A história descreve como a geometria de Euclides impressionou Einstein e como uma gravura do século XVIII mostra náufragos aliviados ao encontrarem figuras geométricas na areia, percebendo que havia humanos na ilha. A história também faz uma comparação com pessoas de hoje que preferem a companhia de animais ou jogos a de outros humanos.
A grande síntese e solução dos problemas da ciência e do espírito (pietro ubaldi)
Espiritismo, Doutrina espírita, Kardecismo ou Espiritismo kardecista é uma doutrina religiosa e filosófica mediúnica ou moderno espiritualista. Foi "codificada" (ou seja, tomou corpo de doutrina - pela universalidade dos ensinos dos espíritos) pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, usando o pseudônimo Allan Kardec.
Apesar de ser uma religião completa e autônoma apenas no Brasil, o espiritismo tem se expandido e, segundo dados do ano 2005, conta com cerca de 15 milhões de adeptos espalhados entre diversos países, como Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica Estados Unidos, Japão, Alemanha, Argentina, Canadá, e, principalmente, Cuba, Jamaica e Brasil, sendo que este último tem a maior quantidade de adeptos no mundo. No entanto, vale frisar que é difícil estipular a quantidade existente de espíritas, pois as principais estipulações sobre isso são baseadas em censos demográficos em que se é perguntado qual a religião dos cidadãos, porém nem todos os espíritas interpretam o Espiritismo como religião.
A grande síntese e solução dos problemas da ciência e do espírito (pietro ubaldi)
Espiritismo, Doutrina espírita, Kardecismo ou Espiritismo kardecista é uma doutrina religiosa e filosófica mediúnica ou moderno espiritualista. Foi "codificada" (ou seja, tomou corpo de doutrina - pela universalidade dos ensinos dos espíritos) pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, usando o pseudônimo Allan Kardec.
Apesar de ser uma religião completa e autônoma apenas no Brasil, o espiritismo tem se expandido e, segundo dados do ano 2005, conta com cerca de 15 milhões de adeptos espalhados entre diversos países, como Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica Estados Unidos, Japão, Alemanha, Argentina, Canadá, e, principalmente, Cuba, Jamaica e Brasil, sendo que este último tem a maior quantidade de adeptos no mundo. No entanto, vale frisar que é difícil estipular a quantidade existente de espíritas, pois as principais estipulações sobre isso são baseadas em censos demográficos em que se é perguntado qual a religião dos cidadãos, porém nem todos os espíritas interpretam o Espiritismo como religião.
O Livro dos Espíritos (Le Livre des Esprits) é o primeiro livro sobre a doutrina espírita publicado pelo educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, em 18 de abril de 1857, sob o pseudônimo Allan Kardec. É uma obra básica do espiritismo, e foi lançado por Kardec após seus estudos sobre os fenômenos que, segundo muitos pesquisadores da época, possuíam origem mediúnica, e estavam difundidos por toda a Europa durante o século XIX.
Apresenta-se na forma de perguntas e respostas, totalizando 1.018 tópicos. Foi o primeiro de uma série de cinco livros editados pelo pedagogo sobre o mesmo tema.
As médiuns que serviram a esse trabalho foram inicialmente Caroline e Julie Boudin (respectivamente, 16 e 14 anos à época), às quais mais tarde se juntou Celine Japhet (18 anos à época) no processo de revisão do livro. Após o primeiro esboço, o método das perguntas e respostas foi submetido a comparação com as comunicações obtidas por outros médiuns franceses, totalizando em "mais de dez", nas palavras de Kardec, o número de médiuns cujos textos psicografados contribuíram para a estruturação de O Livro dos Espíritos, publicado em 18 de Abril de 1857, no Palais Royal, na capital francesa, contendo 501 itens. Só a partir da segunda edição, lançada em 16 de março de 1860, com ampla revisão de Kardec mediante o contato com grupos espíritas de cerca de 15 países da Europa e das Américas, aparecem as atuais 1018 perguntas e respostas.
O Livro dos Espíritos (Le Livre des Esprits) é o primeiro livro sobre a doutrina espírita publicado pelo educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, em 18 de abril de 1857, sob o pseudônimo Allan Kardec. É uma obra básica do espiritismo, e foi lançado por Kardec após seus estudos sobre os fenômenos que, segundo muitos pesquisadores da época, possuíam origem mediúnica, e estavam difundidos por toda a Europa durante o século XIX.
Apresenta-se na forma de perguntas e respostas, totalizando 1.018 tópicos. Foi o primeiro de uma série de cinco livros editados pelo pedagogo sobre o mesmo tema.
As médiuns que serviram a esse trabalho foram inicialmente Caroline e Julie Boudin (respectivamente, 16 e 14 anos à época), às quais mais tarde se juntou Celine Japhet (18 anos à época) no processo de revisão do livro. Após o primeiro esboço, o método das perguntas e respostas foi submetido a comparação com as comunicações obtidas por outros médiuns franceses, totalizando em "mais de dez", nas palavras de Kardec, o número de médiuns cujos textos psicografados contribuíram para a estruturação de O Livro dos Espíritos, publicado em 18 de Abril de 1857, no Palais Royal, na capital francesa, contendo 501 itens. Só a partir da segunda edição, lançada em 16 de março de 1860, com ampla revisão de Kardec mediante o contato com grupos espíritas de cerca de 15 países da Europa e das Américas, aparecem as atuais 1018 perguntas e respostas.
Slides Lição 9, Betel, Ordenança para uma vida de santificação, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
Slideshare Lição 9, Betel, Ordenança para uma vida de santificação, 2Tr24, Pr Henrique, EBD NA TV, 2° TRIMESTRE DE 2024, ADULTOS, EDITORA BETEL, TEMA, ORDENANÇAS BÍBLICAS, Doutrina Fundamentais Imperativas aos Cristãos para uma vida bem-sucedida e de Comunhão com DEUS, estudantes, professores, Ervália, MG, Imperatriz, MA, Cajamar, SP, estudos bíblicos, gospel, DEUS, ESPÍRITO SANTO, JESUS CRISTO, Comentários, Bispo Abner Ferreira, Com. Extra Pr. Luiz Henrique, 99-99152-0454, Canal YouTube, Henriquelhas, @PrHenrique
Projeto de articulação curricular:
"aLeR+ o Ambiente - Os animais são nossos amigos" - Seleção de poemas da obra «Bicho em perigo», de Maria Teresa Maia Gonzalez
proposta curricular para educação de jovens e adultos- Língua portuguesa- anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano). Planejamento de unidades letivas para professores da EJA da disciplina língua portuguesa- pode ser trabalhado nos dois segmentos - proposta para trabalhar com alunos da EJA com a disciplina língua portuguesa.Sugestão de proposta curricular da disciplina português para turmas de educação de jovens e adultos - ensino fundamental. A proposta curricular da EJa lingua portuguesa traz sugestões para professores dos anos finais (6º ao 9º ano), sabendo que essa modalidade deve ser trabalhada com metodologias diversificadas para que o aluno não desista de estudar.
proposta curricular da educação de jovens e adultos da disciplina geografia, para os anos finais do ensino fundamental. planejamento de unidades, plano de curso da EJA- GEografia
para o professor que trabalha com a educação de jovens e adultos- anos finais do ensino fundamental.
Sequência Didática - Cordel para Ensino Fundamental ILetras Mágicas
Sequência didática para trabalhar o gênero literário CORDEL, a sugestão traz o trabalho com verbos, mas pode ser adequado com base a sua realidade, retirar dos textos palavras que iniciam com R ou pintar as palavras dissílabas ...
7. "
Indice
A abrir ....................................................................... 9
o POWERPOINT SETECENTISTA
E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
o PowerPoint setecentista ......... ........ .... ... ...................... 1 3
Homens nus por todo o lado ...... ... ................................ 1 6
Mozart, a matemática e a lotaria .............. ... .... ..... ........ 1 9
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown ............. 21
Um escaravelho matemático ......................................... .. 24
PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS
DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA
Procuram-se nónios de Nunes ....... .. .... ...
. . ..............
. ....... 29
Um buraco de onze dias................................................. 32
O intrépido capitão Lunardi e os lulanos ...................... 34
Einstein eclipsa Newton.. ..... ..... .... ............................ ...... 37
Da órbita de Clarke ao elevador espacial. .................
. ... 39
O pai incógnito do Sputnik ......... ......
. .... ........................ 41
Porque está lá! ......... ................................................... ... . 43
Viagem planetária com dormida na heliosfera .............. 45
8. 6 DARWIN AOS TIROS
Galileo no vidro da frente com uma ventosa ................ 47
Bactérias extraterrestres? Outra vez? ...........................
. . 49
Alô, Marte, está aí alguém? ......................
. ...
. ................ 52
O eixo do mal na abóbada celeste ...............
. .....
. ..........
. 54
Multiverso, Alices e coelhos brancos ............................. 56
UM PALIMPSESTO PARA LER NO BANHO
E OUTRAS HISTÓRIAS DE FíSICA
Um palimpsesto para ler no banho ................................ 59
Atraso judicial no Vaticano ............................................ 62
Deus e os gigantes da ciência.. ....................................... 66
O padre voador...... ........................................................ 69
A ilustre família Magalhães ...
. .............
. ..........
. ..
. ..... ....... 73
Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado ...... 75
A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar ........... 77
Cientistas incendiários .................................................... 81
As cores do embaixador Sampayo ......
. ...
. ..
. ...
. ............... 84
O maior erro de Einstein ................................................ 86
Prémios Nobel da Física para todos os gostos .............. 89
As namoradas de Schrodinger e o significado da vida .... 92
O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein ............ 94
.0 incrível Hulk ............................................................ ... 97
Um físico na prisão de Estaline ...................................... 99
O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca
era visto ....................................................................... 102
O laser, uma solução à procura de um problema ......... 105
Dinossauros, pirâmides e JFK ......................................... 106
A impunidade do homem invisível ....................... ..... ..... 108
O medo do nuclear .................................
. ...
. ................... 111
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete ....... 115
A física do futebol ........
. ..
. .............................................. 117
O melhor da existência humana .................................... 119
Uma bomba sexual .........................................
. ............... 121
Do Ig Nobel ao Nobel .......................
. .......
. ................... 123
Gelo quente é possível, Sr
. Dr. ....................................... 125
9. INDICE 7
GUERRA E PAZ NO MUSEU
E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUíMICA
Guerra e paz no museu ...................... ......... ................... 129
O cheiro dos ricos .......................................................... 131
Há muito espaço lá em baixo ........................ ................ 134
A ilha dos superpesados ................ ................................. 137
O mistério da cebola e o verniz estragado .................... 139
Sabe Deus que isto é vitamina C ................................... 141
Nos gloriosos dias do DDT ... ......................................... 143
Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gaso-
lina ............................................................................... 145
«ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...»
E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA
«6 mar salgado, quanto do teu sal...» .......................... 149
Pânico no clima europeu ................................................ 152
O temor da terra .... . . ..... ................................................. 154
Uma desgraça de profeta ........ ........................................ 156
A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO
E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA
A mirabolante flora do deserto ...................................... 159
Darwin e o seu amigo açoriano ..................................... 161
A origem da espécie .......... .................. . . ..................... ..... 164
África nossa .. ................................................. ................. 166
Darwin aos tiros ............................................................. 167
A origem da vida: não tente fazer isto em casa ....... ..... 169
Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante 172
Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infec-
ciosas .......... .......................... .............. ......................... 175
Bullying eterno ........... ...... . . o o o o o ........... ............................. 177
Prémio Nobel para os brócolos . . . ................................... 178
10. 8 DARWIN AOS TIROS
Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite 181
A festa dos macacos e a base genética da alma ............ 186
«Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente ..... 189
Os homens são todos iguais ........................................... 193
A FABRICA DO CORPO HUMANO
E OUTRAS HIST6RIAS DE MEDICINA
A Fábrica do Corpo Humano........................................ 197
Um judeu errante............................................................ 200
Sexo e violência em Egas Moniz ................................... 202
Revolucionários muito conservadores ............................ 205
O lugar da longa vida................. . . . . . .............................. 207
A matança dos porcos..................................... . . . ............ 209
Bactérias assassinas......................................................... 211
A imortal Henrietta ..... ................................................... 213
Presos nas entranhas da Terra ....................................... 215
O ADN de Bin Laden ........................... . . . . . . . . . ................ 217
O CULTO DA CARGA E OUTRAS HIST6RIAS
DE PSEUDOCIÊNCIA
o culto da carga ............................................................. 221
Magos e sábios . . ................ . . ........................................... 224
Comunicação extra-sensorial? ........... ............................. 226
A notícia da treta mais deprimente do ano ................... 228
O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esma-
gadas ............................................................................ 231
Uma overdose de água e açúcar..................................... 233
A autobiografia emocionante de uma molécula de água 235
O génio solitário e a imortalidade na Internet .............. 238
Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu............... 242
Notas e referências ...................................................... 247
Créditos das figuras ........................................... . . . ...... 281
11. A abrir
NÃO É s6 A FíSICA QUE É DIVERTIDA. Também outras
ciências, como a matemática, a astronomia e a astronáu
tica, a química, as ciências da Terra, a biologia e a medi
cina o são. O esforço do homem para compreender o
mundo à sua volta e para aplicar esse conhecimento em
seu benefício resulta de um impulso interior que dá
auto-satisfação intelectual e garante bem-estar material.
Outras actividades humanas tentam fazer-se passar por
ciência sem o serem - daí o nome de pseudociências -,
mas são definitivamente outra coisa. Não se passa a
saber mais do mundo através delas. Nem, em geral,
além daqueles que as praticam, há quem lucre alguma
coisa com elas. Não deixa, porém, de ser divertido
observar o esforço inglório que muita gente faz para
«macaquear» a ciência...
Este livro conta histórias, mais ou menos divertidas
(quando não são divertidas, serão pelo menos curiosas)
da ciência, cujos temas foram extraídos tanto da longa
história da ciência como da actualidade científica.
Foram precisos dois autores, porque a ciência hoje, mais
do que ontem, é especializada. O primeiro autor, Carlos
12. 10 DARWIN AOS TIROS
Fiolhais (CF), que é físico, escreveu as histórias de
matemática, astronomia, física e geologia, e atreveu-se
também a contribuir com algumas histórias de química
( Guerra e paz no museu, O cheiro dos ricos, Há muito
espaço lá em baixo e A ilha dos superpesados), de bio
logia (A mirabolante flora do deserto, Darwin e o seu
amigo açoriano, A origem da espécie e Africa nossa) e
todas as de medicina, para além de ter metido uma
colher na sopa das pseudociências (O culto da carga,
Magos e sábios e Comunicação extra-sensorial?). Por
seu lado, o segundo autor, David Marçal (DM), que é
bioquímico, escreveu a maioria das histórias de química
e de biologia (as restantes), para além de ter tido a seu
cargo a maioria das histórias de pseudociência (idem).
Contribuiu ainda para o capítulo da física com a última
história (Gelo quente é possível, Sr. Dr.) Os dois, que,
juntos, têm divulgado ciência no blogue de ciência,
educação e cultura De Rerum Natura (Sobre a Natureza
das Coisas), esperam que as histórias fiquem bem jun
tas, divertindo quem as leia. Quem quiser saber mais
- e ambos esperam que haja leitores que o queiram -
encontrará no final do livro algumas notas e muitas
sugestões de leitura.
CF quer agradecer à Teresa Pena, ao José Cabrita
Saraiva e ao Nuno Pacheco, que editam respectivamente
a Gazeta de Física, revista da Sociedade Portuguesa de
Física, a secção de ciência da revista Tabu, que acom
panha o semanário Sol, e as colunas de opinião do
diário Público, o espaço onde pôde exercitar a pena
para escrever algumas destas histórias ou, melhor, o
rascunho delas, porque foram agora aqui todas revistas
e em muitos casos aumentadas. Quer também agrade
cer ao João Filipe Queiró e à Helena Damião a leitura
13. A ABRIR 1 1
crítica de alguns desses textos. E ainda quer agradecer
a DM a leitura atenta e as excelentes dicas, muitas
delas acrescentando uma pitada de humor onde ele fal
tava. Quer, finalmente, agradecer à Anica não só os
comentários sempre pertinentes sobre as prosas quen
tinhas, acabadas de sair do forno do processador de
texto, como sobretudo o encorajamento à escrita e a
compreensão pelo tempo que, com este e outros livros,
tem sido retirado à vida familiar.
DM quer agradecer à Ana Teresa Gonçalves e à Cata
rina Silva, pela leitura e as propostas construtivas que
fizeram para a maioria dos textos. Quer também agra
decer de um modo muito especial a todos os Cientistas
de Pé, o grupo de investigadores que fazem stand-up
comedy num projecto coordenado por DM e pelo actor
Romeu Costa desde 2009, com quem vários destes temas
foram discutidos. Um agradecimento também ao co-autor
CF pelo convite para participar neste livro. E, acima de
tudo, à Joana, não só pela tolerância de ponto do tempo
roubado à vida familiar para preparar este livro, como
pelas inúmeras sugestões e discussões acerca da ciência
e histórias da ciência, que têm eco nestas páginas.
Os dois autores fazem questão de agradecer a Gui
lherme Valente, editor da Gradiva, pelo óptimo acolhi
mento dado a este livro, tal como no passado deu a outros.
Orgulham-se de fazer parte de um projecto consistente e
continuado (começou no início dos anos 80 do século
passado e prossegue hoje com o mesmo entusiasmo) que
tem em vista a expansão da cultura científica entre nós,
e que tantos e tão bons frutos tem dado.
Figueira da Foz e Canas de Senhorim,
15 de Agosto de 2011
14.
15. o PowerPoint setecentIsta
e outras histórias de
" .
matematIca
o PowerPoint setecentista
A GEOMETRIA DO GREGO EUCLIDES (360 a.C.-295 a.c.),
que tanto impressionou o físico Albert Einstein quando
este era muito jovem, é, de facto, uma das maiores
marcas da inteligência humana. Uma gravura numa
edição dos Elementos de Euclides do século XVlII mos
tra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a
uma praia para eles desconhecida. Não sabem se a ilha
é habitada e se podem, por isso, esperar ajuda. Ao
encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na
areia, exclamam com alegria:
Tenhamos esperança, aqui há humanos...
Um optimismo comovente, tendo em conta as pessoas
que actualmente declaram preferir a companhia dos
16. 14 DARWIN AOS TIROS
animais ou dos jogos de computador... Numa versão
mais contemporânea e ecológica, um grupo de focas
-monges quando confrontado com figuras geométricas,
e se acaso pudessem falar, diriam qualquer coisa como:
Estamos tramadas, aqui há humanos...
De qualquer modo só os humanos são capazes de
traçar figuras geométricas. O livro encontra-se numa
estante da Sala de São Pedro, no edifício central da
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a biblio
teca multicentenária que alberga várias outras valiosas
versões dos Elementos, que permitem ilustrar a evolu
ção, ao longo dos séculos, não apenas da recepção da
matemática antiga mas também da arte tipográfica.
Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a
obra de Euclides do esquecimento, preservando-a, atra
vés de sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade
Média, quando surgiu a imprensa de tipos móveis e
com ela os primeiros incunábulos.
Em Portugal, além dos desenhos geométricos manus
critos e impressos guardados em bibliotecas, também
existem desenhos dos teoremas de Euclides gravados
em azulejo, uma tecnologia com nome e influência
árabes. Com efeito, das pranchas matemáticas de uma
das edições do século XVII dos Elementos - mais exac
tamente, uma edição de 1 654 saída em Antuérpia, com
o título Elementa Geometriae -, devida ao jesuíta belga
André Tacquet ( 1 6 1 2-1660), foram feitas cópias quase
fiéis para azulejo - essa bela arte que os portugueses
fizeram sua (figura 1 ).
Há, porém, um mistério nestes azulejos, que perten
cem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado
17. HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
Figura 1 - Azulejo pertencente à colecção
do Museu Nacional de Machado de Cas
tro, em Coimbra. Diz respeito à proposição
29 do Livro I dos Elementos de Euclides
15
de Castro, em Coimbra (há alguns, poucos, no Museu
Nacional do Azulejo, em Lisboa, e outros, ainda menos,
em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem
de quando são nem de onde vieram. Provavelmente
serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes
da Universidade de Coimbra, antes da expulsão, por
ordem do Marquês de Pombal em 1 759, dos jesuí
tas, que governaram durante muitos anos esse colégio.
A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de
aula ou nos muros dos claustros limítrofes tornava mais
acessível aos estudantes a geometria euclidiana. Era uma
espécie de PowerPoint dos séculos XV1! e XVIII... Hoje
em dia as apresentações de PowerPoint são usadas nas
salas de aula na esperança de que tenham o mesmo
efeito hipnotizante nos alunos do que a televisão.
18. 1 6 DARWIN A O S TIROS
Apesar de, nesse tempo, ainda não haver televisão, talvez
nos séculos XVII e XVIII os jesuítas já achassem que era
bom encher o olho dos pupilos com imagens e pala
vras-chave.
Os azulejos que se conhecem são cerca de vinte:
faltam muitos para completar a reprodução das cente
nas de figuras do livro. E há alguns azulejos que não
são de matemática, contendo motivos de astronomia e
hidráulica, os quais, com toda a certeza, não foram
extraídos daquele livro. Haverá mais «azulejos que en
sinam» ? Onde estão eles? Este é o enigma dos azulejos
matemáticos que aguarda quem o desvende. O facto
de, em escavações arqueológicas recentes realizadas no
Largo do Marquês de Pombal, perto do Colégio das
Artes, em Coimbra, ter sido encontrado um fragmento
de um desses azulejos faz pensar que uma parte deles
tenha sido desfeita. . . É possível que a fúria restaura
dora do Marquês tenha levado à destruição da maioria
dos azulejos que serviram como auxiliar pedagógico
nos espaços dos jesuítas. A ser assim, e como Euclides
continua e continuará eternamente actual, será lógico
concluir que nem sempre há progresso na ciência. Por
vezes, há perdas irreparáveis...
Homens nus por todo o lado
Podemos com relativa facilidade encontrar um ho
mem nu no nosso bolso: esse homem está na moeda de
1 euro cunhada em Itália, o que não admira, pois o
autor da imagem original, que data de 1 490, o artista
e inventor Leonardo Da Vinci ( 1 452-151 9), nasceu em
Anchiano, lugarejo perto de Vinci, província de Flo-
19. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 17
rença. O governo do seu país quis deste modo e muito
justamente homenageá-lo à escala europeia.
Leonardo é não só um dos maiores génios italianos
e europeus mas também, para muitos, o maior génio da
história. E o seu génio, que chegou até nós tanto atra
vés das suas criações artísticas como através das suas
criações tecnológicas, está condensado na representa
ção que fez de um homem nu (há quem diga que é um
auto-retrato) contido simultaneamente dentro de uma
circunferência e de um quadrado (figura 2). A figura
humana toca graciosamente na circunferência ou no
Figura 2 - Original d'O Homem de
Vitrúvio de Leonardo Da Vinci. A escrita
só se pode ler ao espelho
20. 1 8 DARWIN AOS TIROS
quadrado conforme está com as pernas e os braços em
V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal.
O centro da circunferência e do quadrado não coinci
dem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de
gravidade do corpo, e o segundo está no sexo.
A representação, cujo original se encontra na Gale
ria da Academia em Veneza, pode ter sido inspirada,
em última análise, nas palavras do filósofo grego
Protágoras de Abdera, que viveu no século v a.c.:
O homem é a medida de todas as coisas. Não se sabe.
Mas não há dúvida de que Leonardo foi influenciado
pela obra do arquitecto e engenheiro romano Marco
Vitrúvio Polião, que escreveu no século I a.c. a obra
Dez Livros de Arquitectura, uma vez que glosa esse
autor, usando a sua extraordinária caligrafia que só
pode ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o
desenho (daí o nome O Homem de Vitrúvio). O objec
tivo tanto do artista-inventor como do arquitecto que
o inspirou era a busca das proporções perfeitas. O sim
bolismo era e é a integração do homem no mundo, o
mundo que está escrito em linguagem matemática e
onde, por isso, se encontra geometria por todo o lado.
Há homens nus de Leonardo ou aparentados por todo
o lado na Terra e até no espaço. Como as boas propor
ções indiciam saúde, é natural que várias instituições médi
cas ou relacionadas com a medicina tenham adoptado,
por todo o mundo, o desenho de Leonardo como sua
imagem de marca. Os fatos da NASA usados pelos astro
nautas para executarem actividades fora do vaivém ou da
Estação Espacial Internacional também mostram o ho
mem de Vitrúvio. E o logotipo da agência de exploração
interestelar no filme Contacto, baseado no romance do
astrofísico norte-americano Carl Sagan ( 1934-1996), é
21. HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 1 9
um homem de Vitrúvio estilizado. A visão do homem de
Vitrúvio evoca ao mesmo tempo a ciência e a arte. Da
Vinci conseguiu, com o homem de Vitrúvio, casar a ciência
e a arte melhor do que ninguém. E esse casamento man
teve-se até hoje sem nenhuma possibilidade de divórcio.
Parece, porém, nesta omnipresença de homens nus,
haver alguma discriminação. De facto, é uma pena que
nenhum país da zona euro tenha feito a moeda feminina
correspondente, ou seja, por exemplo, que a França
não tenha feito uma representação da Mona Lisa tal
como veio ao mundo inscrita em triângulos, quadra
dos, círculos, ou o que quer que fosse!
Mozart, a matemática e a lotaria
o que tem a música do compositor austríaco Wolf
gang Amadeus Mozart ( 1 756-1791) a ver com a mate
mática? Já houve quem dissesse que a escuta da música
de Mozart por bebés com menos de três anos aumenta
a capacidade de raciocínio espaciotemporal e, portanto,
a aptidão para a matemática. Este é o chamado «efeito
Mozart», uma expressão inventada pelo médico fran
cês Alfred Tomatis ( 1 920-2001 ), que teria detectado
um maior desenvolvimento cerebral de crianças peque
nas depois de elas ouvirem peças de Mozart. Acredi
tando piamente nisso, os governadores norte-america
nos do Tennessee e da Geórgia decidiram oferecer CD
com música de Mozart a todas as parturientes dos seus
estados. De facto, o efeito Mozart não está de modo
nenhum provado. É um daqueles mitos que os media
espalharam profusamente sem estarem apoiados por
qualquer tipo de confirmação científica. Pseudociência,
22. 20 DARWIN AOS TIROS
portanto. Aliás, se a escuta de peças de certos compo
sitores de música pudesse melhorar qualquer tipo de
raciocínio, em vez de professores teríamos disc-jockeys
e as salas de aula seriam pistas de discoteca, com os
alunos a abanarem o capacete enquanto desenvolviam
alegremente as suas aptidões.
Mas Mozart tem mesmo a ver com a matemática.
Não que ele fosse um grande conhecedor dessa ciência.
Mas, na imensa e rica obra do génio de Salzburgo, encon
tram-se bons exemplos de um importantíssimo conceito
matemático - a simetria - que tem numerosas aplica
ções na física e na química. Um espelho exibe uma simetria
particular entre um objecto e a sua imagem, trocando
a esquerda e a direita. Em certas peças mozartianas, há
mesmo um espelho: é tocada a imagem ao espelho de
um certo excerto da pauta. Encontra-se, além de um
espelho. no espaço, também um espelho no tempo: um
excerto da pauta é repetido, mas tocado do fim para o
princípio. É ainda frequente encontrarmos nas obras
mozartianas simples repetições de um tema musical,
uma simetria dita de translação. E Mozart revela-se extre
mamente exímio em combinar de maneira harmónica
todas estas simetrias. O nosso ouvido fica tão entretido
com a música, que só quem conhece a notação musical
e olha com atenção para a pauta é que consegue detec
tar esses verdadeiros truques matemático-musicais.
Alguns matemáticos estudaram com cuidado a mú
sica de Mozart, com o intuito de procurarem esses e
outros elementos matemáticos. Procuraram, por exem
plo, a proporção áurea, ou razão dourada, isto é, um
número fraccionário (cerca de 1 ,6 1 8) que, desde o tem
po dos gregos, está associado a uma «boa proporção»,
na arquitectura, na escultura, na pintura, etc. Porque
23. H ISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 21
não também na música? E houve, de facto, estudiosos
que reclamaram ter encontrado essa razão nalgumas
sonatas para piano de Mozart, quando dividiram os
tempos correspondentes às duas partes em que essas
obras musicais se compõem: a introdução e o desenvol
vimento. Não há, porém, uma concordância exacta em
medidas desse tipo efectuadas em diversas sonatas, o
que deve querer significar que, mais do que obedecer
rigidamente a uma fórmula matemática, a divisão tem
poral das peças obedeceu a um excepcional sentido de
harmonia do genial autor.
Não faltou quem procurasse fórmulas matemáticas
por todo o lado nas partituras originais do autor de
Eine Kleine Nachtmusik. Todavia, só se encontrou, à
margem de uma pauta, um rabisco de um cálculo de
probabilidades feito pelo compositor numa sua tenta
tiva, aparentemente vã, de ganhar a lotaria... Mozart
não era propriamente rico e, como muita gente na sua
situação, sonhava com a sorte grande. Teve, depois de
morrer, a sorte grande da fama musical, mas em vida
nem sequer uma terminação.
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown
o romance O Símbolo Perdido (Bertrand, 2009), do
escritor norte-americano Dan Brown (n. 1 964), é, tal
como outras obras do mesmo autor que a precederam,
Anjos e Demónios e O Código Da Vinci, uma obra de
ficção, pura ficção. No terceiro livro do autor de
superêxitos, a instituição omnipresente no enredo não
é a Igreja Católica, tal como nos outros livros, mas a
Maçonaria, a associação em grande medida secreta
24. 22 DARWIN AOS TIROS
fundada em Londres em 1717 e que se desenvolveu ao
longo de todo o século das Luzes, chegando em crescendo
até aos dias de hoje. Brown localiza a sua acção na capital
norte-americana, Washington D.e. (District of Columbia),
uma cidade fundada precisamente nesse século. Com
efeito, foi em 1 791 que o presidente George Washing
ton ( 1 732-1799), provavelmente maçom, encarregou o
arquitecto franco-americano Pierre Charles L'Enfant
( 1754-1 825), que tanto quanto sabemos não pertencia à
associação, de desenhar o projecto da nova cidade, o que
este fez conforme o contratado, embora pouco depois
viesse a abandonar a obra, incompatibilizado com os
mandantes. Brown, no seu livro, revela o que são, na sua
óptica, alguns segredos da arquitectura da cidade onde se
situam a Casa Branca e o Capitólio. Embora seja possível
encontrar elementos maçónicos na grande urbe norte
-americana, como de resto em várias outras da mesma
época, é pouco crível que os traços urbanísticos de Wa
shington contenham mensagens secretas, como é dito ou
insinuado naquele que se tornou instantaneamente um
best-seller. Isso não impede que a capital dos Estados
Unidos seja visitada por hordas de turistas, hordas essas
recentemente reforçadas pelo romance de Brown.
Na capital portuguesa, reconstruída em grande escala
após o grande terramoto de 1 755, portanto antes da cons
trução de Washington D.e., também não são difíceis
de encontrar «símbolos perdidos», isto é, sinais, maiores
ou menores, a que se pode atribuir um significado maçó
nico. Tal resulta do facto de, no século XVlI1, terem come
çado a surgir na capital portuguesa lojas maçónicas
ligadas a congéneres inglesas. Sebastião José de Carvalho
e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), que alguns
dizem ter sido iniciado em Londres quando aí era embai-
25. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 23
xador (não, não há a certeza de que tenha sido maçom),
tolerou a maçonaria entre nós. O nosso Iluminismo foi
aliás protagonizado por algumas notáveis figuras maçó
nicas como, por exemplo, só para referir cientistas, o
botânico e diplomata abade Correia da Serra (o que
mostra que, na época, não havia incompatibilidade essen
cial entre a Maçonaria e a Igreja Católica), o médico de
origem judaica António Nunes Ribeiro Sanches (que,
tal como o abade Correia da Serra, se «estrangeirou»),
o químico e naturalista italiano Domingos Vandelli (que
de Pádua se transferiu primeiro para Lisboa e depois
para Coimbra) e o botânico Félix Avelar Brotero (que,
depois de estudar em Paris, fez carreira em Coimbra).
Um dos arquitectos da reconstrução de Lisboa após o
grande terramoto de 1 755, o húngaro Carlos Mardel
( 1 696-1 763), era também maçom. A primeira loja
maçónica mesmo portuguesa, o Grande Oriente Lusi
tano, só foi criada em 1 802, sendo o seu primeiro grão
-mestre um neto do Marquês de Pombal. Apesar de ter
passado por vicissitudes várias, essa loja ainda hoje
existe. Mas, para grande desgosto de algumas mentes
mais fantasiosas, é pouco provável, tal como no caso
de Washington, que Lisboa esconda segredos cósmicos,
ocultados por simbologia maçónica.
Muitos dizem ver no Terreiro do Paço medidas com
um significado esotérico. Até o número de colunas nos
pórticos já foi associado às cartas do tarô. Também
vêem mistérios na estátua do soberano que teve tanto
medo do terramoto, que entregou o poder ao Marquês
de Pombal e passou a viver numa barraca. Vêem ainda
elementos geométricos ligados à maçonaria (a palavra
maçom significa pedreiro e os maçons também são co
nhecidos por pedreiros livres) nos edifícios em volta da
26. 24 DARWIN AOS TIROS
praça, hoje ocupados em grande parte por ministérios.
Por exemplo, no cimo do Arco do Triunfo (uma constru
ção que, apesar de ser de inspiração pombalina, só foi
concluída em 1 873), à entrada da Rua Augusta, vê-se um
triângulo equilátero, um símbolo maçónico muito comum,
cujos vértices são dados por três figuras alegóricas, obra
do escultor francês Anatole Camels ( 1 822-1906). As
figuras são a Lusitânia Gloriosa que coloca coroas de
louros nas cabeças de Apolo e Minerva: a glória coroa
o génio e o valor. Por baixo, está em latim:
Virtvtibvs Maiorvm Vt Sit Omnibvs Docvmento. PPD
{Pecunia Publica Dicatum}.
Não, PPD não é referência a nenhum partido polí
tico... Traduzido para português, o letreiro significa:
Às virtudes dos maiores [mais velhos), para ensina
mento de todos. Dedicado a expensas públicas.
o investimento de dinheiros públicos em obras urba
nas avultadas aconteceu num tempo em que eles exis
tiam em maior abundância do que hoje. Mas, se o
Turismo de Lisboa quer aumentar as excursões à capital
portuguesa e com isso aumentar os proventos nacIO
nais, fará bem em chamar Dan Brown...
Um escaravelho matemático
Benolt Mandelbrot ( 1 924-2010), uma das mentes
mais brilhantes do século passado, foi um matemático
polaco-franco-americano (nasceu na Polónia, de uma
27. HISTÓRIAS D E MATEMATICA 25
família judaica, mudou-se para França, onde fez estu
dos secundários e superiores, e transferiu-se para os
Estados Unidos no pós-guerra). Ficou mundialmente
famoso como o criador, a meio dos anos 70, do neolo
gismo {ractal, construído a partir da palavra latina
{ractus, que significa fracturado, partido. O «conjunto
de Mandelbrot» (figura 3), uma figura que, apesar de
parecer um estranho escaravelho, é obtida a partir de
uma fórmula matemática bastante simples, apresenta
uma fronteira partida, extremamente partida. Se se olhar
mais de perto, continua a estar partida. Trata-se, de
facto, de uma figura matemática extremamente com
plexa, havendo até quem lhe tenha chamado a figura
matemática mais complexa do mundo, apesar de ser
obtida por um processo iterativo simples, facilmente
reprodutível num vulgar computador pessoal.
-2
Re[e]
Figura 3 - Representação do conjunto de Mandelbrot.
Os eixos horizontal e vertical representam a parte real
e a parte imaginária dos números complexos
28. 26 DARWIN AOS TIROS
Como se pode reconhecer, fazendo contínuo zoam
sobre o conjunto de Mandelbrot, os objectos fractais
que ele exemplifica são infinitamente partidos, isto é,
são partidos em todas as escalas, de modo que podem
ser caracterizados pela propriedade chamada invariância
de escala: o seu aspecto é semelhante qualquer que seja
a escala a que os observemos. Na Natureza, abundam
objectos desse tipo: por exemplo, a acidentada costa da
Grã-Bretanha, formada por numerosos promontórios e
baías, é fractal, tal como o é a fronteira entre Portugal
e Espanha, desenhada na sua maior parte por cursos
sinuosos de rios. Estes dois exemplos aparecem no artigo
publicado por Mandelbrot em 1967 na revista Science
com o sugestivo título « Quanto mede a costa da Grã
-Bretanha? » , um artigo inspirado em dados estatísticos
do polímato inglês Lewis Fry Richardson. A resposta à
pergunta do título é: depende do tamanho da régua,
uma vez que, quanto mais pequena for a régua, maior
será o comprimento da costa. No caso da fronteira
luso-espanhola, os portugueses, habitantes do país mais
pequeno, usam réguas mais pequenas e indicam, por
isso, um valor maior para o perímetro fronteiriço do
que os seus colegas espanhóis.
A palavra fractal entrou com todas as honras na
língua portuguesa na capa do livro de Mandelbrot
Objectos Fractais, saído na Gradiva em 1 991 (tradução
de Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima) e encon
tra-se já devidamente dicionarizada. O prefácio desse
livro termina com uma paráfrase dos conhecidos versos
de Álvaro de Campos:
o conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de
Mi/o.
E há cada vez mais gente a dar por isso.
29. HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 27
o conjunto de Mandelbrot estava reproduzido na
capa e, ao referir o seu apelo estético, pretendia chamar
a atenção para a relação, profunda mas nem sempre
evidente, entre a matemática e a arte.
Porque é que só no início dos anos 80 esse conjunto
viu a luz do dia? Acontece que a figura não pôde ser
visualizada satisfatoriamente antes do advento das
modernas máquinas de cálculo, porque o seu desenho
exige o recurso a um computador digital. Não foi por
acaso que ela apareceu quando Mandelbrot trabalhava
num instituto de investigação da International Business
Machines, IBM, que na época estava a introduzir no
mercado o primeiro computador pessoal de grande
venda, o IBM-PC.
Além dos objectos fractais do mundo ideal da mate
mática e dos outros que se encontram omnipresentes
na Natureza, há ainda outros que surgem em resultado
da actividade humana: Mandelbrot, no final dos anos
50, décadas antes do seu livro seminal, interessou-se
pela evolução dos preços nos mercados, cujos gráficos
em ziguezague haveria mais tarde de reconhecer como
figuras fractais. As suas estranhas ideias tardaram um
pouco mas acabaram por se entranhar nas escolas de
Economia. Anos volvidos, o seu livro O (Mau) Com
portamento dos Mercados, escrito em co-autoria com
Richard Hudson (Gradiva, 2006), celebrou o casamento
dos fractais com a economia. A tese aí defendida é a de
que o acaso se manifesta nos mercados de uma forma
bastante mais irregular do que se pensava. Quando o
leitor vê o seu orçamento delapidado pelo aumento do
custo de vida, pode encontrar consolo em saber que a
evolução dos preços está apenas a desenhar uma bonita
figura fracta!. Actualmente, num tempo de grande tur-
30. 28 DARWIN AOS TIROS
bulência dos mercados financeiros internacionais, bem
pode dizer-se que o « pai dos fractais» morreu após ter
assistido à confirmação das suas ideias...
31. de
de
Procuram-se
" .
nonIos
Nunes e outras histórias
. " .
astronomIa e astronautIca
Procuram-se nonzos de Nunes
o MATEMÁTICO PORTUGUÊS PEDRO NUNES ( 1502-1 578),
Petrus Nonius em latim, no seu livro De Crepusculis
(Lisboa, 1 542), considerou que a astrologia eram «qui
meras e superstições quase extintas» . A este respeito, o
historiador Jorge Couto escreveu, no catálogo da expo
sição «Estrelas de Pape!» , que esteve patente em 2009
na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, que se
assistia então ao:
epitáfio da Astrologia como ramo do saber que gozara de
significativa influência durante vários séculos, designa
damente em Portugal, mas que fora reduzida a um papel
residual de cariz não científico devido ao desenvolvimento
da náutica astronómica que conduziu à emancipação da
Astronomia.
Podemos perguntar o que teria acontecido se a
astrologia tivesse prevalecido: como teriam corrido as
32. 30 DARWIN AOS TIROS
viagens mantlmas se a navegação tivesse sido feita
com base na carta astral do capitão da caravela ou a
causa dos naufrágios fosse atribuída a horóscopos
pouco auspiciosos de determinados membros da tri
pulação?
Mas isso é história virtual. Facto é que à astrologia
deixou lentamente de ser reconhecido estatuto de utili
dade pública. Estava-se, então, na véspera da grande
revolução na história da ciência que foi desencadeada
pela publicação do livro De Revolutionibus Orbium
Coelestium (Nuremberga, 1 543) da autoria do cónego
polaco Nicolau Copérnico ( 1473-1543), obra que Nunes
conheceu e até, nalguns pontos, comentou, apesar de
não se ter tornado copernicano.
Foi no livro acima referido do matemático português
que surgiu pela primeira vez a ideia de nónio, um instru
mento de dupla escala que permitia aumentar a precisão
das medidas angulares de astronomia e que haveria de
ser referenciado e mostrado em duas gravuras num livro
do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546-1601)
(figura 4) e num livro do alemão Johannes Kepler ( 1 571-
- 1 630), seu discípulo e sucessor. O livro de Kepler Astro
nomia Nova (Praga, 1 609) veio a revelar-se essencial
para o desenvolvimento da lei de gravitação universal
do inglês Isaac Newton, ao apresentar a ideia da forma
elíptica das órbitas planetárias. Mas foi numa gravura
do frontispício de um livro posterior de Kepler, as Tabu
lae Rudolphinae (Ulm, 1 627), que apareceu o nónio de
Nunes ao lado de Tycho Brahe. Como se vê, já havia,
há quatro séculos, livre circulação de ideias, de objectos
e de livros na Europa. Foi aliás essa circulação que
permitiu a eclosão no Velho Continente da Revolução
Científica, que os portugueses, com as suas grandes
33. HIST6RIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 31
Figura 4 - Quadrante
com nónio de Pedro Nu
nes, conforme gravura
no livro Astronomiae Ins
tauratae Mechanica, de
1602, de Tycho Brahe
viagens marítimas, ajudaram a exportar para outros
continentes.
Apesar de conhecido de Brahe e de Kepler, não che
garam até nós muitos modelos antigos do nónio de
Nunes... De facto, só chegou um e mesmo o seu conhe
cimento acabou por ser obra do acaso. O comandante
Estácio dos Reis, oficial da Marinha portuguesa e his
toriador da ciência e da tecnologia, conta como um
dia, ao visitar uma exposição de réplicas de instrumen
tos antigos, possuídas pela IBM, no Planetário Hayden
de Nova Iorque, encontrou um quadrante com um
nónio, semelhante ao que tinha sido reproduzido por
Brahe. Esse encontro fortuito conduziu-o ao Museu e
Instituto de História da Ciência de Florença, para onde
a legenda do instrumento remetia. Contudo, ainda que
34. 32 DARWIN AOS TIROS
recorrendo aos simpáticos préstimos de uma curadora,
não encontrou nesse museu o quadrante reproduzido
na réplica, mas sim um outro quadrante, um aparelho
metálico e ainda em bom estado, no qual o diligente
historiador pôde inequivocamente identificar o nónio
de Nunes. Ficou ele e ficámos todos nós sem saber a
partir de onde foi feita a réplica da IBM. De algum
instrumento antigo ou simplesmente do livro de Brahe?
A empresa foi inquirida, mas não deu qualquer res
posta.
É pouco, um só nónio antigo de Pedro Nunes? É, mas
pode ser que surjam mais... A descoberta seria tão inte
ressante para a história da ciência, que quem a fizer
ganhará as alvíssaras do reconhecimento público.
Um buraco de onze dias
o astrofísico norte-americano Carl Sagan gostava,
para referir a idade de uma pessoa, de usar a expressão
«voltas ao Sol» em vez de anos. Morreu, vítima de
cancro, a 20 de Dezembro de 1993, após ter dado 62
voltas ao Sol. O ano não é mais do que a unidade de
tempo que corresponde a uma volta completa do nosso
planeta em torno da sua estrela. Bem se pode dizer que
um raio que do Sol vai para a Terra funciona como um
ponteiro de um gigantesco relógio. E é com base nesse
relógio que estabelecemos as unidades de tempo, como
o segundo, usadas hoje nos nossos relógios terrestres.
Que o ano comece a 1 de Janeiro, entre o solstício
de Inverno a 2 1 de Dezembro e a data do periélio
terrestre a 3 de Janeiro (quando a Terra está à menor
distância do Sol, por mais estranho que isso possa
35. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONAuTICA 33
parecer), não passa de uma mera convenção. Podia
começar noutro dia? Podia e era a mesma coisa... As
revoluções do nosso planeta em torno do astro-rei repe
tem-se com uma extraordinária regularidade e poder
-se-ia ter começado o calendário noutro ponto. Porém,
como todas as convenções, também essa tem uma his
tória. O início do ano no dia 1 de Janeiro começou
com o estabelecimento do calendário juliano pelo impe
rador romano Júlio César, no ano 46 a.c. Antes disso,
o ano começava no mês de Março. Acrescentaram-se
então dois meses ao ano (Novembro e Dezembro) e os
últimos dois meses do ano antigo (Janeiro e Fevereiro)
passaram a ser os primeiros do novo ano. O ano da
mudança decretada por Júlio César, para um tempo
que ficou conhecido como «era de César», ficou justa
mente conhecido por «ano da confusão».
Uma outra confusão, embora ligeiramente menor,
ocorreu em 1582. A fim de melhor obedecer aos movi
mentos astronómicos, uma bula do papa Gregório XIII,
datada de 24 de Fevereiro desse ano, revogou o calen
dário juliano, decretando que fossem retirados alguns
dias ao ano em curso. O dia 1 5 de Outubro surgiu
nesse ano logo após o 4 de Outubro, criando assim um
«buraco» de onze dias no calendário. O dia 1 de Janei
ro de 201 1 no calendário gregoriano, que ainda hoje
vigora, é o dia 1 9 de Dezembro de 201 0 do calendário
juliano. Como era de esperar, países e regiões católicas
como Portugal, Espanha, Roma (não existia ainda Itália
na forma actual) e Danzigue (pertencente à actual Poló
nia) passaram imediatamente a seguir o édito papal.
Desta vez, Portugal estava na linha da frente de uma
mudança que haveria de ser global. O novo calendário
tinha sido preparado por uma douta comissão que
36. 34 DARWIN AOS TIROS
incluía o j esuíta alemão Christophorus Clavius ( 1 538-
- 1 6 12), talvez o mais famoso estudante de Coimbra,
uma vez que estudou durante cinco anos no Colégio
das Artes coimbrão antes de ir dirigir o Colégio Romano,
a escola maior dos jesuítas. Outros países seguiram o
calendário mais tarde, como, por exemplo, a Inglaterra
e a Rússia. Comentou o astrónomo Johannes Kepler,
que aliás era protestante, em relação aos ingleses:
Preferiam estar em desacordo com o Sol a estar de
acordo com o papa.
o intrépido capitão Lunardi e os lulanos
O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar AlIan
Poe ( 1 809- 1 849)? Pois ambos foram motivo de celebra
ções em 2009: passaram nessa altura 400 anos da publi
cação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas
primeiras leis do astrónomo alemão, e 200 anos do nas
cimento do poeta e contista norte-americano. Mas os
paralelos não se esgotam por aí: Kepler foi o autor da
que é considerada a primeira obra de ficção científica
da história, Somnium (título em latim, vertido em portu
guês para Sonho), publicada postumamente em 1 634, na
qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que
Poe retomou o mesmo tema no seu conto A Aventura
sem Paralelo de Um tal Hans Pfaall, saído em 1 835,
que narra uma subida à Lua a bordo de um balão.
Entre as duas datas de que se assinalaram as efeméri
des, situa-se uma outra: a da primeira ascensão em
balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripu
lado, conseguida pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu
de Gusmão no paço de el-rei D. João V; em 1 709. Se
37. HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 35
Poe relatou no século XIX uma arrojada subida em balão
até à Lua foi porque muitos aventureiros tinham antes
efectuado demonstrações tripuladas nesse meio de trans
porte. A primeira ascensão humana num balão, dos
irmãos Montgolfier, só foi concretizada 74 anos após o
ensaio de Gusmão, havendo quem especule sobre a pos
sibilidade de ter havido uma transferência tecnológica
através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da
Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de
Rozier, o professor de Física e Química que se haveria
de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo
quando, anos volvidos, tentava atravessar o canal da
Mancha, e o marquês de Oeslambre, um nobre interes
sado em altos voos.
Também em Portugal se realizaram em finais do
século XVlII e princípios do século XIX algumas admirá
veis proezas de balonismo. O destemido balonista ita
liano Vincenzo Lunardi ( 1 759-1 806), que tinha sido o
primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bor
do um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de
vinho!), fez uma exibição da sua perícia no Terreiro do
Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria
Barbosa du Bocage ( 1 765-1 805) a escrever o folheto
Elogio poético à admirável intrepidez, com que em
domingo 24 de Agosto de 1 794 subiu o capitão Lunardi
no balão aerostático (Lisboa, 1 794). Bastam dois ver
sos para se ver o estilo grandiloquente do nosso vate:
Guardai da glória no imortal tesouro
O nome de Lunardi em letras de ouro.
Lunardi acabou por se fixar em Lisboa, onde veio a
falecer.
38. 36 DARWIN AOS TIROS
Em 1 8 1 9 foi a vez de o professor belga de Física
Étienne-Gaspard Robert ( 1 763-1 837), mais conhecido
por Robertson, e o seu filho Eugene efectuarem um
novo espectáculo de subida em balão em Lisboa, que
incluiu o primeiro salto em pára-quedas feito em solo
português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos
quais em Copenhaga, que muito impressionou o então
jovem físico dinamarquês Hans Christian 0rsted (mais
tarde famoso pela sua descoberta da acção magnética
da corrente eléctrica), a ponto de o ter levado a escrever
poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço
não era um candidato a cientista mas sim um rival de
Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa ( 1 757- 1 832),
conhecido por josino Leiriense na Arcádia Lusitana, que
escreveu no mesmo ano do espectáculo o poema O Balão
aos Habitantes da Lua: Uma Epopeia Portuguesa. Numa
reedição de 2006 da Faculdade de Letras da Universi
dade do Porto, pode ler-se a engraçada sátira social, que
roubou a forma a Os Lusíadas. O argumento é bastante
científico, como se percebe de um curto extracto:
Matemáticos pontos combinando,
Tendo por base a grande Astronomia,
Um Génio, que não tem nada de brando,
Projecta ir ver o Sol, fonte do dia:
Em pejado Balão vai farejando,
Subindo mais e mais como devia;
Divisa a Lua, mete-se por ela,
Pasma de imensas cousas que viu nela.
Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua,
nesta utopia portuguesa, é povoada pelos Lulanos, nome
parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à
Thomas More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa
39. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 37
Lua habitada, ao contrário do que se passava em Por
tugal, a justiça funciona:
Aqui não há ladrões! Se um aparece,
É logo e sem demora castigado;
Tenha empenhos ou não, ele padece,
Sofrendo o que na Lei lhe é destinado.
A cntIca aos atrasos da justiça não terá perdido
actualidade. . . Há que fazer j ustiça a Bocage e a
Rodrigues da Costa, não só por terem feito um bom
retrato do seu país, mas também e principalmente por
terem cruzado a ciência, ou melhor, a sua filha directa,
a tecnologia, com a arte. Se não têm a notoriedade
mundial de Kepler e de Poe, deviam, pelo menos, ter
uma maior notoriedade no vasto espaço de língua por
tuguesa.
Einstein eclipsa Newton
o eclipse do Sol que celebrizou Albert Einstein ( 1 879-
-1 955) ocorreu no dia 29 de Maio de 1 91 9. Foi obser
vado por uma equipa britânica chefiada pelo astrónomo
Arthur Eddington ( 1 882-1 944), na ilha do Príncipe,
que na altura era uma colónia portuguesa, associada à
ilha de São Tomé (o conjunto constitui o arquipélago
de São Tomé e Príncipe, hoje país independente). Tra
tava-se de confirmar, ou de infirmar, um desvio dos
raios de luz provenientes de certas estrelas, que era
previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein,
pelo simples facto de eles passarem perto do Sol. Numa
reunião da Royal Society realizada em Londres, em
40. 38 DARWIN AOS TIROS
conjunto com a Royal Astronomical Society, a 6 de
Novembro de 1 9 1 9, os resultados das observações
realizadas no Príncipe foram anunciados urbi et orbi.
E estes, em concordância com observações realizadas
em simultâneo em Sobral, no Norte do Brasil, por uma
outra equipa inglesa, deram razão a Einstein.
O criador da teoria da relatividade geral não duvi
dou um só momento que fosse da correcção da sua
teoria. Nesse mesmo ano de 1 9 1 9, quando alguém lhe
perguntou como teria reagido se não tivesse havido
confirmação, Einstein respondeu, exibindo uma abas
tada autoconfiança:
Nesse caso eu teria pena do bom Deus. A teoria está
certa de qualquer modo.
E, mais tarde, comentou a respeito do seu colega e
amigo Max Planck, por este ter sido mais céptico:
Mas ele realmente não entendia muito de física, [por
queJ durante o eclipse de 1 91 9 ficou a noite toda acorda
do para ver se iria confirmar a deflexão da luz pelo campo
gravitacional. Se tivesse realmente entendido a teoria da
relatividade geral, teria ido para a cama tal como eu fiz.
O êxito de Einstein correu logo todo o mundo.
O jornal Times de Londres titulava em caixa alta a 7
de Novembro de 1 9 1 9: «Revolução na ciência. Nova
teoria do Universo. » Na notícia dizia-se que Einstein
acabava de destronar o gigante Isaac Newton do lugar
maior da história da Física. Chegou também, passados
alguns dias, a Portugal (que não tinha enviado astróno
mos para acompanhar a expedição, apesar de a revista
41. H ISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 39
coimbrã O Instituto ter publicado, anos antes, um artigo
alertando para a importância do eclipse). A 1 5 de
Novembro, um título do jornal O Século, publicado
em Lisboa, era tão conciso como exacto: «A luz pesa. »
A vida do sábio suíço-americano de origem alemã
mudou radicalmente a partir dessa altura. Einstein não
seria Einstein sem a fama que lhe deu o eclipse. Pode
dizer-se que há duas fases na biografia de Einstein: antes
do Príncipe e depois do Príncipe, duas fases que alguém
descreveu respectivamente como «Dos Princípios para
o Príncipe» e «Do Príncipe para Princeton» . Ainda hoje
se recorda o eclipse solar de 1 9 1 9, quando não se re
cordam muitos outros bastante semelhantes. Se o eclip
se celebrizou Einstein, não é menos certo que Einstein
celebrizou aquele eclipse. O ano de 1 9 1 9 não poderia
ter ficado na história da astronomia como ficou sem o
abono que o eclipse concedeu à teoria da relatividade.
Da órbita de Clarke ao elevador espacial
O escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke
( 1 9 1 7-2008 ) morreu, no Sri Lanka, onde residia há
longos anos, alguns meses depois de ter soprado 90
velas no seu bolo de aniversário. A foto da festa de
anos, com o aniversariante em cadeira de rodas, correu
o mundo, pois ele foi o autor, com o norte-americano
Stanley Kubrick, de um dos filmes mais famosos de
sempre: 2001 : Uma Odisseia no Espaço. Poucos sabem,
porém, que Clarke era, por formação, físico, tendo
estudado no King's College de Londres depois da Se
gunda Guerra Mundial. Durante essa guerra serviu o
seu país na Royal Air Force, tendo ajudado ao desen-
42. 40 DARWIN AOS TIROS
volvimento da tecnologia do radar, verdadeiro respon
sável pelos sucessos aéreos dos Aliados.
Foi em Outubro de 1 945, quando tinha apenas 28
anos, que Clarke, numa revista de electrónica amadora
(Wireless World), avançou com uma das maiores ideias
das ciências espaciais: o satélite geoestacionário. O artigo
intitulado « Extra-terrestrial relays» « <Retransmissores
extraterrestres» ) e subintitulado « Can Rocket Stations
Give Worldwide Radio Coverage? » « <Podem estações
em foguetões fornecer uma cobertura mundial de rá
dio?» ), especulava sobre a possibilidade de uma rede de
satélites fornecer uma cobertura radiofónica global.
Um satélite geoestacionário situa-se numa órbita geoes
tacionária, conhecida como órbita de Clarke. Essa
órbita, a 35 mil quilómetros de altitude, está hoje tão
densamente povoada de satélites (tem mais de três cen
tenas), não só de comunicações mas também de meteo
rologia, que faz lembrar a praia da Costa da Caparica
em pleno mês de Agosto...
Porquê 35 mil quilómetros? Para obter esse valor,
basta fazer algumas contas, usando a segunda lei de
Newton e a fórmula da força de gravitação. Ensina-se
nos actuais programas de Física do 1 0.0 ano de escola
ridade que um satélite a essa altitude, colocado sobre o
equador, demora exactamente 24 horas a dar a volta a
Terra. Como o meu planeta faz uma rotação completa
nesse tempo, o satélite está sincronizado com ele: é
visto do equador como estando permanentemente
parado. Em 1 945 não se sabia que a tecnologia dos
satélites era viável e ela só se viria a concretizar em
1 957, a data da subida aos céus do primeiro Sputnik.
O Sputnik 1 girava a uma órbita baixa, bem longe da
órbita de Clarke, e apenas em 1 963 foi lançado pelos
43. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTI CA 41
americanos o primeiro satélite geoestacionário. Clarke
ficou célebre na ficção científica, mas o seu artigo da
Wireless World não era, portanto, ficção: era científico.
Modernamente, há ideias que parecem tão lunáticas
como a órbita de Clarke parecia no final da guerra.
Uma das mais interessantes consiste em construir um
elevador espacial, isto é, um fio estendido na vertical
até essa órbita e que se mantenha esticado, a rodar com
a Terra pelo facto de a ponta estar numa órbita geoes
tacionária. O fio teria de ser muito resistente para per
mitir içar objectos para o espaço, dispensando assim
os dispendiosos foguetões que hoje se usam (no seu
artigo original, Clarke falhou quando previu foguetões
a energia nuclear). Há quem proponha usar nanotubos
de carbono, fios constituídos por camadas de carbono
enroladas que conseguem ser ultrafinos e ao mesmo
tempo ultra-resistentes, faltando porém saber se essa
tecnologia assegura a necessária « magia » . O mais
curioso é que Clarke tenha previsto (bem, ele não foi
o primeiro. . . ) o elevador espacial no seu romance de
ficção científica As Fontes do Paraíso (edição original
de 1 979). Situava-o precisamente no seu local de elei
ção, o Sri Lanka, a antiga ilha de Ceilão, chamada,
pelos portugueses do tempo dos Descobrimentos, Tapro
bana. O elevador espacial não nos levará, como escre
veu Luís de Camões n' Os Lusíadas, para «além da
Taprobana», mas sim para cima da Taprobana!
o pai incógnito do Sputnik
O chamado «pai do Sputnik » foi o ucraniano Sergei
Pavlovich Korolev ( 1 906-1 966). Em contraste com o
44. 42 DARWIN AOS TIROS
engenheiro alemão (depois naturalizado norte-ameri
cano) Wernher von Braun ( 19 12-1 977), o «pai do Saturno
V» e portanto o « pai da viagem à Lua» , o engenheiro
Korolev não é muito conhecido, pelo menos no mundo
ocidental. Muita gente sabe que von Braun construiu
durante a Segunda Guerra Mundial as bombas voadoras
V2 ao serviço dos nazis que, lançadas de bases no Norte
da Alemanha, espalharam o terror no Centro e Sul de
Inglaterra. E muitos sabem também que ele foi preso por
tropas norte-americanas e levado à força para o outro
lado do Atlântico, onde mais tarde veio a desenvolver
os poderosos foguetões que levaram as naves Apolio na
ponta do nariz para cumprir missões lunares.
Mas pouca gente conhece o que quer que seja da
biografia de Korolev. Ele está praticamente esquecido
no Ocidente. Pouca gente sabe que, antes de dirigir o
programa espacial soviético, Korolev foi apanhado
numa purga ordenada pelo ditador José Estaline e pas
sou a guerra internado, primeiro, num gulag da Sibéria
e, depois, num campo de prisioneiros cujo trabalho
escravo era precisamente construir aviões. Um dos seus
companheiros nessa prisão foi outro grande génio da
aviação - Andrei Tupolev ( 1 8 8 8- 1 972), nome mais
conhecido por estar associado a uma bem-sucedida em
presa aeronáutica. E pouca gente sabe que a ideia da
ida do homem à Lua pertenceu, não ao engenheiro Von
Braun nem ao presidente Kennedy, mas sim... ao enge
nheiro Korolev. Essa posição nunca foi assumida publi
camente pelos soviéticos porque seria uma verdadeira
confissão de derrota na corrida ao espaço, depois de
o génio de Korolev lhes ter permitido obter uma mão
-cheia de estrondosas vitórias. O primeiro engenho a
alunar, um aparelho forte e feio que ostentava orgu-
45. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 43
lhosamente a foice e o martelo, foi o Luna 2, em 1 959.
E o primeiro homem a viajar no espaço foi o russo Yuri
Gagarin, que entrou em órbita terrestre a bordo da
nave Vostok em 1 96 1 . Contudo, a União Soviética não
estava em condições, em finais dos anos 60, de compe
tir com os norte-americanos na corrida com tripulação
humana ao nosso satélite natural. Em 1 969, nas véspe
ras da missão Apollo 1 1 , von Braun ainda receava que,
nesse tempo em que a Guerra Fria exigia segredos fecha
dos a sete chaves, pudesse haver uma surpresa de última
hora do outro lado da Cortina de Ferro. Mas não houve.
Uma das razões foi a morte prematura do grande
engenheiro-chefe. Korolev tinha falecido em 1 966, no
auge da sua carreira, durante uma operação cirúrgica
de rotina. O presidente russo Vladimir Putin prestou
-lhe uma merecida homenagem em 2006, por ocasião
do centenário do seu nascimento. Korolev pode não ter
concretizado o seu sonho de ver humanos pisarem solo
lunar, mas, sem ele, primeiro a União Soviética e depois
a Rússia nunca teriam podido voar tão alto como
voaram.
Porque está lá!
Quando um repórter perguntou ao montanhista in
glês George Mallory ( 1 886-1924) porque é que ele
queria escalar até ao cimo do monte Evereste, ele terá
respondido:
Because it's there! ( << Porque está lá! » )
Ainda hoje constitui um mistério saber se Mallory
atingiu O cume da maior elevação do mundo, a mais de
46. 44 DARWIN AOS TIROS
oito quilómetros de altitude, uma vez que ele morreu
durante a tentativa, em 1 924, não existindo provas do
cumentais de que tenha estado no cimo, como existem
em relação ao neozelandês Sir Edmund Hillary ( 1 9 1 9-
-2008) e ao nepalês Tenzing Norgay ( 1 914- 1986), que
chegaram ao cume em 1 953, tendo regressado sãos e
salvos. Tardaram 75 anos até que o corpo do malo
grado Mallory fosse encontrado pelo alpinista norte-ame
ricano Conrad Anker (n. 1 962) numa expedição espe
cialmente preparada para esse fim. Mas não foi achada
a câmara fotográfica com a qual ele poderia ter regis
tado o sucesso. Ela provavelmente estará com Andrew
lrvine ( 1 902-1 924), o seu jovem companheiro de ascen
são, cujo corpo não foi até hoje encontrado. Na reali
dade, estes pioneiros do Evereste têm tido azar com as
máquinas fotográficas, uma vez que também não há
nenhuma fotografia de Hillary no cume, apenas uma
do nepalês Norgay, que não sabia usar uma máquina
fotográfica. Segundo o seu companheiro neozelandês,
« o cume do Evereste não era o lugar para lhe começar
a ensinar» . Muito sensato...
Os astronautas norte-americanos Neil Armstrong e
Edwin Aldrin, os membros da missão Apollo 1 1 que,
no dia 20 de Julho de 1 969, foram os primeiros seres
humanos a pisar o solo poeirento da Lua (<<One small
step for man... », «Um pequeno passo para o homem... » ),
fazendo-nos chegar inequívocos registos fotográficos e
cinematográficos da sua excursão e regressando depois
na perfeição ao seu planeta natal, poderiam muito bem
ter respondido como Mallory a uma pergunta seme
lhante, no seu caso sobre a viagem ao nosso satélite
natural. De facto, a Lua está lá, dia após dia, noite após
noite, por cima das nossas cabeças, bem mais visível
47. H ISTÚRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 45
para todos do que a montanha Evereste. É por isso
que, desde pelo menos o sírio Luciano de Samósata
(c. 120-c. 1 80), o astro mais próximo de nós tem ins
pirado muitos sonhos de viagem. Foi o caso de escritos
do alemão Johannes Kepler e do francês Cyrano de
Bergerac. A ânsia humana de chegar a todos os sítios
que « estejam lá» constitui o verdadeiro motivo de todas
as explorações, tanto na Terra como fora dela. Se o
ensejo da primeira viagem à Lua foi a competição dos
Estados Unidos com a União Soviética, que conduziu
ao famoso anúncio da intenção de chegar à Lua antes
do final da década feito pelo presidente John Fitzgerald
Kennedy em 1 96 1 , em reacção política às proezas
orbitais soviéticas do Sputnik e de Yuri Gagarine, o
verdadeiro impulso, tanto individual como colectivo,
foi decerto a descoberta de mais mundos, a travessia
das fronteiras, a auto-superação. Foi Edmund Hillary
que afirmou:
Não conquistamos a montanha, mas sim a nós mes
mos.
A Lua continua lá, à mesma distância de nós. E é o
mesmo impulso de sempre, o impulso de conquista de
nós mesmos, que nos vai levar - esperamos que em
breve - a lá voltar.
Viagem planetária com dormida na heliosfera
o termo heliosfera, literalmente « esfera do Sol» , de
signa o casulo envolvente da nossa estrela e também de
todo o sistema solar onde os ventos solares (chuveiro
48. 46 DARWIN AOS TIROS
de partículas carregadas ou plasma emitidos pelo Sol)
encontram o espaço interestelar. A sonda Voyager 2,
lançada pela Agência Espacial Norte-Americana, NASA,
de cabo Canaveral, na Florida, no dia 20 de Agosto de
1 977, chegou trinta anos depois à heliosfera. No longo
caminho da viagem passou sucessivamente por Júpiter,
Saturno, Urano e Neptuno, aproveitando uma rara
conjugação na mesma zona do espaço destes grandes
planetas, e enviou reportagens espectaculares desse
grande tour planetário.
A sonda sua irmã Voyager 1 já tinha chegado um
pouco antes à heliosfera, apesar de ter sido lançada
ligeiramente depois. Acontece que, apesar do parentesco
no nome e nos objectivos, as órbitas das duas naves são
bastante diferentes, dirigindo-se a Voyager 1 para cima
do plano do equador terrestre e a Voyager 2 para baixo
dele. Acontece ainda que a heliosfera, apesar do seu
nome, não é bem uma esfera, devido à influência de
campos magnéticos interestelares. A Voyager 2, ao
contrário da Voyager 1 , manteve os seus detectores de
plasma em pleno funcionamento, pelo que nos enviou
informações preciosas sobre o conteúdo de uma zona
remota do nosso sistema planetário na altura em que
estava a findar 2007, declarado pelas Nações Unidas
Ano Internacional da Heliofísica.
Enquanto fechava esse ano, as duas naves continua
vam a sua prodigiosa viagem, à velocidade de 50 000
quilómetros por hora. Ambas estão mergulhadas na
heliosfera e por lá irão continuar durante vários anos,
dada a enorme vastidão dessa zona. O limite da helios
fera, que se chama heliopausa, está pelo menos a
4 anos de viagem das sondas. A Voyager 2 enviar-nos
-á registos da travessia dessa última fronteira solar.
49. HISTÚ RIAS DE ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 47
É preciso alguma sorte, pois pode esgotar-se a energia
fornecida pela sonda e, consequentemente, os seus ins
trumentos deixarem de funcionar. Se isso acontecer, será
como um carro ao qual acaba o combustível quase no
fim da viagem, com a diferença de que à sonda nin
guém lhe pode valer.
Por sugestão do astrofísico norte-americano Carl
Sagan, cada uma das naves transporta uma placa que
tem inscritas saudações em várias línguas, incluindo a
língua portuguesa. É muito pouco provável que, na
heliopausa ou para lá dela, haja alguém que fale portu
guês, mas vá-se lá saber... Se houver e encontrar a placa,
ficará decerto todo contente ao reconhecer a língua de
Camões numa nave naufragada por aquelas remotas
paragens! Para além da heliopausa é muito, muito mais
longe do que para além da Taprobana.
Galileo no vidro da frente com uma ventosa
A 27 de Abril de 2008 foi lançado da base espacial
de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um foguetão
russo Soyuz, o segundo satélite do sistema de navega
ção Galileo, o grande projecto que a União Europeia
preparou para concorrer com o GPS norte-americano.
O primeiro satélite tinha sido lançado em 2005 pela
Agência Espacial Europeia, ESA.
O GPS - Global Positioning System é, na sua ori
gem, um sistema militar de localização e continua a sê
-lo em larga medida. Em 1 983, na sequência do trágico
abate de um avião civil sul-coreano que atravessava o
espaço aéreo sovletlcO, o presidente norte-americano
Ronald Reagan decidiu abrir o GPS ao uso civil. Na
50. 48 DARWIN AOS TIROS
pratica, coexistem actualmente um sistema militar, de
elevada precisão, e um sistema civil, de menor precisão,
que tem conhecido um boom por todo o mundo (quem
é que ainda não usou, por exemplo, o TomTom?). Em
2000, o presidente norte-americano, Bill Clinton, man
dou desactivar a « disponibilidade selectiva» , isto é, a
possibilidade de as autoridades militares interferirem
destrutivamente no sinal GPS público em caso de neces
sidade imposta por um conflito. Mesmo assim, a União
Europeia decidiu que era necessário um sistema alter
nativo só para uso civil, devendo esse sistema ter maior
precisão do que a do GPS actual (o objectivo último
é a precisão de apenas um metro). A discussão entre
a União Europeia e os Estados Unidos foi bastante
dura após os ataques do 1 1 de Setembro de 2001 da
AI-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque, que have
riam de conduzir a guerras no Iraque e no Afeganis
tão. No entanto, em 2004, as duas partes chegaram
finalmente a um acordo, que incluiu a mudança das
frequências do Galileo e a regulação de toda e qual
quer actuação conjunta em caso de guerra. As duas
tecnologias até então rivais entraram a partir de então
numa fase de cooperação. Se não os podes vencer, jun
ta-te a eles...
Como funciona o GPS e como vai funcionar o
Galileo? Essencialmente da mesma maneira, uma vez
que a tecnologia subjacente é muito semelhante. Pelo
menos três satélites, equipados com relógios atómicos,
que são relógios extraordinariamente precisos, enviam
sinais por microondas para terra, que são lidos por
receptores do GPS ou Galileo, também equipados com
relógios mas menos precisos. A posição do receptor
determina-se computacionalmente a partir das posições
51. H ISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 49
dos satélites em linha de vista, assim como dos instan
tes de emissão e de recepção dos sinais.
O Galileo, que usará 30 satélites e duas bases de
rastreio, é extremamente dispendioso: em 2007 eram
precisos mais 3,4 mil milhões de euros para o desenvol
ver. As empresas privadas tremeram perante o montante
desse investimento. Só no final desse ano, durante a
presidência portuguesa da União Europeia, se deu um
passo decisivo para desbloquear o projecto, alocando
ao Galileo fundos comunitários retirados à agricultura
e à administração comunitária. O sistema europeu (de
facto, não é só europeu, pois à Europa já se juntaram
países asiáticos como a China, a Índia e a Coreia do
Sul), deverá estar operacional em 2013, se tudo correr
bem. Nessa altura, vamos poder escolher entre o GPS
e o Galileo. Na competição entre os dois, não se sabe
quem vai ganhar. Vamos ver qual deles vai aparecer em
maior número colado com uma ventosa no vidro da
frente dos carros...
Haverá certamente algumas pessoas, mais desconfia
das, que gostarão de ter os dois: «O GPS diz que che
gámos a casa dos primos, mas no Galileo ainda faltam
dois metros. É melhor telefonar.»
Bactérias extraterrestres? Outra vez?
Em 1 996, circulou por todo o mundo a notIcIa de
que tinham sido encontrados vestígios de bactérias num
meteorito caído nos gelos da Antárctida e, em princí
pio, proveniente de Marte. A origem dessa informação
foi a NASA, e a proporção que ela atingiu teve a ver
com o facto de o próprio presidente Bill Clinton se ter
52. 50 DARWIN AOS TIROS
pronunciado sobre o assunto numa apresentação tele
visiva difundida da Casa Branca. Mas a controvérsia
foi grande e hoje permanecem sérias dúvidas sobre a
hipótese de descoberta de vida extraterrestre que foi
formulada na altura. Pode muito bem ter havido uma
contaminação da amostra por bactérias terrestres, pelo
que as bactérias marcianas ficaram por confirmar.
Apesar de esforços incessantes de numerosos inves
tigadores, não sabemos ainda se há vida noutros sítios
do nosso vasto cosmos além da Terra. A astrobiologia,
o cruzamento da astronomia com a biologia, é actual
mente uma das áreas mais activas e mais interessantes
da ciência: os astrobiólogos perscrutam, com os seus
poderosos telescópios, sinais de complexos químicos
no espaço, enviam a Marte e a outros astros do sistema
solar bem equipadas sondas capazes de detectar formas
de vida, e procuram marcas biológicas em meteoritos
caídos no nosso planeta. A notícia devidamente confir
mada do achamento de vida extraterrestre, qualquer
que fossem o sítio e o meio usados, causaria decerto
um grande alvoroço na Terra.
Mas, até agora, nenhum organismo vivo que possa
ser considerado extraterrestre se achou de um modo
que não deixe margem para dúvidas. Nenhum? Bem, o
Journal of Cosmology publicou em 201 1 um artigo de
Richard Hoover (n. 1 943), cientista da NASA, que, a
acreditar na interpretação do autor, mostra fósseis de
cianobactérias em meteoritos carbonáceos, isto é, meteo
ritos que contêm carbono. Esses meteoritos, examina
dos agora com modernas técnicas físico-químicas, já
não são novos, estando guardados em museus de ciên
cia (dois deles caíram em França no século XIX e foram
examinados por grandes químicos da época). Hoover
53. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 51
notou que alguns filamentos microscopiCos presentes
nos meteoritos se assemelham às cianobactérias, bacté
rias que são comuns nas águas dos oceanos e cuja capa
cidade de fotossíntese terá sido responsável pela forte
presença de oxigénio na Terra. O padrão dos elementos
químicos identificados levou-o a afirmar que essas bac
térias não eram como as terrestres, defendendo por isso
a tese de que elas tinham vindo de fora do planeta.
O canal de televisão de pendor sensacionalista Fox
News, do norte-americano Rupert Murdoch (o mesmo
dono do News of the World, que fechou em 201 1 com
um enorme escândalo), propalou a novidade aos qua
tro ventos, logo ampliada por outros órgãos de comu
nicação social em vários países. Mas a questão não é
nada simples e, tal como quinze anos antes, as reacções
adversas não se fizeram esperar. Foi sobretudo discu
tida a credibilidade da revista, uma recente publicação
de acesso livre na Internet cujo rigor no processo de
avaliação por peritos pode deixar a desejar. Em revistas
científicas credíveis, nada é publicado sem passar no
exigente crivo de referees escolhidos pelos editores. Ora
o editor da área de astrobiologia daquela publicação
pode ter uma visão enviesada. Trata-se de Chandra
Wickramasinghe (n. 1 939), um cientista indiano acér
rimo defensor da ideia de panspermia, teoria segundo
a qual a vida na Terra teve uma origem extraterrestre
(é autor de um livro sobre o tema em co-autoria com
o norte-americano Fred Hoyle, o bem conhecido adver
sário da teoria do Big Bang). Essa tese não resolve o
problema da origem da vida, simplesmente explica a
vida da Terra dizendo que ela veio doutro lado. A pans
permia não deixa, porém, de ser um conceito interes
sante, que até poderia ser aplicada na política se os
54. 52 DARWIN AOS TIROS
decisores públicos tivessem suficiente imaginação para
alegarem que a origem da crise económica é extrater
restre...
As opiniões dividiram-se, mas a comunidade dos
astrobiólogos achou precária a sustentação científica
que Hoover fornecia no seu artigo. O mais provável é
que esta « descoberta», tal como a das bactérias marcia
nas de 1 996, não venha a passar na avaliação externa,
que demora algum tempo e costuma ser mais severa do
que a interna. A ser assim, não será ainda o fim dos
extraterrestres (ET) fora dos cinemas. A sua busca irá
continuar...
Alô, Marte, está aí alguém?
A resposta à pergunta sobre se há vida no planeta
Marte tem sido intensamente procurada pelos terrestres.
De facto, só conhecemos vida na Terra, dando-se o caso
de alguma dessa vida ser inteligente. Mas, atendendo à
extensão do espaço, é não só possível como provável
que haja vida, quiçá vida inteligente, noutros sítios do
vasto cosmos. Em Marte, por exemplo, que está rela
tivamente perto de nós. É o planeta mais próximo do
nosso depois de Vénus (o <<planeta irmão da Terra» ), o
qual, devido às suas altíssimas temperaturas provocadas
por efeito de estufa, se apresenta como um verdadeiro
inferno, e não pode, por isso, abrigar seres vivos.
Depois de um voo de dez meses, a sonda Fénix (em
inglês, Phoenix), um projecto da NASA, liderado pela
Universidade de Arizona, sediada na cidade de Phoenix
(daí o nome), nos Estados Unidos, pousou perto do
pólo norte de Marte no dia 25 de Maio de 2008. Foi
55. HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 53
um verdadeiro alívio no centro de controlo quando a
sonda, já em solo marciano, respondeu à chamada da
Terra, por ondas de rádio, uma vez que a exploração de
Marte parecia amaldiçoada. Dos 19 engenhos que
tinham sido enviados nos dez anos anteriores, cerca
de metade tinha falhado. Dessa vez, felizmente, tudo
correu bem e ao leitor bastará consultar a Internet
(http://phoenix.lpl.arizona.edu/) para se encantar com
vários retratos de Marte feitos pela Fénix. Com a mis
são perfeitamente cumprida, a sonda calou-se passados
alguns meses, devido à falta de energia.
O escritor norte-americano de ficção científica Ray
Bradbury (n. 1920) escreveu nas suas Crónicas Marcia
nas que existem marcianos: os marcianos somos nós...
quando chegarmos a Marte. De facto, através desta e
das sondas anteriores, estamos a preparar a nossa pri
meira viagem ao Planeta Vermelho. Convém por isso
saber o que vamos encontrar. Com certeza que a Fénix
não procurou nem encontrou homenzinhos verdes, mais
ou menos semelhantes a nós, mas procurou encontrar
microrganismos. Não seria uma completa surpresa se
os tivesse detectado, mas seria decerto um marco não
só na história da ciência como na história da humanidade.
A sonda dispunha de um braço robótico com mais de
dois metros destinado a escavar o solo marciano. Suspei
tava-se de que a superfície extremamente fria do Norte
de Marte escondesse gelo. Já se sabe, de resto, que
existe água em Marte, embora apenas água gelada. E a
água é uma das substâncias essenciais para a vida tal
como a conhecemos no nosso planeta. Mas, a respeito
de microrganismos marcianos nada, zero, coisa nenhuma...
Os microrganismos não lêem. Mas, não vá dar-se o
caso de aparecer algum deles letrado (sabe-se lá, talvez
56. 54 DARWIN AOS TIROS
com um curso das «Novas Oportunidades» feito à dis
tância), a Fénix levou a bordo uma biblioteca, a pri
meira biblioteca em Marte, de outras que mais tarde se
deverão seguir. Trata-se de um conjunto de livros com
pactados em forma digital num DVD intitulado Visions
of Mars (Visões de Marte). A biblioteca reúne a melhor
ficção que tem sido escrita sobre Marte: não só textos
da autoria de Bradbury, mas também dos ingleses
Herbert George Wells e Arthur C. Clarke, e dos norte
-americanos William Burroughs e Isaac Asimov. Inclusi
vamente, a voz de Sir Arthur C. Clarke está lá gravada,
numa saudação fraterna aos marcianos.
O ezxo do mal na abóbada celeste
Partículas nuas e com charme, supergigantes e super
novas, buracos negros, matéria escura, quinta-essência,
inflação: os astrofísicos gostam muito de nomes que
chamem a atenção. Pois o <<eixo do mal», que era uma
curiosa expressão da política, usada pelo presidente
George Bush num dos seus discursos sobre o <<Estado
da União» para designar alguns países inimigos do seu,
com programas nucleares em curso, como a Coreia do
Norte, o Irão e o Iraque, também entrou na linguagem
da física. . .
Com efeito, <<Ü eixo do mal » (no original inglês,
<<The axis of evil» ) foi o título de um artigo publicado
na prestigiada revista científica Physical Review Letters,
em 2005, pelo astrofísico português João Magueijo
(n. 1 967, em Évora), professor e investigador no Impe
rial College de Londres) e pela sua aluna de doutora
mento inglesa Kate Land (hoje investigadora na Univer-
57. HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 55
sidade de Oxford). Magueijo e Land deram esse nome
a uma linha que, segundo eles, marcava uma acentuada
assimetria na chamada « radiação cósmica de fundo» , o
clarão de microondas que ficou como resto fóssil do
momento da criação dos átomos por todo o Universo,
há cerca de 14 mil milhões de anos, quando o Universo
só tinha 300 mil anos (um bebé, portanto, comparado
com a idade que tem hoje). A observação rigorosa dessa
radiação com a ajuda de um satélite da NASA, que se
fartou de dar voltas à Terra, valeu o Prémio Nobel da
Física, em 2006, aos norte-americanos George Smoot e
John Mather, chefes de uma numerosa equipa, tal como
a observação de um ruído esquisito numa antena na
Terra já tinha valido, em 1978, o Prémio Nobel da
Física a outros dois norte-americanos, Arno Penzias e
Robert Wilson, que, em contraste com os seus sucesso
res, trabalhavam com um pequeno grupo. O cosmos é,
assim, como um enorme forno de microondas. E as
microondas cósmicas chegam cá ao fundo da atmosfera,
embora se apanhem muito melhor lá em cima.
De início, o «eixo do mal» não passava de uma
mera especulação, mais uma entre tantas outras que se
fazem na astrofísica. Segundo os seus autores, nem todas
as direcções do espaço seriam equivalentes, ao contrá
rio do que se supunha. Mas, poucos anos passados,
dois estudos independentes um do outro, um belga e
outro norte-americano, vieram aparentemente confir
mar a existência do referido eixo. A ser verdade, o
modelo do Big Bang (um outro nome curioso criado
pelo astrofísico inglês e autor de ficção científica Fred
Hoyle só para denegrir a ideia de momento inicial da
criação, que ele pura e simplesmente abominava), que
actualmente reúne um amplo consenso na comunidade
58. 56 DARWIN AOS TIROS
científica, estará confrontado com um novo e impor
tante desafio. O dito eixo poderá abalar a teoria do Big
Bang!
De facto, a teoria do Big Bang, apesar de ser hoje
largamente partilhada pela maioria dos cientistas que
estudam o Universo em grande escala, não é indiscutí
vel, tal como o não é, de resto, nenhuma teoria cientí
fica. O aceso debate sobre a origem do Universo irá
continuar e provavelmente até avivar-se. Curioso é que
seja o mesmo Magueijo que há poucos anos tinha pro
curado contrariar a teoria da relatividade restrita de
Einstein, atacando um dos seus pilares essenciais (a
constância da velocidade da luz), que venha agora opor
-se a uma ideia cosmológica associada à teoria da rela
tividade geral, também de Einstein. Magueijo não se
cansa de contrariar Einstein. Da outra vez, a sua voz
não se conseguiu impor no seio da comunidade cientí
fica. Será desta?
Multiverso, A/ices e coelhos brancos
Certas áreas da física contemporânea aproximam-se
perigosamente da ficção científica. O astrónomo polaco
Nicolau Copérnico ensinou-nos que era o Sol, e não a
Terra, o centro do mundo {que, na altura, estava res
trito ao sistema solar). De início, quase ninguém deu
ouvidos ao que ele dizia e, com o avolumar de provas,
tornámo-nos todos copernicanos. Hoje, alguns astrofí
sicos querem fazer-nos crer que o Universo não é ape
nas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade
eventualmente infinita de universos, nos quais o nosso
não assume de modo nenhum o papel central. É apenas
59. HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 57
um entre uma multidão de outros. Acontece que há
cada vez mais gente a acreditar nessa nova tese...
Se descontarmos as extravagâncias de alguns escri
tores de ficção, a ideia de «muitos mundos» ou «mun
dos paralelos» surgiu nos anos 50 do século passado no
contexto das tentativas de interpretação da teoria quân
tica. Debatendo-se, como tantos outros, com as dificul
dades da noção quântica da probabilidade, o físico
norte-americano Hugh Everett III ( 1 930-1982) teve uma
saída muito original: propôs a existência de vários uni
versos ou mundos. Em cada um deles concretizava-se
um dos futuros possíveis oferecidos pelas leis quânticas
probabilísticas. O chamado «gato de Schrodinger» é o
protagonista de uma célebre experiência conceptual: o
pobre animal estava fechado numa caixa, podendo mor
rer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria
quântica convencional, haveria uma certa probabilidade
de ele estar vivo e a probabilidade remanescente de ele
estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos de
Everett, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto
num outro. Quer dizer, o gato estava ao mesmo tempo
morto e vivo, conforme o mundo. Parecia, e era mesmo,
uma teoria do outro mundo.
O estranho conceito dos mundos paralelos ressusci
tou nos tempos mais recentes, impulsionado por mo
dernas teorias cosmológicas, embora noutras vestes.
Sendo o início do Universo um processo quântico,
poderá ter acontecido que o Universo que habitamos
e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis
e que haja outros, muitos outros. Onde estão eles? Pois,
mal comparado, o nosso Universo poderá ser apenas
uma bolha que está, perfeitamente incógnita, no seio de
uma espuma, juntamente com inúmeras outras, para
60. 58 DARWIN AOS TIROS
nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficien
temente estranha, há quem defenda que o « borbulhar>>
do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é,
que estão sempre a nascer e irão sempre nascer mais
universos no incomensurável Multiverso.
Outros autores há que pugnam pela pluralidade de
universos por uma via diferente desta. Para eles, os
outros universos não estão para além do nosso hori
zonte cósmico, mas antes têm portas abertas dentro do
nosso próprio mundo. Sabemos hoje, por via tanto
teórica como observacional, que o cosmos a que temos
acesso possui « buracos>> - chamados mesmo buracos
negros- onde o espaço-tempo acaba. Existe muita
especulação sobre esses abismos cósmicos, pois neles
acaba também toda a física que conhecemos. Alguns
físicos imaginam que tais sítios, devido a uma qualquer
modificação da gravidade, são túneis para outros uni
versos do Multiverso. Carl Sagan, que além de repu
tado astrofísico foi também o autor do muito vendido
romance de ficção científica Contacto, em que se serve
de viagens no espaço-tempo ao longo de «buracos de
minhoca>> (wormholes), para mover personagens para
paragens distantes, escreveu num estilo poético-literário:
Os buracos negros podem ser entradas para Países das
Maravilhas. Mas haverá lá A/ices e coelhos brancos?
61. Um palimpsesto
no banho e
de
outras
física
para ler
histórias
Um palimpsesto para ler no banho
JÁ ALGUÉM, NUMA BELA METÁFORA, disse que Deus CO
nhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os
historiadores. E os historiadores fazem, por vezes, des
cobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1 906,
na cidade de Constantinopla, na Turquia, do Palim
psesto de Arquimedes (figura 5), um precioso manus
crito da autoria do grande sábio grego Arquimedes (287
a.C.-212 a.C.), que habitou na cidade de Siracusa, na
Sicília, no tempo em que essa ilha de Itália pertencia ao
mundo grego. Um palimpsesto, para quem por acaso
não saiba, é uma obra escrita por cima de outra, um
processo que se usava num tempo em que era preciso
economizar materiais.
Um livro sobre essa descoberta, e tão fascinante
como ela, saiu em Portugal quase em simultâneo com
62. 60 DARWIN AOS TIROS
Figura 5 -Página do palimpsesto de Arquimedes. Repare-se
na escrita sobreposta
63. HISTÓRIAS DE FISICA 61
o seu ruidoso lançamento a nível mundial. Tem o título
O Codex Arquimedes (Edições 70, 2007) e são seus
autores dois norte-americanos: o historiador de ciência
Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros
raros William Noel, que dirige um projecto de investi
gação sobre o precioso manuscrito.
O conteúdo do livro não é ficção, embora por vezes
pareça. A obra conta, de uma forma que prende o lei
tor tal como um thriller, como o dito códex foi arrema
tado em leilão por dois milhões de dólares, oito anos
antes de o livro sair, uma quantia oferecida por um
investidor anónimo, que logo cedeu a obra a especialis
tas para estudo. No século x, um escriba, ainda mais
anónimo do que o referido comprador, tinha copiado
do grego um conjunto de obras avulsas de Arquimedes.
Essa cópia foi, dois séculos depois, rasurada por um
monge cristão para dar lugar a um livro de orações, a
obra que chegou até nós. As mais modernas tecnologias
permitiram, nos últimos anos, reconstituir nesse livro
de orações originais únicos, que estavam semiocultos,
mas apesar disso legíveis: Dos Corpos Flutuantes, Do
Método Relativo aos Teoremas Mecânicos e Stomachion.
O primeiro é o tratado que contém a famosa Lei de
Arquimedes, relativa à impulsão, que é ensinada na
escola: todo o corpo mergulhado num líquido está
sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, cujo
valor é igual ao peso do volume de líquido deslocado.
O segundo é, em certos aspectos, precursor do cálculo
diferencial que o inglês Isaac Newton e o alemão Gott
fried Wilhelm von Leibniz formularam quase vinte sécu
los mais tarde para descreverem matematicamente os
movimentos. E, finalmente, o terceiro, que inclui um
intrigante puzzle, coloca interessantes questões de com-
64. 62 DARWIN AOS TIROS
binatória, um ramo da matemática que se julgava ser
bem mais recente.
Os autores deste thriller histórico-científico não têm
quaisquer dúvidas em afirmar que «Arquimedes é o
maior cientista de todos os tempos». Para eles, Arqui
medes bate Newton e Einstein aos pontos. Quase dois
mil anos antes da Revolução Científica, aquele que, se
não foi o maior cientista de todos os tempos, foi decerto
o cientista mais avançado de toda a Antiguidade, conse
guiu descobrir como funcionava o mundo - no caso
da descoberta da impulsão foi mesmo caso, segundo a
lenda, para gritar Eureca! e correr nu pelas ruas da
cidade -, aliando o raciocínio lógico-matemático à
experimentação. Usando, portanto, o método cientí
fico, muito antes de ele ter sido formalizado e aplicado
de forma sistemática.
Atraso judicial no Vaticano
A 25 de Agosto de 1 609, o físico italiano Galileu
Galilei ( 1564- 1 642), numa demonstração do primeiro
telescópio, construído por si próprio, aos senadores da
República de Veneza, apontava com o dedo indicador
a ocular por onde eles deviam olhar. O invento do novo
instrumento valeu-lhe um bom reforço de salário.
Quem quiser hoje, passados mais de 400 anos, ver,
dentro de uma redoma, um dos dedos de Galileu terá
de se deslocar a Florença, ao Museu e Instituto de
História da Ciência, no centro histórico da cidade. Tal
como uma relíquia de um santo, o dedo foi retirado do
cadáver do sábio italiano, acabando por entrar nas
colecções do museu.
65. H ISTÓRIAS DE FfSICA 63
Mais tarde, Galileu haveria de apontar o seu teles
cópio ao planeta Júpiter, em cujas imediações desco
briu quatro satélites, aos quais hoje chamamos galilai
cos, mas aos quais ele na altura chamou estrelas de
Médici, numa tentativa de agradar aos grandes senho
res de Florença. Essas e outras primeiras observações
do céu feitas por Galileu com o seu telescópio foram
logo confirmadas por padres jesuítas interessados pela
astronomia. Olhando para onde apontava o dedo de
Galileu, membros dessa ordem viram o mesmo que ele
tinha visto. Um dos maiores astrónomos da época, o
jesuíta alemão Cristophorus Clavius, que tinha estuda
do em Coimbra e que era grande admirador de Pedro
Nunes, manifestou simpatia pelo trabalho de Galileu,
embora essa simpatia não se tivesse traduzido na acei
tação do heliocentrismo, que Galileu defendia aberta
mente e que considerou confirmado ou pelo menos
reforçado pela sua observação das luas de Júpiter (fi
cou para ele claro que a Terra não era o centro de
todos os movimentos celestes).
Quem estiver em Florença - e o visitante terá toda
a vantagem, tal como no filme do realizador norte
-americano James lvory, em reservar um quarto com
vista sobre a cidade- não pode, para além do Palácio
dos Mediei (Palazzo Vecchio) e da Catedral (Duomo)
com o Baptistério de São João (Battistero di San Giovanni)
em anexo, deixar de visitar o túmulo de Galileu, na
Basílica de Santa Cruz (Basílica di Santa Croce), que
aliás aparece em cenas desse filme. Perto dos túmulos
de Dante, Maquiavel e Rossini, encontra-se o de Galileu,
uma preciosa obra artística que merece as atenções dos
turistas. O conteúdo tem atraído os cientistas: uma
equipa de investigadores ingleses e italianos já pediu
66. 64 DARWIN AOS TIROS
autorização à Igreja Católica para abrir o túmulo e
estudar os restos mortais do astrónomo e físico. A res
posta das autoridades eclesiásticas poderá ser diferente
da das autoridades civis portuguesas, que recusaram
terminantemente a abertura do túmulo de D. Afonso
Henriques, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a fim
de uma equipa científica internacional, liderada pela
antropóloga forense Eugénia Cunha, realizar exames
antropológicos que nos permitissem saber mais sobre o
. . .
nosso pnme1ro re1.
Pode parecer estranho que um cientista condenado
em 1 630 por um tribunal da Igreja Católica, e que mor
reu a cumprir a pena de prisão perpétua domiciliá
ria, tenha sido sepultado num templo dessa instituição.
Mas a estranheza talvez diminua se se souber que o
processo judicial, que radicou na defesa por Galileu
das ideias heliocêntricas de Copérnico, contrariando
ordens recebidas da Inquisição, nunca abalou a fé de
Galileu.
Galileu não via incompatibilidade entre fé e ciência.
Quando notou, numa carta à grã-duquesa Cristina de
Lorena, consorte de Fernando I de Médici, grão-duque
da Toscânia, que «a intenção do Espírito Santo é ensi
nar-nos como se vai para o céu e não como o céu vai>>,
estava a citar o cardeal Caesar Baronius, bibliotecário
do Vaticano, que tinha resolvido dessa forma o conflito
entre religião e ciência. É certo que a Bíblia afirmava,
a certo passo do Antigo Testamento, que o Sol andava
em volta da Terra. Falava até de um milagre, porque o
Sol teria parado a meio do seu movimento. Se o Sol
não se movesse, permanecendo quieto no centro do
mundo, como seria possível esse milagre? Mas contra
dições entre o texto da Bíblia e o conhecimento cientí-
67. HISTÓRIAS D E FÍSICA 65
fico já tinham surgido antes e sido ultrapassadas pelos
religiosos mais esclarecidos. Por exemplo, certos trechos
das Escrituras segundo os quais a Terra é plana levaram
alguns padres antigos a rejeitar o conhecimento grego
de que o nosso planeta tinha forma esférica. Contudo,
os cristãos mais cultos aceitaram a esfericidade do nosso
planeta muito antes de ela ter sido demonstrada pelas
viagens de circum-navegação. O físico norte-americano
Steven Weinberg (n. 1 933), especialista em física de
partículas e cosmologia e laureado Nobel, ironizou a
este respeito:
Dante achou até que o interior da Terra redonda era
um bom lugar para os pecadores.
Há compatibilidade entre ciência e religião? Para se
admitir que sim, é preciso, como bem mostra o caso de
Galileu, abandonar a ideia de que a Bíblia é um livro
de ciência. A Bíblia não pode, obviamente, ser levada
à letra, como fizeram ontem os cardeais à frente do
Santo Ofício e fazem hoje os criacionistas evangélicos.
Em 1 992, o papa João Paulo II ( 1920-2005), depois de
uma demorada revisão do processo por uma comissão ad
hoc, admitiu publicamente que a condenação de Galileu
pelo Tribunal da Inquisição tinha sido afinal um erro.
A Igreja organizou, depois dessa reabilitação muito pós
tuma, no Ano Internacional da Astronomia, celebrado
em 2009, um congresso em Florença, com ampla parti
cipação dos jesuítas, onde se discutiu o julgamento de
Galileu, e uma exposição em Roma sobre « Galileu e a
ciência astronómica>>. Não sendo possível a canonização,
só falta agora erguer uma estátua a Galileu nos jardins
do Vaticano. E, pelos vistos, pouco falta, pois uma
68. 66 DARWIN AOS TIROS
proposta já foi avançada nesse sentido. Quem julga que
a justiça portuguesa é demasiado lenta, com montanhas
de processos acumulados há tantos anos que parecem
séculos, devia considerar a justiça do Vaticano...
Deus e os gigantes da ciência
Foi o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) que
afirmou, numa carta escrita em 1676:
Se consegui ver mais longe foi porque estava aos
ombros de gigantes.
A carta dirigia-se ao seu rival Robert Hooke (1635-
-1703) , e havia na redacção escolhida pelo signatário '
uma deselegante alusão, ainda que velada, à pequena
estatura do seu interlocutor, que na altura reclamava a
precedência de uma descoberta da óptica, numa disputa
em curso na Royal Society de Londres. Newton era, de
facto, uma pessoa de muito poucos amigos. Cultivava,
aliás, as inimizades. Seja qual for o sentido da frase, o
carácter cumulativo da ciência não podia ter sido mais
bem explicitado. Com efeito, sem os contributos do
astrónomo polaco Nicolau Copérnico, do astrónomo
alemão Johannes Kepler e do astrónomo e físico italiano
Galileu Galilei, Newton não teria podido realizar a sua
notável obra, que unifica os movimentos no céu e os
movimentos na Terra com um só formalismo universal.
E, sem conhecer bem todos esses contributos (como
aliás de muitos outros), o físico suíço, nascido na Ale
manha, Albert Einstein não poderia, bem mais tarde,
ter alargado a nossa descrição do cosmos.
69. HISTÓRIAS DE FÍSICA 67
E onde está Deus em tudo isso? Que visão tinham de
Deus os referidos gigantes da ciência? A Revolução
Científica, iniciada em 1 543 com a publicação do livro
que divulgava a teoria heliocêntrica de Copérnico, ocor
reu no seio de uma Igreja que vivia tempos de grande
convulsão interna devido à reforma luterana. O monge
alemão Martinho Lutero ( 1 483-1546) foi aliás um dos
primeiros a ridicularizar as ideias científicas de Copér
nico, que era cónego na catedral católica de Frauenburg,
na Polónia (um cónego não era padre, mas quase). Fê
-lo antes mesmo de elas serem publicadas em forma de
livro. Tanto Kepler como Galileu foram ardorosos cren
tes. Kepler era luterano, tendo começado por se prepa
rar na Universidade de Tübingen para uma carreira
teológica que acabou por não seguir, em favor de uma
carreira científica. Cedo abraçou as ideias de Copérnico,
com as quais contactou em Tübingen. Por seu lado, o
seu contemporâneo Galileu era católico, tendo estudado
a doutrina da Igreja num mosteiro perto de Florença
antes de ingressar como estudante de Medicina na
Universidade de Pisa, um curso que não chegou a con
cluir. Kepler deu provas nos seus livros da sua religio
sidade, ao alardear nalguns passos um elevado misti
cismo. E a fé de Galileu, um cristão bem relacionado
com a mais alta hierarquia da Igreja de Roma, não
esmoreceu com a severa pena a que o Tribunal da
Inquisição o condenou.
Por seu lado, Newton era, por formação, anglicano,
comungando naturalmente da religião oficial de Ingla
terra. Tal como os gigantes a cujos ombros subiu, tam
bém ele estudou Teologia. Para o sábio inglês, não havia
dúvidas de que o Universo era obra de Deus, iniciada
na Criação e continuad,a desde então até à actualidade.
70. 68 DARWIN AOS TIROS
Porém, o seu pensamento religioso estava bem longe de
ser ortodoxo. Não aceitava, por exemplo, a doutrina
da Santíssima Trindade, defendendo antes a ideia de
que Deus era unipessoal. Teve, porém, de manter secreta
essa sua posição, até porque era membro do Trinity
College ( Colégio da Trindade) na Universidade de
Cambridge. E também teve de manter secretos alguns
dos seus heterodoxos estudos sobre a Bíblia... Tão se
cretos como os seus labores alquímicos, mantidos du
rante séculos na escuridão.
Einstein conseguiu, do ponto de vista religioso, ser
ainda mais heterodoxo do que Newton. De ascendên
cia judaica, nunca entrou, contudo, numa sinagoga para
rezar ou assistir a qualquer acto de culto. Não acredi
tava pura e simplesmente num Deus pessoal, um Deus
tal como aparece no Antigo Testamento. Antes achava
que o transcendente se encontrava na ordem misteriosa
do mundo, que a ciência conseguia decifrar. Um rabino
de Nova Iorque perguntou-lhe um dia, por telegrama,
se acreditava em Deus. E a resposta foi curta, uma vez
que era pré-paga e havia que respeitar um número li
mite de palavras:
Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmo
nia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se
preocupa com os destinos e as acções dos seres humanos.
O Deus do judeu Einstein era o mesmo do judeu holan
dês de origem portuguesa Bento de Espinosa ( 1 632-
- 1677) que, em 1 656, tinha sido excomungado (o chérem
de que foi alvo é a mais alta punição no judaísmo) na
Sinagoga Portuguesa de Amesterdão devido às suas posi
ções declaradamente heréticas. Mas esse Deus de Eins-