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CARLOS FIOLHAIS e DAVID MARÇAL
DARWIN
AOS TIROS
E OuTRAS HISTÓRIAS DE CIÊNCIA
CARLOS FIOLHAIS • DAVID MARÇAL
DARWIN
AOS TIROS
e Outras Histórias de Ciência
gradiva
© Carlos Fiolhais e David MarçallGradiva Publicações, S. A.
Revisão de texto Rita Almeida Simões
Capa Armando Lopes (concepção gráfica)/© José Souto-
6 - Criatividade, Imagem e Publicidade, L.d. - Olifante
(cartune)/© Mário Rainha Campos (foto de David Marçal)
Fotocomposição Gradiva
Impressão e acabamento Manuel Barbosa & Filhos, L.da
Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S. A.
Rua Almeida e Sousa, 21- r/c esq. -1
399 -041 Lisboa
Telef. 21393 3760- Fax 2139534 7
1
Dep. comercial Telefs. 2139740 6718- Fax 213971
4 1
1
geral@gradiva.mail.pt I www.gradiva.pt
V edição Outubro de 2011
2.a edição Fevereiro de 2012
Depósito legal 340 034 1201 2
ISBN 978-9 89-616-447- 8
gradiva
Editor GUILHERME VALENTE
Visite-nos na Internet
www.gradiva.pt
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Indice
A abrir ....................................................................... 9
o POWERPOINT SETECENTISTA
E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
o PowerPoint setecentista ......... ........ .... ... ...................... 1 3
Homens nus por todo o lado ...... ... ................................ 1 6
Mozart, a matemática e a lotaria .............. ... .... ..... ........ 1 9
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown ............. 21
Um escaravelho matemático ......................................... .. 24
PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS
DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA
Procuram-se nónios de Nunes ....... .. .... ...
. . ..............
. ....... 29
Um buraco de onze dias................................................. 32
O intrépido capitão Lunardi e os lulanos ...................... 34
Einstein eclipsa Newton.. ..... ..... .... ............................ ...... 37
Da órbita de Clarke ao elevador espacial. .................
. ... 39
O pai incógnito do Sputnik ......... ......
. .... ........................ 41
Porque está lá! ......... ................................................... ... . 43
Viagem planetária com dormida na heliosfera .............. 45
6 DARWIN AOS TIROS
Galileo no vidro da frente com uma ventosa ................ 47
Bactérias extraterrestres? Outra vez? ...........................
. . 49
Alô, Marte, está aí alguém? ......................
. ...
. ................ 52
O eixo do mal na abóbada celeste ...............
. .....
. ..........
. 54
Multiverso, Alices e coelhos brancos ............................. 56
UM PALIMPSESTO PARA LER NO BANHO
E OUTRAS HISTÓRIAS DE FíSICA
Um palimpsesto para ler no banho ................................ 59
Atraso judicial no Vaticano ............................................ 62
Deus e os gigantes da ciência.. ....................................... 66
O padre voador...... ........................................................ 69
A ilustre família Magalhães ...
. .............
. ..........
. ..
. ..... ....... 73
Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado ...... 75
A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar ........... 77
Cientistas incendiários .................................................... 81
As cores do embaixador Sampayo ......
. ...
. ..
. ...
. ............... 84
O maior erro de Einstein ................................................ 86
Prémios Nobel da Física para todos os gostos .............. 89
As namoradas de Schrodinger e o significado da vida .... 92
O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein ............ 94
.0 incrível Hulk ............................................................ ... 97
Um físico na prisão de Estaline ...................................... 99
O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca
era visto ....................................................................... 102
O laser, uma solução à procura de um problema ......... 105
Dinossauros, pirâmides e JFK ......................................... 106
A impunidade do homem invisível ....................... ..... ..... 108
O medo do nuclear .................................
. ...
. ................... 111
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete ....... 115
A física do futebol ........
. ..
. .............................................. 117
O melhor da existência humana .................................... 119
Uma bomba sexual .........................................
. ............... 121
Do Ig Nobel ao Nobel .......................
. .......
. ................... 123
Gelo quente é possível, Sr
. Dr. ....................................... 125
INDICE 7
GUERRA E PAZ NO MUSEU
E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUíMICA
Guerra e paz no museu ...................... ......... ................... 129
O cheiro dos ricos .......................................................... 131
Há muito espaço lá em baixo ........................ ................ 134
A ilha dos superpesados ................ ................................. 137
O mistério da cebola e o verniz estragado .................... 139
Sabe Deus que isto é vitamina C ................................... 141
Nos gloriosos dias do DDT ... ......................................... 143
Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gaso-
lina ............................................................................... 145
«ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...»
E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA
«6 mar salgado, quanto do teu sal...» .......................... 149
Pânico no clima europeu ................................................ 152
O temor da terra .... . . ..... ................................................. 154
Uma desgraça de profeta ........ ........................................ 156
A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO
E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA
A mirabolante flora do deserto ...................................... 159
Darwin e o seu amigo açoriano ..................................... 161
A origem da espécie .......... .................. . . ..................... ..... 164
África nossa .. ................................................. ................. 166
Darwin aos tiros ............................................................. 167
A origem da vida: não tente fazer isto em casa ....... ..... 169
Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante 172
Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infec-
ciosas .......... .......................... .............. ......................... 175
Bullying eterno ........... ...... . . o o o o o ........... ............................. 177
Prémio Nobel para os brócolos . . . ................................... 178
8 DARWIN AOS TIROS
Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite 181
A festa dos macacos e a base genética da alma ............ 186
«Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente ..... 189
Os homens são todos iguais ........................................... 193
A FABRICA DO CORPO HUMANO
E OUTRAS HIST6RIAS DE MEDICINA
A Fábrica do Corpo Humano........................................ 197
Um judeu errante............................................................ 200
Sexo e violência em Egas Moniz ................................... 202
Revolucionários muito conservadores ............................ 205
O lugar da longa vida................. . . . . . .............................. 207
A matança dos porcos..................................... . . . ............ 209
Bactérias assassinas......................................................... 211
A imortal Henrietta ..... ................................................... 213
Presos nas entranhas da Terra ....................................... 215
O ADN de Bin Laden ........................... . . . . . . . . . ................ 217
O CULTO DA CARGA E OUTRAS HIST6RIAS
DE PSEUDOCIÊNCIA
o culto da carga ............................................................. 221
Magos e sábios . . ................ . . ........................................... 224
Comunicação extra-sensorial? ........... ............................. 226
A notícia da treta mais deprimente do ano ................... 228
O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esma-
gadas ............................................................................ 231
Uma overdose de água e açúcar..................................... 233
A autobiografia emocionante de uma molécula de água 235
O génio solitário e a imortalidade na Internet .............. 238
Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu............... 242
Notas e referências ...................................................... 247
Créditos das figuras ........................................... . . . ...... 281
A abrir
NÃO É s6 A FíSICA QUE É DIVERTIDA. Também outras
ciências, como a matemática, a astronomia e a astronáu­
tica, a química, as ciências da Terra, a biologia e a medi­
cina o são. O esforço do homem para compreender o
mundo à sua volta e para aplicar esse conhecimento em
seu benefício resulta de um impulso interior que dá
auto-satisfação intelectual e garante bem-estar material.
Outras actividades humanas tentam fazer-se passar por
ciência sem o serem - daí o nome de pseudociências -,
mas são definitivamente outra coisa. Não se passa a
saber mais do mundo através delas. Nem, em geral,
além daqueles que as praticam, há quem lucre alguma
coisa com elas. Não deixa, porém, de ser divertido
observar o esforço inglório que muita gente faz para
«macaquear» a ciência...
Este livro conta histórias, mais ou menos divertidas
(quando não são divertidas, serão pelo menos curiosas)
da ciência, cujos temas foram extraídos tanto da longa
história da ciência como da actualidade científica.
Foram precisos dois autores, porque a ciência hoje, mais
do que ontem, é especializada. O primeiro autor, Carlos
10 DARWIN AOS TIROS
Fiolhais (CF), que é físico, escreveu as histórias de
matemática, astronomia, física e geologia, e atreveu-se
também a contribuir com algumas histórias de química
( Guerra e paz no museu, O cheiro dos ricos, Há muito
espaço lá em baixo e A ilha dos superpesados), de bio­
logia (A mirabolante flora do deserto, Darwin e o seu
amigo açoriano, A origem da espécie e Africa nossa) e
todas as de medicina, para além de ter metido uma
colher na sopa das pseudociências (O culto da carga,
Magos e sábios e Comunicação extra-sensorial?). Por
seu lado, o segundo autor, David Marçal (DM), que é
bioquímico, escreveu a maioria das histórias de química
e de biologia (as restantes), para além de ter tido a seu
cargo a maioria das histórias de pseudociência (idem).
Contribuiu ainda para o capítulo da física com a última
história (Gelo quente é possível, Sr. Dr.) Os dois, que,
juntos, têm divulgado ciência no blogue de ciência,
educação e cultura De Rerum Natura (Sobre a Natureza
das Coisas), esperam que as histórias fiquem bem jun­
tas, divertindo quem as leia. Quem quiser saber mais
- e ambos esperam que haja leitores que o queiram -
encontrará no final do livro algumas notas e muitas
sugestões de leitura.
CF quer agradecer à Teresa Pena, ao José Cabrita
Saraiva e ao Nuno Pacheco, que editam respectivamente
a Gazeta de Física, revista da Sociedade Portuguesa de
Física, a secção de ciência da revista Tabu, que acom­
panha o semanário Sol, e as colunas de opinião do
diário Público, o espaço onde pôde exercitar a pena
para escrever algumas destas histórias ou, melhor, o
rascunho delas, porque foram agora aqui todas revistas
e em muitos casos aumentadas. Quer também agrade­
cer ao João Filipe Queiró e à Helena Damião a leitura
A ABRIR 1 1
crítica de alguns desses textos. E ainda quer agradecer
a DM a leitura atenta e as excelentes dicas, muitas
delas acrescentando uma pitada de humor onde ele fal­
tava. Quer, finalmente, agradecer à Anica não só os
comentários sempre pertinentes sobre as prosas quen­
tinhas, acabadas de sair do forno do processador de
texto, como sobretudo o encorajamento à escrita e a
compreensão pelo tempo que, com este e outros livros,
tem sido retirado à vida familiar.
DM quer agradecer à Ana Teresa Gonçalves e à Cata­
rina Silva, pela leitura e as propostas construtivas que
fizeram para a maioria dos textos. Quer também agra­
decer de um modo muito especial a todos os Cientistas
de Pé, o grupo de investigadores que fazem stand-up
comedy num projecto coordenado por DM e pelo actor
Romeu Costa desde 2009, com quem vários destes temas
foram discutidos. Um agradecimento também ao co-autor
CF pelo convite para participar neste livro. E, acima de
tudo, à Joana, não só pela tolerância de ponto do tempo
roubado à vida familiar para preparar este livro, como
pelas inúmeras sugestões e discussões acerca da ciência
e histórias da ciência, que têm eco nestas páginas.
Os dois autores fazem questão de agradecer a Gui­
lherme Valente, editor da Gradiva, pelo óptimo acolhi­
mento dado a este livro, tal como no passado deu a outros.
Orgulham-se de fazer parte de um projecto consistente e
continuado (começou no início dos anos 80 do século
passado e prossegue hoje com o mesmo entusiasmo) que
tem em vista a expansão da cultura científica entre nós,
e que tantos e tão bons frutos tem dado.
Figueira da Foz e Canas de Senhorim,
15 de Agosto de 2011
o PowerPoint setecentIsta
e outras histórias de
" .
matematIca
o PowerPoint setecentista
A GEOMETRIA DO GREGO EUCLIDES (360 a.C.-295 a.c.),
que tanto impressionou o físico Albert Einstein quando
este era muito jovem, é, de facto, uma das maiores
marcas da inteligência humana. Uma gravura numa
edição dos Elementos de Euclides do século XVlII mos­
tra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a
uma praia para eles desconhecida. Não sabem se a ilha
é habitada e se podem, por isso, esperar ajuda. Ao
encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na
areia, exclamam com alegria:
Tenhamos esperança, aqui há humanos...
Um optimismo comovente, tendo em conta as pessoas
que actualmente declaram preferir a companhia dos
14 DARWIN AOS TIROS
animais ou dos jogos de computador... Numa versão
mais contemporânea e ecológica, um grupo de focas­
-monges quando confrontado com figuras geométricas,
e se acaso pudessem falar, diriam qualquer coisa como:
Estamos tramadas, aqui há humanos...
De qualquer modo só os humanos são capazes de
traçar figuras geométricas. O livro encontra-se numa
estante da Sala de São Pedro, no edifício central da
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a biblio­
teca multicentenária que alberga várias outras valiosas
versões dos Elementos, que permitem ilustrar a evolu­
ção, ao longo dos séculos, não apenas da recepção da
matemática antiga mas também da arte tipográfica.
Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a
obra de Euclides do esquecimento, preservando-a, atra­
vés de sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade
Média, quando surgiu a imprensa de tipos móveis e
com ela os primeiros incunábulos.
Em Portugal, além dos desenhos geométricos manus­
critos e impressos guardados em bibliotecas, também
existem desenhos dos teoremas de Euclides gravados
em azulejo, uma tecnologia com nome e influência
árabes. Com efeito, das pranchas matemáticas de uma
das edições do século XVII dos Elementos - mais exac­
tamente, uma edição de 1 654 saída em Antuérpia, com
o título Elementa Geometriae -, devida ao jesuíta belga
André Tacquet ( 1 6 1 2-1660), foram feitas cópias quase
fiéis para azulejo - essa bela arte que os portugueses
fizeram sua (figura 1 ).
Há, porém, um mistério nestes azulejos, que perten­
cem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado
HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
Figura 1 - Azulejo pertencente à colecção
do Museu Nacional de Machado de Cas­
tro, em Coimbra. Diz respeito à proposição
29 do Livro I dos Elementos de Euclides
15
de Castro, em Coimbra (há alguns, poucos, no Museu
Nacional do Azulejo, em Lisboa, e outros, ainda menos,
em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem
de quando são nem de onde vieram. Provavelmente
serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes
da Universidade de Coimbra, antes da expulsão, por
ordem do Marquês de Pombal em 1 759, dos jesuí­
tas, que governaram durante muitos anos esse colégio.
A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de
aula ou nos muros dos claustros limítrofes tornava mais
acessível aos estudantes a geometria euclidiana. Era uma
espécie de PowerPoint dos séculos XV1! e XVIII... Hoje
em dia as apresentações de PowerPoint são usadas nas
salas de aula na esperança de que tenham o mesmo
efeito hipnotizante nos alunos do que a televisão.
1 6 DARWIN A O S TIROS
Apesar de, nesse tempo, ainda não haver televisão, talvez
nos séculos XVII e XVIII os jesuítas já achassem que era
bom encher o olho dos pupilos com imagens e pala­
vras-chave.
Os azulejos que se conhecem são cerca de vinte:
faltam muitos para completar a reprodução das cente­
nas de figuras do livro. E há alguns azulejos que não
são de matemática, contendo motivos de astronomia e
hidráulica, os quais, com toda a certeza, não foram
extraídos daquele livro. Haverá mais «azulejos que en­
sinam» ? Onde estão eles? Este é o enigma dos azulejos
matemáticos que aguarda quem o desvende. O facto
de, em escavações arqueológicas recentes realizadas no
Largo do Marquês de Pombal, perto do Colégio das
Artes, em Coimbra, ter sido encontrado um fragmento
de um desses azulejos faz pensar que uma parte deles
tenha sido desfeita. . . É possível que a fúria restaura­
dora do Marquês tenha levado à destruição da maioria
dos azulejos que serviram como auxiliar pedagógico
nos espaços dos jesuítas. A ser assim, e como Euclides
continua e continuará eternamente actual, será lógico
concluir que nem sempre há progresso na ciência. Por
vezes, há perdas irreparáveis...
Homens nus por todo o lado
Podemos com relativa facilidade encontrar um ho­
mem nu no nosso bolso: esse homem está na moeda de
1 euro cunhada em Itália, o que não admira, pois o
autor da imagem original, que data de 1 490, o artista
e inventor Leonardo Da Vinci ( 1 452-151 9), nasceu em
Anchiano, lugarejo perto de Vinci, província de Flo-
HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 17
rença. O governo do seu país quis deste modo e muito
justamente homenageá-lo à escala europeia.
Leonardo é não só um dos maiores génios italianos
e europeus mas também, para muitos, o maior génio da
história. E o seu génio, que chegou até nós tanto atra­
vés das suas criações artísticas como através das suas
criações tecnológicas, está condensado na representa­
ção que fez de um homem nu (há quem diga que é um
auto-retrato) contido simultaneamente dentro de uma
circunferência e de um quadrado (figura 2). A figura
humana toca graciosamente na circunferência ou no
Figura 2 - Original d'O Homem de
Vitrúvio de Leonardo Da Vinci. A escrita
só se pode ler ao espelho
1 8 DARWIN AOS TIROS
quadrado conforme está com as pernas e os braços em
V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal.
O centro da circunferência e do quadrado não coinci­
dem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de
gravidade do corpo, e o segundo está no sexo.
A representação, cujo original se encontra na Gale­
ria da Academia em Veneza, pode ter sido inspirada,
em última análise, nas palavras do filósofo grego
Protágoras de Abdera, que viveu no século v a.c.:
O homem é a medida de todas as coisas. Não se sabe.
Mas não há dúvida de que Leonardo foi influenciado
pela obra do arquitecto e engenheiro romano Marco
Vitrúvio Polião, que escreveu no século I a.c. a obra
Dez Livros de Arquitectura, uma vez que glosa esse
autor, usando a sua extraordinária caligrafia que só
pode ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o
desenho (daí o nome O Homem de Vitrúvio). O objec­
tivo tanto do artista-inventor como do arquitecto que
o inspirou era a busca das proporções perfeitas. O sim­
bolismo era e é a integração do homem no mundo, o
mundo que está escrito em linguagem matemática e
onde, por isso, se encontra geometria por todo o lado.
Há homens nus de Leonardo ou aparentados por todo
o lado na Terra e até no espaço. Como as boas propor­
ções indiciam saúde, é natural que várias instituições médi­
cas ou relacionadas com a medicina tenham adoptado,
por todo o mundo, o desenho de Leonardo como sua
imagem de marca. Os fatos da NASA usados pelos astro­
nautas para executarem actividades fora do vaivém ou da
Estação Espacial Internacional também mostram o ho­
mem de Vitrúvio. E o logotipo da agência de exploração
interestelar no filme Contacto, baseado no romance do
astrofísico norte-americano Carl Sagan ( 1934-1996), é
HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 1 9
um homem de Vitrúvio estilizado. A visão do homem de
Vitrúvio evoca ao mesmo tempo a ciência e a arte. Da
Vinci conseguiu, com o homem de Vitrúvio, casar a ciência
e a arte melhor do que ninguém. E esse casamento man­
teve-se até hoje sem nenhuma possibilidade de divórcio.
Parece, porém, nesta omnipresença de homens nus,
haver alguma discriminação. De facto, é uma pena que
nenhum país da zona euro tenha feito a moeda feminina
correspondente, ou seja, por exemplo, que a França
não tenha feito uma representação da Mona Lisa tal
como veio ao mundo inscrita em triângulos, quadra­
dos, círculos, ou o que quer que fosse!
Mozart, a matemática e a lotaria
o que tem a música do compositor austríaco Wolf­
gang Amadeus Mozart ( 1 756-1791) a ver com a mate­
mática? Já houve quem dissesse que a escuta da música
de Mozart por bebés com menos de três anos aumenta
a capacidade de raciocínio espaciotemporal e, portanto,
a aptidão para a matemática. Este é o chamado «efeito
Mozart», uma expressão inventada pelo médico fran­
cês Alfred Tomatis ( 1 920-2001 ), que teria detectado
um maior desenvolvimento cerebral de crianças peque­
nas depois de elas ouvirem peças de Mozart. Acredi­
tando piamente nisso, os governadores norte-america­
nos do Tennessee e da Geórgia decidiram oferecer CD
com música de Mozart a todas as parturientes dos seus
estados. De facto, o efeito Mozart não está de modo
nenhum provado. É um daqueles mitos que os media
espalharam profusamente sem estarem apoiados por
qualquer tipo de confirmação científica. Pseudociência,
20 DARWIN AOS TIROS
portanto. Aliás, se a escuta de peças de certos compo­
sitores de música pudesse melhorar qualquer tipo de
raciocínio, em vez de professores teríamos disc-jockeys
e as salas de aula seriam pistas de discoteca, com os
alunos a abanarem o capacete enquanto desenvolviam
alegremente as suas aptidões.
Mas Mozart tem mesmo a ver com a matemática.
Não que ele fosse um grande conhecedor dessa ciência.
Mas, na imensa e rica obra do génio de Salzburgo, encon­
tram-se bons exemplos de um importantíssimo conceito
matemático - a simetria - que tem numerosas aplica­
ções na física e na química. Um espelho exibe uma simetria
particular entre um objecto e a sua imagem, trocando
a esquerda e a direita. Em certas peças mozartianas, há
mesmo um espelho: é tocada a imagem ao espelho de
um certo excerto da pauta. Encontra-se, além de um
espelho. no espaço, também um espelho no tempo: um
excerto da pauta é repetido, mas tocado do fim para o
princípio. É ainda frequente encontrarmos nas obras
mozartianas simples repetições de um tema musical,
uma simetria dita de translação. E Mozart revela-se extre­
mamente exímio em combinar de maneira harmónica
todas estas simetrias. O nosso ouvido fica tão entretido
com a música, que só quem conhece a notação musical
e olha com atenção para a pauta é que consegue detec­
tar esses verdadeiros truques matemático-musicais.
Alguns matemáticos estudaram com cuidado a mú­
sica de Mozart, com o intuito de procurarem esses e
outros elementos matemáticos. Procuraram, por exem­
plo, a proporção áurea, ou razão dourada, isto é, um
número fraccionário (cerca de 1 ,6 1 8) que, desde o tem­
po dos gregos, está associado a uma «boa proporção»,
na arquitectura, na escultura, na pintura, etc. Porque
H ISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 21
não também na música? E houve, de facto, estudiosos
que reclamaram ter encontrado essa razão nalgumas
sonatas para piano de Mozart, quando dividiram os
tempos correspondentes às duas partes em que essas
obras musicais se compõem: a introdução e o desenvol­
vimento. Não há, porém, uma concordância exacta em
medidas desse tipo efectuadas em diversas sonatas, o
que deve querer significar que, mais do que obedecer
rigidamente a uma fórmula matemática, a divisão tem­
poral das peças obedeceu a um excepcional sentido de
harmonia do genial autor.
Não faltou quem procurasse fórmulas matemáticas
por todo o lado nas partituras originais do autor de
Eine Kleine Nachtmusik. Todavia, só se encontrou, à
margem de uma pauta, um rabisco de um cálculo de
probabilidades feito pelo compositor numa sua tenta­
tiva, aparentemente vã, de ganhar a lotaria... Mozart
não era propriamente rico e, como muita gente na sua
situação, sonhava com a sorte grande. Teve, depois de
morrer, a sorte grande da fama musical, mas em vida
nem sequer uma terminação.
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown
o romance O Símbolo Perdido (Bertrand, 2009), do
escritor norte-americano Dan Brown (n. 1 964), é, tal
como outras obras do mesmo autor que a precederam,
Anjos e Demónios e O Código Da Vinci, uma obra de
ficção, pura ficção. No terceiro livro do autor de
superêxitos, a instituição omnipresente no enredo não
é a Igreja Católica, tal como nos outros livros, mas a
Maçonaria, a associação em grande medida secreta
22 DARWIN AOS TIROS
fundada em Londres em 1717 e que se desenvolveu ao
longo de todo o século das Luzes, chegando em crescendo
até aos dias de hoje. Brown localiza a sua acção na capital
norte-americana, Washington D.e. (District of Columbia),
uma cidade fundada precisamente nesse século. Com
efeito, foi em 1 791 que o presidente George Washing­
ton ( 1 732-1799), provavelmente maçom, encarregou o
arquitecto franco-americano Pierre Charles L'Enfant
( 1754-1 825), que tanto quanto sabemos não pertencia à
associação, de desenhar o projecto da nova cidade, o que
este fez conforme o contratado, embora pouco depois
viesse a abandonar a obra, incompatibilizado com os
mandantes. Brown, no seu livro, revela o que são, na sua
óptica, alguns segredos da arquitectura da cidade onde se
situam a Casa Branca e o Capitólio. Embora seja possível
encontrar elementos maçónicos na grande urbe norte­
-americana, como de resto em várias outras da mesma
época, é pouco crível que os traços urbanísticos de Wa­
shington contenham mensagens secretas, como é dito ou
insinuado naquele que se tornou instantaneamente um
best-seller. Isso não impede que a capital dos Estados
Unidos seja visitada por hordas de turistas, hordas essas
recentemente reforçadas pelo romance de Brown.
Na capital portuguesa, reconstruída em grande escala
após o grande terramoto de 1 755, portanto antes da cons­
trução de Washington D.e., também não são difíceis
de encontrar «símbolos perdidos», isto é, sinais, maiores
ou menores, a que se pode atribuir um significado maçó­
nico. Tal resulta do facto de, no século XVlI1, terem come­
çado a surgir na capital portuguesa lojas maçónicas
ligadas a congéneres inglesas. Sebastião José de Carvalho
e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), que alguns
dizem ter sido iniciado em Londres quando aí era embai-
HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 23
xador (não, não há a certeza de que tenha sido maçom),
tolerou a maçonaria entre nós. O nosso Iluminismo foi
aliás protagonizado por algumas notáveis figuras maçó­
nicas como, por exemplo, só para referir cientistas, o
botânico e diplomata abade Correia da Serra (o que
mostra que, na época, não havia incompatibilidade essen­
cial entre a Maçonaria e a Igreja Católica), o médico de
origem judaica António Nunes Ribeiro Sanches (que,
tal como o abade Correia da Serra, se «estrangeirou»),
o químico e naturalista italiano Domingos Vandelli (que
de Pádua se transferiu primeiro para Lisboa e depois
para Coimbra) e o botânico Félix Avelar Brotero (que,
depois de estudar em Paris, fez carreira em Coimbra).
Um dos arquitectos da reconstrução de Lisboa após o
grande terramoto de 1 755, o húngaro Carlos Mardel
( 1 696-1 763), era também maçom. A primeira loja
maçónica mesmo portuguesa, o Grande Oriente Lusi­
tano, só foi criada em 1 802, sendo o seu primeiro grão­
-mestre um neto do Marquês de Pombal. Apesar de ter
passado por vicissitudes várias, essa loja ainda hoje
existe. Mas, para grande desgosto de algumas mentes
mais fantasiosas, é pouco provável, tal como no caso
de Washington, que Lisboa esconda segredos cósmicos,
ocultados por simbologia maçónica.
Muitos dizem ver no Terreiro do Paço medidas com
um significado esotérico. Até o número de colunas nos
pórticos já foi associado às cartas do tarô. Também
vêem mistérios na estátua do soberano que teve tanto
medo do terramoto, que entregou o poder ao Marquês
de Pombal e passou a viver numa barraca. Vêem ainda
elementos geométricos ligados à maçonaria (a palavra
maçom significa pedreiro e os maçons também são co­
nhecidos por pedreiros livres) nos edifícios em volta da
24 DARWIN AOS TIROS
praça, hoje ocupados em grande parte por ministérios.
Por exemplo, no cimo do Arco do Triunfo (uma constru­
ção que, apesar de ser de inspiração pombalina, só foi
concluída em 1 873), à entrada da Rua Augusta, vê-se um
triângulo equilátero, um símbolo maçónico muito comum,
cujos vértices são dados por três figuras alegóricas, obra
do escultor francês Anatole Camels ( 1 822-1906). As
figuras são a Lusitânia Gloriosa que coloca coroas de
louros nas cabeças de Apolo e Minerva: a glória coroa
o génio e o valor. Por baixo, está em latim:
Virtvtibvs Maiorvm Vt Sit Omnibvs Docvmento. PPD
{Pecunia Publica Dicatum}.
Não, PPD não é referência a nenhum partido polí­
tico... Traduzido para português, o letreiro significa:
Às virtudes dos maiores [mais velhos), para ensina­
mento de todos. Dedicado a expensas públicas.
o investimento de dinheiros públicos em obras urba­
nas avultadas aconteceu num tempo em que eles exis­
tiam em maior abundância do que hoje. Mas, se o
Turismo de Lisboa quer aumentar as excursões à capital
portuguesa e com isso aumentar os proventos nacIO­
nais, fará bem em chamar Dan Brown...
Um escaravelho matemático
Benolt Mandelbrot ( 1 924-2010), uma das mentes
mais brilhantes do século passado, foi um matemático
polaco-franco-americano (nasceu na Polónia, de uma
HISTÓRIAS D E MATEMATICA 25
família judaica, mudou-se para França, onde fez estu­
dos secundários e superiores, e transferiu-se para os
Estados Unidos no pós-guerra). Ficou mundialmente
famoso como o criador, a meio dos anos 70, do neolo­
gismo {ractal, construído a partir da palavra latina
{ractus, que significa fracturado, partido. O «conjunto
de Mandelbrot» (figura 3), uma figura que, apesar de
parecer um estranho escaravelho, é obtida a partir de
uma fórmula matemática bastante simples, apresenta
uma fronteira partida, extremamente partida. Se se olhar
mais de perto, continua a estar partida. Trata-se, de
facto, de uma figura matemática extremamente com­
plexa, havendo até quem lhe tenha chamado a figura
matemática mais complexa do mundo, apesar de ser
obtida por um processo iterativo simples, facilmente
reprodutível num vulgar computador pessoal.
-2
Re[e]
Figura 3 - Representação do conjunto de Mandelbrot.
Os eixos horizontal e vertical representam a parte real
e a parte imaginária dos números complexos
26 DARWIN AOS TIROS
Como se pode reconhecer, fazendo contínuo zoam
sobre o conjunto de Mandelbrot, os objectos fractais
que ele exemplifica são infinitamente partidos, isto é,
são partidos em todas as escalas, de modo que podem
ser caracterizados pela propriedade chamada invariância
de escala: o seu aspecto é semelhante qualquer que seja
a escala a que os observemos. Na Natureza, abundam
objectos desse tipo: por exemplo, a acidentada costa da
Grã-Bretanha, formada por numerosos promontórios e
baías, é fractal, tal como o é a fronteira entre Portugal
e Espanha, desenhada na sua maior parte por cursos
sinuosos de rios. Estes dois exemplos aparecem no artigo
publicado por Mandelbrot em 1967 na revista Science
com o sugestivo título « Quanto mede a costa da Grã­
-Bretanha? » , um artigo inspirado em dados estatísticos
do polímato inglês Lewis Fry Richardson. A resposta à
pergunta do título é: depende do tamanho da régua,
uma vez que, quanto mais pequena for a régua, maior
será o comprimento da costa. No caso da fronteira
luso-espanhola, os portugueses, habitantes do país mais
pequeno, usam réguas mais pequenas e indicam, por
isso, um valor maior para o perímetro fronteiriço do
que os seus colegas espanhóis.
A palavra fractal entrou com todas as honras na
língua portuguesa na capa do livro de Mandelbrot
Objectos Fractais, saído na Gradiva em 1 991 (tradução
de Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima) e encon­
tra-se já devidamente dicionarizada. O prefácio desse
livro termina com uma paráfrase dos conhecidos versos
de Álvaro de Campos:
o conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de
Mi/o.
E há cada vez mais gente a dar por isso.
HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 27
o conjunto de Mandelbrot estava reproduzido na
capa e, ao referir o seu apelo estético, pretendia chamar
a atenção para a relação, profunda mas nem sempre
evidente, entre a matemática e a arte.
Porque é que só no início dos anos 80 esse conjunto
viu a luz do dia? Acontece que a figura não pôde ser
visualizada satisfatoriamente antes do advento das
modernas máquinas de cálculo, porque o seu desenho
exige o recurso a um computador digital. Não foi por
acaso que ela apareceu quando Mandelbrot trabalhava
num instituto de investigação da International Business
Machines, IBM, que na época estava a introduzir no
mercado o primeiro computador pessoal de grande
venda, o IBM-PC.
Além dos objectos fractais do mundo ideal da mate­
mática e dos outros que se encontram omnipresentes
na Natureza, há ainda outros que surgem em resultado
da actividade humana: Mandelbrot, no final dos anos
50, décadas antes do seu livro seminal, interessou-se
pela evolução dos preços nos mercados, cujos gráficos
em ziguezague haveria mais tarde de reconhecer como
figuras fractais. As suas estranhas ideias tardaram um
pouco mas acabaram por se entranhar nas escolas de
Economia. Anos volvidos, o seu livro O (Mau) Com­
portamento dos Mercados, escrito em co-autoria com
Richard Hudson (Gradiva, 2006), celebrou o casamento
dos fractais com a economia. A tese aí defendida é a de
que o acaso se manifesta nos mercados de uma forma
bastante mais irregular do que se pensava. Quando o
leitor vê o seu orçamento delapidado pelo aumento do
custo de vida, pode encontrar consolo em saber que a
evolução dos preços está apenas a desenhar uma bonita
figura fracta!. Actualmente, num tempo de grande tur-
28 DARWIN AOS TIROS
bulência dos mercados financeiros internacionais, bem
pode dizer-se que o « pai dos fractais» morreu após ter
assistido à confirmação das suas ideias...
de
de
Procuram-se
" .
nonIos
Nunes e outras histórias
. " .
astronomIa e astronautIca
Procuram-se nonzos de Nunes
o MATEMÁTICO PORTUGUÊS PEDRO NUNES ( 1502-1 578),
Petrus Nonius em latim, no seu livro De Crepusculis
(Lisboa, 1 542), considerou que a astrologia eram «qui­
meras e superstições quase extintas» . A este respeito, o
historiador Jorge Couto escreveu, no catálogo da expo­
sição «Estrelas de Pape!» , que esteve patente em 2009
na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, que se
assistia então ao:
epitáfio da Astrologia como ramo do saber que gozara de
significativa influência durante vários séculos, designa­
damente em Portugal, mas que fora reduzida a um papel
residual de cariz não científico devido ao desenvolvimento
da náutica astronómica que conduziu à emancipação da
Astronomia.
Podemos perguntar o que teria acontecido se a
astrologia tivesse prevalecido: como teriam corrido as
30 DARWIN AOS TIROS
viagens mantlmas se a navegação tivesse sido feita
com base na carta astral do capitão da caravela ou a
causa dos naufrágios fosse atribuída a horóscopos
pouco auspiciosos de determinados membros da tri­
pulação?
Mas isso é história virtual. Facto é que à astrologia
deixou lentamente de ser reconhecido estatuto de utili­
dade pública. Estava-se, então, na véspera da grande
revolução na história da ciência que foi desencadeada
pela publicação do livro De Revolutionibus Orbium
Coelestium (Nuremberga, 1 543) da autoria do cónego
polaco Nicolau Copérnico ( 1473-1543), obra que Nunes
conheceu e até, nalguns pontos, comentou, apesar de
não se ter tornado copernicano.
Foi no livro acima referido do matemático português
que surgiu pela primeira vez a ideia de nónio, um instru­
mento de dupla escala que permitia aumentar a precisão
das medidas angulares de astronomia e que haveria de
ser referenciado e mostrado em duas gravuras num livro
do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546-1601)
(figura 4) e num livro do alemão Johannes Kepler ( 1 571-
- 1 630), seu discípulo e sucessor. O livro de Kepler Astro­
nomia Nova (Praga, 1 609) veio a revelar-se essencial
para o desenvolvimento da lei de gravitação universal
do inglês Isaac Newton, ao apresentar a ideia da forma
elíptica das órbitas planetárias. Mas foi numa gravura
do frontispício de um livro posterior de Kepler, as Tabu­
lae Rudolphinae (Ulm, 1 627), que apareceu o nónio de
Nunes ao lado de Tycho Brahe. Como se vê, já havia,
há quatro séculos, livre circulação de ideias, de objectos
e de livros na Europa. Foi aliás essa circulação que
permitiu a eclosão no Velho Continente da Revolução
Científica, que os portugueses, com as suas grandes
HIST6RIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 31
Figura 4 - Quadrante
com nónio de Pedro Nu­
nes, conforme gravura
no livro Astronomiae Ins­
tauratae Mechanica, de
1602, de Tycho Brahe
viagens marítimas, ajudaram a exportar para outros
continentes.
Apesar de conhecido de Brahe e de Kepler, não che­
garam até nós muitos modelos antigos do nónio de
Nunes... De facto, só chegou um e mesmo o seu conhe­
cimento acabou por ser obra do acaso. O comandante
Estácio dos Reis, oficial da Marinha portuguesa e his­
toriador da ciência e da tecnologia, conta como um
dia, ao visitar uma exposição de réplicas de instrumen­
tos antigos, possuídas pela IBM, no Planetário Hayden
de Nova Iorque, encontrou um quadrante com um
nónio, semelhante ao que tinha sido reproduzido por
Brahe. Esse encontro fortuito conduziu-o ao Museu e
Instituto de História da Ciência de Florença, para onde
a legenda do instrumento remetia. Contudo, ainda que
32 DARWIN AOS TIROS
recorrendo aos simpáticos préstimos de uma curadora,
não encontrou nesse museu o quadrante reproduzido
na réplica, mas sim um outro quadrante, um aparelho
metálico e ainda em bom estado, no qual o diligente
historiador pôde inequivocamente identificar o nónio
de Nunes. Ficou ele e ficámos todos nós sem saber a
partir de onde foi feita a réplica da IBM. De algum
instrumento antigo ou simplesmente do livro de Brahe?
A empresa foi inquirida, mas não deu qualquer res­
posta.
É pouco, um só nónio antigo de Pedro Nunes? É, mas
pode ser que surjam mais... A descoberta seria tão inte­
ressante para a história da ciência, que quem a fizer
ganhará as alvíssaras do reconhecimento público.
Um buraco de onze dias
o astrofísico norte-americano Carl Sagan gostava,
para referir a idade de uma pessoa, de usar a expressão
«voltas ao Sol» em vez de anos. Morreu, vítima de
cancro, a 20 de Dezembro de 1993, após ter dado 62
voltas ao Sol. O ano não é mais do que a unidade de
tempo que corresponde a uma volta completa do nosso
planeta em torno da sua estrela. Bem se pode dizer que
um raio que do Sol vai para a Terra funciona como um
ponteiro de um gigantesco relógio. E é com base nesse
relógio que estabelecemos as unidades de tempo, como
o segundo, usadas hoje nos nossos relógios terrestres.
Que o ano comece a 1 de Janeiro, entre o solstício
de Inverno a 2 1 de Dezembro e a data do periélio
terrestre a 3 de Janeiro (quando a Terra está à menor
distância do Sol, por mais estranho que isso possa
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONAuTICA 33
parecer), não passa de uma mera convenção. Podia
começar noutro dia? Podia e era a mesma coisa... As
revoluções do nosso planeta em torno do astro-rei repe­
tem-se com uma extraordinária regularidade e poder­
-se-ia ter começado o calendário noutro ponto. Porém,
como todas as convenções, também essa tem uma his­
tória. O início do ano no dia 1 de Janeiro começou
com o estabelecimento do calendário juliano pelo impe­
rador romano Júlio César, no ano 46 a.c. Antes disso,
o ano começava no mês de Março. Acrescentaram-se
então dois meses ao ano (Novembro e Dezembro) e os
últimos dois meses do ano antigo (Janeiro e Fevereiro)
passaram a ser os primeiros do novo ano. O ano da
mudança decretada por Júlio César, para um tempo
que ficou conhecido como «era de César», ficou justa­
mente conhecido por «ano da confusão».
Uma outra confusão, embora ligeiramente menor,
ocorreu em 1582. A fim de melhor obedecer aos movi­
mentos astronómicos, uma bula do papa Gregório XIII,
datada de 24 de Fevereiro desse ano, revogou o calen­
dário juliano, decretando que fossem retirados alguns
dias ao ano em curso. O dia 1 5 de Outubro surgiu
nesse ano logo após o 4 de Outubro, criando assim um
«buraco» de onze dias no calendário. O dia 1 de Janei­
ro de 201 1 no calendário gregoriano, que ainda hoje
vigora, é o dia 1 9 de Dezembro de 201 0 do calendário
juliano. Como era de esperar, países e regiões católicas
como Portugal, Espanha, Roma (não existia ainda Itália
na forma actual) e Danzigue (pertencente à actual Poló­
nia) passaram imediatamente a seguir o édito papal.
Desta vez, Portugal estava na linha da frente de uma
mudança que haveria de ser global. O novo calendário
tinha sido preparado por uma douta comissão que
34 DARWIN AOS TIROS
incluía o j esuíta alemão Christophorus Clavius ( 1 538-
- 1 6 12), talvez o mais famoso estudante de Coimbra,
uma vez que estudou durante cinco anos no Colégio
das Artes coimbrão antes de ir dirigir o Colégio Romano,
a escola maior dos jesuítas. Outros países seguiram o
calendário mais tarde, como, por exemplo, a Inglaterra
e a Rússia. Comentou o astrónomo Johannes Kepler,
que aliás era protestante, em relação aos ingleses:
Preferiam estar em desacordo com o Sol a estar de
acordo com o papa.
o intrépido capitão Lunardi e os lulanos
O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar AlIan
Poe ( 1 809- 1 849)? Pois ambos foram motivo de celebra­
ções em 2009: passaram nessa altura 400 anos da publi­
cação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas
primeiras leis do astrónomo alemão, e 200 anos do nas­
cimento do poeta e contista norte-americano. Mas os
paralelos não se esgotam por aí: Kepler foi o autor da
que é considerada a primeira obra de ficção científica
da história, Somnium (título em latim, vertido em portu­
guês para Sonho), publicada postumamente em 1 634, na
qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que
Poe retomou o mesmo tema no seu conto A Aventura
sem Paralelo de Um tal Hans Pfaall, saído em 1 835,
que narra uma subida à Lua a bordo de um balão.
Entre as duas datas de que se assinalaram as efeméri­
des, situa-se uma outra: a da primeira ascensão em
balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripu­
lado, conseguida pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu
de Gusmão no paço de el-rei D. João V; em 1 709. Se
HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 35
Poe relatou no século XIX uma arrojada subida em balão
até à Lua foi porque muitos aventureiros tinham antes
efectuado demonstrações tripuladas nesse meio de trans­
porte. A primeira ascensão humana num balão, dos
irmãos Montgolfier, só foi concretizada 74 anos após o
ensaio de Gusmão, havendo quem especule sobre a pos­
sibilidade de ter havido uma transferência tecnológica
através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da
Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de
Rozier, o professor de Física e Química que se haveria
de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo
quando, anos volvidos, tentava atravessar o canal da
Mancha, e o marquês de Oeslambre, um nobre interes­
sado em altos voos.
Também em Portugal se realizaram em finais do
século XVlII e princípios do século XIX algumas admirá­
veis proezas de balonismo. O destemido balonista ita­
liano Vincenzo Lunardi ( 1 759-1 806), que tinha sido o
primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bor­
do um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de
vinho!), fez uma exibição da sua perícia no Terreiro do
Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria
Barbosa du Bocage ( 1 765-1 805) a escrever o folheto
Elogio poético à admirável intrepidez, com que em
domingo 24 de Agosto de 1 794 subiu o capitão Lunardi
no balão aerostático (Lisboa, 1 794). Bastam dois ver­
sos para se ver o estilo grandiloquente do nosso vate:
Guardai da glória no imortal tesouro
O nome de Lunardi em letras de ouro.
Lunardi acabou por se fixar em Lisboa, onde veio a
falecer.
36 DARWIN AOS TIROS
Em 1 8 1 9 foi a vez de o professor belga de Física
Étienne-Gaspard Robert ( 1 763-1 837), mais conhecido
por Robertson, e o seu filho Eugene efectuarem um
novo espectáculo de subida em balão em Lisboa, que
incluiu o primeiro salto em pára-quedas feito em solo
português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos
quais em Copenhaga, que muito impressionou o então
jovem físico dinamarquês Hans Christian 0rsted (mais
tarde famoso pela sua descoberta da acção magnética
da corrente eléctrica), a ponto de o ter levado a escrever
poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço
não era um candidato a cientista mas sim um rival de
Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa ( 1 757- 1 832),
conhecido por josino Leiriense na Arcádia Lusitana, que
escreveu no mesmo ano do espectáculo o poema O Balão
aos Habitantes da Lua: Uma Epopeia Portuguesa. Numa
reedição de 2006 da Faculdade de Letras da Universi­
dade do Porto, pode ler-se a engraçada sátira social, que
roubou a forma a Os Lusíadas. O argumento é bastante
científico, como se percebe de um curto extracto:
Matemáticos pontos combinando,
Tendo por base a grande Astronomia,
Um Génio, que não tem nada de brando,
Projecta ir ver o Sol, fonte do dia:
Em pejado Balão vai farejando,
Subindo mais e mais como devia;
Divisa a Lua, mete-se por ela,
Pasma de imensas cousas que viu nela.
Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua,
nesta utopia portuguesa, é povoada pelos Lulanos, nome
parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à
Thomas More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 37
Lua habitada, ao contrário do que se passava em Por­
tugal, a justiça funciona:
Aqui não há ladrões! Se um aparece,
É logo e sem demora castigado;
Tenha empenhos ou não, ele padece,
Sofrendo o que na Lei lhe é destinado.
A cntIca aos atrasos da justiça não terá perdido
actualidade. . . Há que fazer j ustiça a Bocage e a
Rodrigues da Costa, não só por terem feito um bom
retrato do seu país, mas também e principalmente por
terem cruzado a ciência, ou melhor, a sua filha directa,
a tecnologia, com a arte. Se não têm a notoriedade
mundial de Kepler e de Poe, deviam, pelo menos, ter
uma maior notoriedade no vasto espaço de língua por­
tuguesa.
Einstein eclipsa Newton
o eclipse do Sol que celebrizou Albert Einstein ( 1 879-
-1 955) ocorreu no dia 29 de Maio de 1 91 9. Foi obser­
vado por uma equipa britânica chefiada pelo astrónomo
Arthur Eddington ( 1 882-1 944), na ilha do Príncipe,
que na altura era uma colónia portuguesa, associada à
ilha de São Tomé (o conjunto constitui o arquipélago
de São Tomé e Príncipe, hoje país independente). Tra­
tava-se de confirmar, ou de infirmar, um desvio dos
raios de luz provenientes de certas estrelas, que era
previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein,
pelo simples facto de eles passarem perto do Sol. Numa
reunião da Royal Society realizada em Londres, em
38 DARWIN AOS TIROS
conjunto com a Royal Astronomical Society, a 6 de
Novembro de 1 9 1 9, os resultados das observações
realizadas no Príncipe foram anunciados urbi et orbi.
E estes, em concordância com observações realizadas
em simultâneo em Sobral, no Norte do Brasil, por uma
outra equipa inglesa, deram razão a Einstein.
O criador da teoria da relatividade geral não duvi­
dou um só momento que fosse da correcção da sua
teoria. Nesse mesmo ano de 1 9 1 9, quando alguém lhe
perguntou como teria reagido se não tivesse havido
confirmação, Einstein respondeu, exibindo uma abas­
tada autoconfiança:
Nesse caso eu teria pena do bom Deus. A teoria está
certa de qualquer modo.
E, mais tarde, comentou a respeito do seu colega e
amigo Max Planck, por este ter sido mais céptico:
Mas ele realmente não entendia muito de física, [por­
queJ durante o eclipse de 1 91 9 ficou a noite toda acorda­
do para ver se iria confirmar a deflexão da luz pelo campo
gravitacional. Se tivesse realmente entendido a teoria da
relatividade geral, teria ido para a cama tal como eu fiz.
O êxito de Einstein correu logo todo o mundo.
O jornal Times de Londres titulava em caixa alta a 7
de Novembro de 1 9 1 9: «Revolução na ciência. Nova
teoria do Universo. » Na notícia dizia-se que Einstein
acabava de destronar o gigante Isaac Newton do lugar
maior da história da Física. Chegou também, passados
alguns dias, a Portugal (que não tinha enviado astróno­
mos para acompanhar a expedição, apesar de a revista
H ISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 39
coimbrã O Instituto ter publicado, anos antes, um artigo
alertando para a importância do eclipse). A 1 5 de
Novembro, um título do jornal O Século, publicado
em Lisboa, era tão conciso como exacto: «A luz pesa. »
A vida do sábio suíço-americano de origem alemã
mudou radicalmente a partir dessa altura. Einstein não
seria Einstein sem a fama que lhe deu o eclipse. Pode
dizer-se que há duas fases na biografia de Einstein: antes
do Príncipe e depois do Príncipe, duas fases que alguém
descreveu respectivamente como «Dos Princípios para
o Príncipe» e «Do Príncipe para Princeton» . Ainda hoje
se recorda o eclipse solar de 1 9 1 9, quando não se re­
cordam muitos outros bastante semelhantes. Se o eclip­
se celebrizou Einstein, não é menos certo que Einstein
celebrizou aquele eclipse. O ano de 1 9 1 9 não poderia
ter ficado na história da astronomia como ficou sem o
abono que o eclipse concedeu à teoria da relatividade.
Da órbita de Clarke ao elevador espacial
O escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke
( 1 9 1 7-2008 ) morreu, no Sri Lanka, onde residia há
longos anos, alguns meses depois de ter soprado 90
velas no seu bolo de aniversário. A foto da festa de
anos, com o aniversariante em cadeira de rodas, correu
o mundo, pois ele foi o autor, com o norte-americano
Stanley Kubrick, de um dos filmes mais famosos de
sempre: 2001 : Uma Odisseia no Espaço. Poucos sabem,
porém, que Clarke era, por formação, físico, tendo
estudado no King's College de Londres depois da Se­
gunda Guerra Mundial. Durante essa guerra serviu o
seu país na Royal Air Force, tendo ajudado ao desen-
40 DARWIN AOS TIROS
volvimento da tecnologia do radar, verdadeiro respon­
sável pelos sucessos aéreos dos Aliados.
Foi em Outubro de 1 945, quando tinha apenas 28
anos, que Clarke, numa revista de electrónica amadora
(Wireless World), avançou com uma das maiores ideias
das ciências espaciais: o satélite geoestacionário. O artigo
intitulado « Extra-terrestrial relays» « <Retransmissores
extraterrestres» ) e subintitulado « Can Rocket Stations
Give Worldwide Radio Coverage? » « <Podem estações
em foguetões fornecer uma cobertura mundial de rá­
dio?» ), especulava sobre a possibilidade de uma rede de
satélites fornecer uma cobertura radiofónica global.
Um satélite geoestacionário situa-se numa órbita geoes­
tacionária, conhecida como órbita de Clarke. Essa
órbita, a 35 mil quilómetros de altitude, está hoje tão
densamente povoada de satélites (tem mais de três cen­
tenas), não só de comunicações mas também de meteo­
rologia, que faz lembrar a praia da Costa da Caparica
em pleno mês de Agosto...
Porquê 35 mil quilómetros? Para obter esse valor,
basta fazer algumas contas, usando a segunda lei de
Newton e a fórmula da força de gravitação. Ensina-se
nos actuais programas de Física do 1 0.0 ano de escola­
ridade que um satélite a essa altitude, colocado sobre o
equador, demora exactamente 24 horas a dar a volta a
Terra. Como o meu planeta faz uma rotação completa
nesse tempo, o satélite está sincronizado com ele: é
visto do equador como estando permanentemente
parado. Em 1 945 não se sabia que a tecnologia dos
satélites era viável e ela só se viria a concretizar em
1 957, a data da subida aos céus do primeiro Sputnik.
O Sputnik 1 girava a uma órbita baixa, bem longe da
órbita de Clarke, e apenas em 1 963 foi lançado pelos
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTI CA 41
americanos o primeiro satélite geoestacionário. Clarke
ficou célebre na ficção científica, mas o seu artigo da
Wireless World não era, portanto, ficção: era científico.
Modernamente, há ideias que parecem tão lunáticas
como a órbita de Clarke parecia no final da guerra.
Uma das mais interessantes consiste em construir um
elevador espacial, isto é, um fio estendido na vertical
até essa órbita e que se mantenha esticado, a rodar com
a Terra pelo facto de a ponta estar numa órbita geoes­
tacionária. O fio teria de ser muito resistente para per­
mitir içar objectos para o espaço, dispensando assim
os dispendiosos foguetões que hoje se usam (no seu
artigo original, Clarke falhou quando previu foguetões
a energia nuclear). Há quem proponha usar nanotubos
de carbono, fios constituídos por camadas de carbono
enroladas que conseguem ser ultrafinos e ao mesmo
tempo ultra-resistentes, faltando porém saber se essa
tecnologia assegura a necessária « magia » . O mais
curioso é que Clarke tenha previsto (bem, ele não foi
o primeiro. . . ) o elevador espacial no seu romance de
ficção científica As Fontes do Paraíso (edição original
de 1 979). Situava-o precisamente no seu local de elei­
ção, o Sri Lanka, a antiga ilha de Ceilão, chamada,
pelos portugueses do tempo dos Descobrimentos, Tapro­
bana. O elevador espacial não nos levará, como escre­
veu Luís de Camões n' Os Lusíadas, para «além da
Taprobana», mas sim para cima da Taprobana!
o pai incógnito do Sputnik
O chamado «pai do Sputnik » foi o ucraniano Sergei
Pavlovich Korolev ( 1 906-1 966). Em contraste com o
42 DARWIN AOS TIROS
engenheiro alemão (depois naturalizado norte-ameri­
cano) Wernher von Braun ( 19 12-1 977), o «pai do Saturno
V» e portanto o « pai da viagem à Lua» , o engenheiro
Korolev não é muito conhecido, pelo menos no mundo
ocidental. Muita gente sabe que von Braun construiu
durante a Segunda Guerra Mundial as bombas voadoras
V2 ao serviço dos nazis que, lançadas de bases no Norte
da Alemanha, espalharam o terror no Centro e Sul de
Inglaterra. E muitos sabem também que ele foi preso por
tropas norte-americanas e levado à força para o outro
lado do Atlântico, onde mais tarde veio a desenvolver
os poderosos foguetões que levaram as naves Apolio na
ponta do nariz para cumprir missões lunares.
Mas pouca gente conhece o que quer que seja da
biografia de Korolev. Ele está praticamente esquecido
no Ocidente. Pouca gente sabe que, antes de dirigir o
programa espacial soviético, Korolev foi apanhado
numa purga ordenada pelo ditador José Estaline e pas­
sou a guerra internado, primeiro, num gulag da Sibéria
e, depois, num campo de prisioneiros cujo trabalho
escravo era precisamente construir aviões. Um dos seus
companheiros nessa prisão foi outro grande génio da
aviação - Andrei Tupolev ( 1 8 8 8- 1 972), nome mais
conhecido por estar associado a uma bem-sucedida em­
presa aeronáutica. E pouca gente sabe que a ideia da
ida do homem à Lua pertenceu, não ao engenheiro Von
Braun nem ao presidente Kennedy, mas sim... ao enge­
nheiro Korolev. Essa posição nunca foi assumida publi­
camente pelos soviéticos porque seria uma verdadeira
confissão de derrota na corrida ao espaço, depois de
o génio de Korolev lhes ter permitido obter uma mão­
-cheia de estrondosas vitórias. O primeiro engenho a
alunar, um aparelho forte e feio que ostentava orgu-
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 43
lhosamente a foice e o martelo, foi o Luna 2, em 1 959.
E o primeiro homem a viajar no espaço foi o russo Yuri
Gagarin, que entrou em órbita terrestre a bordo da
nave Vostok em 1 96 1 . Contudo, a União Soviética não
estava em condições, em finais dos anos 60, de compe­
tir com os norte-americanos na corrida com tripulação
humana ao nosso satélite natural. Em 1 969, nas véspe­
ras da missão Apollo 1 1 , von Braun ainda receava que,
nesse tempo em que a Guerra Fria exigia segredos fecha­
dos a sete chaves, pudesse haver uma surpresa de última
hora do outro lado da Cortina de Ferro. Mas não houve.
Uma das razões foi a morte prematura do grande
engenheiro-chefe. Korolev tinha falecido em 1 966, no
auge da sua carreira, durante uma operação cirúrgica
de rotina. O presidente russo Vladimir Putin prestou­
-lhe uma merecida homenagem em 2006, por ocasião
do centenário do seu nascimento. Korolev pode não ter
concretizado o seu sonho de ver humanos pisarem solo
lunar, mas, sem ele, primeiro a União Soviética e depois
a Rússia nunca teriam podido voar tão alto como
voaram.
Porque está lá!
Quando um repórter perguntou ao montanhista in­
glês George Mallory ( 1 886-1924) porque é que ele
queria escalar até ao cimo do monte Evereste, ele terá
respondido:
Because it's there! ( << Porque está lá! » )
Ainda hoje constitui um mistério saber se Mallory
atingiu O cume da maior elevação do mundo, a mais de
44 DARWIN AOS TIROS
oito quilómetros de altitude, uma vez que ele morreu
durante a tentativa, em 1 924, não existindo provas do­
cumentais de que tenha estado no cimo, como existem
em relação ao neozelandês Sir Edmund Hillary ( 1 9 1 9-
-2008) e ao nepalês Tenzing Norgay ( 1 914- 1986), que
chegaram ao cume em 1 953, tendo regressado sãos e
salvos. Tardaram 75 anos até que o corpo do malo­
grado Mallory fosse encontrado pelo alpinista norte-ame­
ricano Conrad Anker (n. 1 962) numa expedição espe­
cialmente preparada para esse fim. Mas não foi achada
a câmara fotográfica com a qual ele poderia ter regis­
tado o sucesso. Ela provavelmente estará com Andrew
lrvine ( 1 902-1 924), o seu jovem companheiro de ascen­
são, cujo corpo não foi até hoje encontrado. Na reali­
dade, estes pioneiros do Evereste têm tido azar com as
máquinas fotográficas, uma vez que também não há
nenhuma fotografia de Hillary no cume, apenas uma
do nepalês Norgay, que não sabia usar uma máquina
fotográfica. Segundo o seu companheiro neozelandês,
« o cume do Evereste não era o lugar para lhe começar
a ensinar» . Muito sensato...
Os astronautas norte-americanos Neil Armstrong e
Edwin Aldrin, os membros da missão Apollo 1 1 que,
no dia 20 de Julho de 1 969, foram os primeiros seres
humanos a pisar o solo poeirento da Lua (<<One small
step for man... », «Um pequeno passo para o homem... » ),
fazendo-nos chegar inequívocos registos fotográficos e
cinematográficos da sua excursão e regressando depois
na perfeição ao seu planeta natal, poderiam muito bem
ter respondido como Mallory a uma pergunta seme­
lhante, no seu caso sobre a viagem ao nosso satélite
natural. De facto, a Lua está lá, dia após dia, noite após
noite, por cima das nossas cabeças, bem mais visível
H ISTÚRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 45
para todos do que a montanha Evereste. É por isso
que, desde pelo menos o sírio Luciano de Samósata
(c. 120-c. 1 80), o astro mais próximo de nós tem ins­
pirado muitos sonhos de viagem. Foi o caso de escritos
do alemão Johannes Kepler e do francês Cyrano de
Bergerac. A ânsia humana de chegar a todos os sítios
que « estejam lá» constitui o verdadeiro motivo de todas
as explorações, tanto na Terra como fora dela. Se o
ensejo da primeira viagem à Lua foi a competição dos
Estados Unidos com a União Soviética, que conduziu
ao famoso anúncio da intenção de chegar à Lua antes
do final da década feito pelo presidente John Fitzgerald
Kennedy em 1 96 1 , em reacção política às proezas
orbitais soviéticas do Sputnik e de Yuri Gagarine, o
verdadeiro impulso, tanto individual como colectivo,
foi decerto a descoberta de mais mundos, a travessia
das fronteiras, a auto-superação. Foi Edmund Hillary
que afirmou:
Não conquistamos a montanha, mas sim a nós mes­
mos.
A Lua continua lá, à mesma distância de nós. E é o
mesmo impulso de sempre, o impulso de conquista de
nós mesmos, que nos vai levar - esperamos que em
breve - a lá voltar.
Viagem planetária com dormida na heliosfera
o termo heliosfera, literalmente « esfera do Sol» , de­
signa o casulo envolvente da nossa estrela e também de
todo o sistema solar onde os ventos solares (chuveiro
46 DARWIN AOS TIROS
de partículas carregadas ou plasma emitidos pelo Sol)
encontram o espaço interestelar. A sonda Voyager 2,
lançada pela Agência Espacial Norte-Americana, NASA,
de cabo Canaveral, na Florida, no dia 20 de Agosto de
1 977, chegou trinta anos depois à heliosfera. No longo
caminho da viagem passou sucessivamente por Júpiter,
Saturno, Urano e Neptuno, aproveitando uma rara
conjugação na mesma zona do espaço destes grandes
planetas, e enviou reportagens espectaculares desse
grande tour planetário.
A sonda sua irmã Voyager 1 já tinha chegado um
pouco antes à heliosfera, apesar de ter sido lançada
ligeiramente depois. Acontece que, apesar do parentesco
no nome e nos objectivos, as órbitas das duas naves são
bastante diferentes, dirigindo-se a Voyager 1 para cima
do plano do equador terrestre e a Voyager 2 para baixo
dele. Acontece ainda que a heliosfera, apesar do seu
nome, não é bem uma esfera, devido à influência de
campos magnéticos interestelares. A Voyager 2, ao
contrário da Voyager 1 , manteve os seus detectores de
plasma em pleno funcionamento, pelo que nos enviou
informações preciosas sobre o conteúdo de uma zona
remota do nosso sistema planetário na altura em que
estava a findar 2007, declarado pelas Nações Unidas
Ano Internacional da Heliofísica.
Enquanto fechava esse ano, as duas naves continua­
vam a sua prodigiosa viagem, à velocidade de 50 000
quilómetros por hora. Ambas estão mergulhadas na
heliosfera e por lá irão continuar durante vários anos,
dada a enorme vastidão dessa zona. O limite da helios­
fera, que se chama heliopausa, está pelo menos a
4 anos de viagem das sondas. A Voyager 2 enviar-nos­
-á registos da travessia dessa última fronteira solar.
HISTÚ RIAS DE ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 47
É preciso alguma sorte, pois pode esgotar-se a energia
fornecida pela sonda e, consequentemente, os seus ins­
trumentos deixarem de funcionar. Se isso acontecer, será
como um carro ao qual acaba o combustível quase no
fim da viagem, com a diferença de que à sonda nin­
guém lhe pode valer.
Por sugestão do astrofísico norte-americano Carl
Sagan, cada uma das naves transporta uma placa que
tem inscritas saudações em várias línguas, incluindo a
língua portuguesa. É muito pouco provável que, na
heliopausa ou para lá dela, haja alguém que fale portu­
guês, mas vá-se lá saber... Se houver e encontrar a placa,
ficará decerto todo contente ao reconhecer a língua de
Camões numa nave naufragada por aquelas remotas
paragens! Para além da heliopausa é muito, muito mais
longe do que para além da Taprobana.
Galileo no vidro da frente com uma ventosa
A 27 de Abril de 2008 foi lançado da base espacial
de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um foguetão
russo Soyuz, o segundo satélite do sistema de navega­
ção Galileo, o grande projecto que a União Europeia
preparou para concorrer com o GPS norte-americano.
O primeiro satélite tinha sido lançado em 2005 pela
Agência Espacial Europeia, ESA.
O GPS - Global Positioning System é, na sua ori­
gem, um sistema militar de localização e continua a sê­
-lo em larga medida. Em 1 983, na sequência do trágico
abate de um avião civil sul-coreano que atravessava o
espaço aéreo sovletlcO, o presidente norte-americano
Ronald Reagan decidiu abrir o GPS ao uso civil. Na
48 DARWIN AOS TIROS
pratica, coexistem actualmente um sistema militar, de
elevada precisão, e um sistema civil, de menor precisão,
que tem conhecido um boom por todo o mundo (quem
é que ainda não usou, por exemplo, o TomTom?). Em
2000, o presidente norte-americano, Bill Clinton, man­
dou desactivar a « disponibilidade selectiva» , isto é, a
possibilidade de as autoridades militares interferirem
destrutivamente no sinal GPS público em caso de neces­
sidade imposta por um conflito. Mesmo assim, a União
Europeia decidiu que era necessário um sistema alter­
nativo só para uso civil, devendo esse sistema ter maior
precisão do que a do GPS actual (o objectivo último
é a precisão de apenas um metro). A discussão entre
a União Europeia e os Estados Unidos foi bastante
dura após os ataques do 1 1 de Setembro de 2001 da
AI-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque, que have­
riam de conduzir a guerras no Iraque e no Afeganis­
tão. No entanto, em 2004, as duas partes chegaram
finalmente a um acordo, que incluiu a mudança das
frequências do Galileo e a regulação de toda e qual­
quer actuação conjunta em caso de guerra. As duas
tecnologias até então rivais entraram a partir de então
numa fase de cooperação. Se não os podes vencer, jun­
ta-te a eles...
Como funciona o GPS e como vai funcionar o
Galileo? Essencialmente da mesma maneira, uma vez
que a tecnologia subjacente é muito semelhante. Pelo
menos três satélites, equipados com relógios atómicos,
que são relógios extraordinariamente precisos, enviam
sinais por microondas para terra, que são lidos por
receptores do GPS ou Galileo, também equipados com
relógios mas menos precisos. A posição do receptor
determina-se computacionalmente a partir das posições
H ISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 49
dos satélites em linha de vista, assim como dos instan­
tes de emissão e de recepção dos sinais.
O Galileo, que usará 30 satélites e duas bases de
rastreio, é extremamente dispendioso: em 2007 eram
precisos mais 3,4 mil milhões de euros para o desenvol­
ver. As empresas privadas tremeram perante o montante
desse investimento. Só no final desse ano, durante a
presidência portuguesa da União Europeia, se deu um
passo decisivo para desbloquear o projecto, alocando
ao Galileo fundos comunitários retirados à agricultura
e à administração comunitária. O sistema europeu (de
facto, não é só europeu, pois à Europa já se juntaram
países asiáticos como a China, a Índia e a Coreia do
Sul), deverá estar operacional em 2013, se tudo correr
bem. Nessa altura, vamos poder escolher entre o GPS
e o Galileo. Na competição entre os dois, não se sabe
quem vai ganhar. Vamos ver qual deles vai aparecer em
maior número colado com uma ventosa no vidro da
frente dos carros...
Haverá certamente algumas pessoas, mais desconfia­
das, que gostarão de ter os dois: «O GPS diz que che­
gámos a casa dos primos, mas no Galileo ainda faltam
dois metros. É melhor telefonar.»
Bactérias extraterrestres? Outra vez?
Em 1 996, circulou por todo o mundo a notIcIa de
que tinham sido encontrados vestígios de bactérias num
meteorito caído nos gelos da Antárctida e, em princí­
pio, proveniente de Marte. A origem dessa informação
foi a NASA, e a proporção que ela atingiu teve a ver
com o facto de o próprio presidente Bill Clinton se ter
50 DARWIN AOS TIROS
pronunciado sobre o assunto numa apresentação tele­
visiva difundida da Casa Branca. Mas a controvérsia
foi grande e hoje permanecem sérias dúvidas sobre a
hipótese de descoberta de vida extraterrestre que foi
formulada na altura. Pode muito bem ter havido uma
contaminação da amostra por bactérias terrestres, pelo
que as bactérias marcianas ficaram por confirmar.
Apesar de esforços incessantes de numerosos inves­
tigadores, não sabemos ainda se há vida noutros sítios
do nosso vasto cosmos além da Terra. A astrobiologia,
o cruzamento da astronomia com a biologia, é actual­
mente uma das áreas mais activas e mais interessantes
da ciência: os astrobiólogos perscrutam, com os seus
poderosos telescópios, sinais de complexos químicos
no espaço, enviam a Marte e a outros astros do sistema
solar bem equipadas sondas capazes de detectar formas
de vida, e procuram marcas biológicas em meteoritos
caídos no nosso planeta. A notícia devidamente confir­
mada do achamento de vida extraterrestre, qualquer
que fossem o sítio e o meio usados, causaria decerto
um grande alvoroço na Terra.
Mas, até agora, nenhum organismo vivo que possa
ser considerado extraterrestre se achou de um modo
que não deixe margem para dúvidas. Nenhum? Bem, o
Journal of Cosmology publicou em 201 1 um artigo de
Richard Hoover (n. 1 943), cientista da NASA, que, a
acreditar na interpretação do autor, mostra fósseis de
cianobactérias em meteoritos carbonáceos, isto é, meteo­
ritos que contêm carbono. Esses meteoritos, examina­
dos agora com modernas técnicas físico-químicas, já
não são novos, estando guardados em museus de ciên­
cia (dois deles caíram em França no século XIX e foram
examinados por grandes químicos da época). Hoover
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 51
notou que alguns filamentos microscopiCos presentes
nos meteoritos se assemelham às cianobactérias, bacté­
rias que são comuns nas águas dos oceanos e cuja capa­
cidade de fotossíntese terá sido responsável pela forte
presença de oxigénio na Terra. O padrão dos elementos
químicos identificados levou-o a afirmar que essas bac­
térias não eram como as terrestres, defendendo por isso
a tese de que elas tinham vindo de fora do planeta.
O canal de televisão de pendor sensacionalista Fox
News, do norte-americano Rupert Murdoch (o mesmo
dono do News of the World, que fechou em 201 1 com
um enorme escândalo), propalou a novidade aos qua­
tro ventos, logo ampliada por outros órgãos de comu­
nicação social em vários países. Mas a questão não é
nada simples e, tal como quinze anos antes, as reacções
adversas não se fizeram esperar. Foi sobretudo discu­
tida a credibilidade da revista, uma recente publicação
de acesso livre na Internet cujo rigor no processo de
avaliação por peritos pode deixar a desejar. Em revistas
científicas credíveis, nada é publicado sem passar no
exigente crivo de referees escolhidos pelos editores. Ora
o editor da área de astrobiologia daquela publicação
pode ter uma visão enviesada. Trata-se de Chandra
Wickramasinghe (n. 1 939), um cientista indiano acér­
rimo defensor da ideia de panspermia, teoria segundo
a qual a vida na Terra teve uma origem extraterrestre
(é autor de um livro sobre o tema em co-autoria com
o norte-americano Fred Hoyle, o bem conhecido adver­
sário da teoria do Big Bang). Essa tese não resolve o
problema da origem da vida, simplesmente explica a
vida da Terra dizendo que ela veio doutro lado. A pans­
permia não deixa, porém, de ser um conceito interes­
sante, que até poderia ser aplicada na política se os
52 DARWIN AOS TIROS
decisores públicos tivessem suficiente imaginação para
alegarem que a origem da crise económica é extrater­
restre...
As opiniões dividiram-se, mas a comunidade dos
astrobiólogos achou precária a sustentação científica
que Hoover fornecia no seu artigo. O mais provável é
que esta « descoberta», tal como a das bactérias marcia­
nas de 1 996, não venha a passar na avaliação externa,
que demora algum tempo e costuma ser mais severa do
que a interna. A ser assim, não será ainda o fim dos
extraterrestres (ET) fora dos cinemas. A sua busca irá
continuar...
Alô, Marte, está aí alguém?
A resposta à pergunta sobre se há vida no planeta
Marte tem sido intensamente procurada pelos terrestres.
De facto, só conhecemos vida na Terra, dando-se o caso
de alguma dessa vida ser inteligente. Mas, atendendo à
extensão do espaço, é não só possível como provável
que haja vida, quiçá vida inteligente, noutros sítios do
vasto cosmos. Em Marte, por exemplo, que está rela­
tivamente perto de nós. É o planeta mais próximo do
nosso depois de Vénus (o <<planeta irmão da Terra» ), o
qual, devido às suas altíssimas temperaturas provocadas
por efeito de estufa, se apresenta como um verdadeiro
inferno, e não pode, por isso, abrigar seres vivos.
Depois de um voo de dez meses, a sonda Fénix (em
inglês, Phoenix), um projecto da NASA, liderado pela
Universidade de Arizona, sediada na cidade de Phoenix
(daí o nome), nos Estados Unidos, pousou perto do
pólo norte de Marte no dia 25 de Maio de 2008. Foi
HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 53
um verdadeiro alívio no centro de controlo quando a
sonda, já em solo marciano, respondeu à chamada da
Terra, por ondas de rádio, uma vez que a exploração de
Marte parecia amaldiçoada. Dos 19 engenhos que
tinham sido enviados nos dez anos anteriores, cerca
de metade tinha falhado. Dessa vez, felizmente, tudo
correu bem e ao leitor bastará consultar a Internet
(http://phoenix.lpl.arizona.edu/) para se encantar com
vários retratos de Marte feitos pela Fénix. Com a mis­
são perfeitamente cumprida, a sonda calou-se passados
alguns meses, devido à falta de energia.
O escritor norte-americano de ficção científica Ray
Bradbury (n. 1920) escreveu nas suas Crónicas Marcia­
nas que existem marcianos: os marcianos somos nós...
quando chegarmos a Marte. De facto, através desta e
das sondas anteriores, estamos a preparar a nossa pri­
meira viagem ao Planeta Vermelho. Convém por isso
saber o que vamos encontrar. Com certeza que a Fénix
não procurou nem encontrou homenzinhos verdes, mais
ou menos semelhantes a nós, mas procurou encontrar
microrganismos. Não seria uma completa surpresa se
os tivesse detectado, mas seria decerto um marco não
só na história da ciência como na história da humanidade.
A sonda dispunha de um braço robótico com mais de
dois metros destinado a escavar o solo marciano. Suspei­
tava-se de que a superfície extremamente fria do Norte
de Marte escondesse gelo. Já se sabe, de resto, que
existe água em Marte, embora apenas água gelada. E a
água é uma das substâncias essenciais para a vida tal
como a conhecemos no nosso planeta. Mas, a respeito
de microrganismos marcianos nada, zero, coisa nenhuma...
Os microrganismos não lêem. Mas, não vá dar-se o
caso de aparecer algum deles letrado (sabe-se lá, talvez
54 DARWIN AOS TIROS
com um curso das «Novas Oportunidades» feito à dis­
tância), a Fénix levou a bordo uma biblioteca, a pri­
meira biblioteca em Marte, de outras que mais tarde se
deverão seguir. Trata-se de um conjunto de livros com­
pactados em forma digital num DVD intitulado Visions
of Mars (Visões de Marte). A biblioteca reúne a melhor
ficção que tem sido escrita sobre Marte: não só textos
da autoria de Bradbury, mas também dos ingleses
Herbert George Wells e Arthur C. Clarke, e dos norte­
-americanos William Burroughs e Isaac Asimov. Inclusi­
vamente, a voz de Sir Arthur C. Clarke está lá gravada,
numa saudação fraterna aos marcianos.
O ezxo do mal na abóbada celeste
Partículas nuas e com charme, supergigantes e super­
novas, buracos negros, matéria escura, quinta-essência,
inflação: os astrofísicos gostam muito de nomes que
chamem a atenção. Pois o <<eixo do mal», que era uma
curiosa expressão da política, usada pelo presidente
George Bush num dos seus discursos sobre o <<Estado
da União» para designar alguns países inimigos do seu,
com programas nucleares em curso, como a Coreia do
Norte, o Irão e o Iraque, também entrou na linguagem
da física. . .
Com efeito, <<Ü eixo do mal » (no original inglês,
<<The axis of evil» ) foi o título de um artigo publicado
na prestigiada revista científica Physical Review Letters,
em 2005, pelo astrofísico português João Magueijo
(n. 1 967, em Évora), professor e investigador no Impe­
rial College de Londres) e pela sua aluna de doutora­
mento inglesa Kate Land (hoje investigadora na Univer-
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 55
sidade de Oxford). Magueijo e Land deram esse nome
a uma linha que, segundo eles, marcava uma acentuada
assimetria na chamada « radiação cósmica de fundo» , o
clarão de microondas que ficou como resto fóssil do
momento da criação dos átomos por todo o Universo,
há cerca de 14 mil milhões de anos, quando o Universo
só tinha 300 mil anos (um bebé, portanto, comparado
com a idade que tem hoje). A observação rigorosa dessa
radiação com a ajuda de um satélite da NASA, que se
fartou de dar voltas à Terra, valeu o Prémio Nobel da
Física, em 2006, aos norte-americanos George Smoot e
John Mather, chefes de uma numerosa equipa, tal como
a observação de um ruído esquisito numa antena na
Terra já tinha valido, em 1978, o Prémio Nobel da
Física a outros dois norte-americanos, Arno Penzias e
Robert Wilson, que, em contraste com os seus sucesso­
res, trabalhavam com um pequeno grupo. O cosmos é,
assim, como um enorme forno de microondas. E as
microondas cósmicas chegam cá ao fundo da atmosfera,
embora se apanhem muito melhor lá em cima.
De início, o «eixo do mal» não passava de uma
mera especulação, mais uma entre tantas outras que se
fazem na astrofísica. Segundo os seus autores, nem todas
as direcções do espaço seriam equivalentes, ao contrá­
rio do que se supunha. Mas, poucos anos passados,
dois estudos independentes um do outro, um belga e
outro norte-americano, vieram aparentemente confir­
mar a existência do referido eixo. A ser verdade, o
modelo do Big Bang (um outro nome curioso criado
pelo astrofísico inglês e autor de ficção científica Fred
Hoyle só para denegrir a ideia de momento inicial da
criação, que ele pura e simplesmente abominava), que
actualmente reúne um amplo consenso na comunidade
56 DARWIN AOS TIROS
científica, estará confrontado com um novo e impor­
tante desafio. O dito eixo poderá abalar a teoria do Big
Bang!
De facto, a teoria do Big Bang, apesar de ser hoje
largamente partilhada pela maioria dos cientistas que
estudam o Universo em grande escala, não é indiscutí­
vel, tal como o não é, de resto, nenhuma teoria cientí­
fica. O aceso debate sobre a origem do Universo irá
continuar e provavelmente até avivar-se. Curioso é que
seja o mesmo Magueijo que há poucos anos tinha pro­
curado contrariar a teoria da relatividade restrita de
Einstein, atacando um dos seus pilares essenciais (a
constância da velocidade da luz), que venha agora opor­
-se a uma ideia cosmológica associada à teoria da rela­
tividade geral, também de Einstein. Magueijo não se
cansa de contrariar Einstein. Da outra vez, a sua voz
não se conseguiu impor no seio da comunidade cientí­
fica. Será desta?
Multiverso, A/ices e coelhos brancos
Certas áreas da física contemporânea aproximam-se
perigosamente da ficção científica. O astrónomo polaco
Nicolau Copérnico ensinou-nos que era o Sol, e não a
Terra, o centro do mundo {que, na altura, estava res­
trito ao sistema solar). De início, quase ninguém deu
ouvidos ao que ele dizia e, com o avolumar de provas,
tornámo-nos todos copernicanos. Hoje, alguns astrofí­
sicos querem fazer-nos crer que o Universo não é ape­
nas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade
eventualmente infinita de universos, nos quais o nosso
não assume de modo nenhum o papel central. É apenas
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 57
um entre uma multidão de outros. Acontece que há
cada vez mais gente a acreditar nessa nova tese...
Se descontarmos as extravagâncias de alguns escri­
tores de ficção, a ideia de «muitos mundos» ou «mun­
dos paralelos» surgiu nos anos 50 do século passado no
contexto das tentativas de interpretação da teoria quân­
tica. Debatendo-se, como tantos outros, com as dificul­
dades da noção quântica da probabilidade, o físico
norte-americano Hugh Everett III ( 1 930-1982) teve uma
saída muito original: propôs a existência de vários uni­
versos ou mundos. Em cada um deles concretizava-se
um dos futuros possíveis oferecidos pelas leis quânticas
probabilísticas. O chamado «gato de Schrodinger» é o
protagonista de uma célebre experiência conceptual: o
pobre animal estava fechado numa caixa, podendo mor­
rer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria
quântica convencional, haveria uma certa probabilidade
de ele estar vivo e a probabilidade remanescente de ele
estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos de
Everett, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto
num outro. Quer dizer, o gato estava ao mesmo tempo
morto e vivo, conforme o mundo. Parecia, e era mesmo,
uma teoria do outro mundo.
O estranho conceito dos mundos paralelos ressusci­
tou nos tempos mais recentes, impulsionado por mo­
dernas teorias cosmológicas, embora noutras vestes.
Sendo o início do Universo um processo quântico,
poderá ter acontecido que o Universo que habitamos
e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis
e que haja outros, muitos outros. Onde estão eles? Pois,
mal comparado, o nosso Universo poderá ser apenas
uma bolha que está, perfeitamente incógnita, no seio de
uma espuma, juntamente com inúmeras outras, para
58 DARWIN AOS TIROS
nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficien­
temente estranha, há quem defenda que o « borbulhar>>
do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é,
que estão sempre a nascer e irão sempre nascer mais
universos no incomensurável Multiverso.
Outros autores há que pugnam pela pluralidade de
universos por uma via diferente desta. Para eles, os
outros universos não estão para além do nosso hori­
zonte cósmico, mas antes têm portas abertas dentro do
nosso próprio mundo. Sabemos hoje, por via tanto
teórica como observacional, que o cosmos a que temos
acesso possui « buracos>> - chamados mesmo buracos
negros- onde o espaço-tempo acaba. Existe muita
especulação sobre esses abismos cósmicos, pois neles
acaba também toda a física que conhecemos. Alguns
físicos imaginam que tais sítios, devido a uma qualquer
modificação da gravidade, são túneis para outros uni­
versos do Multiverso. Carl Sagan, que além de repu­
tado astrofísico foi também o autor do muito vendido
romance de ficção científica Contacto, em que se serve
de viagens no espaço-tempo ao longo de «buracos de
minhoca>> (wormholes), para mover personagens para
paragens distantes, escreveu num estilo poético-literário:
Os buracos negros podem ser entradas para Países das
Maravilhas. Mas haverá lá A/ices e coelhos brancos?
Um palimpsesto
no banho e
de
outras
física
para ler
histórias
Um palimpsesto para ler no banho
JÁ ALGUÉM, NUMA BELA METÁFORA, disse que Deus CO­
nhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os
historiadores. E os historiadores fazem, por vezes, des­
cobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1 906,
na cidade de Constantinopla, na Turquia, do Palim­
psesto de Arquimedes (figura 5), um precioso manus­
crito da autoria do grande sábio grego Arquimedes (287
a.C.-212 a.C.), que habitou na cidade de Siracusa, na
Sicília, no tempo em que essa ilha de Itália pertencia ao
mundo grego. Um palimpsesto, para quem por acaso
não saiba, é uma obra escrita por cima de outra, um
processo que se usava num tempo em que era preciso
economizar materiais.
Um livro sobre essa descoberta, e tão fascinante
como ela, saiu em Portugal quase em simultâneo com
60 DARWIN AOS TIROS
Figura 5 -Página do palimpsesto de Arquimedes. Repare-se
na escrita sobreposta
HISTÓRIAS DE FISICA 61
o seu ruidoso lançamento a nível mundial. Tem o título
O Codex Arquimedes (Edições 70, 2007) e são seus
autores dois norte-americanos: o historiador de ciência
Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros
raros William Noel, que dirige um projecto de investi­
gação sobre o precioso manuscrito.
O conteúdo do livro não é ficção, embora por vezes
pareça. A obra conta, de uma forma que prende o lei­
tor tal como um thriller, como o dito códex foi arrema­
tado em leilão por dois milhões de dólares, oito anos
antes de o livro sair, uma quantia oferecida por um
investidor anónimo, que logo cedeu a obra a especialis­
tas para estudo. No século x, um escriba, ainda mais
anónimo do que o referido comprador, tinha copiado
do grego um conjunto de obras avulsas de Arquimedes.
Essa cópia foi, dois séculos depois, rasurada por um
monge cristão para dar lugar a um livro de orações, a
obra que chegou até nós. As mais modernas tecnologias
permitiram, nos últimos anos, reconstituir nesse livro
de orações originais únicos, que estavam semiocultos,
mas apesar disso legíveis: Dos Corpos Flutuantes, Do
Método Relativo aos Teoremas Mecânicos e Stomachion.
O primeiro é o tratado que contém a famosa Lei de
Arquimedes, relativa à impulsão, que é ensinada na
escola: todo o corpo mergulhado num líquido está
sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, cujo
valor é igual ao peso do volume de líquido deslocado.
O segundo é, em certos aspectos, precursor do cálculo
diferencial que o inglês Isaac Newton e o alemão Gott­
fried Wilhelm von Leibniz formularam quase vinte sécu­
los mais tarde para descreverem matematicamente os
movimentos. E, finalmente, o terceiro, que inclui um
intrigante puzzle, coloca interessantes questões de com-
62 DARWIN AOS TIROS
binatória, um ramo da matemática que se julgava ser
bem mais recente.
Os autores deste thriller histórico-científico não têm
quaisquer dúvidas em afirmar que «Arquimedes é o
maior cientista de todos os tempos». Para eles, Arqui­
medes bate Newton e Einstein aos pontos. Quase dois
mil anos antes da Revolução Científica, aquele que, se
não foi o maior cientista de todos os tempos, foi decerto
o cientista mais avançado de toda a Antiguidade, conse­
guiu descobrir como funcionava o mundo - no caso
da descoberta da impulsão foi mesmo caso, segundo a
lenda, para gritar Eureca! e correr nu pelas ruas da
cidade -, aliando o raciocínio lógico-matemático à
experimentação. Usando, portanto, o método cientí­
fico, muito antes de ele ter sido formalizado e aplicado
de forma sistemática.
Atraso judicial no Vaticano
A 25 de Agosto de 1 609, o físico italiano Galileu
Galilei ( 1564- 1 642), numa demonstração do primeiro
telescópio, construído por si próprio, aos senadores da
República de Veneza, apontava com o dedo indicador
a ocular por onde eles deviam olhar. O invento do novo
instrumento valeu-lhe um bom reforço de salário.
Quem quiser hoje, passados mais de 400 anos, ver,
dentro de uma redoma, um dos dedos de Galileu terá
de se deslocar a Florença, ao Museu e Instituto de
História da Ciência, no centro histórico da cidade. Tal
como uma relíquia de um santo, o dedo foi retirado do
cadáver do sábio italiano, acabando por entrar nas
colecções do museu.
H ISTÓRIAS DE FfSICA 63
Mais tarde, Galileu haveria de apontar o seu teles­
cópio ao planeta Júpiter, em cujas imediações desco­
briu quatro satélites, aos quais hoje chamamos galilai­
cos, mas aos quais ele na altura chamou estrelas de
Médici, numa tentativa de agradar aos grandes senho­
res de Florença. Essas e outras primeiras observações
do céu feitas por Galileu com o seu telescópio foram
logo confirmadas por padres jesuítas interessados pela
astronomia. Olhando para onde apontava o dedo de
Galileu, membros dessa ordem viram o mesmo que ele
tinha visto. Um dos maiores astrónomos da época, o
jesuíta alemão Cristophorus Clavius, que tinha estuda­
do em Coimbra e que era grande admirador de Pedro
Nunes, manifestou simpatia pelo trabalho de Galileu,
embora essa simpatia não se tivesse traduzido na acei­
tação do heliocentrismo, que Galileu defendia aberta­
mente e que considerou confirmado ou pelo menos
reforçado pela sua observação das luas de Júpiter (fi­
cou para ele claro que a Terra não era o centro de
todos os movimentos celestes).
Quem estiver em Florença - e o visitante terá toda
a vantagem, tal como no filme do realizador norte­
-americano James lvory, em reservar um quarto com
vista sobre a cidade- não pode, para além do Palácio
dos Mediei (Palazzo Vecchio) e da Catedral (Duomo)
com o Baptistério de São João (Battistero di San Giovanni)
em anexo, deixar de visitar o túmulo de Galileu, na
Basílica de Santa Cruz (Basílica di Santa Croce), que
aliás aparece em cenas desse filme. Perto dos túmulos
de Dante, Maquiavel e Rossini, encontra-se o de Galileu,
uma preciosa obra artística que merece as atenções dos
turistas. O conteúdo tem atraído os cientistas: uma
equipa de investigadores ingleses e italianos já pediu
64 DARWIN AOS TIROS
autorização à Igreja Católica para abrir o túmulo e
estudar os restos mortais do astrónomo e físico. A res­
posta das autoridades eclesiásticas poderá ser diferente
da das autoridades civis portuguesas, que recusaram
terminantemente a abertura do túmulo de D. Afonso
Henriques, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a fim
de uma equipa científica internacional, liderada pela
antropóloga forense Eugénia Cunha, realizar exames
antropológicos que nos permitissem saber mais sobre o
. . .
nosso pnme1ro re1.
Pode parecer estranho que um cientista condenado
em 1 630 por um tribunal da Igreja Católica, e que mor­
reu a cumprir a pena de prisão perpétua domiciliá­
ria, tenha sido sepultado num templo dessa instituição.
Mas a estranheza talvez diminua se se souber que o
processo judicial, que radicou na defesa por Galileu
das ideias heliocêntricas de Copérnico, contrariando
ordens recebidas da Inquisição, nunca abalou a fé de
Galileu.
Galileu não via incompatibilidade entre fé e ciência.
Quando notou, numa carta à grã-duquesa Cristina de
Lorena, consorte de Fernando I de Médici, grão-duque
da Toscânia, que «a intenção do Espírito Santo é ensi­
nar-nos como se vai para o céu e não como o céu vai>>,
estava a citar o cardeal Caesar Baronius, bibliotecário
do Vaticano, que tinha resolvido dessa forma o conflito
entre religião e ciência. É certo que a Bíblia afirmava,
a certo passo do Antigo Testamento, que o Sol andava
em volta da Terra. Falava até de um milagre, porque o
Sol teria parado a meio do seu movimento. Se o Sol
não se movesse, permanecendo quieto no centro do
mundo, como seria possível esse milagre? Mas contra­
dições entre o texto da Bíblia e o conhecimento cientí-
HISTÓRIAS D E FÍSICA 65
fico já tinham surgido antes e sido ultrapassadas pelos
religiosos mais esclarecidos. Por exemplo, certos trechos
das Escrituras segundo os quais a Terra é plana levaram
alguns padres antigos a rejeitar o conhecimento grego
de que o nosso planeta tinha forma esférica. Contudo,
os cristãos mais cultos aceitaram a esfericidade do nosso
planeta muito antes de ela ter sido demonstrada pelas
viagens de circum-navegação. O físico norte-americano
Steven Weinberg (n. 1 933), especialista em física de
partículas e cosmologia e laureado Nobel, ironizou a
este respeito:
Dante achou até que o interior da Terra redonda era
um bom lugar para os pecadores.
Há compatibilidade entre ciência e religião? Para se
admitir que sim, é preciso, como bem mostra o caso de
Galileu, abandonar a ideia de que a Bíblia é um livro
de ciência. A Bíblia não pode, obviamente, ser levada
à letra, como fizeram ontem os cardeais à frente do
Santo Ofício e fazem hoje os criacionistas evangélicos.
Em 1 992, o papa João Paulo II ( 1920-2005), depois de
uma demorada revisão do processo por uma comissão ad
hoc, admitiu publicamente que a condenação de Galileu
pelo Tribunal da Inquisição tinha sido afinal um erro.
A Igreja organizou, depois dessa reabilitação muito pós­
tuma, no Ano Internacional da Astronomia, celebrado
em 2009, um congresso em Florença, com ampla parti­
cipação dos jesuítas, onde se discutiu o julgamento de
Galileu, e uma exposição em Roma sobre « Galileu e a
ciência astronómica>>. Não sendo possível a canonização,
só falta agora erguer uma estátua a Galileu nos jardins
do Vaticano. E, pelos vistos, pouco falta, pois uma
66 DARWIN AOS TIROS
proposta já foi avançada nesse sentido. Quem julga que
a justiça portuguesa é demasiado lenta, com montanhas
de processos acumulados há tantos anos que parecem
séculos, devia considerar a justiça do Vaticano...
Deus e os gigantes da ciência
Foi o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) que
afirmou, numa carta escrita em 1676:
Se consegui ver mais longe foi porque estava aos
ombros de gigantes.
A carta dirigia-se ao seu rival Robert Hooke (1635-
-1703) , e havia na redacção escolhida pelo signatário '
uma deselegante alusão, ainda que velada, à pequena
estatura do seu interlocutor, que na altura reclamava a
precedência de uma descoberta da óptica, numa disputa
em curso na Royal Society de Londres. Newton era, de
facto, uma pessoa de muito poucos amigos. Cultivava,
aliás, as inimizades. Seja qual for o sentido da frase, o
carácter cumulativo da ciência não podia ter sido mais
bem explicitado. Com efeito, sem os contributos do
astrónomo polaco Nicolau Copérnico, do astrónomo
alemão Johannes Kepler e do astrónomo e físico italiano
Galileu Galilei, Newton não teria podido realizar a sua
notável obra, que unifica os movimentos no céu e os
movimentos na Terra com um só formalismo universal.
E, sem conhecer bem todos esses contributos (como
aliás de muitos outros), o físico suíço, nascido na Ale­
manha, Albert Einstein não poderia, bem mais tarde,
ter alargado a nossa descrição do cosmos.
HISTÓRIAS DE FÍSICA 67
E onde está Deus em tudo isso? Que visão tinham de
Deus os referidos gigantes da ciência? A Revolução
Científica, iniciada em 1 543 com a publicação do livro
que divulgava a teoria heliocêntrica de Copérnico, ocor­
reu no seio de uma Igreja que vivia tempos de grande
convulsão interna devido à reforma luterana. O monge
alemão Martinho Lutero ( 1 483-1546) foi aliás um dos
primeiros a ridicularizar as ideias científicas de Copér­
nico, que era cónego na catedral católica de Frauenburg,
na Polónia (um cónego não era padre, mas quase). Fê­
-lo antes mesmo de elas serem publicadas em forma de
livro. Tanto Kepler como Galileu foram ardorosos cren­
tes. Kepler era luterano, tendo começado por se prepa­
rar na Universidade de Tübingen para uma carreira
teológica que acabou por não seguir, em favor de uma
carreira científica. Cedo abraçou as ideias de Copérnico,
com as quais contactou em Tübingen. Por seu lado, o
seu contemporâneo Galileu era católico, tendo estudado
a doutrina da Igreja num mosteiro perto de Florença
antes de ingressar como estudante de Medicina na
Universidade de Pisa, um curso que não chegou a con­
cluir. Kepler deu provas nos seus livros da sua religio­
sidade, ao alardear nalguns passos um elevado misti­
cismo. E a fé de Galileu, um cristão bem relacionado
com a mais alta hierarquia da Igreja de Roma, não
esmoreceu com a severa pena a que o Tribunal da
Inquisição o condenou.
Por seu lado, Newton era, por formação, anglicano,
comungando naturalmente da religião oficial de Ingla­
terra. Tal como os gigantes a cujos ombros subiu, tam­
bém ele estudou Teologia. Para o sábio inglês, não havia
dúvidas de que o Universo era obra de Deus, iniciada
na Criação e continuad,a desde então até à actualidade.
68 DARWIN AOS TIROS
Porém, o seu pensamento religioso estava bem longe de
ser ortodoxo. Não aceitava, por exemplo, a doutrina
da Santíssima Trindade, defendendo antes a ideia de
que Deus era unipessoal. Teve, porém, de manter secreta
essa sua posição, até porque era membro do Trinity
College ( Colégio da Trindade) na Universidade de
Cambridge. E também teve de manter secretos alguns
dos seus heterodoxos estudos sobre a Bíblia... Tão se­
cretos como os seus labores alquímicos, mantidos du­
rante séculos na escuridão.
Einstein conseguiu, do ponto de vista religioso, ser
ainda mais heterodoxo do que Newton. De ascendên­
cia judaica, nunca entrou, contudo, numa sinagoga para
rezar ou assistir a qualquer acto de culto. Não acredi­
tava pura e simplesmente num Deus pessoal, um Deus
tal como aparece no Antigo Testamento. Antes achava
que o transcendente se encontrava na ordem misteriosa
do mundo, que a ciência conseguia decifrar. Um rabino
de Nova Iorque perguntou-lhe um dia, por telegrama,
se acreditava em Deus. E a resposta foi curta, uma vez
que era pré-paga e havia que respeitar um número li­
mite de palavras:
Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmo­
nia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se
preocupa com os destinos e as acções dos seres humanos.
O Deus do judeu Einstein era o mesmo do judeu holan­
dês de origem portuguesa Bento de Espinosa ( 1 632-
- 1677) que, em 1 656, tinha sido excomungado (o chérem
de que foi alvo é a mais alta punição no judaísmo) na
Sinagoga Portuguesa de Amesterdão devido às suas posi­
ções declaradamente heréticas. Mas esse Deus de Eins-
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  • 6. © Carlos Fiolhais e David MarçallGradiva Publicações, S. A. Revisão de texto Rita Almeida Simões Capa Armando Lopes (concepção gráfica)/© José Souto- 6 - Criatividade, Imagem e Publicidade, L.d. - Olifante (cartune)/© Mário Rainha Campos (foto de David Marçal) Fotocomposição Gradiva Impressão e acabamento Manuel Barbosa & Filhos, L.da Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21- r/c esq. -1 399 -041 Lisboa Telef. 21393 3760- Fax 2139534 7 1 Dep. comercial Telefs. 2139740 6718- Fax 213971 4 1 1 geral@gradiva.mail.pt I www.gradiva.pt V edição Outubro de 2011 2.a edição Fevereiro de 2012 Depósito legal 340 034 1201 2 ISBN 978-9 89-616-447- 8 gradiva Editor GUILHERME VALENTE Visite-nos na Internet www.gradiva.pt
  • 7. " Indice A abrir ....................................................................... 9 o POWERPOINT SETECENTISTA E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA o PowerPoint setecentista ......... ........ .... ... ...................... 1 3 Homens nus por todo o lado ...... ... ................................ 1 6 Mozart, a matemática e a lotaria .............. ... .... ..... ........ 1 9 Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown ............. 21 Um escaravelho matemático ......................................... .. 24 PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA Procuram-se nónios de Nunes ....... .. .... ... . . .............. . ....... 29 Um buraco de onze dias................................................. 32 O intrépido capitão Lunardi e os lulanos ...................... 34 Einstein eclipsa Newton.. ..... ..... .... ............................ ...... 37 Da órbita de Clarke ao elevador espacial. ................. . ... 39 O pai incógnito do Sputnik ......... ...... . .... ........................ 41 Porque está lá! ......... ................................................... ... . 43 Viagem planetária com dormida na heliosfera .............. 45
  • 8. 6 DARWIN AOS TIROS Galileo no vidro da frente com uma ventosa ................ 47 Bactérias extraterrestres? Outra vez? ........................... . . 49 Alô, Marte, está aí alguém? ...................... . ... . ................ 52 O eixo do mal na abóbada celeste ............... . ..... . .......... . 54 Multiverso, Alices e coelhos brancos ............................. 56 UM PALIMPSESTO PARA LER NO BANHO E OUTRAS HISTÓRIAS DE FíSICA Um palimpsesto para ler no banho ................................ 59 Atraso judicial no Vaticano ............................................ 62 Deus e os gigantes da ciência.. ....................................... 66 O padre voador...... ........................................................ 69 A ilustre família Magalhães ... . ............. . .......... . .. . ..... ....... 73 Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado ...... 75 A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar ........... 77 Cientistas incendiários .................................................... 81 As cores do embaixador Sampayo ...... . ... . .. . ... . ............... 84 O maior erro de Einstein ................................................ 86 Prémios Nobel da Física para todos os gostos .............. 89 As namoradas de Schrodinger e o significado da vida .... 92 O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein ............ 94 .0 incrível Hulk ............................................................ ... 97 Um físico na prisão de Estaline ...................................... 99 O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto ....................................................................... 102 O laser, uma solução à procura de um problema ......... 105 Dinossauros, pirâmides e JFK ......................................... 106 A impunidade do homem invisível ....................... ..... ..... 108 O medo do nuclear ................................. . ... . ................... 111 A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete ....... 115 A física do futebol ........ . .. . .............................................. 117 O melhor da existência humana .................................... 119 Uma bomba sexual ......................................... . ............... 121 Do Ig Nobel ao Nobel ....................... . ....... . ................... 123 Gelo quente é possível, Sr . Dr. ....................................... 125
  • 9. INDICE 7 GUERRA E PAZ NO MUSEU E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUíMICA Guerra e paz no museu ...................... ......... ................... 129 O cheiro dos ricos .......................................................... 131 Há muito espaço lá em baixo ........................ ................ 134 A ilha dos superpesados ................ ................................. 137 O mistério da cebola e o verniz estragado .................... 139 Sabe Deus que isto é vitamina C ................................... 141 Nos gloriosos dias do DDT ... ......................................... 143 Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gaso- lina ............................................................................... 145 «ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...» E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA «6 mar salgado, quanto do teu sal...» .......................... 149 Pânico no clima europeu ................................................ 152 O temor da terra .... . . ..... ................................................. 154 Uma desgraça de profeta ........ ........................................ 156 A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA A mirabolante flora do deserto ...................................... 159 Darwin e o seu amigo açoriano ..................................... 161 A origem da espécie .......... .................. . . ..................... ..... 164 África nossa .. ................................................. ................. 166 Darwin aos tiros ............................................................. 167 A origem da vida: não tente fazer isto em casa ....... ..... 169 Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante 172 Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infec- ciosas .......... .......................... .............. ......................... 175 Bullying eterno ........... ...... . . o o o o o ........... ............................. 177 Prémio Nobel para os brócolos . . . ................................... 178
  • 10. 8 DARWIN AOS TIROS Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite 181 A festa dos macacos e a base genética da alma ............ 186 «Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente ..... 189 Os homens são todos iguais ........................................... 193 A FABRICA DO CORPO HUMANO E OUTRAS HIST6RIAS DE MEDICINA A Fábrica do Corpo Humano........................................ 197 Um judeu errante............................................................ 200 Sexo e violência em Egas Moniz ................................... 202 Revolucionários muito conservadores ............................ 205 O lugar da longa vida................. . . . . . .............................. 207 A matança dos porcos..................................... . . . ............ 209 Bactérias assassinas......................................................... 211 A imortal Henrietta ..... ................................................... 213 Presos nas entranhas da Terra ....................................... 215 O ADN de Bin Laden ........................... . . . . . . . . . ................ 217 O CULTO DA CARGA E OUTRAS HIST6RIAS DE PSEUDOCIÊNCIA o culto da carga ............................................................. 221 Magos e sábios . . ................ . . ........................................... 224 Comunicação extra-sensorial? ........... ............................. 226 A notícia da treta mais deprimente do ano ................... 228 O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esma- gadas ............................................................................ 231 Uma overdose de água e açúcar..................................... 233 A autobiografia emocionante de uma molécula de água 235 O génio solitário e a imortalidade na Internet .............. 238 Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu............... 242 Notas e referências ...................................................... 247 Créditos das figuras ........................................... . . . ...... 281
  • 11. A abrir NÃO É s6 A FíSICA QUE É DIVERTIDA. Também outras ciências, como a matemática, a astronomia e a astronáu­ tica, a química, as ciências da Terra, a biologia e a medi­ cina o são. O esforço do homem para compreender o mundo à sua volta e para aplicar esse conhecimento em seu benefício resulta de um impulso interior que dá auto-satisfação intelectual e garante bem-estar material. Outras actividades humanas tentam fazer-se passar por ciência sem o serem - daí o nome de pseudociências -, mas são definitivamente outra coisa. Não se passa a saber mais do mundo através delas. Nem, em geral, além daqueles que as praticam, há quem lucre alguma coisa com elas. Não deixa, porém, de ser divertido observar o esforço inglório que muita gente faz para «macaquear» a ciência... Este livro conta histórias, mais ou menos divertidas (quando não são divertidas, serão pelo menos curiosas) da ciência, cujos temas foram extraídos tanto da longa história da ciência como da actualidade científica. Foram precisos dois autores, porque a ciência hoje, mais do que ontem, é especializada. O primeiro autor, Carlos
  • 12. 10 DARWIN AOS TIROS Fiolhais (CF), que é físico, escreveu as histórias de matemática, astronomia, física e geologia, e atreveu-se também a contribuir com algumas histórias de química ( Guerra e paz no museu, O cheiro dos ricos, Há muito espaço lá em baixo e A ilha dos superpesados), de bio­ logia (A mirabolante flora do deserto, Darwin e o seu amigo açoriano, A origem da espécie e Africa nossa) e todas as de medicina, para além de ter metido uma colher na sopa das pseudociências (O culto da carga, Magos e sábios e Comunicação extra-sensorial?). Por seu lado, o segundo autor, David Marçal (DM), que é bioquímico, escreveu a maioria das histórias de química e de biologia (as restantes), para além de ter tido a seu cargo a maioria das histórias de pseudociência (idem). Contribuiu ainda para o capítulo da física com a última história (Gelo quente é possível, Sr. Dr.) Os dois, que, juntos, têm divulgado ciência no blogue de ciência, educação e cultura De Rerum Natura (Sobre a Natureza das Coisas), esperam que as histórias fiquem bem jun­ tas, divertindo quem as leia. Quem quiser saber mais - e ambos esperam que haja leitores que o queiram - encontrará no final do livro algumas notas e muitas sugestões de leitura. CF quer agradecer à Teresa Pena, ao José Cabrita Saraiva e ao Nuno Pacheco, que editam respectivamente a Gazeta de Física, revista da Sociedade Portuguesa de Física, a secção de ciência da revista Tabu, que acom­ panha o semanário Sol, e as colunas de opinião do diário Público, o espaço onde pôde exercitar a pena para escrever algumas destas histórias ou, melhor, o rascunho delas, porque foram agora aqui todas revistas e em muitos casos aumentadas. Quer também agrade­ cer ao João Filipe Queiró e à Helena Damião a leitura
  • 13. A ABRIR 1 1 crítica de alguns desses textos. E ainda quer agradecer a DM a leitura atenta e as excelentes dicas, muitas delas acrescentando uma pitada de humor onde ele fal­ tava. Quer, finalmente, agradecer à Anica não só os comentários sempre pertinentes sobre as prosas quen­ tinhas, acabadas de sair do forno do processador de texto, como sobretudo o encorajamento à escrita e a compreensão pelo tempo que, com este e outros livros, tem sido retirado à vida familiar. DM quer agradecer à Ana Teresa Gonçalves e à Cata­ rina Silva, pela leitura e as propostas construtivas que fizeram para a maioria dos textos. Quer também agra­ decer de um modo muito especial a todos os Cientistas de Pé, o grupo de investigadores que fazem stand-up comedy num projecto coordenado por DM e pelo actor Romeu Costa desde 2009, com quem vários destes temas foram discutidos. Um agradecimento também ao co-autor CF pelo convite para participar neste livro. E, acima de tudo, à Joana, não só pela tolerância de ponto do tempo roubado à vida familiar para preparar este livro, como pelas inúmeras sugestões e discussões acerca da ciência e histórias da ciência, que têm eco nestas páginas. Os dois autores fazem questão de agradecer a Gui­ lherme Valente, editor da Gradiva, pelo óptimo acolhi­ mento dado a este livro, tal como no passado deu a outros. Orgulham-se de fazer parte de um projecto consistente e continuado (começou no início dos anos 80 do século passado e prossegue hoje com o mesmo entusiasmo) que tem em vista a expansão da cultura científica entre nós, e que tantos e tão bons frutos tem dado. Figueira da Foz e Canas de Senhorim, 15 de Agosto de 2011
  • 14.
  • 15. o PowerPoint setecentIsta e outras histórias de " . matematIca o PowerPoint setecentista A GEOMETRIA DO GREGO EUCLIDES (360 a.C.-295 a.c.), que tanto impressionou o físico Albert Einstein quando este era muito jovem, é, de facto, uma das maiores marcas da inteligência humana. Uma gravura numa edição dos Elementos de Euclides do século XVlII mos­ tra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a uma praia para eles desconhecida. Não sabem se a ilha é habitada e se podem, por isso, esperar ajuda. Ao encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na areia, exclamam com alegria: Tenhamos esperança, aqui há humanos... Um optimismo comovente, tendo em conta as pessoas que actualmente declaram preferir a companhia dos
  • 16. 14 DARWIN AOS TIROS animais ou dos jogos de computador... Numa versão mais contemporânea e ecológica, um grupo de focas­ -monges quando confrontado com figuras geométricas, e se acaso pudessem falar, diriam qualquer coisa como: Estamos tramadas, aqui há humanos... De qualquer modo só os humanos são capazes de traçar figuras geométricas. O livro encontra-se numa estante da Sala de São Pedro, no edifício central da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a biblio­ teca multicentenária que alberga várias outras valiosas versões dos Elementos, que permitem ilustrar a evolu­ ção, ao longo dos séculos, não apenas da recepção da matemática antiga mas também da arte tipográfica. Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a obra de Euclides do esquecimento, preservando-a, atra­ vés de sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade Média, quando surgiu a imprensa de tipos móveis e com ela os primeiros incunábulos. Em Portugal, além dos desenhos geométricos manus­ critos e impressos guardados em bibliotecas, também existem desenhos dos teoremas de Euclides gravados em azulejo, uma tecnologia com nome e influência árabes. Com efeito, das pranchas matemáticas de uma das edições do século XVII dos Elementos - mais exac­ tamente, uma edição de 1 654 saída em Antuérpia, com o título Elementa Geometriae -, devida ao jesuíta belga André Tacquet ( 1 6 1 2-1660), foram feitas cópias quase fiéis para azulejo - essa bela arte que os portugueses fizeram sua (figura 1 ). Há, porém, um mistério nestes azulejos, que perten­ cem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado
  • 17. HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA Figura 1 - Azulejo pertencente à colecção do Museu Nacional de Machado de Cas­ tro, em Coimbra. Diz respeito à proposição 29 do Livro I dos Elementos de Euclides 15 de Castro, em Coimbra (há alguns, poucos, no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, e outros, ainda menos, em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem de quando são nem de onde vieram. Provavelmente serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, antes da expulsão, por ordem do Marquês de Pombal em 1 759, dos jesuí­ tas, que governaram durante muitos anos esse colégio. A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de aula ou nos muros dos claustros limítrofes tornava mais acessível aos estudantes a geometria euclidiana. Era uma espécie de PowerPoint dos séculos XV1! e XVIII... Hoje em dia as apresentações de PowerPoint são usadas nas salas de aula na esperança de que tenham o mesmo efeito hipnotizante nos alunos do que a televisão.
  • 18. 1 6 DARWIN A O S TIROS Apesar de, nesse tempo, ainda não haver televisão, talvez nos séculos XVII e XVIII os jesuítas já achassem que era bom encher o olho dos pupilos com imagens e pala­ vras-chave. Os azulejos que se conhecem são cerca de vinte: faltam muitos para completar a reprodução das cente­ nas de figuras do livro. E há alguns azulejos que não são de matemática, contendo motivos de astronomia e hidráulica, os quais, com toda a certeza, não foram extraídos daquele livro. Haverá mais «azulejos que en­ sinam» ? Onde estão eles? Este é o enigma dos azulejos matemáticos que aguarda quem o desvende. O facto de, em escavações arqueológicas recentes realizadas no Largo do Marquês de Pombal, perto do Colégio das Artes, em Coimbra, ter sido encontrado um fragmento de um desses azulejos faz pensar que uma parte deles tenha sido desfeita. . . É possível que a fúria restaura­ dora do Marquês tenha levado à destruição da maioria dos azulejos que serviram como auxiliar pedagógico nos espaços dos jesuítas. A ser assim, e como Euclides continua e continuará eternamente actual, será lógico concluir que nem sempre há progresso na ciência. Por vezes, há perdas irreparáveis... Homens nus por todo o lado Podemos com relativa facilidade encontrar um ho­ mem nu no nosso bolso: esse homem está na moeda de 1 euro cunhada em Itália, o que não admira, pois o autor da imagem original, que data de 1 490, o artista e inventor Leonardo Da Vinci ( 1 452-151 9), nasceu em Anchiano, lugarejo perto de Vinci, província de Flo-
  • 19. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 17 rença. O governo do seu país quis deste modo e muito justamente homenageá-lo à escala europeia. Leonardo é não só um dos maiores génios italianos e europeus mas também, para muitos, o maior génio da história. E o seu génio, que chegou até nós tanto atra­ vés das suas criações artísticas como através das suas criações tecnológicas, está condensado na representa­ ção que fez de um homem nu (há quem diga que é um auto-retrato) contido simultaneamente dentro de uma circunferência e de um quadrado (figura 2). A figura humana toca graciosamente na circunferência ou no Figura 2 - Original d'O Homem de Vitrúvio de Leonardo Da Vinci. A escrita só se pode ler ao espelho
  • 20. 1 8 DARWIN AOS TIROS quadrado conforme está com as pernas e os braços em V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal. O centro da circunferência e do quadrado não coinci­ dem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de gravidade do corpo, e o segundo está no sexo. A representação, cujo original se encontra na Gale­ ria da Academia em Veneza, pode ter sido inspirada, em última análise, nas palavras do filósofo grego Protágoras de Abdera, que viveu no século v a.c.: O homem é a medida de todas as coisas. Não se sabe. Mas não há dúvida de que Leonardo foi influenciado pela obra do arquitecto e engenheiro romano Marco Vitrúvio Polião, que escreveu no século I a.c. a obra Dez Livros de Arquitectura, uma vez que glosa esse autor, usando a sua extraordinária caligrafia que só pode ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o desenho (daí o nome O Homem de Vitrúvio). O objec­ tivo tanto do artista-inventor como do arquitecto que o inspirou era a busca das proporções perfeitas. O sim­ bolismo era e é a integração do homem no mundo, o mundo que está escrito em linguagem matemática e onde, por isso, se encontra geometria por todo o lado. Há homens nus de Leonardo ou aparentados por todo o lado na Terra e até no espaço. Como as boas propor­ ções indiciam saúde, é natural que várias instituições médi­ cas ou relacionadas com a medicina tenham adoptado, por todo o mundo, o desenho de Leonardo como sua imagem de marca. Os fatos da NASA usados pelos astro­ nautas para executarem actividades fora do vaivém ou da Estação Espacial Internacional também mostram o ho­ mem de Vitrúvio. E o logotipo da agência de exploração interestelar no filme Contacto, baseado no romance do astrofísico norte-americano Carl Sagan ( 1934-1996), é
  • 21. HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 1 9 um homem de Vitrúvio estilizado. A visão do homem de Vitrúvio evoca ao mesmo tempo a ciência e a arte. Da Vinci conseguiu, com o homem de Vitrúvio, casar a ciência e a arte melhor do que ninguém. E esse casamento man­ teve-se até hoje sem nenhuma possibilidade de divórcio. Parece, porém, nesta omnipresença de homens nus, haver alguma discriminação. De facto, é uma pena que nenhum país da zona euro tenha feito a moeda feminina correspondente, ou seja, por exemplo, que a França não tenha feito uma representação da Mona Lisa tal como veio ao mundo inscrita em triângulos, quadra­ dos, círculos, ou o que quer que fosse! Mozart, a matemática e a lotaria o que tem a música do compositor austríaco Wolf­ gang Amadeus Mozart ( 1 756-1791) a ver com a mate­ mática? Já houve quem dissesse que a escuta da música de Mozart por bebés com menos de três anos aumenta a capacidade de raciocínio espaciotemporal e, portanto, a aptidão para a matemática. Este é o chamado «efeito Mozart», uma expressão inventada pelo médico fran­ cês Alfred Tomatis ( 1 920-2001 ), que teria detectado um maior desenvolvimento cerebral de crianças peque­ nas depois de elas ouvirem peças de Mozart. Acredi­ tando piamente nisso, os governadores norte-america­ nos do Tennessee e da Geórgia decidiram oferecer CD com música de Mozart a todas as parturientes dos seus estados. De facto, o efeito Mozart não está de modo nenhum provado. É um daqueles mitos que os media espalharam profusamente sem estarem apoiados por qualquer tipo de confirmação científica. Pseudociência,
  • 22. 20 DARWIN AOS TIROS portanto. Aliás, se a escuta de peças de certos compo­ sitores de música pudesse melhorar qualquer tipo de raciocínio, em vez de professores teríamos disc-jockeys e as salas de aula seriam pistas de discoteca, com os alunos a abanarem o capacete enquanto desenvolviam alegremente as suas aptidões. Mas Mozart tem mesmo a ver com a matemática. Não que ele fosse um grande conhecedor dessa ciência. Mas, na imensa e rica obra do génio de Salzburgo, encon­ tram-se bons exemplos de um importantíssimo conceito matemático - a simetria - que tem numerosas aplica­ ções na física e na química. Um espelho exibe uma simetria particular entre um objecto e a sua imagem, trocando a esquerda e a direita. Em certas peças mozartianas, há mesmo um espelho: é tocada a imagem ao espelho de um certo excerto da pauta. Encontra-se, além de um espelho. no espaço, também um espelho no tempo: um excerto da pauta é repetido, mas tocado do fim para o princípio. É ainda frequente encontrarmos nas obras mozartianas simples repetições de um tema musical, uma simetria dita de translação. E Mozart revela-se extre­ mamente exímio em combinar de maneira harmónica todas estas simetrias. O nosso ouvido fica tão entretido com a música, que só quem conhece a notação musical e olha com atenção para a pauta é que consegue detec­ tar esses verdadeiros truques matemático-musicais. Alguns matemáticos estudaram com cuidado a mú­ sica de Mozart, com o intuito de procurarem esses e outros elementos matemáticos. Procuraram, por exem­ plo, a proporção áurea, ou razão dourada, isto é, um número fraccionário (cerca de 1 ,6 1 8) que, desde o tem­ po dos gregos, está associado a uma «boa proporção», na arquitectura, na escultura, na pintura, etc. Porque
  • 23. H ISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 21 não também na música? E houve, de facto, estudiosos que reclamaram ter encontrado essa razão nalgumas sonatas para piano de Mozart, quando dividiram os tempos correspondentes às duas partes em que essas obras musicais se compõem: a introdução e o desenvol­ vimento. Não há, porém, uma concordância exacta em medidas desse tipo efectuadas em diversas sonatas, o que deve querer significar que, mais do que obedecer rigidamente a uma fórmula matemática, a divisão tem­ poral das peças obedeceu a um excepcional sentido de harmonia do genial autor. Não faltou quem procurasse fórmulas matemáticas por todo o lado nas partituras originais do autor de Eine Kleine Nachtmusik. Todavia, só se encontrou, à margem de uma pauta, um rabisco de um cálculo de probabilidades feito pelo compositor numa sua tenta­ tiva, aparentemente vã, de ganhar a lotaria... Mozart não era propriamente rico e, como muita gente na sua situação, sonhava com a sorte grande. Teve, depois de morrer, a sorte grande da fama musical, mas em vida nem sequer uma terminação. Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown o romance O Símbolo Perdido (Bertrand, 2009), do escritor norte-americano Dan Brown (n. 1 964), é, tal como outras obras do mesmo autor que a precederam, Anjos e Demónios e O Código Da Vinci, uma obra de ficção, pura ficção. No terceiro livro do autor de superêxitos, a instituição omnipresente no enredo não é a Igreja Católica, tal como nos outros livros, mas a Maçonaria, a associação em grande medida secreta
  • 24. 22 DARWIN AOS TIROS fundada em Londres em 1717 e que se desenvolveu ao longo de todo o século das Luzes, chegando em crescendo até aos dias de hoje. Brown localiza a sua acção na capital norte-americana, Washington D.e. (District of Columbia), uma cidade fundada precisamente nesse século. Com efeito, foi em 1 791 que o presidente George Washing­ ton ( 1 732-1799), provavelmente maçom, encarregou o arquitecto franco-americano Pierre Charles L'Enfant ( 1754-1 825), que tanto quanto sabemos não pertencia à associação, de desenhar o projecto da nova cidade, o que este fez conforme o contratado, embora pouco depois viesse a abandonar a obra, incompatibilizado com os mandantes. Brown, no seu livro, revela o que são, na sua óptica, alguns segredos da arquitectura da cidade onde se situam a Casa Branca e o Capitólio. Embora seja possível encontrar elementos maçónicos na grande urbe norte­ -americana, como de resto em várias outras da mesma época, é pouco crível que os traços urbanísticos de Wa­ shington contenham mensagens secretas, como é dito ou insinuado naquele que se tornou instantaneamente um best-seller. Isso não impede que a capital dos Estados Unidos seja visitada por hordas de turistas, hordas essas recentemente reforçadas pelo romance de Brown. Na capital portuguesa, reconstruída em grande escala após o grande terramoto de 1 755, portanto antes da cons­ trução de Washington D.e., também não são difíceis de encontrar «símbolos perdidos», isto é, sinais, maiores ou menores, a que se pode atribuir um significado maçó­ nico. Tal resulta do facto de, no século XVlI1, terem come­ çado a surgir na capital portuguesa lojas maçónicas ligadas a congéneres inglesas. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), que alguns dizem ter sido iniciado em Londres quando aí era embai-
  • 25. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 23 xador (não, não há a certeza de que tenha sido maçom), tolerou a maçonaria entre nós. O nosso Iluminismo foi aliás protagonizado por algumas notáveis figuras maçó­ nicas como, por exemplo, só para referir cientistas, o botânico e diplomata abade Correia da Serra (o que mostra que, na época, não havia incompatibilidade essen­ cial entre a Maçonaria e a Igreja Católica), o médico de origem judaica António Nunes Ribeiro Sanches (que, tal como o abade Correia da Serra, se «estrangeirou»), o químico e naturalista italiano Domingos Vandelli (que de Pádua se transferiu primeiro para Lisboa e depois para Coimbra) e o botânico Félix Avelar Brotero (que, depois de estudar em Paris, fez carreira em Coimbra). Um dos arquitectos da reconstrução de Lisboa após o grande terramoto de 1 755, o húngaro Carlos Mardel ( 1 696-1 763), era também maçom. A primeira loja maçónica mesmo portuguesa, o Grande Oriente Lusi­ tano, só foi criada em 1 802, sendo o seu primeiro grão­ -mestre um neto do Marquês de Pombal. Apesar de ter passado por vicissitudes várias, essa loja ainda hoje existe. Mas, para grande desgosto de algumas mentes mais fantasiosas, é pouco provável, tal como no caso de Washington, que Lisboa esconda segredos cósmicos, ocultados por simbologia maçónica. Muitos dizem ver no Terreiro do Paço medidas com um significado esotérico. Até o número de colunas nos pórticos já foi associado às cartas do tarô. Também vêem mistérios na estátua do soberano que teve tanto medo do terramoto, que entregou o poder ao Marquês de Pombal e passou a viver numa barraca. Vêem ainda elementos geométricos ligados à maçonaria (a palavra maçom significa pedreiro e os maçons também são co­ nhecidos por pedreiros livres) nos edifícios em volta da
  • 26. 24 DARWIN AOS TIROS praça, hoje ocupados em grande parte por ministérios. Por exemplo, no cimo do Arco do Triunfo (uma constru­ ção que, apesar de ser de inspiração pombalina, só foi concluída em 1 873), à entrada da Rua Augusta, vê-se um triângulo equilátero, um símbolo maçónico muito comum, cujos vértices são dados por três figuras alegóricas, obra do escultor francês Anatole Camels ( 1 822-1906). As figuras são a Lusitânia Gloriosa que coloca coroas de louros nas cabeças de Apolo e Minerva: a glória coroa o génio e o valor. Por baixo, está em latim: Virtvtibvs Maiorvm Vt Sit Omnibvs Docvmento. PPD {Pecunia Publica Dicatum}. Não, PPD não é referência a nenhum partido polí­ tico... Traduzido para português, o letreiro significa: Às virtudes dos maiores [mais velhos), para ensina­ mento de todos. Dedicado a expensas públicas. o investimento de dinheiros públicos em obras urba­ nas avultadas aconteceu num tempo em que eles exis­ tiam em maior abundância do que hoje. Mas, se o Turismo de Lisboa quer aumentar as excursões à capital portuguesa e com isso aumentar os proventos nacIO­ nais, fará bem em chamar Dan Brown... Um escaravelho matemático Benolt Mandelbrot ( 1 924-2010), uma das mentes mais brilhantes do século passado, foi um matemático polaco-franco-americano (nasceu na Polónia, de uma
  • 27. HISTÓRIAS D E MATEMATICA 25 família judaica, mudou-se para França, onde fez estu­ dos secundários e superiores, e transferiu-se para os Estados Unidos no pós-guerra). Ficou mundialmente famoso como o criador, a meio dos anos 70, do neolo­ gismo {ractal, construído a partir da palavra latina {ractus, que significa fracturado, partido. O «conjunto de Mandelbrot» (figura 3), uma figura que, apesar de parecer um estranho escaravelho, é obtida a partir de uma fórmula matemática bastante simples, apresenta uma fronteira partida, extremamente partida. Se se olhar mais de perto, continua a estar partida. Trata-se, de facto, de uma figura matemática extremamente com­ plexa, havendo até quem lhe tenha chamado a figura matemática mais complexa do mundo, apesar de ser obtida por um processo iterativo simples, facilmente reprodutível num vulgar computador pessoal. -2 Re[e] Figura 3 - Representação do conjunto de Mandelbrot. Os eixos horizontal e vertical representam a parte real e a parte imaginária dos números complexos
  • 28. 26 DARWIN AOS TIROS Como se pode reconhecer, fazendo contínuo zoam sobre o conjunto de Mandelbrot, os objectos fractais que ele exemplifica são infinitamente partidos, isto é, são partidos em todas as escalas, de modo que podem ser caracterizados pela propriedade chamada invariância de escala: o seu aspecto é semelhante qualquer que seja a escala a que os observemos. Na Natureza, abundam objectos desse tipo: por exemplo, a acidentada costa da Grã-Bretanha, formada por numerosos promontórios e baías, é fractal, tal como o é a fronteira entre Portugal e Espanha, desenhada na sua maior parte por cursos sinuosos de rios. Estes dois exemplos aparecem no artigo publicado por Mandelbrot em 1967 na revista Science com o sugestivo título « Quanto mede a costa da Grã­ -Bretanha? » , um artigo inspirado em dados estatísticos do polímato inglês Lewis Fry Richardson. A resposta à pergunta do título é: depende do tamanho da régua, uma vez que, quanto mais pequena for a régua, maior será o comprimento da costa. No caso da fronteira luso-espanhola, os portugueses, habitantes do país mais pequeno, usam réguas mais pequenas e indicam, por isso, um valor maior para o perímetro fronteiriço do que os seus colegas espanhóis. A palavra fractal entrou com todas as honras na língua portuguesa na capa do livro de Mandelbrot Objectos Fractais, saído na Gradiva em 1 991 (tradução de Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima) e encon­ tra-se já devidamente dicionarizada. O prefácio desse livro termina com uma paráfrase dos conhecidos versos de Álvaro de Campos: o conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de Mi/o. E há cada vez mais gente a dar por isso.
  • 29. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 27 o conjunto de Mandelbrot estava reproduzido na capa e, ao referir o seu apelo estético, pretendia chamar a atenção para a relação, profunda mas nem sempre evidente, entre a matemática e a arte. Porque é que só no início dos anos 80 esse conjunto viu a luz do dia? Acontece que a figura não pôde ser visualizada satisfatoriamente antes do advento das modernas máquinas de cálculo, porque o seu desenho exige o recurso a um computador digital. Não foi por acaso que ela apareceu quando Mandelbrot trabalhava num instituto de investigação da International Business Machines, IBM, que na época estava a introduzir no mercado o primeiro computador pessoal de grande venda, o IBM-PC. Além dos objectos fractais do mundo ideal da mate­ mática e dos outros que se encontram omnipresentes na Natureza, há ainda outros que surgem em resultado da actividade humana: Mandelbrot, no final dos anos 50, décadas antes do seu livro seminal, interessou-se pela evolução dos preços nos mercados, cujos gráficos em ziguezague haveria mais tarde de reconhecer como figuras fractais. As suas estranhas ideias tardaram um pouco mas acabaram por se entranhar nas escolas de Economia. Anos volvidos, o seu livro O (Mau) Com­ portamento dos Mercados, escrito em co-autoria com Richard Hudson (Gradiva, 2006), celebrou o casamento dos fractais com a economia. A tese aí defendida é a de que o acaso se manifesta nos mercados de uma forma bastante mais irregular do que se pensava. Quando o leitor vê o seu orçamento delapidado pelo aumento do custo de vida, pode encontrar consolo em saber que a evolução dos preços está apenas a desenhar uma bonita figura fracta!. Actualmente, num tempo de grande tur-
  • 30. 28 DARWIN AOS TIROS bulência dos mercados financeiros internacionais, bem pode dizer-se que o « pai dos fractais» morreu após ter assistido à confirmação das suas ideias...
  • 31. de de Procuram-se " . nonIos Nunes e outras histórias . " . astronomIa e astronautIca Procuram-se nonzos de Nunes o MATEMÁTICO PORTUGUÊS PEDRO NUNES ( 1502-1 578), Petrus Nonius em latim, no seu livro De Crepusculis (Lisboa, 1 542), considerou que a astrologia eram «qui­ meras e superstições quase extintas» . A este respeito, o historiador Jorge Couto escreveu, no catálogo da expo­ sição «Estrelas de Pape!» , que esteve patente em 2009 na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, que se assistia então ao: epitáfio da Astrologia como ramo do saber que gozara de significativa influência durante vários séculos, designa­ damente em Portugal, mas que fora reduzida a um papel residual de cariz não científico devido ao desenvolvimento da náutica astronómica que conduziu à emancipação da Astronomia. Podemos perguntar o que teria acontecido se a astrologia tivesse prevalecido: como teriam corrido as
  • 32. 30 DARWIN AOS TIROS viagens mantlmas se a navegação tivesse sido feita com base na carta astral do capitão da caravela ou a causa dos naufrágios fosse atribuída a horóscopos pouco auspiciosos de determinados membros da tri­ pulação? Mas isso é história virtual. Facto é que à astrologia deixou lentamente de ser reconhecido estatuto de utili­ dade pública. Estava-se, então, na véspera da grande revolução na história da ciência que foi desencadeada pela publicação do livro De Revolutionibus Orbium Coelestium (Nuremberga, 1 543) da autoria do cónego polaco Nicolau Copérnico ( 1473-1543), obra que Nunes conheceu e até, nalguns pontos, comentou, apesar de não se ter tornado copernicano. Foi no livro acima referido do matemático português que surgiu pela primeira vez a ideia de nónio, um instru­ mento de dupla escala que permitia aumentar a precisão das medidas angulares de astronomia e que haveria de ser referenciado e mostrado em duas gravuras num livro do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546-1601) (figura 4) e num livro do alemão Johannes Kepler ( 1 571- - 1 630), seu discípulo e sucessor. O livro de Kepler Astro­ nomia Nova (Praga, 1 609) veio a revelar-se essencial para o desenvolvimento da lei de gravitação universal do inglês Isaac Newton, ao apresentar a ideia da forma elíptica das órbitas planetárias. Mas foi numa gravura do frontispício de um livro posterior de Kepler, as Tabu­ lae Rudolphinae (Ulm, 1 627), que apareceu o nónio de Nunes ao lado de Tycho Brahe. Como se vê, já havia, há quatro séculos, livre circulação de ideias, de objectos e de livros na Europa. Foi aliás essa circulação que permitiu a eclosão no Velho Continente da Revolução Científica, que os portugueses, com as suas grandes
  • 33. HIST6RIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 31 Figura 4 - Quadrante com nónio de Pedro Nu­ nes, conforme gravura no livro Astronomiae Ins­ tauratae Mechanica, de 1602, de Tycho Brahe viagens marítimas, ajudaram a exportar para outros continentes. Apesar de conhecido de Brahe e de Kepler, não che­ garam até nós muitos modelos antigos do nónio de Nunes... De facto, só chegou um e mesmo o seu conhe­ cimento acabou por ser obra do acaso. O comandante Estácio dos Reis, oficial da Marinha portuguesa e his­ toriador da ciência e da tecnologia, conta como um dia, ao visitar uma exposição de réplicas de instrumen­ tos antigos, possuídas pela IBM, no Planetário Hayden de Nova Iorque, encontrou um quadrante com um nónio, semelhante ao que tinha sido reproduzido por Brahe. Esse encontro fortuito conduziu-o ao Museu e Instituto de História da Ciência de Florença, para onde a legenda do instrumento remetia. Contudo, ainda que
  • 34. 32 DARWIN AOS TIROS recorrendo aos simpáticos préstimos de uma curadora, não encontrou nesse museu o quadrante reproduzido na réplica, mas sim um outro quadrante, um aparelho metálico e ainda em bom estado, no qual o diligente historiador pôde inequivocamente identificar o nónio de Nunes. Ficou ele e ficámos todos nós sem saber a partir de onde foi feita a réplica da IBM. De algum instrumento antigo ou simplesmente do livro de Brahe? A empresa foi inquirida, mas não deu qualquer res­ posta. É pouco, um só nónio antigo de Pedro Nunes? É, mas pode ser que surjam mais... A descoberta seria tão inte­ ressante para a história da ciência, que quem a fizer ganhará as alvíssaras do reconhecimento público. Um buraco de onze dias o astrofísico norte-americano Carl Sagan gostava, para referir a idade de uma pessoa, de usar a expressão «voltas ao Sol» em vez de anos. Morreu, vítima de cancro, a 20 de Dezembro de 1993, após ter dado 62 voltas ao Sol. O ano não é mais do que a unidade de tempo que corresponde a uma volta completa do nosso planeta em torno da sua estrela. Bem se pode dizer que um raio que do Sol vai para a Terra funciona como um ponteiro de um gigantesco relógio. E é com base nesse relógio que estabelecemos as unidades de tempo, como o segundo, usadas hoje nos nossos relógios terrestres. Que o ano comece a 1 de Janeiro, entre o solstício de Inverno a 2 1 de Dezembro e a data do periélio terrestre a 3 de Janeiro (quando a Terra está à menor distância do Sol, por mais estranho que isso possa
  • 35. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONAuTICA 33 parecer), não passa de uma mera convenção. Podia começar noutro dia? Podia e era a mesma coisa... As revoluções do nosso planeta em torno do astro-rei repe­ tem-se com uma extraordinária regularidade e poder­ -se-ia ter começado o calendário noutro ponto. Porém, como todas as convenções, também essa tem uma his­ tória. O início do ano no dia 1 de Janeiro começou com o estabelecimento do calendário juliano pelo impe­ rador romano Júlio César, no ano 46 a.c. Antes disso, o ano começava no mês de Março. Acrescentaram-se então dois meses ao ano (Novembro e Dezembro) e os últimos dois meses do ano antigo (Janeiro e Fevereiro) passaram a ser os primeiros do novo ano. O ano da mudança decretada por Júlio César, para um tempo que ficou conhecido como «era de César», ficou justa­ mente conhecido por «ano da confusão». Uma outra confusão, embora ligeiramente menor, ocorreu em 1582. A fim de melhor obedecer aos movi­ mentos astronómicos, uma bula do papa Gregório XIII, datada de 24 de Fevereiro desse ano, revogou o calen­ dário juliano, decretando que fossem retirados alguns dias ao ano em curso. O dia 1 5 de Outubro surgiu nesse ano logo após o 4 de Outubro, criando assim um «buraco» de onze dias no calendário. O dia 1 de Janei­ ro de 201 1 no calendário gregoriano, que ainda hoje vigora, é o dia 1 9 de Dezembro de 201 0 do calendário juliano. Como era de esperar, países e regiões católicas como Portugal, Espanha, Roma (não existia ainda Itália na forma actual) e Danzigue (pertencente à actual Poló­ nia) passaram imediatamente a seguir o édito papal. Desta vez, Portugal estava na linha da frente de uma mudança que haveria de ser global. O novo calendário tinha sido preparado por uma douta comissão que
  • 36. 34 DARWIN AOS TIROS incluía o j esuíta alemão Christophorus Clavius ( 1 538- - 1 6 12), talvez o mais famoso estudante de Coimbra, uma vez que estudou durante cinco anos no Colégio das Artes coimbrão antes de ir dirigir o Colégio Romano, a escola maior dos jesuítas. Outros países seguiram o calendário mais tarde, como, por exemplo, a Inglaterra e a Rússia. Comentou o astrónomo Johannes Kepler, que aliás era protestante, em relação aos ingleses: Preferiam estar em desacordo com o Sol a estar de acordo com o papa. o intrépido capitão Lunardi e os lulanos O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar AlIan Poe ( 1 809- 1 849)? Pois ambos foram motivo de celebra­ ções em 2009: passaram nessa altura 400 anos da publi­ cação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas primeiras leis do astrónomo alemão, e 200 anos do nas­ cimento do poeta e contista norte-americano. Mas os paralelos não se esgotam por aí: Kepler foi o autor da que é considerada a primeira obra de ficção científica da história, Somnium (título em latim, vertido em portu­ guês para Sonho), publicada postumamente em 1 634, na qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que Poe retomou o mesmo tema no seu conto A Aventura sem Paralelo de Um tal Hans Pfaall, saído em 1 835, que narra uma subida à Lua a bordo de um balão. Entre as duas datas de que se assinalaram as efeméri­ des, situa-se uma outra: a da primeira ascensão em balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripu­ lado, conseguida pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão no paço de el-rei D. João V; em 1 709. Se
  • 37. HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 35 Poe relatou no século XIX uma arrojada subida em balão até à Lua foi porque muitos aventureiros tinham antes efectuado demonstrações tripuladas nesse meio de trans­ porte. A primeira ascensão humana num balão, dos irmãos Montgolfier, só foi concretizada 74 anos após o ensaio de Gusmão, havendo quem especule sobre a pos­ sibilidade de ter havido uma transferência tecnológica através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de Rozier, o professor de Física e Química que se haveria de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo quando, anos volvidos, tentava atravessar o canal da Mancha, e o marquês de Oeslambre, um nobre interes­ sado em altos voos. Também em Portugal se realizaram em finais do século XVlII e princípios do século XIX algumas admirá­ veis proezas de balonismo. O destemido balonista ita­ liano Vincenzo Lunardi ( 1 759-1 806), que tinha sido o primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bor­ do um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de vinho!), fez uma exibição da sua perícia no Terreiro do Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage ( 1 765-1 805) a escrever o folheto Elogio poético à admirável intrepidez, com que em domingo 24 de Agosto de 1 794 subiu o capitão Lunardi no balão aerostático (Lisboa, 1 794). Bastam dois ver­ sos para se ver o estilo grandiloquente do nosso vate: Guardai da glória no imortal tesouro O nome de Lunardi em letras de ouro. Lunardi acabou por se fixar em Lisboa, onde veio a falecer.
  • 38. 36 DARWIN AOS TIROS Em 1 8 1 9 foi a vez de o professor belga de Física Étienne-Gaspard Robert ( 1 763-1 837), mais conhecido por Robertson, e o seu filho Eugene efectuarem um novo espectáculo de subida em balão em Lisboa, que incluiu o primeiro salto em pára-quedas feito em solo português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos quais em Copenhaga, que muito impressionou o então jovem físico dinamarquês Hans Christian 0rsted (mais tarde famoso pela sua descoberta da acção magnética da corrente eléctrica), a ponto de o ter levado a escrever poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço não era um candidato a cientista mas sim um rival de Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa ( 1 757- 1 832), conhecido por josino Leiriense na Arcádia Lusitana, que escreveu no mesmo ano do espectáculo o poema O Balão aos Habitantes da Lua: Uma Epopeia Portuguesa. Numa reedição de 2006 da Faculdade de Letras da Universi­ dade do Porto, pode ler-se a engraçada sátira social, que roubou a forma a Os Lusíadas. O argumento é bastante científico, como se percebe de um curto extracto: Matemáticos pontos combinando, Tendo por base a grande Astronomia, Um Génio, que não tem nada de brando, Projecta ir ver o Sol, fonte do dia: Em pejado Balão vai farejando, Subindo mais e mais como devia; Divisa a Lua, mete-se por ela, Pasma de imensas cousas que viu nela. Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua, nesta utopia portuguesa, é povoada pelos Lulanos, nome parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à Thomas More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa
  • 39. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 37 Lua habitada, ao contrário do que se passava em Por­ tugal, a justiça funciona: Aqui não há ladrões! Se um aparece, É logo e sem demora castigado; Tenha empenhos ou não, ele padece, Sofrendo o que na Lei lhe é destinado. A cntIca aos atrasos da justiça não terá perdido actualidade. . . Há que fazer j ustiça a Bocage e a Rodrigues da Costa, não só por terem feito um bom retrato do seu país, mas também e principalmente por terem cruzado a ciência, ou melhor, a sua filha directa, a tecnologia, com a arte. Se não têm a notoriedade mundial de Kepler e de Poe, deviam, pelo menos, ter uma maior notoriedade no vasto espaço de língua por­ tuguesa. Einstein eclipsa Newton o eclipse do Sol que celebrizou Albert Einstein ( 1 879- -1 955) ocorreu no dia 29 de Maio de 1 91 9. Foi obser­ vado por uma equipa britânica chefiada pelo astrónomo Arthur Eddington ( 1 882-1 944), na ilha do Príncipe, que na altura era uma colónia portuguesa, associada à ilha de São Tomé (o conjunto constitui o arquipélago de São Tomé e Príncipe, hoje país independente). Tra­ tava-se de confirmar, ou de infirmar, um desvio dos raios de luz provenientes de certas estrelas, que era previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein, pelo simples facto de eles passarem perto do Sol. Numa reunião da Royal Society realizada em Londres, em
  • 40. 38 DARWIN AOS TIROS conjunto com a Royal Astronomical Society, a 6 de Novembro de 1 9 1 9, os resultados das observações realizadas no Príncipe foram anunciados urbi et orbi. E estes, em concordância com observações realizadas em simultâneo em Sobral, no Norte do Brasil, por uma outra equipa inglesa, deram razão a Einstein. O criador da teoria da relatividade geral não duvi­ dou um só momento que fosse da correcção da sua teoria. Nesse mesmo ano de 1 9 1 9, quando alguém lhe perguntou como teria reagido se não tivesse havido confirmação, Einstein respondeu, exibindo uma abas­ tada autoconfiança: Nesse caso eu teria pena do bom Deus. A teoria está certa de qualquer modo. E, mais tarde, comentou a respeito do seu colega e amigo Max Planck, por este ter sido mais céptico: Mas ele realmente não entendia muito de física, [por­ queJ durante o eclipse de 1 91 9 ficou a noite toda acorda­ do para ver se iria confirmar a deflexão da luz pelo campo gravitacional. Se tivesse realmente entendido a teoria da relatividade geral, teria ido para a cama tal como eu fiz. O êxito de Einstein correu logo todo o mundo. O jornal Times de Londres titulava em caixa alta a 7 de Novembro de 1 9 1 9: «Revolução na ciência. Nova teoria do Universo. » Na notícia dizia-se que Einstein acabava de destronar o gigante Isaac Newton do lugar maior da história da Física. Chegou também, passados alguns dias, a Portugal (que não tinha enviado astróno­ mos para acompanhar a expedição, apesar de a revista
  • 41. H ISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 39 coimbrã O Instituto ter publicado, anos antes, um artigo alertando para a importância do eclipse). A 1 5 de Novembro, um título do jornal O Século, publicado em Lisboa, era tão conciso como exacto: «A luz pesa. » A vida do sábio suíço-americano de origem alemã mudou radicalmente a partir dessa altura. Einstein não seria Einstein sem a fama que lhe deu o eclipse. Pode dizer-se que há duas fases na biografia de Einstein: antes do Príncipe e depois do Príncipe, duas fases que alguém descreveu respectivamente como «Dos Princípios para o Príncipe» e «Do Príncipe para Princeton» . Ainda hoje se recorda o eclipse solar de 1 9 1 9, quando não se re­ cordam muitos outros bastante semelhantes. Se o eclip­ se celebrizou Einstein, não é menos certo que Einstein celebrizou aquele eclipse. O ano de 1 9 1 9 não poderia ter ficado na história da astronomia como ficou sem o abono que o eclipse concedeu à teoria da relatividade. Da órbita de Clarke ao elevador espacial O escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke ( 1 9 1 7-2008 ) morreu, no Sri Lanka, onde residia há longos anos, alguns meses depois de ter soprado 90 velas no seu bolo de aniversário. A foto da festa de anos, com o aniversariante em cadeira de rodas, correu o mundo, pois ele foi o autor, com o norte-americano Stanley Kubrick, de um dos filmes mais famosos de sempre: 2001 : Uma Odisseia no Espaço. Poucos sabem, porém, que Clarke era, por formação, físico, tendo estudado no King's College de Londres depois da Se­ gunda Guerra Mundial. Durante essa guerra serviu o seu país na Royal Air Force, tendo ajudado ao desen-
  • 42. 40 DARWIN AOS TIROS volvimento da tecnologia do radar, verdadeiro respon­ sável pelos sucessos aéreos dos Aliados. Foi em Outubro de 1 945, quando tinha apenas 28 anos, que Clarke, numa revista de electrónica amadora (Wireless World), avançou com uma das maiores ideias das ciências espaciais: o satélite geoestacionário. O artigo intitulado « Extra-terrestrial relays» « <Retransmissores extraterrestres» ) e subintitulado « Can Rocket Stations Give Worldwide Radio Coverage? » « <Podem estações em foguetões fornecer uma cobertura mundial de rá­ dio?» ), especulava sobre a possibilidade de uma rede de satélites fornecer uma cobertura radiofónica global. Um satélite geoestacionário situa-se numa órbita geoes­ tacionária, conhecida como órbita de Clarke. Essa órbita, a 35 mil quilómetros de altitude, está hoje tão densamente povoada de satélites (tem mais de três cen­ tenas), não só de comunicações mas também de meteo­ rologia, que faz lembrar a praia da Costa da Caparica em pleno mês de Agosto... Porquê 35 mil quilómetros? Para obter esse valor, basta fazer algumas contas, usando a segunda lei de Newton e a fórmula da força de gravitação. Ensina-se nos actuais programas de Física do 1 0.0 ano de escola­ ridade que um satélite a essa altitude, colocado sobre o equador, demora exactamente 24 horas a dar a volta a Terra. Como o meu planeta faz uma rotação completa nesse tempo, o satélite está sincronizado com ele: é visto do equador como estando permanentemente parado. Em 1 945 não se sabia que a tecnologia dos satélites era viável e ela só se viria a concretizar em 1 957, a data da subida aos céus do primeiro Sputnik. O Sputnik 1 girava a uma órbita baixa, bem longe da órbita de Clarke, e apenas em 1 963 foi lançado pelos
  • 43. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTI CA 41 americanos o primeiro satélite geoestacionário. Clarke ficou célebre na ficção científica, mas o seu artigo da Wireless World não era, portanto, ficção: era científico. Modernamente, há ideias que parecem tão lunáticas como a órbita de Clarke parecia no final da guerra. Uma das mais interessantes consiste em construir um elevador espacial, isto é, um fio estendido na vertical até essa órbita e que se mantenha esticado, a rodar com a Terra pelo facto de a ponta estar numa órbita geoes­ tacionária. O fio teria de ser muito resistente para per­ mitir içar objectos para o espaço, dispensando assim os dispendiosos foguetões que hoje se usam (no seu artigo original, Clarke falhou quando previu foguetões a energia nuclear). Há quem proponha usar nanotubos de carbono, fios constituídos por camadas de carbono enroladas que conseguem ser ultrafinos e ao mesmo tempo ultra-resistentes, faltando porém saber se essa tecnologia assegura a necessária « magia » . O mais curioso é que Clarke tenha previsto (bem, ele não foi o primeiro. . . ) o elevador espacial no seu romance de ficção científica As Fontes do Paraíso (edição original de 1 979). Situava-o precisamente no seu local de elei­ ção, o Sri Lanka, a antiga ilha de Ceilão, chamada, pelos portugueses do tempo dos Descobrimentos, Tapro­ bana. O elevador espacial não nos levará, como escre­ veu Luís de Camões n' Os Lusíadas, para «além da Taprobana», mas sim para cima da Taprobana! o pai incógnito do Sputnik O chamado «pai do Sputnik » foi o ucraniano Sergei Pavlovich Korolev ( 1 906-1 966). Em contraste com o
  • 44. 42 DARWIN AOS TIROS engenheiro alemão (depois naturalizado norte-ameri­ cano) Wernher von Braun ( 19 12-1 977), o «pai do Saturno V» e portanto o « pai da viagem à Lua» , o engenheiro Korolev não é muito conhecido, pelo menos no mundo ocidental. Muita gente sabe que von Braun construiu durante a Segunda Guerra Mundial as bombas voadoras V2 ao serviço dos nazis que, lançadas de bases no Norte da Alemanha, espalharam o terror no Centro e Sul de Inglaterra. E muitos sabem também que ele foi preso por tropas norte-americanas e levado à força para o outro lado do Atlântico, onde mais tarde veio a desenvolver os poderosos foguetões que levaram as naves Apolio na ponta do nariz para cumprir missões lunares. Mas pouca gente conhece o que quer que seja da biografia de Korolev. Ele está praticamente esquecido no Ocidente. Pouca gente sabe que, antes de dirigir o programa espacial soviético, Korolev foi apanhado numa purga ordenada pelo ditador José Estaline e pas­ sou a guerra internado, primeiro, num gulag da Sibéria e, depois, num campo de prisioneiros cujo trabalho escravo era precisamente construir aviões. Um dos seus companheiros nessa prisão foi outro grande génio da aviação - Andrei Tupolev ( 1 8 8 8- 1 972), nome mais conhecido por estar associado a uma bem-sucedida em­ presa aeronáutica. E pouca gente sabe que a ideia da ida do homem à Lua pertenceu, não ao engenheiro Von Braun nem ao presidente Kennedy, mas sim... ao enge­ nheiro Korolev. Essa posição nunca foi assumida publi­ camente pelos soviéticos porque seria uma verdadeira confissão de derrota na corrida ao espaço, depois de o génio de Korolev lhes ter permitido obter uma mão­ -cheia de estrondosas vitórias. O primeiro engenho a alunar, um aparelho forte e feio que ostentava orgu-
  • 45. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 43 lhosamente a foice e o martelo, foi o Luna 2, em 1 959. E o primeiro homem a viajar no espaço foi o russo Yuri Gagarin, que entrou em órbita terrestre a bordo da nave Vostok em 1 96 1 . Contudo, a União Soviética não estava em condições, em finais dos anos 60, de compe­ tir com os norte-americanos na corrida com tripulação humana ao nosso satélite natural. Em 1 969, nas véspe­ ras da missão Apollo 1 1 , von Braun ainda receava que, nesse tempo em que a Guerra Fria exigia segredos fecha­ dos a sete chaves, pudesse haver uma surpresa de última hora do outro lado da Cortina de Ferro. Mas não houve. Uma das razões foi a morte prematura do grande engenheiro-chefe. Korolev tinha falecido em 1 966, no auge da sua carreira, durante uma operação cirúrgica de rotina. O presidente russo Vladimir Putin prestou­ -lhe uma merecida homenagem em 2006, por ocasião do centenário do seu nascimento. Korolev pode não ter concretizado o seu sonho de ver humanos pisarem solo lunar, mas, sem ele, primeiro a União Soviética e depois a Rússia nunca teriam podido voar tão alto como voaram. Porque está lá! Quando um repórter perguntou ao montanhista in­ glês George Mallory ( 1 886-1924) porque é que ele queria escalar até ao cimo do monte Evereste, ele terá respondido: Because it's there! ( << Porque está lá! » ) Ainda hoje constitui um mistério saber se Mallory atingiu O cume da maior elevação do mundo, a mais de
  • 46. 44 DARWIN AOS TIROS oito quilómetros de altitude, uma vez que ele morreu durante a tentativa, em 1 924, não existindo provas do­ cumentais de que tenha estado no cimo, como existem em relação ao neozelandês Sir Edmund Hillary ( 1 9 1 9- -2008) e ao nepalês Tenzing Norgay ( 1 914- 1986), que chegaram ao cume em 1 953, tendo regressado sãos e salvos. Tardaram 75 anos até que o corpo do malo­ grado Mallory fosse encontrado pelo alpinista norte-ame­ ricano Conrad Anker (n. 1 962) numa expedição espe­ cialmente preparada para esse fim. Mas não foi achada a câmara fotográfica com a qual ele poderia ter regis­ tado o sucesso. Ela provavelmente estará com Andrew lrvine ( 1 902-1 924), o seu jovem companheiro de ascen­ são, cujo corpo não foi até hoje encontrado. Na reali­ dade, estes pioneiros do Evereste têm tido azar com as máquinas fotográficas, uma vez que também não há nenhuma fotografia de Hillary no cume, apenas uma do nepalês Norgay, que não sabia usar uma máquina fotográfica. Segundo o seu companheiro neozelandês, « o cume do Evereste não era o lugar para lhe começar a ensinar» . Muito sensato... Os astronautas norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin, os membros da missão Apollo 1 1 que, no dia 20 de Julho de 1 969, foram os primeiros seres humanos a pisar o solo poeirento da Lua (<<One small step for man... », «Um pequeno passo para o homem... » ), fazendo-nos chegar inequívocos registos fotográficos e cinematográficos da sua excursão e regressando depois na perfeição ao seu planeta natal, poderiam muito bem ter respondido como Mallory a uma pergunta seme­ lhante, no seu caso sobre a viagem ao nosso satélite natural. De facto, a Lua está lá, dia após dia, noite após noite, por cima das nossas cabeças, bem mais visível
  • 47. H ISTÚRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 45 para todos do que a montanha Evereste. É por isso que, desde pelo menos o sírio Luciano de Samósata (c. 120-c. 1 80), o astro mais próximo de nós tem ins­ pirado muitos sonhos de viagem. Foi o caso de escritos do alemão Johannes Kepler e do francês Cyrano de Bergerac. A ânsia humana de chegar a todos os sítios que « estejam lá» constitui o verdadeiro motivo de todas as explorações, tanto na Terra como fora dela. Se o ensejo da primeira viagem à Lua foi a competição dos Estados Unidos com a União Soviética, que conduziu ao famoso anúncio da intenção de chegar à Lua antes do final da década feito pelo presidente John Fitzgerald Kennedy em 1 96 1 , em reacção política às proezas orbitais soviéticas do Sputnik e de Yuri Gagarine, o verdadeiro impulso, tanto individual como colectivo, foi decerto a descoberta de mais mundos, a travessia das fronteiras, a auto-superação. Foi Edmund Hillary que afirmou: Não conquistamos a montanha, mas sim a nós mes­ mos. A Lua continua lá, à mesma distância de nós. E é o mesmo impulso de sempre, o impulso de conquista de nós mesmos, que nos vai levar - esperamos que em breve - a lá voltar. Viagem planetária com dormida na heliosfera o termo heliosfera, literalmente « esfera do Sol» , de­ signa o casulo envolvente da nossa estrela e também de todo o sistema solar onde os ventos solares (chuveiro
  • 48. 46 DARWIN AOS TIROS de partículas carregadas ou plasma emitidos pelo Sol) encontram o espaço interestelar. A sonda Voyager 2, lançada pela Agência Espacial Norte-Americana, NASA, de cabo Canaveral, na Florida, no dia 20 de Agosto de 1 977, chegou trinta anos depois à heliosfera. No longo caminho da viagem passou sucessivamente por Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, aproveitando uma rara conjugação na mesma zona do espaço destes grandes planetas, e enviou reportagens espectaculares desse grande tour planetário. A sonda sua irmã Voyager 1 já tinha chegado um pouco antes à heliosfera, apesar de ter sido lançada ligeiramente depois. Acontece que, apesar do parentesco no nome e nos objectivos, as órbitas das duas naves são bastante diferentes, dirigindo-se a Voyager 1 para cima do plano do equador terrestre e a Voyager 2 para baixo dele. Acontece ainda que a heliosfera, apesar do seu nome, não é bem uma esfera, devido à influência de campos magnéticos interestelares. A Voyager 2, ao contrário da Voyager 1 , manteve os seus detectores de plasma em pleno funcionamento, pelo que nos enviou informações preciosas sobre o conteúdo de uma zona remota do nosso sistema planetário na altura em que estava a findar 2007, declarado pelas Nações Unidas Ano Internacional da Heliofísica. Enquanto fechava esse ano, as duas naves continua­ vam a sua prodigiosa viagem, à velocidade de 50 000 quilómetros por hora. Ambas estão mergulhadas na heliosfera e por lá irão continuar durante vários anos, dada a enorme vastidão dessa zona. O limite da helios­ fera, que se chama heliopausa, está pelo menos a 4 anos de viagem das sondas. A Voyager 2 enviar-nos­ -á registos da travessia dessa última fronteira solar.
  • 49. HISTÚ RIAS DE ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 47 É preciso alguma sorte, pois pode esgotar-se a energia fornecida pela sonda e, consequentemente, os seus ins­ trumentos deixarem de funcionar. Se isso acontecer, será como um carro ao qual acaba o combustível quase no fim da viagem, com a diferença de que à sonda nin­ guém lhe pode valer. Por sugestão do astrofísico norte-americano Carl Sagan, cada uma das naves transporta uma placa que tem inscritas saudações em várias línguas, incluindo a língua portuguesa. É muito pouco provável que, na heliopausa ou para lá dela, haja alguém que fale portu­ guês, mas vá-se lá saber... Se houver e encontrar a placa, ficará decerto todo contente ao reconhecer a língua de Camões numa nave naufragada por aquelas remotas paragens! Para além da heliopausa é muito, muito mais longe do que para além da Taprobana. Galileo no vidro da frente com uma ventosa A 27 de Abril de 2008 foi lançado da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um foguetão russo Soyuz, o segundo satélite do sistema de navega­ ção Galileo, o grande projecto que a União Europeia preparou para concorrer com o GPS norte-americano. O primeiro satélite tinha sido lançado em 2005 pela Agência Espacial Europeia, ESA. O GPS - Global Positioning System é, na sua ori­ gem, um sistema militar de localização e continua a sê­ -lo em larga medida. Em 1 983, na sequência do trágico abate de um avião civil sul-coreano que atravessava o espaço aéreo sovletlcO, o presidente norte-americano Ronald Reagan decidiu abrir o GPS ao uso civil. Na
  • 50. 48 DARWIN AOS TIROS pratica, coexistem actualmente um sistema militar, de elevada precisão, e um sistema civil, de menor precisão, que tem conhecido um boom por todo o mundo (quem é que ainda não usou, por exemplo, o TomTom?). Em 2000, o presidente norte-americano, Bill Clinton, man­ dou desactivar a « disponibilidade selectiva» , isto é, a possibilidade de as autoridades militares interferirem destrutivamente no sinal GPS público em caso de neces­ sidade imposta por um conflito. Mesmo assim, a União Europeia decidiu que era necessário um sistema alter­ nativo só para uso civil, devendo esse sistema ter maior precisão do que a do GPS actual (o objectivo último é a precisão de apenas um metro). A discussão entre a União Europeia e os Estados Unidos foi bastante dura após os ataques do 1 1 de Setembro de 2001 da AI-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque, que have­ riam de conduzir a guerras no Iraque e no Afeganis­ tão. No entanto, em 2004, as duas partes chegaram finalmente a um acordo, que incluiu a mudança das frequências do Galileo e a regulação de toda e qual­ quer actuação conjunta em caso de guerra. As duas tecnologias até então rivais entraram a partir de então numa fase de cooperação. Se não os podes vencer, jun­ ta-te a eles... Como funciona o GPS e como vai funcionar o Galileo? Essencialmente da mesma maneira, uma vez que a tecnologia subjacente é muito semelhante. Pelo menos três satélites, equipados com relógios atómicos, que são relógios extraordinariamente precisos, enviam sinais por microondas para terra, que são lidos por receptores do GPS ou Galileo, também equipados com relógios mas menos precisos. A posição do receptor determina-se computacionalmente a partir das posições
  • 51. H ISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 49 dos satélites em linha de vista, assim como dos instan­ tes de emissão e de recepção dos sinais. O Galileo, que usará 30 satélites e duas bases de rastreio, é extremamente dispendioso: em 2007 eram precisos mais 3,4 mil milhões de euros para o desenvol­ ver. As empresas privadas tremeram perante o montante desse investimento. Só no final desse ano, durante a presidência portuguesa da União Europeia, se deu um passo decisivo para desbloquear o projecto, alocando ao Galileo fundos comunitários retirados à agricultura e à administração comunitária. O sistema europeu (de facto, não é só europeu, pois à Europa já se juntaram países asiáticos como a China, a Índia e a Coreia do Sul), deverá estar operacional em 2013, se tudo correr bem. Nessa altura, vamos poder escolher entre o GPS e o Galileo. Na competição entre os dois, não se sabe quem vai ganhar. Vamos ver qual deles vai aparecer em maior número colado com uma ventosa no vidro da frente dos carros... Haverá certamente algumas pessoas, mais desconfia­ das, que gostarão de ter os dois: «O GPS diz que che­ gámos a casa dos primos, mas no Galileo ainda faltam dois metros. É melhor telefonar.» Bactérias extraterrestres? Outra vez? Em 1 996, circulou por todo o mundo a notIcIa de que tinham sido encontrados vestígios de bactérias num meteorito caído nos gelos da Antárctida e, em princí­ pio, proveniente de Marte. A origem dessa informação foi a NASA, e a proporção que ela atingiu teve a ver com o facto de o próprio presidente Bill Clinton se ter
  • 52. 50 DARWIN AOS TIROS pronunciado sobre o assunto numa apresentação tele­ visiva difundida da Casa Branca. Mas a controvérsia foi grande e hoje permanecem sérias dúvidas sobre a hipótese de descoberta de vida extraterrestre que foi formulada na altura. Pode muito bem ter havido uma contaminação da amostra por bactérias terrestres, pelo que as bactérias marcianas ficaram por confirmar. Apesar de esforços incessantes de numerosos inves­ tigadores, não sabemos ainda se há vida noutros sítios do nosso vasto cosmos além da Terra. A astrobiologia, o cruzamento da astronomia com a biologia, é actual­ mente uma das áreas mais activas e mais interessantes da ciência: os astrobiólogos perscrutam, com os seus poderosos telescópios, sinais de complexos químicos no espaço, enviam a Marte e a outros astros do sistema solar bem equipadas sondas capazes de detectar formas de vida, e procuram marcas biológicas em meteoritos caídos no nosso planeta. A notícia devidamente confir­ mada do achamento de vida extraterrestre, qualquer que fossem o sítio e o meio usados, causaria decerto um grande alvoroço na Terra. Mas, até agora, nenhum organismo vivo que possa ser considerado extraterrestre se achou de um modo que não deixe margem para dúvidas. Nenhum? Bem, o Journal of Cosmology publicou em 201 1 um artigo de Richard Hoover (n. 1 943), cientista da NASA, que, a acreditar na interpretação do autor, mostra fósseis de cianobactérias em meteoritos carbonáceos, isto é, meteo­ ritos que contêm carbono. Esses meteoritos, examina­ dos agora com modernas técnicas físico-químicas, já não são novos, estando guardados em museus de ciên­ cia (dois deles caíram em França no século XIX e foram examinados por grandes químicos da época). Hoover
  • 53. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 51 notou que alguns filamentos microscopiCos presentes nos meteoritos se assemelham às cianobactérias, bacté­ rias que são comuns nas águas dos oceanos e cuja capa­ cidade de fotossíntese terá sido responsável pela forte presença de oxigénio na Terra. O padrão dos elementos químicos identificados levou-o a afirmar que essas bac­ térias não eram como as terrestres, defendendo por isso a tese de que elas tinham vindo de fora do planeta. O canal de televisão de pendor sensacionalista Fox News, do norte-americano Rupert Murdoch (o mesmo dono do News of the World, que fechou em 201 1 com um enorme escândalo), propalou a novidade aos qua­ tro ventos, logo ampliada por outros órgãos de comu­ nicação social em vários países. Mas a questão não é nada simples e, tal como quinze anos antes, as reacções adversas não se fizeram esperar. Foi sobretudo discu­ tida a credibilidade da revista, uma recente publicação de acesso livre na Internet cujo rigor no processo de avaliação por peritos pode deixar a desejar. Em revistas científicas credíveis, nada é publicado sem passar no exigente crivo de referees escolhidos pelos editores. Ora o editor da área de astrobiologia daquela publicação pode ter uma visão enviesada. Trata-se de Chandra Wickramasinghe (n. 1 939), um cientista indiano acér­ rimo defensor da ideia de panspermia, teoria segundo a qual a vida na Terra teve uma origem extraterrestre (é autor de um livro sobre o tema em co-autoria com o norte-americano Fred Hoyle, o bem conhecido adver­ sário da teoria do Big Bang). Essa tese não resolve o problema da origem da vida, simplesmente explica a vida da Terra dizendo que ela veio doutro lado. A pans­ permia não deixa, porém, de ser um conceito interes­ sante, que até poderia ser aplicada na política se os
  • 54. 52 DARWIN AOS TIROS decisores públicos tivessem suficiente imaginação para alegarem que a origem da crise económica é extrater­ restre... As opiniões dividiram-se, mas a comunidade dos astrobiólogos achou precária a sustentação científica que Hoover fornecia no seu artigo. O mais provável é que esta « descoberta», tal como a das bactérias marcia­ nas de 1 996, não venha a passar na avaliação externa, que demora algum tempo e costuma ser mais severa do que a interna. A ser assim, não será ainda o fim dos extraterrestres (ET) fora dos cinemas. A sua busca irá continuar... Alô, Marte, está aí alguém? A resposta à pergunta sobre se há vida no planeta Marte tem sido intensamente procurada pelos terrestres. De facto, só conhecemos vida na Terra, dando-se o caso de alguma dessa vida ser inteligente. Mas, atendendo à extensão do espaço, é não só possível como provável que haja vida, quiçá vida inteligente, noutros sítios do vasto cosmos. Em Marte, por exemplo, que está rela­ tivamente perto de nós. É o planeta mais próximo do nosso depois de Vénus (o <<planeta irmão da Terra» ), o qual, devido às suas altíssimas temperaturas provocadas por efeito de estufa, se apresenta como um verdadeiro inferno, e não pode, por isso, abrigar seres vivos. Depois de um voo de dez meses, a sonda Fénix (em inglês, Phoenix), um projecto da NASA, liderado pela Universidade de Arizona, sediada na cidade de Phoenix (daí o nome), nos Estados Unidos, pousou perto do pólo norte de Marte no dia 25 de Maio de 2008. Foi
  • 55. HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 53 um verdadeiro alívio no centro de controlo quando a sonda, já em solo marciano, respondeu à chamada da Terra, por ondas de rádio, uma vez que a exploração de Marte parecia amaldiçoada. Dos 19 engenhos que tinham sido enviados nos dez anos anteriores, cerca de metade tinha falhado. Dessa vez, felizmente, tudo correu bem e ao leitor bastará consultar a Internet (http://phoenix.lpl.arizona.edu/) para se encantar com vários retratos de Marte feitos pela Fénix. Com a mis­ são perfeitamente cumprida, a sonda calou-se passados alguns meses, devido à falta de energia. O escritor norte-americano de ficção científica Ray Bradbury (n. 1920) escreveu nas suas Crónicas Marcia­ nas que existem marcianos: os marcianos somos nós... quando chegarmos a Marte. De facto, através desta e das sondas anteriores, estamos a preparar a nossa pri­ meira viagem ao Planeta Vermelho. Convém por isso saber o que vamos encontrar. Com certeza que a Fénix não procurou nem encontrou homenzinhos verdes, mais ou menos semelhantes a nós, mas procurou encontrar microrganismos. Não seria uma completa surpresa se os tivesse detectado, mas seria decerto um marco não só na história da ciência como na história da humanidade. A sonda dispunha de um braço robótico com mais de dois metros destinado a escavar o solo marciano. Suspei­ tava-se de que a superfície extremamente fria do Norte de Marte escondesse gelo. Já se sabe, de resto, que existe água em Marte, embora apenas água gelada. E a água é uma das substâncias essenciais para a vida tal como a conhecemos no nosso planeta. Mas, a respeito de microrganismos marcianos nada, zero, coisa nenhuma... Os microrganismos não lêem. Mas, não vá dar-se o caso de aparecer algum deles letrado (sabe-se lá, talvez
  • 56. 54 DARWIN AOS TIROS com um curso das «Novas Oportunidades» feito à dis­ tância), a Fénix levou a bordo uma biblioteca, a pri­ meira biblioteca em Marte, de outras que mais tarde se deverão seguir. Trata-se de um conjunto de livros com­ pactados em forma digital num DVD intitulado Visions of Mars (Visões de Marte). A biblioteca reúne a melhor ficção que tem sido escrita sobre Marte: não só textos da autoria de Bradbury, mas também dos ingleses Herbert George Wells e Arthur C. Clarke, e dos norte­ -americanos William Burroughs e Isaac Asimov. Inclusi­ vamente, a voz de Sir Arthur C. Clarke está lá gravada, numa saudação fraterna aos marcianos. O ezxo do mal na abóbada celeste Partículas nuas e com charme, supergigantes e super­ novas, buracos negros, matéria escura, quinta-essência, inflação: os astrofísicos gostam muito de nomes que chamem a atenção. Pois o <<eixo do mal», que era uma curiosa expressão da política, usada pelo presidente George Bush num dos seus discursos sobre o <<Estado da União» para designar alguns países inimigos do seu, com programas nucleares em curso, como a Coreia do Norte, o Irão e o Iraque, também entrou na linguagem da física. . . Com efeito, <<Ü eixo do mal » (no original inglês, <<The axis of evil» ) foi o título de um artigo publicado na prestigiada revista científica Physical Review Letters, em 2005, pelo astrofísico português João Magueijo (n. 1 967, em Évora), professor e investigador no Impe­ rial College de Londres) e pela sua aluna de doutora­ mento inglesa Kate Land (hoje investigadora na Univer-
  • 57. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 55 sidade de Oxford). Magueijo e Land deram esse nome a uma linha que, segundo eles, marcava uma acentuada assimetria na chamada « radiação cósmica de fundo» , o clarão de microondas que ficou como resto fóssil do momento da criação dos átomos por todo o Universo, há cerca de 14 mil milhões de anos, quando o Universo só tinha 300 mil anos (um bebé, portanto, comparado com a idade que tem hoje). A observação rigorosa dessa radiação com a ajuda de um satélite da NASA, que se fartou de dar voltas à Terra, valeu o Prémio Nobel da Física, em 2006, aos norte-americanos George Smoot e John Mather, chefes de uma numerosa equipa, tal como a observação de um ruído esquisito numa antena na Terra já tinha valido, em 1978, o Prémio Nobel da Física a outros dois norte-americanos, Arno Penzias e Robert Wilson, que, em contraste com os seus sucesso­ res, trabalhavam com um pequeno grupo. O cosmos é, assim, como um enorme forno de microondas. E as microondas cósmicas chegam cá ao fundo da atmosfera, embora se apanhem muito melhor lá em cima. De início, o «eixo do mal» não passava de uma mera especulação, mais uma entre tantas outras que se fazem na astrofísica. Segundo os seus autores, nem todas as direcções do espaço seriam equivalentes, ao contrá­ rio do que se supunha. Mas, poucos anos passados, dois estudos independentes um do outro, um belga e outro norte-americano, vieram aparentemente confir­ mar a existência do referido eixo. A ser verdade, o modelo do Big Bang (um outro nome curioso criado pelo astrofísico inglês e autor de ficção científica Fred Hoyle só para denegrir a ideia de momento inicial da criação, que ele pura e simplesmente abominava), que actualmente reúne um amplo consenso na comunidade
  • 58. 56 DARWIN AOS TIROS científica, estará confrontado com um novo e impor­ tante desafio. O dito eixo poderá abalar a teoria do Big Bang! De facto, a teoria do Big Bang, apesar de ser hoje largamente partilhada pela maioria dos cientistas que estudam o Universo em grande escala, não é indiscutí­ vel, tal como o não é, de resto, nenhuma teoria cientí­ fica. O aceso debate sobre a origem do Universo irá continuar e provavelmente até avivar-se. Curioso é que seja o mesmo Magueijo que há poucos anos tinha pro­ curado contrariar a teoria da relatividade restrita de Einstein, atacando um dos seus pilares essenciais (a constância da velocidade da luz), que venha agora opor­ -se a uma ideia cosmológica associada à teoria da rela­ tividade geral, também de Einstein. Magueijo não se cansa de contrariar Einstein. Da outra vez, a sua voz não se conseguiu impor no seio da comunidade cientí­ fica. Será desta? Multiverso, A/ices e coelhos brancos Certas áreas da física contemporânea aproximam-se perigosamente da ficção científica. O astrónomo polaco Nicolau Copérnico ensinou-nos que era o Sol, e não a Terra, o centro do mundo {que, na altura, estava res­ trito ao sistema solar). De início, quase ninguém deu ouvidos ao que ele dizia e, com o avolumar de provas, tornámo-nos todos copernicanos. Hoje, alguns astrofí­ sicos querem fazer-nos crer que o Universo não é ape­ nas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade eventualmente infinita de universos, nos quais o nosso não assume de modo nenhum o papel central. É apenas
  • 59. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 57 um entre uma multidão de outros. Acontece que há cada vez mais gente a acreditar nessa nova tese... Se descontarmos as extravagâncias de alguns escri­ tores de ficção, a ideia de «muitos mundos» ou «mun­ dos paralelos» surgiu nos anos 50 do século passado no contexto das tentativas de interpretação da teoria quân­ tica. Debatendo-se, como tantos outros, com as dificul­ dades da noção quântica da probabilidade, o físico norte-americano Hugh Everett III ( 1 930-1982) teve uma saída muito original: propôs a existência de vários uni­ versos ou mundos. Em cada um deles concretizava-se um dos futuros possíveis oferecidos pelas leis quânticas probabilísticas. O chamado «gato de Schrodinger» é o protagonista de uma célebre experiência conceptual: o pobre animal estava fechado numa caixa, podendo mor­ rer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria quântica convencional, haveria uma certa probabilidade de ele estar vivo e a probabilidade remanescente de ele estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos de Everett, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto num outro. Quer dizer, o gato estava ao mesmo tempo morto e vivo, conforme o mundo. Parecia, e era mesmo, uma teoria do outro mundo. O estranho conceito dos mundos paralelos ressusci­ tou nos tempos mais recentes, impulsionado por mo­ dernas teorias cosmológicas, embora noutras vestes. Sendo o início do Universo um processo quântico, poderá ter acontecido que o Universo que habitamos e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis e que haja outros, muitos outros. Onde estão eles? Pois, mal comparado, o nosso Universo poderá ser apenas uma bolha que está, perfeitamente incógnita, no seio de uma espuma, juntamente com inúmeras outras, para
  • 60. 58 DARWIN AOS TIROS nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficien­ temente estranha, há quem defenda que o « borbulhar>> do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é, que estão sempre a nascer e irão sempre nascer mais universos no incomensurável Multiverso. Outros autores há que pugnam pela pluralidade de universos por uma via diferente desta. Para eles, os outros universos não estão para além do nosso hori­ zonte cósmico, mas antes têm portas abertas dentro do nosso próprio mundo. Sabemos hoje, por via tanto teórica como observacional, que o cosmos a que temos acesso possui « buracos>> - chamados mesmo buracos negros- onde o espaço-tempo acaba. Existe muita especulação sobre esses abismos cósmicos, pois neles acaba também toda a física que conhecemos. Alguns físicos imaginam que tais sítios, devido a uma qualquer modificação da gravidade, são túneis para outros uni­ versos do Multiverso. Carl Sagan, que além de repu­ tado astrofísico foi também o autor do muito vendido romance de ficção científica Contacto, em que se serve de viagens no espaço-tempo ao longo de «buracos de minhoca>> (wormholes), para mover personagens para paragens distantes, escreveu num estilo poético-literário: Os buracos negros podem ser entradas para Países das Maravilhas. Mas haverá lá A/ices e coelhos brancos?
  • 61. Um palimpsesto no banho e de outras física para ler histórias Um palimpsesto para ler no banho JÁ ALGUÉM, NUMA BELA METÁFORA, disse que Deus CO­ nhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os historiadores. E os historiadores fazem, por vezes, des­ cobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1 906, na cidade de Constantinopla, na Turquia, do Palim­ psesto de Arquimedes (figura 5), um precioso manus­ crito da autoria do grande sábio grego Arquimedes (287 a.C.-212 a.C.), que habitou na cidade de Siracusa, na Sicília, no tempo em que essa ilha de Itália pertencia ao mundo grego. Um palimpsesto, para quem por acaso não saiba, é uma obra escrita por cima de outra, um processo que se usava num tempo em que era preciso economizar materiais. Um livro sobre essa descoberta, e tão fascinante como ela, saiu em Portugal quase em simultâneo com
  • 62. 60 DARWIN AOS TIROS Figura 5 -Página do palimpsesto de Arquimedes. Repare-se na escrita sobreposta
  • 63. HISTÓRIAS DE FISICA 61 o seu ruidoso lançamento a nível mundial. Tem o título O Codex Arquimedes (Edições 70, 2007) e são seus autores dois norte-americanos: o historiador de ciência Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros raros William Noel, que dirige um projecto de investi­ gação sobre o precioso manuscrito. O conteúdo do livro não é ficção, embora por vezes pareça. A obra conta, de uma forma que prende o lei­ tor tal como um thriller, como o dito códex foi arrema­ tado em leilão por dois milhões de dólares, oito anos antes de o livro sair, uma quantia oferecida por um investidor anónimo, que logo cedeu a obra a especialis­ tas para estudo. No século x, um escriba, ainda mais anónimo do que o referido comprador, tinha copiado do grego um conjunto de obras avulsas de Arquimedes. Essa cópia foi, dois séculos depois, rasurada por um monge cristão para dar lugar a um livro de orações, a obra que chegou até nós. As mais modernas tecnologias permitiram, nos últimos anos, reconstituir nesse livro de orações originais únicos, que estavam semiocultos, mas apesar disso legíveis: Dos Corpos Flutuantes, Do Método Relativo aos Teoremas Mecânicos e Stomachion. O primeiro é o tratado que contém a famosa Lei de Arquimedes, relativa à impulsão, que é ensinada na escola: todo o corpo mergulhado num líquido está sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, cujo valor é igual ao peso do volume de líquido deslocado. O segundo é, em certos aspectos, precursor do cálculo diferencial que o inglês Isaac Newton e o alemão Gott­ fried Wilhelm von Leibniz formularam quase vinte sécu­ los mais tarde para descreverem matematicamente os movimentos. E, finalmente, o terceiro, que inclui um intrigante puzzle, coloca interessantes questões de com-
  • 64. 62 DARWIN AOS TIROS binatória, um ramo da matemática que se julgava ser bem mais recente. Os autores deste thriller histórico-científico não têm quaisquer dúvidas em afirmar que «Arquimedes é o maior cientista de todos os tempos». Para eles, Arqui­ medes bate Newton e Einstein aos pontos. Quase dois mil anos antes da Revolução Científica, aquele que, se não foi o maior cientista de todos os tempos, foi decerto o cientista mais avançado de toda a Antiguidade, conse­ guiu descobrir como funcionava o mundo - no caso da descoberta da impulsão foi mesmo caso, segundo a lenda, para gritar Eureca! e correr nu pelas ruas da cidade -, aliando o raciocínio lógico-matemático à experimentação. Usando, portanto, o método cientí­ fico, muito antes de ele ter sido formalizado e aplicado de forma sistemática. Atraso judicial no Vaticano A 25 de Agosto de 1 609, o físico italiano Galileu Galilei ( 1564- 1 642), numa demonstração do primeiro telescópio, construído por si próprio, aos senadores da República de Veneza, apontava com o dedo indicador a ocular por onde eles deviam olhar. O invento do novo instrumento valeu-lhe um bom reforço de salário. Quem quiser hoje, passados mais de 400 anos, ver, dentro de uma redoma, um dos dedos de Galileu terá de se deslocar a Florença, ao Museu e Instituto de História da Ciência, no centro histórico da cidade. Tal como uma relíquia de um santo, o dedo foi retirado do cadáver do sábio italiano, acabando por entrar nas colecções do museu.
  • 65. H ISTÓRIAS DE FfSICA 63 Mais tarde, Galileu haveria de apontar o seu teles­ cópio ao planeta Júpiter, em cujas imediações desco­ briu quatro satélites, aos quais hoje chamamos galilai­ cos, mas aos quais ele na altura chamou estrelas de Médici, numa tentativa de agradar aos grandes senho­ res de Florença. Essas e outras primeiras observações do céu feitas por Galileu com o seu telescópio foram logo confirmadas por padres jesuítas interessados pela astronomia. Olhando para onde apontava o dedo de Galileu, membros dessa ordem viram o mesmo que ele tinha visto. Um dos maiores astrónomos da época, o jesuíta alemão Cristophorus Clavius, que tinha estuda­ do em Coimbra e que era grande admirador de Pedro Nunes, manifestou simpatia pelo trabalho de Galileu, embora essa simpatia não se tivesse traduzido na acei­ tação do heliocentrismo, que Galileu defendia aberta­ mente e que considerou confirmado ou pelo menos reforçado pela sua observação das luas de Júpiter (fi­ cou para ele claro que a Terra não era o centro de todos os movimentos celestes). Quem estiver em Florença - e o visitante terá toda a vantagem, tal como no filme do realizador norte­ -americano James lvory, em reservar um quarto com vista sobre a cidade- não pode, para além do Palácio dos Mediei (Palazzo Vecchio) e da Catedral (Duomo) com o Baptistério de São João (Battistero di San Giovanni) em anexo, deixar de visitar o túmulo de Galileu, na Basílica de Santa Cruz (Basílica di Santa Croce), que aliás aparece em cenas desse filme. Perto dos túmulos de Dante, Maquiavel e Rossini, encontra-se o de Galileu, uma preciosa obra artística que merece as atenções dos turistas. O conteúdo tem atraído os cientistas: uma equipa de investigadores ingleses e italianos já pediu
  • 66. 64 DARWIN AOS TIROS autorização à Igreja Católica para abrir o túmulo e estudar os restos mortais do astrónomo e físico. A res­ posta das autoridades eclesiásticas poderá ser diferente da das autoridades civis portuguesas, que recusaram terminantemente a abertura do túmulo de D. Afonso Henriques, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a fim de uma equipa científica internacional, liderada pela antropóloga forense Eugénia Cunha, realizar exames antropológicos que nos permitissem saber mais sobre o . . . nosso pnme1ro re1. Pode parecer estranho que um cientista condenado em 1 630 por um tribunal da Igreja Católica, e que mor­ reu a cumprir a pena de prisão perpétua domiciliá­ ria, tenha sido sepultado num templo dessa instituição. Mas a estranheza talvez diminua se se souber que o processo judicial, que radicou na defesa por Galileu das ideias heliocêntricas de Copérnico, contrariando ordens recebidas da Inquisição, nunca abalou a fé de Galileu. Galileu não via incompatibilidade entre fé e ciência. Quando notou, numa carta à grã-duquesa Cristina de Lorena, consorte de Fernando I de Médici, grão-duque da Toscânia, que «a intenção do Espírito Santo é ensi­ nar-nos como se vai para o céu e não como o céu vai>>, estava a citar o cardeal Caesar Baronius, bibliotecário do Vaticano, que tinha resolvido dessa forma o conflito entre religião e ciência. É certo que a Bíblia afirmava, a certo passo do Antigo Testamento, que o Sol andava em volta da Terra. Falava até de um milagre, porque o Sol teria parado a meio do seu movimento. Se o Sol não se movesse, permanecendo quieto no centro do mundo, como seria possível esse milagre? Mas contra­ dições entre o texto da Bíblia e o conhecimento cientí-
  • 67. HISTÓRIAS D E FÍSICA 65 fico já tinham surgido antes e sido ultrapassadas pelos religiosos mais esclarecidos. Por exemplo, certos trechos das Escrituras segundo os quais a Terra é plana levaram alguns padres antigos a rejeitar o conhecimento grego de que o nosso planeta tinha forma esférica. Contudo, os cristãos mais cultos aceitaram a esfericidade do nosso planeta muito antes de ela ter sido demonstrada pelas viagens de circum-navegação. O físico norte-americano Steven Weinberg (n. 1 933), especialista em física de partículas e cosmologia e laureado Nobel, ironizou a este respeito: Dante achou até que o interior da Terra redonda era um bom lugar para os pecadores. Há compatibilidade entre ciência e religião? Para se admitir que sim, é preciso, como bem mostra o caso de Galileu, abandonar a ideia de que a Bíblia é um livro de ciência. A Bíblia não pode, obviamente, ser levada à letra, como fizeram ontem os cardeais à frente do Santo Ofício e fazem hoje os criacionistas evangélicos. Em 1 992, o papa João Paulo II ( 1920-2005), depois de uma demorada revisão do processo por uma comissão ad hoc, admitiu publicamente que a condenação de Galileu pelo Tribunal da Inquisição tinha sido afinal um erro. A Igreja organizou, depois dessa reabilitação muito pós­ tuma, no Ano Internacional da Astronomia, celebrado em 2009, um congresso em Florença, com ampla parti­ cipação dos jesuítas, onde se discutiu o julgamento de Galileu, e uma exposição em Roma sobre « Galileu e a ciência astronómica>>. Não sendo possível a canonização, só falta agora erguer uma estátua a Galileu nos jardins do Vaticano. E, pelos vistos, pouco falta, pois uma
  • 68. 66 DARWIN AOS TIROS proposta já foi avançada nesse sentido. Quem julga que a justiça portuguesa é demasiado lenta, com montanhas de processos acumulados há tantos anos que parecem séculos, devia considerar a justiça do Vaticano... Deus e os gigantes da ciência Foi o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) que afirmou, numa carta escrita em 1676: Se consegui ver mais longe foi porque estava aos ombros de gigantes. A carta dirigia-se ao seu rival Robert Hooke (1635- -1703) , e havia na redacção escolhida pelo signatário ' uma deselegante alusão, ainda que velada, à pequena estatura do seu interlocutor, que na altura reclamava a precedência de uma descoberta da óptica, numa disputa em curso na Royal Society de Londres. Newton era, de facto, uma pessoa de muito poucos amigos. Cultivava, aliás, as inimizades. Seja qual for o sentido da frase, o carácter cumulativo da ciência não podia ter sido mais bem explicitado. Com efeito, sem os contributos do astrónomo polaco Nicolau Copérnico, do astrónomo alemão Johannes Kepler e do astrónomo e físico italiano Galileu Galilei, Newton não teria podido realizar a sua notável obra, que unifica os movimentos no céu e os movimentos na Terra com um só formalismo universal. E, sem conhecer bem todos esses contributos (como aliás de muitos outros), o físico suíço, nascido na Ale­ manha, Albert Einstein não poderia, bem mais tarde, ter alargado a nossa descrição do cosmos.
  • 69. HISTÓRIAS DE FÍSICA 67 E onde está Deus em tudo isso? Que visão tinham de Deus os referidos gigantes da ciência? A Revolução Científica, iniciada em 1 543 com a publicação do livro que divulgava a teoria heliocêntrica de Copérnico, ocor­ reu no seio de uma Igreja que vivia tempos de grande convulsão interna devido à reforma luterana. O monge alemão Martinho Lutero ( 1 483-1546) foi aliás um dos primeiros a ridicularizar as ideias científicas de Copér­ nico, que era cónego na catedral católica de Frauenburg, na Polónia (um cónego não era padre, mas quase). Fê­ -lo antes mesmo de elas serem publicadas em forma de livro. Tanto Kepler como Galileu foram ardorosos cren­ tes. Kepler era luterano, tendo começado por se prepa­ rar na Universidade de Tübingen para uma carreira teológica que acabou por não seguir, em favor de uma carreira científica. Cedo abraçou as ideias de Copérnico, com as quais contactou em Tübingen. Por seu lado, o seu contemporâneo Galileu era católico, tendo estudado a doutrina da Igreja num mosteiro perto de Florença antes de ingressar como estudante de Medicina na Universidade de Pisa, um curso que não chegou a con­ cluir. Kepler deu provas nos seus livros da sua religio­ sidade, ao alardear nalguns passos um elevado misti­ cismo. E a fé de Galileu, um cristão bem relacionado com a mais alta hierarquia da Igreja de Roma, não esmoreceu com a severa pena a que o Tribunal da Inquisição o condenou. Por seu lado, Newton era, por formação, anglicano, comungando naturalmente da religião oficial de Ingla­ terra. Tal como os gigantes a cujos ombros subiu, tam­ bém ele estudou Teologia. Para o sábio inglês, não havia dúvidas de que o Universo era obra de Deus, iniciada na Criação e continuad,a desde então até à actualidade.
  • 70. 68 DARWIN AOS TIROS Porém, o seu pensamento religioso estava bem longe de ser ortodoxo. Não aceitava, por exemplo, a doutrina da Santíssima Trindade, defendendo antes a ideia de que Deus era unipessoal. Teve, porém, de manter secreta essa sua posição, até porque era membro do Trinity College ( Colégio da Trindade) na Universidade de Cambridge. E também teve de manter secretos alguns dos seus heterodoxos estudos sobre a Bíblia... Tão se­ cretos como os seus labores alquímicos, mantidos du­ rante séculos na escuridão. Einstein conseguiu, do ponto de vista religioso, ser ainda mais heterodoxo do que Newton. De ascendên­ cia judaica, nunca entrou, contudo, numa sinagoga para rezar ou assistir a qualquer acto de culto. Não acredi­ tava pura e simplesmente num Deus pessoal, um Deus tal como aparece no Antigo Testamento. Antes achava que o transcendente se encontrava na ordem misteriosa do mundo, que a ciência conseguia decifrar. Um rabino de Nova Iorque perguntou-lhe um dia, por telegrama, se acreditava em Deus. E a resposta foi curta, uma vez que era pré-paga e havia que respeitar um número li­ mite de palavras: Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmo­ nia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se preocupa com os destinos e as acções dos seres humanos. O Deus do judeu Einstein era o mesmo do judeu holan­ dês de origem portuguesa Bento de Espinosa ( 1 632- - 1677) que, em 1 656, tinha sido excomungado (o chérem de que foi alvo é a mais alta punição no judaísmo) na Sinagoga Portuguesa de Amesterdão devido às suas posi­ ções declaradamente heréticas. Mas esse Deus de Eins-