1. Foi um não rápido. Um não daqueles que não se respiram, que se solta como se estivesse na
paragem dos nãos ao tempo suficiente para estar cansado. Foi um não que soou alto, noutra
língua, por falta de coragem.
Foi um não de quebrar ossos, de partir corações. Foi o não mais simples do Mundo. E eu,
noutro Mundo, não lhe ligaria. Vivo neste, contigo.
Não tens culpa. A tua realidade é diferente da minha e vivemos assim, em óculos diferentes. O
teu não foi inócuo, volátil, transeunte, no meio de sins, foi um não, um mero. Mas na minha
sala de estar chove muito e um não dito noutra língua explode janelas. E elas estão fechadas,
estão bem assim.
Quem dera que fosses de gesso. De barro. De plasticina barata e de cor ridícula. Quem dera
que fosses um Nada, que para mim seria Tudo. Assim, os ossos não se quebravam, os corações
não se partiam e as janelas nunca explodiriam. Mas não. Insistes em ser Um diferente e eu sou
só Humanidade.
Não falo com raiva. Esse estado insípido. Queria que fosses de um barro sem molde, para te
tornar para mim. Para te tornar o Tu que quero conhecer todos os dias, mas que nunca chega.
Perdoa-me a impaciência. Um dia, ficarei uma semana, sem comer, nem beber, a olhar para ti,
para te tornares esse Tu. Um dia, deixarei marcas no caminho para seguires, enquanto andas e
te perdes. Depois, moldo-te novamente, porque nunca chega e a qualidade vive na sombra do
defeito.
Ridícula assumpção. Não vejo eu que o não só quebrou ossos porque eram os meus. Porque
sou eu. E para ti foi uma nuvem.
Problema nosso que somos prepotentes e queremo-nos donos do espaço, do tempo, dos nãos
e dos sins. Dos outros. E quantas vezes deveríamos ser? Nenhuma. Todas. Em algarismo.
Depende da sala em que chove.
Todos os nãos já foram sins ou serão amanhã. Culpa nossa quando os ouvimos.
Ana Rita Caldeira (2012)
PROCESSO(s)