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Aula: 01
Temática: A Disciplina Didática
em seu processo histórico
A ementa da disciplina “Didática e Prática” propõe o exame
das especificidades do trabalho docente na situação institucional escolar, o estudo das teorizações sobre o ensino, das
práticas da situação de aula e das determinações sociais na organização e
desenvolvimento do trabalho pedagógico. Baseados nessa ementa, o objetivo da nossa disciplina é analisar a situação didática, a aula, para compreendermos a relação professor-aluno-conhecimento. Assim, a finalidade
desse estudo é a tomada de consciência sobre essa complexa relação e
sobre a possibilidade de intervir na aprendizagem dos grupos com os quais
trabalhamos.
Vamos iniciar o nosso percurso focalizando o nome da disciplina “Didática
e Prática”. Durante o primeiro semestre do curso de Didática foi possível
compreender que “até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e
o estudo científico das formas de ensinar” (LIBÂNEO, 1994:57). A partir
dessa informação poderíamos nos questionar: como se pensava a Didática
antes do século XVII? Não havia a preocupação de intervir na aprendizagem humana?
Pelos vários registros históricos, sabemos que a humanidade vem desenvolvendo formas diferenciadas de ação educativa. Na Grécia Antiga, encontramos na obra clássica “Odisséia” a personagem de Mentor, o tutor com a
função de disciplinar o jovem Telêmaco. READ (1973) observa que, originalmente, a palavra “disciplina” possuía o mesmo significado que educação: a
instrução dada aos discípulos por um mestre sobre qualquer assunto. Nesse
momento, educação ainda era uma prática pessoal. Ao tornar-se uma prática coletiva, os assuntos e os conteúdos a serem apreendidos passaram a
ser nomeados como disciplinas ou artes liberais. A disciplina, que era compreendida como a relação receptiva entre aprendiz e mestre, foi ganhando o
significado de obediência obrigada à autoridade exterior, sendo associada à
vociferação militar e a um sistema de castigos e recompensas.
O significado de Didática como teoria do ensino ganhou força a partir do século XVII, com a obra Didática Magna, do pastor protestante João Amós Comênio (1592-1670), publicada pela primeira vez em fins de 1657. A obra de
Comênio fundamenta-se na formulação de um método de ensino, universal
ou geral, cuja aplicação garanta a aprendizagem visada. AZANHA (1987)
observa que a noção de ensino como aplicação de um método está:
UNIMES VIRTUAL
12

DIDÁTICA E PRÁTICA
(...) vinculada à concepção baconiana de Ciência. Na
época em que Comênio escreveu a Didática Magna,
o pensamento de Bacon sobre a ciência causava um
impacto intelectual a que nem o próprio Newton escapou, e que continuaria nos séculos seguintes e até
atualmente. Simplificadamente, para Bacon, fazer ciência era questão de aplicação de um método fundado na observação. Comênio transplantou e adaptou
essa idéia à Educação. Assim como fazer ciência era
aplicar um método, também ensinar era aplicar um
método (AZANHA, 1987:68).

A obra Novum Organum, de Francis Bacon (1561-1626), influenciou toda
a produção intelectual do século XVII. Em linhas gerais, Bacon apontava para a possibilidade de se conhecer a natureza através da experiência
indutiva, ou seja, por meio de casos particulares seria possível chegar a
generalizações e formulação de princípios gerais. Embora esta concepção tenha sofrido alterações ao longo dos séculos, o princípio de partir
da observação indutiva continua orientando os modelos de pesquisa na
atualidade. O modelo da natureza física regida por leis fixas e imutáveis e
sua autonomia em relação ao sujeito que a conhece, estabeleceu-se como
explicação científica da realidade e influenciou todas as áreas do conhecimento na Idade Moderna.
Equipada com as teorias de Newton (1643-1727) e Leibniz
(1646-1716), a ciência da Idade Moderna nos aproximou,
com sucesso, de muitos segredos do Universo. A realidade
apresentada pelo discurso científico moderno era, essencialmente, mecânica, concisa e previsível. Essa realidade linear considerava o próprio sujeito da aprendizagem como um objeto de causalidade, isto quer dizer que
o sujeito seria determinado por forças totalmente exteriores a ele mesmo.
Logo, para o sujeito aprender ele deveria ser ensinado com o método, tal
como propôs Comênio, em sua Didática Magna.
A noção de sujeito cognitivo universal, impessoal, introduzida por Descartes (1596-1650), e reforçada pelo discurso
científico da Idade Moderna, foi fundamental para o sucesso
epistemológico, tecnológico e econômico da civilização ocidental. Mas,
essas noções começaram a ser desmontadas e contestadas pelo próprio
conhecimento científico, mais especificamente pela física, antropologia,
história, sociologia, psicanálise e pela filosofia, ainda na segunda metade
do século XIX. Esse desmonte teórico se estendeu ao longo do século XX
pondo em xeque o sujeito do conhecimento e seus saberes baseados na
polarização sujeito - objeto.
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  • 1. Aula: 01 Temática: A Disciplina Didática em seu processo histórico A ementa da disciplina “Didática e Prática” propõe o exame das especificidades do trabalho docente na situação institucional escolar, o estudo das teorizações sobre o ensino, das práticas da situação de aula e das determinações sociais na organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico. Baseados nessa ementa, o objetivo da nossa disciplina é analisar a situação didática, a aula, para compreendermos a relação professor-aluno-conhecimento. Assim, a finalidade desse estudo é a tomada de consciência sobre essa complexa relação e sobre a possibilidade de intervir na aprendizagem dos grupos com os quais trabalhamos. Vamos iniciar o nosso percurso focalizando o nome da disciplina “Didática e Prática”. Durante o primeiro semestre do curso de Didática foi possível compreender que “até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar” (LIBÂNEO, 1994:57). A partir dessa informação poderíamos nos questionar: como se pensava a Didática antes do século XVII? Não havia a preocupação de intervir na aprendizagem humana? Pelos vários registros históricos, sabemos que a humanidade vem desenvolvendo formas diferenciadas de ação educativa. Na Grécia Antiga, encontramos na obra clássica “Odisséia” a personagem de Mentor, o tutor com a função de disciplinar o jovem Telêmaco. READ (1973) observa que, originalmente, a palavra “disciplina” possuía o mesmo significado que educação: a instrução dada aos discípulos por um mestre sobre qualquer assunto. Nesse momento, educação ainda era uma prática pessoal. Ao tornar-se uma prática coletiva, os assuntos e os conteúdos a serem apreendidos passaram a ser nomeados como disciplinas ou artes liberais. A disciplina, que era compreendida como a relação receptiva entre aprendiz e mestre, foi ganhando o significado de obediência obrigada à autoridade exterior, sendo associada à vociferação militar e a um sistema de castigos e recompensas. O significado de Didática como teoria do ensino ganhou força a partir do século XVII, com a obra Didática Magna, do pastor protestante João Amós Comênio (1592-1670), publicada pela primeira vez em fins de 1657. A obra de Comênio fundamenta-se na formulação de um método de ensino, universal ou geral, cuja aplicação garanta a aprendizagem visada. AZANHA (1987) observa que a noção de ensino como aplicação de um método está: UNIMES VIRTUAL 12 DIDÁTICA E PRÁTICA
  • 2. (...) vinculada à concepção baconiana de Ciência. Na época em que Comênio escreveu a Didática Magna, o pensamento de Bacon sobre a ciência causava um impacto intelectual a que nem o próprio Newton escapou, e que continuaria nos séculos seguintes e até atualmente. Simplificadamente, para Bacon, fazer ciência era questão de aplicação de um método fundado na observação. Comênio transplantou e adaptou essa idéia à Educação. Assim como fazer ciência era aplicar um método, também ensinar era aplicar um método (AZANHA, 1987:68). A obra Novum Organum, de Francis Bacon (1561-1626), influenciou toda a produção intelectual do século XVII. Em linhas gerais, Bacon apontava para a possibilidade de se conhecer a natureza através da experiência indutiva, ou seja, por meio de casos particulares seria possível chegar a generalizações e formulação de princípios gerais. Embora esta concepção tenha sofrido alterações ao longo dos séculos, o princípio de partir da observação indutiva continua orientando os modelos de pesquisa na atualidade. O modelo da natureza física regida por leis fixas e imutáveis e sua autonomia em relação ao sujeito que a conhece, estabeleceu-se como explicação científica da realidade e influenciou todas as áreas do conhecimento na Idade Moderna. Equipada com as teorias de Newton (1643-1727) e Leibniz (1646-1716), a ciência da Idade Moderna nos aproximou, com sucesso, de muitos segredos do Universo. A realidade apresentada pelo discurso científico moderno era, essencialmente, mecânica, concisa e previsível. Essa realidade linear considerava o próprio sujeito da aprendizagem como um objeto de causalidade, isto quer dizer que o sujeito seria determinado por forças totalmente exteriores a ele mesmo. Logo, para o sujeito aprender ele deveria ser ensinado com o método, tal como propôs Comênio, em sua Didática Magna. A noção de sujeito cognitivo universal, impessoal, introduzida por Descartes (1596-1650), e reforçada pelo discurso científico da Idade Moderna, foi fundamental para o sucesso epistemológico, tecnológico e econômico da civilização ocidental. Mas, essas noções começaram a ser desmontadas e contestadas pelo próprio conhecimento científico, mais especificamente pela física, antropologia, história, sociologia, psicanálise e pela filosofia, ainda na segunda metade do século XIX. Esse desmonte teórico se estendeu ao longo do século XX pondo em xeque o sujeito do conhecimento e seus saberes baseados na polarização sujeito - objeto. UNIMES VIRTUAL DIDÁTICA E PRÁTICA 13