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Perfil




Elísio
Estanque
e Coimbra
Chegou à cidade dos estudantes em 1985 com um diploma
de Sociologia. Continua a dar aulas, a investigar, a tentar perceber
como a sociedade funciona e pensa. Vestiu a bata de operário
numa fábrica de calçado na sua tese de doutoramento.
Hoje, o sociólogo e investigador anda de bicicleta no Choupal.
Sara Dias Oliveira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)




Q                              uando
era miúdo não tinha pressa de pen-
sar o que queria ser na idade adulta.
Cresceu nos campos a perder de vis-
ta do Alentejo, em Rio de Moinhos,
                                        quela época, o sonho de uma crian-
                                        ça não se pautava pelos mesmos re-
                                        ferenciais da actualidade.”
                                           Seriam a experiência e a socieda-
                                        de, o seu objecto de estudo, que lhe
                                                                                   Coimbra tem chão com muitas
                                                                                histórias. Os movimentos estudan-
                                                                                tis, a organização das repúblicas, a
                                                                                maneira de pensar dos universitá-
                                                                                rios de ontem e de hoje são assuntos
                                                                                                                       extenso pátio da universidade, os
                                                                                                                       caloiros estão protegidos das praxes
                                                                                                                       académicas. Cortamos à esquerda,
                                                                                                                       descemos em direcção à Baixa, que
                                                                                                                       garante estar mais animada com os
Aljustrel, onde nasceu em Fevereiro     mostrariam o caminho a seguir e que     que lhe interessam e que analisa à     estudantes, passamos pelas traseira
de 1952. Ia a pé para a escola primá-   o levariam a Coimbra, à cidade dos      luz dos mecanismos que a sociologia    da Sé Velha. O Quebra-Costas é pon-
ria, brincava na rua, jogava à bola,    estudantes, em 1985. Continua a dar     lhe dispõe sobre a mesa. Não foi por   to obrigatório. Tem por ali amigos e
ia aos ninhos e apanhava rãs. Em        aulas na Faculdade de Economia da       acaso que marcou o encontro com a      um bar que passa jazz. “Muito inte-
duas palavras descreve: “liberdade      Universidade de Coimbra. Ensina, in-    Fugas na Porta Férrea da Universida-   ressante, tem uma atmosfera muito
absoluta”. A casa onde morava tinha     vestiga, escreve e comenta a actuali-   de de Coimbra, como se ali estivesse   agradável.” O passeio que se tornou
quintal, galinhas, coelhos, pombos      dade. Com o passar dos anos, não per-   condensada toda a importância que      obrigatório para turistas é, na sua
e, por vezes, aves selvagens que ali    deu o “travo” alentejano na maneira     a vida académica representa. Expli-    visão cirúrgica, muito mais do que
punham as patas sem medo. “Na-          como pronuncia algumas palavras.        ca que ali, naquela entrada para o     isso. É a ligação entre o mundo

12 | FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012
FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012 | 13
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académico e a zona comercial da ci-             sinais de uma onda cultural euro-
dade. A passagem de um lado, onde               peia estavam a chegar a Lisboa”,
se aprende a pensar, para o outro,              lembra. Os anos de Abril também
onde se aprende a viver.                        não se esquecem. Portugal, nessa
                                                altura, era uma referência interna-
No meio do vulcão                               cional. Havia quem viesse de fora
A sua Coimbra tem passeios pela                 para ver o que se estava a passar,
Baixa da cidade, circuitos de bicicle-          estudar uma transição que andava
ta no Choupal, tranquilidade, teatro,           nas ruas. “Portugal estava a mostrar
cinema, actividades culturais, o café           à Europa um novo modelo social,
Santa Cruz, leitura dos jornais em              político, cultural.” Elísio Estanque,
papel, jantares de curso, conversas             então militante da UDP, recebeu
com professores, universidade —                 um casal francês e levou-o a uma
aquela universidade que “investe                das reuniões. Não correu bem. Des-
em ensinar a pensar”. Coimbra                   confiaram que os franceses tinham
também é sua. “Coimbra não é uma                sido enviados pela CIA. Este detalhe
província, está mais perto de Lon-              obrigou-o a redefinir conceitos. “O
dres do que muitas outras cidades”,             clima de suspeição pode resultar
refere, recusando visões afuniladas.            num clima opressivo.” Começou
E troca as voltas à frase feita. “Coim-         então a distanciar-se de um certo
bra também tem encanto na hora de               dogmatismo marxista e leninista.
chegada.” Sempre foi assim.                     “Percebi que o discurso era uma
   Deixou o Alentejo no início da               coisa e a prática era outra.”
adolescência. Aos 13 anos, partiu                  Os anos passaram e hoje ainda diz
para o Algarve, frequentou o Liceu              aos seus alunos que as experiências
Nacional de Faro. Aos 16, chegava a             intensamente vividas antes e depois
Lisboa para trabalhar e estudar. A              do 25 de Abril foram determinan-
família acreditava que ali poderia              tes para a escolha do seu caminho
estar um futuro melhor para quem                profissional. Decidiu que queria es-
tinha o mundo pela frente. Entrou               tudar Sociologia, numa altura em
numa empresa da área de electrici-              que a disciplina ainda era pouco
dade como paquete. Era o moço de                conhecida no país. Queria perceber
recados, distribuía a correspondên-             como a sociedade se organizava, o
cia. Deixou crescer o cabelo, vestia            seu funcionamento, ver de outros
calças à boca-de-sino, tornou-se                ângulos maneiras de pensar e de
activista sindical e pertenceu a vá-            agir. Tornar objectiva a subjectivi-
rios movimentos sociais no período              dade. “Primeiro, temos de ganhar
quente da revolução de Abril. “Não              objectividade e consciência do que
tinha nenhuma actividade política               são os problemas da sociedade. A
organizada antes do 25 de Abril”, re-           sociedade não é uma coisa que paira
corda. Mas era impossível passar ao             no ar. Nós estamos na sociedade e a
lado de tudo o que acontecia. E era             sociedade está em nós.”
muita coisa. “Estávamos lá, no meio                Entrou no ISCTE em 1981. Traba-
do vulcão.” Interessavam-lhe os va-             lhava e estudava ao mesmo tempo.
lores da solidariedade e da partilha.           “Desde sempre, tive uma enorme
“Percebíamos que havia um regime                curiosidade em perceber o funciona-
violento, um aparelho repressivo,               mento da sociedade e o comporta-
pronto a cair em cima de alguém                 mento das pessoas.” Encontrou uma
que estivesse contra o sistema”, re-            área com as ferramentas adequadas
corda. O irreverente Elísio Estanque            para uma investigação sustentada.
tinha um pensamento rebelde, pres-              Por aí ficou até hoje.
sentia que algo iria mudar no país. E              As notas da faculdade espelha-
mudou. “Acreditávamos que íamos                 vam o seu interesse, a curiosidade,
mudar a sociedade e construir o pa-             o apetite por espreitar por dentro
raíso.” Os sonhos eram esses, mas               a forma como as classes sociais se
a realidade tinha demasiados grãos              movimentavam e os modelos se en-
de areia na engrenagem.                         quadravam. “Na parte final do cur-
   Há momentos marcantes na vida                so, percebi que tinha outras opor-
de um sociólogo mesmo antes de                  tunidades.” Percebeu que poderia
o ser. Quando chegou a Lisboa, os               mudar de vida, tentar singrar nesse
ecos dos anos 1960 estavam a chegar             percurso e abandonar os empregos
à capital portuguesa. “A cultura, a             como administrativo em empresas
música, a irreverência juvenil. Os              do sector da electricidade. As can-

14 | FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012
“Coimbra não
                                                                               é uma província,
                                                                               está mais perto
                                                                               de Londres
                                                                               do que muitas
                                                                               outras cidades”

didaturas para dar aulas na univer-    deixado a capital. “Foi uma possibi-    operário e esteve três meses numa       Muito Bom com distinção e louvor.        não está a dar resultado. Prevê que
sidade abriram em Coimbra e essa       lidade que surgiu”. Coimbra é hoje      linha de produção. Falou com os         Acabaria por publicar o livro Entre      o actual Governo não tenha muito
era a oportunidade.                    a sua casa, embora ainda mantenha       funcionários para analisar os seus      a Fábrica e a Comunidade, que relata     tempo de vida, defende que se en-
   Elísio Estanque não se importava    um apartamento em Lisboa. A filha,       problemas, ansiedades, preocu-          essa experiência. O pormenorizado        contrem soluções mais ponderadas
de voltar a fazer as malas. Em 1985,   bióloga, é o pretexto para voltar ao    pações. O método que utilizou, de       diário de campo que fez na ocasião       para que não haja um ruptura social.
deixou Lisboa e chegou à cidade dos    Alentejo, não o da sua infância, mas    vestir a pele dos trabalhadores que     tem matéria para pelo menos mais         A obsessão pela austeridade, a lógi-
estudantes para dar aulas de Socio-    a Castro Verde.                         queria estudar, foi considerado         uma publicação.                          ca hiper-liberal, os dirigentes com
logia na universidade. “Coimbra                                                inovador e um exemplo na altura.           Elísio Estanque comenta a actuali-    pouca consciência social, poderão
tinha, como ainda tem, uma certa       Fé no país e na juventude               Tornou-se uma referência.               dade na televisão, nos jornais, na rá-   arruinar a coesão social de um país.
aura”, garante. Entrou no CES – Cen-   Continua a tentar viver a vida dos         O que mais o surpreendeu duran-      dio. Sem intervenção política activa,       Mesmo assim, o investigador acre-
tro de Estudos Sociais. Contribuiu     outros porque a sociologia também       te esse trabalho de doutoramento        diz que se situa entre o PS de esquer-   dita no país e na juventude que está
para a sua dinâmica e orgulha-se       é isso. “Perceber o mundo dos ou-       foi, no fundo, uma confirmação.          da e o BE de esquerda, é crítico dos     a sair das universidades. Promete
desse centro de referência interna-    tros e até certo ponto vivenciá-los.”   “Como as clivagens, como essas          abusos de poder, rejeita seguidismos     continuar irreverente e a pensar a
cional que, neste momento, tem 120     Perceber a diferença para ganhar a      oposições entre as principais classes   e alinhamentos cegos. Defende a in-      sociedade. Este ano, publicou o livro
investigadores.                        objectividade para entender como        sociais, são uma realidade objectiva    tervenção na vida pública. “Há uma       A Classe Média: Ascensão e Declínio.
   “Dar aulas é uma parte ínfima        as sociedades mudam. Foi isso que       que transcende a própria consciên-      situação que é difícil para todos, há    Em Janeiro, parte para o Brasil, par-
comparada com as restantes res-        fez em meados dos anos 1990, quan-      cia das pessoas.” Estudou o calçado,    uma política que está a empurrar-        ceiro a vários níveis da Universidade
ponsabilidades e obrigações que        do quis perceber como funcionava o      a vida dos trabalhadores e os seus      nos para trás e para o fundo.” Na        de Coimbra, onde pretende inves-
temos, nomeadamente na investi-        mundo do calçado. Partiu para São       problemas. A sua tese foi avaliada      sua opinião, a receita da austeri-       tigar as diferenças entre as classes
gação.” Nunca se arrependeu de ter     João da Madeira, vestiu a bata de       por Boaventura Sousa Santos. Teve       dade cozinhada por Angela Merkel         médias dos dois países.




                                                                                                                                                     FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012 | 15

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Perfil de um sociólogo apaixonado por Coimbra

  • 1. Perfil Elísio Estanque e Coimbra Chegou à cidade dos estudantes em 1985 com um diploma de Sociologia. Continua a dar aulas, a investigar, a tentar perceber como a sociedade funciona e pensa. Vestiu a bata de operário numa fábrica de calçado na sua tese de doutoramento. Hoje, o sociólogo e investigador anda de bicicleta no Choupal. Sara Dias Oliveira (texto) e Adriano Miranda ( fotos) Q uando era miúdo não tinha pressa de pen- sar o que queria ser na idade adulta. Cresceu nos campos a perder de vis- ta do Alentejo, em Rio de Moinhos, quela época, o sonho de uma crian- ça não se pautava pelos mesmos re- ferenciais da actualidade.” Seriam a experiência e a socieda- de, o seu objecto de estudo, que lhe Coimbra tem chão com muitas histórias. Os movimentos estudan- tis, a organização das repúblicas, a maneira de pensar dos universitá- rios de ontem e de hoje são assuntos extenso pátio da universidade, os caloiros estão protegidos das praxes académicas. Cortamos à esquerda, descemos em direcção à Baixa, que garante estar mais animada com os Aljustrel, onde nasceu em Fevereiro mostrariam o caminho a seguir e que que lhe interessam e que analisa à estudantes, passamos pelas traseira de 1952. Ia a pé para a escola primá- o levariam a Coimbra, à cidade dos luz dos mecanismos que a sociologia da Sé Velha. O Quebra-Costas é pon- ria, brincava na rua, jogava à bola, estudantes, em 1985. Continua a dar lhe dispõe sobre a mesa. Não foi por to obrigatório. Tem por ali amigos e ia aos ninhos e apanhava rãs. Em aulas na Faculdade de Economia da acaso que marcou o encontro com a um bar que passa jazz. “Muito inte- duas palavras descreve: “liberdade Universidade de Coimbra. Ensina, in- Fugas na Porta Férrea da Universida- ressante, tem uma atmosfera muito absoluta”. A casa onde morava tinha vestiga, escreve e comenta a actuali- de de Coimbra, como se ali estivesse agradável.” O passeio que se tornou quintal, galinhas, coelhos, pombos dade. Com o passar dos anos, não per- condensada toda a importância que obrigatório para turistas é, na sua e, por vezes, aves selvagens que ali deu o “travo” alentejano na maneira a vida académica representa. Expli- visão cirúrgica, muito mais do que punham as patas sem medo. “Na- como pronuncia algumas palavras. ca que ali, naquela entrada para o isso. É a ligação entre o mundo 12 | FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012
  • 2. FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012 | 13
  • 3. Perfil académico e a zona comercial da ci- sinais de uma onda cultural euro- dade. A passagem de um lado, onde peia estavam a chegar a Lisboa”, se aprende a pensar, para o outro, lembra. Os anos de Abril também onde se aprende a viver. não se esquecem. Portugal, nessa altura, era uma referência interna- No meio do vulcão cional. Havia quem viesse de fora A sua Coimbra tem passeios pela para ver o que se estava a passar, Baixa da cidade, circuitos de bicicle- estudar uma transição que andava ta no Choupal, tranquilidade, teatro, nas ruas. “Portugal estava a mostrar cinema, actividades culturais, o café à Europa um novo modelo social, Santa Cruz, leitura dos jornais em político, cultural.” Elísio Estanque, papel, jantares de curso, conversas então militante da UDP, recebeu com professores, universidade — um casal francês e levou-o a uma aquela universidade que “investe das reuniões. Não correu bem. Des- em ensinar a pensar”. Coimbra confiaram que os franceses tinham também é sua. “Coimbra não é uma sido enviados pela CIA. Este detalhe província, está mais perto de Lon- obrigou-o a redefinir conceitos. “O dres do que muitas outras cidades”, clima de suspeição pode resultar refere, recusando visões afuniladas. num clima opressivo.” Começou E troca as voltas à frase feita. “Coim- então a distanciar-se de um certo bra também tem encanto na hora de dogmatismo marxista e leninista. chegada.” Sempre foi assim. “Percebi que o discurso era uma Deixou o Alentejo no início da coisa e a prática era outra.” adolescência. Aos 13 anos, partiu Os anos passaram e hoje ainda diz para o Algarve, frequentou o Liceu aos seus alunos que as experiências Nacional de Faro. Aos 16, chegava a intensamente vividas antes e depois Lisboa para trabalhar e estudar. A do 25 de Abril foram determinan- família acreditava que ali poderia tes para a escolha do seu caminho estar um futuro melhor para quem profissional. Decidiu que queria es- tinha o mundo pela frente. Entrou tudar Sociologia, numa altura em numa empresa da área de electrici- que a disciplina ainda era pouco dade como paquete. Era o moço de conhecida no país. Queria perceber recados, distribuía a correspondên- como a sociedade se organizava, o cia. Deixou crescer o cabelo, vestia seu funcionamento, ver de outros calças à boca-de-sino, tornou-se ângulos maneiras de pensar e de activista sindical e pertenceu a vá- agir. Tornar objectiva a subjectivi- rios movimentos sociais no período dade. “Primeiro, temos de ganhar quente da revolução de Abril. “Não objectividade e consciência do que tinha nenhuma actividade política são os problemas da sociedade. A organizada antes do 25 de Abril”, re- sociedade não é uma coisa que paira corda. Mas era impossível passar ao no ar. Nós estamos na sociedade e a lado de tudo o que acontecia. E era sociedade está em nós.” muita coisa. “Estávamos lá, no meio Entrou no ISCTE em 1981. Traba- do vulcão.” Interessavam-lhe os va- lhava e estudava ao mesmo tempo. lores da solidariedade e da partilha. “Desde sempre, tive uma enorme “Percebíamos que havia um regime curiosidade em perceber o funciona- violento, um aparelho repressivo, mento da sociedade e o comporta- pronto a cair em cima de alguém mento das pessoas.” Encontrou uma que estivesse contra o sistema”, re- área com as ferramentas adequadas corda. O irreverente Elísio Estanque para uma investigação sustentada. tinha um pensamento rebelde, pres- Por aí ficou até hoje. sentia que algo iria mudar no país. E As notas da faculdade espelha- mudou. “Acreditávamos que íamos vam o seu interesse, a curiosidade, mudar a sociedade e construir o pa- o apetite por espreitar por dentro raíso.” Os sonhos eram esses, mas a forma como as classes sociais se a realidade tinha demasiados grãos movimentavam e os modelos se en- de areia na engrenagem. quadravam. “Na parte final do cur- Há momentos marcantes na vida so, percebi que tinha outras opor- de um sociólogo mesmo antes de tunidades.” Percebeu que poderia o ser. Quando chegou a Lisboa, os mudar de vida, tentar singrar nesse ecos dos anos 1960 estavam a chegar percurso e abandonar os empregos à capital portuguesa. “A cultura, a como administrativo em empresas música, a irreverência juvenil. Os do sector da electricidade. As can- 14 | FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012
  • 4. “Coimbra não é uma província, está mais perto de Londres do que muitas outras cidades” didaturas para dar aulas na univer- deixado a capital. “Foi uma possibi- operário e esteve três meses numa Muito Bom com distinção e louvor. não está a dar resultado. Prevê que sidade abriram em Coimbra e essa lidade que surgiu”. Coimbra é hoje linha de produção. Falou com os Acabaria por publicar o livro Entre o actual Governo não tenha muito era a oportunidade. a sua casa, embora ainda mantenha funcionários para analisar os seus a Fábrica e a Comunidade, que relata tempo de vida, defende que se en- Elísio Estanque não se importava um apartamento em Lisboa. A filha, problemas, ansiedades, preocu- essa experiência. O pormenorizado contrem soluções mais ponderadas de voltar a fazer as malas. Em 1985, bióloga, é o pretexto para voltar ao pações. O método que utilizou, de diário de campo que fez na ocasião para que não haja um ruptura social. deixou Lisboa e chegou à cidade dos Alentejo, não o da sua infância, mas vestir a pele dos trabalhadores que tem matéria para pelo menos mais A obsessão pela austeridade, a lógi- estudantes para dar aulas de Socio- a Castro Verde. queria estudar, foi considerado uma publicação. ca hiper-liberal, os dirigentes com logia na universidade. “Coimbra inovador e um exemplo na altura. Elísio Estanque comenta a actuali- pouca consciência social, poderão tinha, como ainda tem, uma certa Fé no país e na juventude Tornou-se uma referência. dade na televisão, nos jornais, na rá- arruinar a coesão social de um país. aura”, garante. Entrou no CES – Cen- Continua a tentar viver a vida dos O que mais o surpreendeu duran- dio. Sem intervenção política activa, Mesmo assim, o investigador acre- tro de Estudos Sociais. Contribuiu outros porque a sociologia também te esse trabalho de doutoramento diz que se situa entre o PS de esquer- dita no país e na juventude que está para a sua dinâmica e orgulha-se é isso. “Perceber o mundo dos ou- foi, no fundo, uma confirmação. da e o BE de esquerda, é crítico dos a sair das universidades. Promete desse centro de referência interna- tros e até certo ponto vivenciá-los.” “Como as clivagens, como essas abusos de poder, rejeita seguidismos continuar irreverente e a pensar a cional que, neste momento, tem 120 Perceber a diferença para ganhar a oposições entre as principais classes e alinhamentos cegos. Defende a in- sociedade. Este ano, publicou o livro investigadores. objectividade para entender como sociais, são uma realidade objectiva tervenção na vida pública. “Há uma A Classe Média: Ascensão e Declínio. “Dar aulas é uma parte ínfima as sociedades mudam. Foi isso que que transcende a própria consciên- situação que é difícil para todos, há Em Janeiro, parte para o Brasil, par- comparada com as restantes res- fez em meados dos anos 1990, quan- cia das pessoas.” Estudou o calçado, uma política que está a empurrar- ceiro a vários níveis da Universidade ponsabilidades e obrigações que do quis perceber como funcionava o a vida dos trabalhadores e os seus nos para trás e para o fundo.” Na de Coimbra, onde pretende inves- temos, nomeadamente na investi- mundo do calçado. Partiu para São problemas. A sua tese foi avaliada sua opinião, a receita da austeri- tigar as diferenças entre as classes gação.” Nunca se arrependeu de ter João da Madeira, vestiu a bata de por Boaventura Sousa Santos. Teve dade cozinhada por Angela Merkel médias dos dois países. FUGAS | Público | Sábado 3 Novembro 2012 | 15