Este documento discute os modelos de formação de professores e como eles tendem a padronizar o processo de formação. O autor argumenta que os modelos de formação só podem capturar parcialmente a realidade complexa da formação docente e tendem a excluir possibilidades diferentes. Ele defende que a formação deve considerar o excesso de significados que não se encaixam nos modelos vigentes.
1. II Congreso Internacional
sobre profesorado
principiante e inserción
profesional a la docencia
El acompañamiento a los docentes noveles:
prácticas y concepciones
Buenos Aires, del 24 al 26 de febrero de 2010
2. II Congreso Internacional sobre profesorado principiante e inserción profesional a la docencia
Prof. Dr. Róger Albernaz de Araújo 2
Eixo temático: Las pedagogías de la formación y el acompañamiento a los noveles.
Implicancias en la formación inicial.
ENSAYO
ESCULTURA E MODELAGEM:
PARA FAZER PENSAR O PENSAMENTO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Prof. Dr. Róger Albernaz de Araújo
CI 3029736356
roger.albernaz@hotmail.com
cpead.roger@gmail.com
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense
Palavras-chave: escultura; modelagem; diferença; estética; formação de professores.
Resumo
Formação de professores novos, uma contenda que implica um saber e um
território, hegemonicamente, constituídos. Espaço de circulação de modelos que, pelo
funcionamento de dispositivos de modulação, intentam neutralizar as forças díspares
circulantes. Intentam uma inclusão por semelhança. Nessa ótica, formar suscita a
agregação das partes faltantes a um ser professor que deve prover sua formação
conforme um ideal desejado por determinado modelo. Isso toma destaque na
semelhança dos modos de funcionamento dos programas de formação docente, mesmo
quando os referenciais teóricos se encontram em posições antagônicas. Os conteúdos
divergem, contudo a expressão da sistemática formativa segue um roteiro de extrema
semelhança. Assim como uma criança modela a argila, matéria não formada, até
alcançar a forma desejada, o imaginário da formação de professores, modela o professor
iniciante, até que esse crie parecença com a identidade-professor idealizada. Não
obstante, parece que, também, a formação continuada de professores procede a essa
maneira. Isso encaminha a premência de pensar, não sobre o modelo de formação
constituído, mas de como e porque esse modelo se constituiu enquanto tal, com seus
princípios de prática e de enunciação, ao ponto de constituir a demarcação de um regime
de verdade. Esse ser, professor iniciante, visto como um arranjo de significações
faltantes, carentes de um preenchimento determinado, será o único modo de pensar o
processo de formação docente? Como fica o excesso de significações que impedem a
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composição de um novo olhar? Como articular modelagem e escultura, memória e
esquecimento, experimentando a arte como figurativo estético de formação?
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ESCULTURA E MODELAGEM :
PARA FAZER PENSAR O PENSAMENTO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Retirar conceitos de uma determinada área e fazê-los circular em outra requer
prudência1
. Todavia, esse procedimento é corriqueiro quando se deseja afirmar a
realidade de um determinado território para acolher um conceito que se deseja formular
em outro território. A prática discorda da teoria e o que ocorre é uma representação2
de
uma realidade, onde o acordo (social, filosófico,...) sustenta uma produção de realidade.
Afirmação de um mesmo que expande a realidade dada, ampliando o dito e o escrito.
Restam variações combinatórias.
Uma base formativa profunda em determinada área do saber, por correlação,
impõe procedimentos semelhantes quando em outra área. Estabelece-se um sentido de
profundidade e de superficialidade que valora o conhecimento. Assim, quanto maior for a
penetração em determinado campo, maior será o conhecimento e a possibilidade do
desenvolvimento de novos saberes. Entretanto, o foco excessivo sobre um objeto pode
determinar a saturação da amplitude de visão e a não percepção da diferença, o que
pode criar uma padronização pela freqüência da visão esperada. Nesse caso, o saber se
estabelece por seu próprio funcionamento e relega o que lhe envolve. Manutenção de um
determinado território3
de saber, pela negação do diferente e pela afirmação do já
conhecido.
A contemporaneidade erige uma multiplicidade de mundos possíveis que
transpõem a lógica binária. De um tempo ancorado na classificação e na identificação,
passa-se a outro, cuja freqüência de abstração sobrepõe, não somente as possibilidades
1
Deleuze e Guattari apontam para um cuidado em relação aos movimentos de fuga: ―(...) quanta
prudência é necessária para que o plano de consistência não se torne um puro plano de abolição,
ou de morte. Para que a involução não se transforme em regressão ao indiferenciado. Não será
preciso guardar um mínimo de estratos, um mínimo de formas e de funções, um mínimo de sujeito
para dele extrair materiais, afectos, agenciamentos?‖ (DELEUZE, 1997, p. 60)
2
―Não se domina nem mesmo o aumento de uma ‗massa monetária‘ Quando se projeta aos
limites do universo uma imagem de senhor, uma idéia de Estado ou de governo secreto, como se
uma dominação se exercesse sobre os fluxos tanto quanto e do mesmo modo que sobre os
segmentos, cai-se numa representação ridícula e fictícia.‖ (DELEUZE, 1996, p. 107)
3
Nesse caso um território sedentário. ―O nômade tem um território, segue trajetos costumeiros,
vai de um ponto a outro, não ignora os pontos (ponto de água, de habitação, de assembléia, etc.)
Mas a questão é diferenciar o que é princípio do que é somente conseqüência na vida nômade.
Em primeiro lugar, ainda que os pontos determinem trajetos, estão estritamente subordinados aos
trajetos que eles determinam, ao contrário do que sucede no caso do sedentário.‖ (DELEUZE,
1997, p. 50)
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de freqüência das relações, mas, sobretudo, impõe outros modos de análise e
entendimento dos acontecimentos. De um quadro analítico-linear, baseado em uma
relação plana entre dois vetores que produzem coordenadas de uma instância de
realidade, passa-se a percepção de acontecimentos4
, nos quais a caracterização exata
dos instanciamentos resvala na impossibilidade da demarcação de todos os elementos
envolvidos. Assim, o conceito de totalidade5
vê-se afrontado por um não-saber. Isso
expõe a fragilidade do que, historicamente, a humanidade modelou para produzir sentido
à relação pensamento-realidade – aquilo que o homem, racionalmente consegue
apreender de um acontecimento e, aquilo que efetivamente acontece. Nesse caso, o
acontecimento passa a ser reconhecido pela representação do modelo posto em
funcionamento, o que reduz as variações de composição a um quadro apreensível,
assinado como verdadeiro pelo modelo vigente. Cria-se uma matriz de verificação do
caráter de verdade das coisas. Por um lado, o que se objetiva factível. Por outro, o que
se insinua interpretável. Distinção que produz um relativismo, onde algo só pode alçar à
categoria de verdadeiro, pela verificação objetiva dos parâmetros estabelecidos pelo
modelo vigente. Então, a realidade, completamente demarcada, só pode ser obtida por
uma leitura de mundo que expurgue o modelo? Não! Isso não é factível, visto que a
abstração do composto lingüístico que pretende um enunciado, já está comprometida
com um modelo que infere diretamente na coisa em questão. O que atribui à coisa uma
forma, que só pode ser considerada verdadeira, pelo modelo que a acolhe. O que
acontece, acontece sob um regime indissociável de enunciação, no qual a coisa se torna
o que é pelo enunciado que a nomeia. A palavra funciona como uma constante de
enunciação em uma equação em que as variantes serão determinadas pela delimitação
4
Segundo Deleuze e Guattari ―(...) o modelo é problemático, e não mais teoremático: as figuras só
são consideradas em função das afecções que lhes acontecem, secções, ablações, adjunções,
projeções. [...] Há aí toda sorte de deformações, transmutações, passagens ao limite, operações
onde cada figura designa um "acontecimento" muito mais que uma essência: o quadrado já não
existe independente de uma quadratura, o cubo de uma cubatura, a reta de uma retificação.
Enquanto o teorema é da ordem das razões, o problema é afectivo e inseparável das
metamorfoses, gerações e criações na própria ciência (DELEUZE, 1997, p. 25-26)
5
‗A imagem clássica do pensamento, a estriagem do espaço mental que ela opera, aspira à
universalidade. Com efeito, ela opera com dois "universais", o Todo como fundamento último do
ser ou horizonte que o engloba, o Sujeito como princípio que converte o ser em ser para-nós.
Imperium e república. Entre um e outro, todos os gêneros do real e do verdadeiro encontram seu
lugar num espaço mental estriado, do duplo ponto de vista do Ser e do Sujeito, sob a direção de
um "método universal". Desde logo, é fácil caracterizar o pensamento nômade que recusa uma tal
imagem e procede de outra maneira. É que ele não recorre a um sujeito pensante universal, mas,
ao contrário, invoca uma raça singular; e não se funda numa totalidade englobante, mas, ao
contrário, desenrola-se num meio sem horizonte, como espaço liso, estepe, deserto ou mar.‖
(DELEUZE, 1997, p. 49)
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do ângulo de visão possível. O que acontece com as variáveis que não podem ser
inseridas na apreensão da realidade nessa instância da relação? O que o funcionamento
de um não-saber enunciável produz no saber do enunciado apreendido?
Um saber tem, inevitavelmente, uma relação estabelecida com um não-saber, o
que, objetivamente, encaminha que o estabelecido como realidade, só pode assim ser
nomeado, enquanto plano de enunciação relativo ao conjunto de variáveis envolvidas no
modelo posto em funcionamento. Por consequente, uma realidade só pode ser
estabelecida parcialmente, estando sujeita a ser sobreposta por outra, de outra ordem, a
partir de outro modelo ou da diferenciação do próprio. O que ocorre então é a
impossibilidade da determinação de uma realidade. Assim, a realidade absoluta, nada
mais é que a aplicação de um modelo universal a um acontecimento. Se uma realidade
não pode ser determinada, mas, o modelo que a produz, então a realidade vem a ser
uma invenção derivada de um saber que é relativo e não equaciona aquilo que não sabe.
Portanto, pela lógica objetiva, não se pode estabelecer um caráter de verdade. Apreende-
se o caráter subjetivo de uma realidade, que só poderá ser objetivado pelo
funcionamento de um determinado modelo.
Ora, se o modelo que diz a verdade de uma realidade se modifica pela alteração
dos seus modos de composição, automaticamente, essa realidade também se modifica.
Considerações acerca de uma verdade e de uma ficção de verdade, de um sentido de
certo e de uma noção de errado, representam o lacônico de um pensamento de mundo
que apreende apenas uma parte de um todo. Impõe-se ao ser do homem uma visão
distorcida da realidade; um aparente que representa um objeto que não pode ser
delimitado, mas apenas nomeado enquanto elemento semelhante de um conjunto
reunido por um modelo enunciativo que o acolhe. Isso pode modificar radicalmente os
modos de produção de sentido sobre a vida, sobre o homem, sobre a educação e sobre a
relação de dualidade entre possíveis opostos quaisquer, pois implica a indeterminação de
uma constante absoluta, colocando o caráter da variação contínua do mundo como uma
inevitabilidade, o que transforma a variável em constante e a constante em variável. Pelo
caráter múltiplo e simultâneo das possibilidades que compõe uma relação, pode-se
enunciar que isso apenas dispõe sobre a impossibilidade de uma verdade absoluta e de
um modelo universal. Entretanto, mais que estabelecer outra dualidade esse movimento
cria um caráter incompossível de um e de outro modo. Ser ou não-ser, se fazem
nomeados e entendidos, conforme o ponto de entrada e de saída do modo de apreensão
que fornece sentido ao enunciado. A substituição do exclusivo ―ou‖ pelo inclusivo ―e‖
modifica os modos de percepção da realidade. Assim, uma afirmação inquestionável só
pode ser considerada como verdadeira enquanto parte de um enunciado que nomeia um
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modo apreensível de uma determinada leitura da realidade.
No contexto da formação de professores, faz-se premente implicar as questões
dos modelos. Formar suscita de imediato uma imagem, cujos contornos são
estabelecidos por um modelo que conclui as medidas de modulação desejáveis. Ou seja,
toda formação está arraigada a um ideário, referenciado, teórica e pragmaticamente na
conjunção das relações abstraídas em uma determinada formação, classificando e
selecionando aquilo que se enquadra no ideal modelado.
Ora, encaminhar a formação de professores a partir dessa matriz de pensamento
potencializa a exclusão de um possível diferente. Observando-se que uma relação se
configura por uma dupla articulação entre as partes envolvidas e, que os efeitos criados
por esse encontro se efetivam nas partes, não se pode, simplesmente, pensar que a
formação de professores pode ser encaminhada pela acumulação de preceitos e
princípios formados e conformados historicamente por um determinado modo
hegemônico de leitura da realidade. Tal procedimento despreza todo um potencial
inerente ao novo e, susbstancia uma sistemática formativa excludente. Vive-se em uma
sociedade abastada pelo caos, veloz e descontroladamente envolvida em suas
contradições e complexidades. Mas, paradoxalmente, a educação parece permanecer
serena, ereta e hierarquicamente conformada com suas cartilhas!
Propõe-se um exercício de pensamento. No território da arte, fazer uma escultura
significa retirar partes de algo já constituído, na direção de produzir uma forma, enquanto
fazer uma modelagem significa agregar partes a algo já constituído, com a mesma
intencionalidade. Em uma análise que busca exceder a estrutura do objeto e da realidade
analisados, o ser que se coloca na posição de artista nesse contexto, seja ele um
escultor ou um modelador, aquiesce para si o poder de transformar a realidade, pela
efetiva aplicação do seu potencial criativo. Contudo, não menos relevante se faz o filtro
do que se idealiza constituir e, pelo qual passa o acontecimento da criação. Emerge uma
visão que já se tem formada por um modo de análise e por um objeto a ser analisado,
bem como por um ideal de finalidade que já se encontra em movimento, antes mesmo do
processo criativo entrar em funcionamento. Assim, como se pode assumir como regime
de verdade que a escultura suprime partes e a modelagem agrega partes? Talvez, pela
utilização de um referencial teórico estabelecido que, na necessidade de resguardar uma
estrutura, funciona como fundamento para o enunciado pretendido. Tem-se uma pré-
tensão. Antes que o acontecimento se efetive em ato, acontece uma organização dos
modos de produção dos próprios procedimentos. Assim, seria pretensão qualquer ato
que intenta uma finalidade, seja ela criativa, reprodutora ou de qualquer outra natureza?
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Algumas palavras que circulam em torno do pensamento, acabam por estabelecer
significações inquestionáveis. Verdades que resguardam uma posição acima de qualquer
suspeita. Um ponto de estabilidade para o que se pretende formular como enunciado6
derivado. Entretanto, todo enunciado é referente ao fundamento que lhe precede e, esse
contexto, pode ser considerado, circunstancialmente verdadeiro, conforme as relações
que estabelece com os fundamentos o sustentam. Ou seja, a produção de uma verdade
se inscreve por um processo de datamento.
Por entre todos os estratos que compõem realidade, passa um individual e um
coletivo. Uma realidade, uma vida, um acontecimento. Estética de uma tensão conflituosa
entre aquilo que é, e que por ser tem localização e pertença situadas na ordem de um
sujeito e de um objeto e, aquilo cuja origem não pode ser determinada em face à
multiplicidade das forças envolvidas.
A obra da vida de uma criança que cresce, faz-se por escultura ou por
modelagem? Frágil a criança nasce e, enquanto cresce agrega partes. Na família, na
escola, no convívio com os amigos. Vai recebendo pedaços. Esses, cuidadosamente
modelados e bem sedimentados. Tudo pela formação de uma estrutura sólida.
Construção tão bem feita, que mesmo com a falência dos órgãos, com o enterro do
corpo, prevaleça a memória do entorno. Uma memória coletiva, extensiva e permanente,
sem necessidade de um corpo, mas que prevalece por uma usabilidade corpórea que
hospeda o que deve perdurar na direção do tempo, enquanto passam os corpos. Os
modos de ser, fazem parte de um contexto que se efetiva na relação extensiva com uma
memória que deve permanecer circulante; a mercê de um corpo que lhe sirva de abrigo.
As tradições, as culturas e a história, cumprem seu papel. Dispositivos catalisadores e
conservadores de uma memória. Matriz dos preceitos que demarcam a adequação aos
padrões humanos esperados. A resposta incorreta determina o erro, esse a culpa e o
dever7
. Com a educação o modelo é semelhante, fornecendo o contorno da modulação
6
―O xadrez é um jogo de Estado, ou de corte; o imperador da China o praticava. As peças do
xadrez são codificadas, têm uma natureza interior ou propriedades intrínsecas, de onde decorrem
seus movimentos, suas posições, seus afrontamentos. Elas são qualificadas, o cavaleiro é sempre
um cavaleiro, o infante um infante, o fuzileiro um fuzileiro. Cada uma é como um sujeito de
enunciado, dotado de um poder relativo; e esses poderes relativos combinam-se num sujeito de
enunciação, o próprio jogador de xadrez ou a forma de inferioridade do jogo.‖ (DELEUZE, 1997, p.
13)
7
―Do ponto de vista do racismo, não existe exterior, não existem as pessoas de fora. Só
existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo crime é não o serem. A cisão não passa mais
entre um dentro e um fora, mas no interior das cadeias significantes simultâneas e das escolhas
subjetivas sucessivas. O racismo jamais detecta as partículas do outro, ele propaga as ondas do
mesmo até à extinção daquilo que não se deixa identificar (ou que só se deixa identificar a partir
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desejada. Um professor que deve ser o exemplo a ser alcançado. Mas, de onde vem este
olhar que detém a verdade da formação necessária?
Têm-se uma vida singular que nem sempre se enquadra no modelo que circula ao
redor. Quando o produto não se encaixa no molde, tem-se um defeito. A vida tem um
padrão de funcionamento? Não! E a educação? Também não! A vida e a educação têm
um padrão esperado de funcionamento. Quem espera? O próprio homem que, na falta da
compreensão da complexidade dos acontecimentos, simplifica as relações a um conjunto
de deveres, a um conjunto de direitos, a uma igualdade, a uma justiça, a uma moral...
Selos de certificação da qualidade do produto homem que chega ao mercado da vida. A
educação tem vida e também selos!
Todavia, em uma vida que tudo abarca e, imanente acontece, as relações estão
permanentemente abertas. Possibilidades e impossibilidades que não constituem
antagonismos quando o viver se faz na relação de forças8
intensivas. A escultura de uma
vida encaminha um desejo de retirar os pedaços que teimam em querer grudar no ser
professor? Quanto se precisa esquecer o que se é para poder perceber o que se pode
vir a ser?
Não se sabe. Talvez, não seja uma questão de saber! A vida não reconhece um
procedimento que retira partes e, outro que agrega partes. Não como a possibilidade de
um saber que determina onde a vida pode ou não pode ir. O que acontece em vida se faz
emergir da/na potência das relações que se atualizam em uma realidade contínua e
ilimitada, onde a matéria de maior fluxo recria uma territorialidade e altera uma geografia.
Por entre as relações é que a vida respira e envolve seu tempo. Composições imanentes,
posições alternantes, discursos delirantes, intercessões afirmativas. Um incessante criar
que não desenvolve, envolve; que não explica, implica; que não apreende, foge. Uma
vida coloca seus passos na relação com o desconhecido que a compõe, sem reduções
arbitrárias, sem projeções suntuosas. A vida vive um pouco por vez sem um próximo
necessário. Todas as dimensões conhecidas e a conhecer. Uma criancice da vida.
Aquela que conta na ponta dos dedos. Aquela que ri dos seus erros e que diz sem julgar.
Sorriso aberto em um sim à vida. Continuum vir a ser de um por vir ilimitado. Continuum
infinito de formação. Da criança e da educação!
de tal ou qual desvio). Sua crueldade só se iguala a sua incompetência ou a sua ingenuidade.‖
(DELEUZE, 1997, p. 45-46)
8
―O que é o corpo? Nós não o definimos dizendo que é um campo de forças, um meio provedor
disputado por uma pluralidade de forças. Com efeito, não há ‗meio‘, não há campo de forças ou de
batalha. Não a quantidade de realidade, toda realidade já é quantidade de força. Nada mais do
que quantidades de força ―em relação de tensão‖ umas com as outras.‖ (DELEUZE, 1976, p. 21)
10. II Congreso Internacional sobre profesorado principiante e inserción profesional a la docencia
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Referências bibliográficas
DELEUZE, Gilles e Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 1.
Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro, Editora 34,
1995.
DELEUZE, Gilles e Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 2.
Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro, Editora
34, 1995.
DELEUZE, Gilles e Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3.
Tradução de Aurélio Guerra Neto et alii. — Rio de Janeiro, Editora 34, 1996.
DELEUZE, Gilles e Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 4.
Tradução de Suely Rolnik. Rio de Janeiro, Editora 34, 1997.
DELEUZE, Gilles e Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol.
5. Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caifa. Rio de Janeiro, Editora 34,
1997.