(1) O documento discute a formação do cânon bíblico, explicando que não houve uma reunião formal para definir quais livros fariam parte, mas sim critérios que foram sendo aplicados ao longo dos séculos para distinguir os livros canônicos dos apócrifos.
(2) Os principais critérios para o Antigo Testamento foram a autoridade profética e o reconhecimento público, enquanto para o Novo Testamento privilegiou-se os livros ligados aos apóstolos, de ampla aceitação e
1. Quando falamos sobre a formação dos livros, é comum usar a palavra "cânon" que vem do latim cânone, do
termo grego κανών (canón) que significa "régua" ou "vara de medir". Cânon é o termo que usamos para a
"lista oficial" dos livros que consideramos parte da Bíblia.
Nunca houve uma reunião onde as pessoas se juntaram e disseram: Gente, vamo lá! Bíblia. O que vai
entrar, o que a gente tira? Deixa Daniel, ou fica polêmico demais? Cantares não é pesado? Salmo vai ficar
caro pra produzir, muito papel.
Critérios do Cânon (http://romulomonteiro.blogspot.com/2010/11/criterios-do-canon.html)
Para o Antigo Testamento, alguns critérios foram:
(1) testemunhadas em público e conhecidas
(2) autoridade inerente (conteúdo)
(3) autoridade de linhagem profética (autor)
Para o Novo Testamento, o critério era:
(1) Antigo (voltando aos tempos antigos, não uma produção recente)
(2) Apostólico (conectado com os nomes dos apóstolos de Jesus)
(3) Católico (usado amplamente em toda a igreja, não somente um favorito de um povo)
(4) Ortodoxo (apoiando pontos de vista teológicos - pelos líderes da igreja tomando essas decisões - ser
"certo" em vez de "herético").
Os debates continuaram pelo segundo, terceiro, e quarto século, e além. A primeira vez que qualquer autor
de registro listou nossos 27 livros e disse que estes eram os únicos, e nenhum outro, foi no ano 367 dc.,
numa carta escrita pelo influente bispo de Alexandria, Atanásio. Seu cânon não foi aceito imediatamente por
todos, mas eventualmente começou a ser visto como o certo.
Muita gente usa o argumento de que a autoridade da Bíblia é da igreja, mas a autoridade permanece sendo
do objeto e não do sujeito.
É possível contabilizar 113 apócrifos, 52 em relação ao Antigo Testamento e 61 em relação ao Novo. A gente
chama de apócrifos esses livros que não entraram no cânone judaico nem na Vulgata e Septuaginta cristãs.
Os livros que entraram nesse cânone cristão original, mas cujos originais em hebraico/aramaico não existem
mais (ou nunca existiram) são chamados deuterocanônicos.
(https://twitter.com/abstrusivo/status/1084538988923441154?s=19)
Trechos de livros apócrifos:
- O Primeiro Livro de Adão e Eva
Conta a história de Adão e Eva após serem expulsos do paraíso. Depressivos pelo que fizeram, saem do
paraíso. Deus vai e conta que iria salvá-los com o sacrifício de Cristo.
Adão vai e golpeia o próprio peito até morrer. Eva se mata de tristeza. Deus ressuscita.
Depois eles se matam afogados. Deus ressuscita.
Adão se golpeia e se mata mais uma vez. Deus ressuscita.
A serpente encontra eles e ela tenta atacar. E Deus manda a serpente pra longe, lá pra Índia (sério).
- O Evangelho de Tomé
2. Simão Pedro disse: “Maria (Madalena) afasta-se de nós, porque as mulheres não são dignas de viver.”
Disse Jesus: “Eis que a atrairei, para fazê-la um homem, para que também ela se torne espírito vivo igual a
vós homens, pois toda mulher que se transforma em homem entrará no Reino dos céus.” (evangelho de
Tomé 114)
Nós temos algumas diferenças quando se trata dos livros canônicos. O cânon (lista) católico contém 46 livros
e o protestante, 39. Neste, estão ausentes os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico
(Sirácida ou Sirac), I Macabeus e II Macabeus. Além disso, alguns fragmentos dos livros de Ester e de
Daniel.
E aí, a gente tem uma polêmica. Porque essa diferença? Somos nós, protestantes, que temos livros a
menos, ou os católicos que tem livros a mais?
O argumento protestante é que os livros apócrifos foram adicionados apenas no Concílio de Trento em
1546, como resposta à Reforma Protestante.
A resposta da Igreja Católica é que os livros já eram usados e considerados canônicos bem antes disso. E
que foi Lutero quem removeu esses livros da Bíblia.
“A bíblia protestante tem apenas 66 livros porque Lutero e, principalmente os seus seguidores, rejeitaram os
livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico (ou Sirácida), 1 e 2 Macabeus, além de Ester 10:4-16;
Daniel 3:24-20; 13-14.” - Prof. Felipe Aquino
https://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2012/11/24/por-que-a-biblia-catolica-e-diferente-da-protestante/
O argumento é que no Concílio de Trento a igreja apenas reafirmou isso, mas que eles já acreditavam na
canonicidade desses livros. E que a prova disso é a Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento).
Segundo eles, a septuaginta já tinha os livros que chamamos de apócrifos, e como Cristo e os discípulos
citaram a Septuaginta, isso prova a canonicidade dos livros.
E eles também citam alguns Concílios como autoridade pra canonização dos apócrifos.
Concílio de Roma em 382, sob a autoridade do Papa Dâmaso I.
Concílio de Hipona em 393.
Cartago em 397.
405 - Papa Inocêncio I reafirmou o cânon em uma carta ao bispo Exupério de Tolosa
Concílio de Cartago, este no ano de 419, reafirmou o cânon como os seus predecessores e pediu ao papa
Bonifácio que "confirme este cânon, pois estas são as que recebemos de nossos pais para serem lidos na
Igreja"
Implicitamente confirmado no sétimo Concílio Ecumênico, o de Nicéia II (787), que aprovou os resultados do
Concílio de Cartago de 419, e explicitamente reafirmou nos Concílios Ecumênicos de Florença (1442), Trento
(1546), Vaticano I (1870) e Vaticano II (1965).
A acusação é que os protestantes removeram esses livros, pois eles confirmavam doutrinas que os
protestantes discordavam.
O problema é o seguinte. E estou usando estudos que vão estar aí nos comentários.
http://lavistachurchofchrist.org/LVanswers/2011/02-01a.html
O que sabemos da Septuaginta vem de maior parte da "Carta de Aristeias". Seis anciões de cada uma das
12 tribos, chamados para traduzir a lei Judaica em Grego [Flávio Josefo, Antiguidade Judaicas XII.II.4-7]. Ela
foi completada em 72 dias e aprovada [Josephus, Antiquities of the Jews, XII.II.13].
3. Segundo alguns estudiosos, a tradução original continha apenas a Torá, os livros de Moisés. O restante foi
adicionado posteriormente. E não sabemos quando os apócrifos foram adicionados. E sabemos que os
apócrifos não eram parte da tradução original porque maior parte deles nem tinha sido escrito na época da
tradução inicial. Somente Tobias e I Esdras foram escritos antes. Nossas cópias mais antigas da Septuaginta
são do 4º século, logo, não dá pra saber quando eles foram adicionados.
Um dos argumentos é que Jesus e os apóstolos citaram a Septuaginta, logo, isso validaria o uso dos
apócrifos que estão lá. Mas não podemos dizer com certeza que os apócrifos estavam na Septuaginta na
época de Jesus.
Jesus e os apóstolos citaram sim a Septuaginta, mas não há nenhuma prova de citação dos livros
apócrifos.
Um exemplo usado comumente é Hebreus 11:35 citando 2 Macabeus 7. O fato é que Hebreus 11 tá citando
história, não 2 Macabeus. 2 Macabeus tá citando um acontecimento histórico. A única coisa que isso prova
é que Macabeus está citando um evento que aconteceu. Não prova a inspiração do Espírito Santo no livro.
Outro ponto é que não temos manuscritos em Hebraico de nenhum dos Apócrifos.
E que Josefo, um historiador citado pra provar a existência de Jesus disse que os Judeus não aprovavam o
uso dos Apócrifos.
Flávio Josefo contou 22 livros porque reuniu Rute a Juízes e Lamentações a Jeremias. Esses são os mesmos
que nossos 39, visto que os judeus contam como sendo um único livro os doze profetas, 1 e 2 Samuel, 1 e 2
Reis, 1 e 2 Crônicas e Esdras-Neemias.
"De Artaxerxes até nosso próprio tempo, a história completa foi escrita, mas não foi considerada digna de
crédito igual aos registros anteriores por causa do fracasso da sucessão exata dos profetas... Não temos
uma infinidade de livros entre nós, discordando e contradizendo uns aos outros, mas apenas 22 livros, que
contêm os registros de todos os tempos passados; que justamente acredita-se ser divino..." [Flávio Josefo,
contra Apion, I.8]
O Manual de Disciplina nos Manuscritos do Mar Morto, datando 200 anos antes de Cristo, também rejeitou
os apócrifos como inspirados. [Dennis McCallum, A Questão da Canonicidade].
"Fílon de Alexandria, um professor judeu (20 ac. - 40 dc.), citou extensivamente de praticamente todos os
livros canônicos, mas nunca citou os apócrifos como inspirados." [Apocrypha]
Melitão de Sardes (170 dc.) disse, "Fui, portanto, para o Oriente e, chegando no mesmo lugar onde essas
coisas foram pregadas e transacionadas, aprendi com precisão os livros do Antigo Testamento. Seus nomes
são os seguintes: cinco livros de Moisés, a saber, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Livro
de Josué, Juízes e Rute. 4 livros de Reis [2 de Samuel e 2 de Reis], 2 de Crônicas. Os Salmos de Davi, os
Provérbios de Salomão (o que é também Sabedoria), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó. Dos profetas
Isaías e Jeremias; e dos 12 profetas, um livro; Daniel, Ezequiel e Esdras" [incluindo também Neemias, e
talvez Ester]". [Biblioteca Sacra, p. 294]. Embora Melitão estivesse ciente dos livros apócrifos, ele não os
listou como parte do Antigo Testamento.
O Cânon Muratoriano, uma das listas mais antigas de livros da Bíblia, não inclui os apócrifos.
Anfilóquio de Icônio (190 dc.) listou em um poema os livros da Bíblia. Ele seguiu os 22 livros da Bíblia
Hebraica, mas expressa uma incerteza em relação ao livro de Ester. Nenhum dos livros apócrifos foi
listado. [Biblioteca Sacra, p. 301-302].
4. Orígenes de Alexandria (200 dc.), afirmou, "Deve-se observar que os livros coletivos, conforme transmitidos
pelos hebreus, são 22, de acordo com a quantidade de letras em seu alfabeto. Esses 22 livros, de acordo
com os hebreus, são os seguintes... "e ele então lista os livros como os conhecemos da Bíblia hebraica. Ele
sabia sobre os apócrifos porque ele disse: Separados destes são os Macabeus." [Biblioteca Sacra, p. 296].
Atanásio de Alexandria (330 dc.), afirmou, "Os livros do Antigo Testamento são 22, que é o número de letras
entre os hebreus. Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 4 de Reis (2
livros); 2 de Crônicas (1 livro); 2 Esdras (1 livro); Salmos e Provérbios; 12 profetas (1 livro); então Isaías,
Jeremias com Baruque, Lamentações e epístolas; Ezequiel e Daniel.
Então há livros não canônicos, mas legíveis como Sabedoria de Salomão, Eclesiástico (Sirácida ou Sirach),
Ester, Judite e Tobias."
Embora seja estranho adicionar Baruque e rejeitar Ester, ainda é significativo notar que uma distinção foi
mantida entre livros canônicos e livros de interesse. Os apócrifos como um todo foram rejeitados como
livros inspirados. [Biblioteca Sacra, p. 297].
"Há outra passagem de Atanásio, muito valiosa por conta da clara distinção que faz entre os livros canônicos
e apócrifos. Está na Carta Pascoal, citado por Carey (Testemunhos dos Pais, p. 117): "Já que algumas
pessoas tentaram colocar em ordem os livros que são chamados apócrifos, e misturá-los com as Escrituras
divinamente inspiradas, das quais fomos totalmente certificados, como aqueles que as viram desde o
princípio, e que, sendo ministros daquela palavra, as entregaram de nossos pais, pareceu apropriado para
mim, sendo exortado pelos irmãos ortodoxos,e tendo aprendido a verdade, pôr em ordem as Escrituras
Canônicas, que foram passadas adiante, e que acredita-se que venha de Deus; que todo aquele que foi
enganado possa condenar aqueles que o desencaminharam." Aqui segue a lista. Ele acrescenta: "É verdade
que, além destes, existem outros livros que não são colocados no cânon, mas, no entanto, são designados
pelos Pais para serem lidos por aqueles que primeiro são instruídos no caminho da piedade." Ele então dá os
nomes dos livros apócrifos mais comuns." [Biblioteca Sacra, p. 298-299].
Hilário de Poitiers (350 dc.), em seu Prólogo aos Salmos, seção 15, disse, "E essa é a causa de que a lei do
Antigo Testamento é organizada em 22 livros, de que eles podem corresponder com o número (quantidade)
das letras hebraicas." Ele então passa a listar os livros pelos nomes e, em seguida, menciona, "Alguns têm o
prazer de acrescentar Tobias e Judite, para fazer com que fiquem 24, de acordo com as letras do alfabeto
grego." [Biblioteca Sacra, p. 299]. Eu achei isso fortemente citado por fontes católicas como "prova" da
legitimidade de seus livros, mas eu estava desconfiado porque as fortes citações usavam elipses e inserções
de comentários. Quando encontrei a real citação, como suspeitava, as partes de fora contaram uma história
diferente do que o que foi afirmado. Hilário admite que o Antigo Testamento só possuía 22 livros. Alguns
acrescentaram 2 livros adicionais pela razão absurda de manter o número de livros correspondendo com o
número de letras do alfabeto atualmente usado.
Epifânio (360 dc.), rejeitou todos os apócrifos. Depois de listar os 22 livros da Bíblia Hebraica, ele
mencionou Sabedoria de Salomão e Eclesiástico pelo nome e disse sobre eles, "Esses são, de fato, livros
úteis e proveitosos, mas não são colocados no número dos livros canônicos." [Biblioteca Sacra, p. 300].
Gregório de Nazianzo (390 dc.) colocou os livros da Bíblia em um poema. Ele deu os 22 livros padrões da
Bíblia Hebraica. Ele fala então de outros livros "separados destes" e não "entre os genuínos"; mostrando
assim que ele estava familiarizado com os livros apócrifos, e inteligentemente os rejeitou. [Biblioteca Sacra,
p. 302].
Jerônimo (400 dc.), tradutor da Vulgata Latina, rejeitou os apócrifos, se recusando incluí-los em sua
tradução até que ele foi rejeitado. Foi Jerônimo que deu à esses livros o nome "Apócrifos".
Rufino (400 dc.), tradutor dos escritos de Orígenes, disse: "Estes são o que os Pais concluíram dentro do
Cânon dos quais eles teriam as afirmações da nossa fé para consistir. Mas nós devemos saber que haviam
5. outros livros, que não são chamados canônicos, mas eclesiásticos, pelos anciãos; como Sabedoria, que é
o de Salomão, e outro Sabedoria, que é o de Filho de Eclesiástico (Sirach); livro que entre os Latinos é
chamado pelo termo "Eclesiástico", palavra dada não pelo autor do livro, mas pela qualidade da escrita. O
pequeno livro de Tobias é da mesma ordem, assim como Judite e os livros de Macabeus." [Biblioteca Sacra,
p.304-305].
O Concílio Judeu de Jamina debateu a canonicidade de alguns livros, como Eclesiastes, mas eles não
mudaram o cânon do Antigo Testamento. Eles nem sequer se viram como determinantes do cânon. "Os
livros que eles decidiram reconhecer como canônicos já eram geralmente aceitos, embora questões tenham
sido levantadas sobre eles. Aqueles que eles se recusaram a aceitar nunca foram incluídos. Não excluíram do
cânon nenhum dos livros que já haviam sido admitidos. 'O Concílio de Jamina foi a confirmação da opinião
pública, não a formação da mesma."' [F.F. Bruce, Os Livros e Pergaminhos, p. 98].
O benfeitor mais influente dos apócrifos foi Agostinho (354-420 dc.). Ele influenciou os Concílios de Hipona
(393 dc.) e de Cartago (397 dc.) a declarar os apócrifos como canônicos. Em sua forma usual, Agostinho
também fez com que qualquer oposição aos apócrifos fosse suprimida." [Robert J. Sargent, Canonização: Os
Apócrifos].
O Concílio de Laodicéia em 367 deu a lista de livros reconhecidos e não incluía os apócrifos.
O Concílio de Calcedônia em 451 deu a lista de livros reconhecidos e não incluía os apócrifos.
O fato é, antes do Concílio de Trento, você consegue achar gente que usava os textos apócrifos, mas
também consegue achar muita gente que não usava, gente de autoridade. Logo, não dá pra afirmar que era
de concordância de todos que os livros eram canônicos. Muito pelo contrário. O debate existia,
repetidamente. E só o Concílio de Trento, após a Reforma, vai pôr fim nessa discussão.
Logo, tá provado que a própria igreja nos próprios concílios divergiam sobre esses livros. Nosso ponto não é
provar que todos diziam que esses livros eram rejeitados. Mas que existia divergência até 1546 nos
próprios Concílios.
Logo, não foi Lutero nem os protestantes quem “removeram” livros das escrituras. Mas seguimos o
entendimento de vários e vários estudiosos, como provamos nas citações.
Resumindo. É no mínimo injusto dizer que "Lutero/protestantes removeram livros porque não concordavam
com sua doutrina". É ignorar a história e tradição da própria igreja. O fato é que o ponto final da decisão da
Igreja Católica acontece sim no Concílio de Trento. E temos base suficiente para concordar conosco de que
esses livros não são canônicos.