção em
colaborar com as tropas.
02/08/1874 – Último combate: morte de 17 Mucker, entre eles Jacobina, que
estavam vivendo nos matos.
46. O movimento Mucker é uma reação de um grupo de colonos
alemães (imigrantes e seus descendentes nascidos no Brasil),
diante das mudanças sociais, políticas, econômicas e religiosas
que enfrentavam no município de São Leopoldo, num lugarejo
chamado Padre Eterno, na segunda metade do século XIX.
As causas são muitas e revelam um processo contínuo e em
crescimento de desavenças, rixas, brigas corriqueiras,
piadinhas, gozações, de “aprontar uma para o vizinho”, gerando
um clima de tensão crescente. Roubos, mudança de cerca na
divisa da propriedade, fuga da vaca ou de boi para o pátio do
vizinho com danos nas roças, nas roupas quaradas ou
estendidas, violação da sepultura no cemitério, corte do rabo do
cavalo, levantamento de culpados sem comprovação...
47. Os colonos que aqui se estabeleceram não vieram diretamente
para o Padre Eterno. A grande maioria migrou de São
Leopoldo, Hamburgo Velho, do Campo Bom, do Bom Jardim,
de Picada Hortêncio, porque no local em que estavam não
havia mais espaço para seus filhos terem sua casa, sua roça e,
portanto, seu sustento. Vendendo sua propriedade no lugar em
que estavam poderiam comprar outra num lugar mais afastado,
por um preço mais acessível e de maior extensão, permitindo
um início de vida para os filhos que já estavam iniciando sua
própria família. Assim, quando novos loteamentos são abertos
por empresas imobiliárias, os colonos compram terras e se
mudam. Essas áreas são frentes de ocupação, são as
fronteiras abertas para ocupação, tão necessárias à política
externa brasileira, e, principalmente para as relações com o
Prata. Como toda área de fronteira, essas frentes são pontos
de conflito porque são lugares de encontro com propostas e
interesses de vida diferentes.
48. No Padre Eterno, os colonos ao adquirirem por compra suas
terras (chamados de prazos coloniais), enfrentam problemas de
legitimação de sua propriedade, por não terem registrado em
cartório a compra realizada. Anos mais tarde, quando a terra
possui benfeitorias, roças, arvoredos descobrem não serem
mais seus donos e por não se conformarem vão a Justiça para
garantir a compra que fizeram. Porém, a realidade se mostra
dura: não são os donos da terra onde têm morada habitual e
cultivo com criação para seu sustento porque não tem escritura
pública. São expulsos da terra e devem uma indenização ao
proprietário legítimo por terem derrubado a mata. Esse fato
repetido criou entre os colonos uma postura de desconfiança e
de medo, pois o colono queria que tudo fosse feito de forma
correta e justa. Eles estavam aqui para terem uma vida estável,
serem donos de uma área de terras e como proprietários terem
um status social e em conseqüência respeito. Por outro lado,
queriam viver aqui do modo de ser alemão como brasileiros.
49. As terras da Fazenda Padre Eterno foram
compradas em 8 de julho de 1842 por João Pedro
Schmidt e transformada em picadas, que foram
divididas em alas e estas em prazos coloniais. A
Fazenda passou a ter outros nomes como Picada do
Padre Eterno do Campo, Picada do Ferrabraz,
Picada da Serra Ferrabraz e Picada da Bica. Na
Picada Ferrabraz, local do conflito Mucker e que
abarca grande parte da cidade de Sapiranga, os
lotes foram vendidos entre 31 de maio de 1845 e 1º
de dezembro de 1869. A família Mentz, por
exemplo, adquiriu prazos coloniais em 1846 e 1847.
Entre as empresas imobiliárias que atuaram no
Padre Eterno estão a Schmidt & Kraemer e a Barão
do Jacuí & Cia.
50. Essa ocupação da Fazenda em pequenos lotes, com
produção baseada na policultura e na mão-de-obra
familiar, ao mesmo tempo em que servia aos
interesses do Império dentro do processo de
substituição da mão-de-obra escrava pela livre,
significava uma modernização imensa para a colônia
de São Leopoldo. O crescimento da Colônia foi tão
intenso que a mesma estava lotada já nos primeiros
anos, e a medida que os filhos cresciam era
necessário novas áreas. Os colonos avançam em
direção a serra, seguindo os rios. Os povoados,
capelas, lugarejos se proliferam.
51. O atendimento dessa população quanto a saúde,
educação e assistência religiosa são precários, pois
não há como atendê-los pelos órgãos públicos diante
da rapidez do crescimento. Em 1846, São Leopoldo
é município, mas isso não significa atendimento a
todas as necessidades da população. Um outro
problema se apresenta: os colonos não são
totalmente católicos. A população protestante é
grande e a dificuldade de receber um pastor com
formação também. Os colonos estavam habituados a
receberem do Estado atendimento religioso, escolar
e de saúde.
52. Ao se estabelecerem no Padre Eterno, ter assistência médica
significava ir a São Leopoldo, pagar uma consulta, comprar remédios
no boticário e muitas vezes ficar com dívidas com o farmacêutico. Por
isso, é comum em todos os loteamentos do Brasil encontrarmos a
figura de um “homeopata” que atende gratuitamente e indica chás e
compressas que curam milagrosamente.
Aqui a escola é construída pelos colonos que escolhem entre eles
quem tem mais afinidades com o processo de ensinar e quase sempre
também presta atendimento religioso e cuida da comunidade que logo
em seguida é erguida.
Isso acontece no Padre Eterno: a escola comunitária foi organizada
pelos moradores e ainda existe com mais de 150 anos; o mesmo
aconteceu com a comunidade religiosa. Os colonos não puderam
esperar pelas autoridades para que suas necessidades básicas fossem
satisfeitas. Os primeiros pastores eleitos foram João Jorge Klein,
seguido pelo Pastor Friedrich Wilhelm Boeber, ambos com
envolvimento no movimento Mucker. O nome do primeiro professor
que se tem notícia é a de Klein, eleito pelos colonos para exercer tal
atividade.
53. Em 1865, chegam ao Padre Eterno o casal João Jorge Maurer
e Jacobina Mentz Maurer recém-casados e vindos do
Hamburgo Velho. Maurer conheceu um colono de nome
Buchhorn, morador no Campo Bom, com quem aprendeu a
técnica de curar através de chás e compressas. Maurer, em
sua nova morada, passava a preparar chás e compressas para
colonos vizinhos que estavam com problemas de saúde, de
uma forma natural, solidária para com os de sua comunidade.
Esse relacionamento de Maurer com os vizinhos logo se
espalhou. Os colonos, mesmo morando longe, preferiam visitar
João Maurer para resolver problemas de saúde que estavam a
enfrentar. Era uma alternativa natural, barata e que não iria
representar novas preocupações, dívidas ou alterações na
rotina doméstica.
54. Como o tratamento que Maurer dava aos que o procuravam
necessitava de chás de hora em hora, de meia em meia hora ou de
troca de compressas ou novos curativos em tempos regulares, os
doentes ficavam na casa dos Maurer. Enquanto isso Jacobina, uma
mulher muito piedosa, procurava consolar os visitantes lendo um
trecho da Bíblia, contando uma das músicas do hinário usado no
Domingo no culto, ou então, dizendo alguma mensagem da qual
acreditava que por ser mulher de fé estava inspirada pelo Espírito
Santo. Podemos dizer que Maurer tratava o corpo e Jacobina a mente,
o espírito. Os resultados afastavam o medo da doença, da morte e do
sofrimento. A gratidão era inevitável e muitas vezes era manifestada
através da doação de mantimentos e de algumas economias em
dinheiro que os colonos tivessem. Os colonos, juntamente com os
Maurer, não eram abastados. Tinham apenas o necessário para viver e
quando muito, algumas economias por terem tido colheitas favoráveis.
Poderíamos dizer que eram iguais ajudando-se mutuamente. Dessa
forma, o casal passou a atender a todos que buscavam a cura para
seus problemas.
61. O fato que determinou o rumo do movimento
foi o abaixo-assinado encabeçado pelo
Pastor Boeber e pelo professor Weis,
pedindo a autoridades que verifiquem o que
está acontecendo no Ferrabraz, pois cada
vez mais membros da comunidade se
afastam para participar do “conluio”.
62. O nome Mucker é atribuído ao Pastor
Boeber, que teria numa de suas
prédicas, afirmado que quem não
participa de sua comunidade, dos
cultos e enviando seus filhos a escola
estavam compactuando com o
demônio e, portanto, era Mucker.
63. Esse nome no século XIX ainda trazia presente todas
as lembranças de bruxarias, da inquisição e das
fogueiras. Por isso, soou forte e imediatamente se
espalhou pelas comunidades através de seus fiéis e
da imprensa através de Karl von Koseritz. Nos
depoimentos do processo dos Mucker ninguém
afirma ter ouvido diretamente que Jacobina se auto-
denominava o “Cristo Mulher”, porém todos diziam
ser ela.
64. Foram vários atentados e acusações sem que os
moradores e seguidores do Ferrabraz se
manifestassem. Os Mucker se mantiveram fechados
na sua comunidade sem revidar a nada até o
momento da chacina da Família Cassel, quando
percebem que não há mais condições de ficar calado
e que se fazia necessário revidar porque então
seriam mortos. Atacam comerciantes, autoridades
locais, vizinhos atuantes no momento do abaixo-
assinado ou nos ataques, sejam parentes ou não.
Esses ataques foram de extrema violência. Ela se
explica diante de uma repressão de vários anos em
que procurando por meios legais a sua defesa não o
conseguem e extravasam o ódio contido por tanta
injustiça.
65. Na literatura nacional e internacional especializada
encontramos muitos exemplos de situações como
essa do Ferrabraz. Sabe-se que no Brasil, a questão
da terra gerou muitos movimentos messiânicos, pois
foi pela via religiosa que as pessoas ou grupos
conseguiam exprimir toda a opressão sentida, diante
da expulsão da terra, da exploração de comerciantes
e do domínio de fazendeiros e empresas de
loteamento
66. O revide dos Mucker ocorreu no momento
em que o grupo não encontrou mais
alternativas legais para solucionar seus
problemas e defender seu direito de viver de
forma alternativa ao progresso que a colônia
vivia. O desespero de ambos os lados levou
ao massacre, um dos poucos massacres
comprovados na história de nosso país.
67. Culpados: não precisamos procurá-los, pois eles
próprios ao verem os resultados tratam de criar uma
imagem extremamente negativa dos Mucker. Só os
tiranos do Ferrabraz tinham culpa e o resultado disso
era a morte. Por isso, ouvimos tantas histórias
sangrentas e até pouco tempo se contavam as
mesmas bem baixinho para que ninguém soubesse
do que se falava.
68. Até hoje temos uma espécie de síndrome de
participação, pois todos aqueles que poderiam
participar ativamente da comunidade não o fazem ou
então dizem que tudo o que aqui se começa não dá
certo. Outros não conseguem entender como tem
gente que ainda pode pensar que eles não eram tão
maus É o efeito Mucker que ainda persiste. Não
devemos procurar buscar culpados ou inocentes, mas
sim entender o que aconteceu e tirar uma mensagem
de vida.
69. Jacobina não era uma heroína, era apenas uma
mulher como tantas mulheres nesse Brasil a buscar
a sobrevivência de sua família com coragem. Os
Mucker eram pessoas comuns, como quaisquer que
viveram naquele período. Ao afirmarmos isso, não
estamos querendo nos redimir ou eximir a culpa dos
dois lados nem tornar uns heróis ou vândalos. É
necessário reafirmar que são homens e mulheres
que procuravam viver da sua forma encontrando
alternativas para seus problemas.
70. No entanto a simbologia que diziam traduzir
Jacobina e seus asseclas continuou: hoje no lugar do
massacre temos a pista de pouso do vôo livre, onde
asas colorem o céu; as histórias contadas de uma
mulher tão forte ou de colonos que à noite vem arar
a terra do Ferrabraz ou mesmo das cavernas enormes
escondidas no morro não deixam que a curiosidade
morra. Não deixaram que Jacobina sobrevivesse e
ela continuou a viver pela mentira.
71.
72.
73. Disso devemos fazer uma reflexão sobre os
relacionamentos de família, de comunidade,
de cidadãos, pois sempre situações em que
se acirram os ânimos bons resultados não
temos. O respeito aos diferentes, ao próximo,
às idéias novas e as necessidades das
comunidades, bem como, a solidariedade
são lições desse movimento para que
possamos viver num mundo melhor e mais
humano. Devemos isso ao século XXI.