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Cultura                               QUARTA-FEIRA • 10 DE ABRIL DE 2013


                                    Diário do Minho
                                               Este suplemento faz parte da edição n.º 29915
                                            de 10 de abril de 2013, do jornal Diário do Minho,
                                                   não podendo ser vendido separadamente




> “Igreja de S. Julian”
– Salamanca, Espanha, Agosto-2012
[Foto de V. B. de Vasconcellos]
II     Cultura                                                                                                              QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013                      Diário do Minho




                No próximo sábado, na Casa da Botica – Póvoa de Lanhoso


       Escritor bracarense Mário Escoto
   apresenta “Sonho de uma noite de lua cheia”
O escritor bracarense Mário Escoto apresenta no próximo sábado, 13 de abril (21h00),
na Casa da Botica, Póvoa de Lanhoso, a sua mais recente obra literária – “Sonho de
uma noite de lua cheia” –, publicada em outubro passado pela editora “Apenas Livros”.

“Lisbonna, anno da graça 1424”. Assim come-                                                                                                            paradisíaco cume da plenitude amorosa se
ça o mais recente livro do escritor bracarense                                                                                                         vê projetado, de novo, no abismo do começo,
Mário Escoto, simbolicamente intitulado                                                                                                                encetando uma nova e dolorosa ascensão,
“Sonho de uma noite de lua cheia”, editado                                                                                                             pois sabe que a felicidade não se prolonga no
pela Apenas Livros na coleção “Literatralhas                                                                                                           isolamento, e menos ainda na quietude da
NOBELizáveis”. Chegado aos escaparates                                                                                                                 existência, sob pena de se “morrer de melan-
em outubro passado, vai o autor apresentá-                                                                                                             colia”, como aliás acontecera a dois amantes
lo agora, com a colaboração do jornalista                                                                                                              ingleses que, em 1414, se haviam refugiado
Pedro Antunes Vieira, ao público minhoto                                                                                                               na ilha da Madeira para viverem felizes para
no próximo sábado, 13 de abril, na Casa da                                                                                                             sempre, e que depressa morreram por não
Botica, Póvoa de Lanhoso.                                                                                                                              suportarem o isolamento...
Em rigor, não se trata de um conto, de
uma novela ou de um romance. Esta obra                                                                                                                 É breve esta narrativa de Mário Escoto
é, antes, uma pequena mas sedutora nar-                                                                                                                (tem apenas 26 págs), mas é também
rativa de cordel, simultaneamente pícara                                                                                                               tematicamente muito densa e demasiado
e epopeica, a fazer lembrar as medievas                                                                                                                profunda para ser encarada como uma
aventuras de “cavalaria”, ainda que, proposi-                                                                                                          singela “história de cordel”. Ela reflete (e
tadamente, centrada num cenário tempo-                                                                                                                 faz refletir sobre) a complexidade das re-
ral quinhentista: num século de aventuras                                                                                                              lações amorosas e, particularmente, sobre
marítimas e... amorosas!                                                                                                                               as antagónicas “forças” do destino que o
Arrotim, personagem principal desta obra                                                                                                               amor desencadeia no espírito humano –
de Mário Escoto, aventureiro mestre-de-                                                                                                                “forças” essas que enredam a alma numa
-armas e quixotesco “pinga-amor”, tenta                                                                                                                teia da qual é muito difícil libertarmo-nos
afogar no álcool das tascas lisboetas a                                                                                                                – porque desencadeia um rol de tensões,
mágoa (e o remorso) provocada pelo                                                                                                                     sonhos, angústias e remorsos... –, da qual
suicídio da sua amada Anna Godim, uma                  Mário Escoto (pseudónimo literário de Mário                                                     não é possível fugir (a não ser, porventura,
bela jovem que não resistiu à desilusão das            Joaquim Fernandes Malheiro) é licenciado                                                        regressando às origens da viagem...).
incumpridas promessas do “herói” beirão.                                                                                                               Acresce à densidade temática desta obra
                                                       em Filosofia e pós-graduado em Arquivos                                                          uma escrita eivada de ímpar dinamismo
Redime-o dessa mágoa o navegador João
Gonçalves Zarco, que por volta de 1418 ha-             e Bibliotecas. Atualmente, exerce funções                                                       (quase diríamos: cinematográfica!), que
via descoberto a Madeira com Tristão Vaz               de técnico bibliotecário na Faculdade de                                                        seduz o leitor do princípio ao fim. Tanto
Teixeira. Agora, cinco anos após essa des-             Teologia (Braga). Até hoje publicou as obras                                                    mais que o autor consegue, com ele-
coberta de “Lenhame” (lenho, madeira...),                                                                                                              vado índice de sucesso, “desmontar” as
Zarco quer fugir do lamacento e corrupto
                                                       O Batedor, O Corvo de Wotan, Vernária e,                                                        habituais categorias narrativas para lhes
espetro social em que se move Lisboa, e                agora, Sonho de uma noite de lua cheia.                                                         dar uma nova roupagem literária, bem
pretende refugiar-se na Ilha, povoando-a                                                                                                               patente na polifonia de vozes e nos re-
e promovendo uma organização social as-                                                                                                                gistos espácio-temporais – tudo isto sem,
sente nos pilares da justiça, da responsabi-     Partindo desde leitmotiv, a nova aventura     amor em situações de solidão, de afasta-                contudo, enfadar o leitor, que fica preso
lidade e da igualdade. E como necessita de       de Arrotim tranforma-se numa quixotesca       mento absoluto da estrutura social.                     à estória como se estivesse a ouvi-la di-
um mestre-de-armas, convida Arrotim para         viagem, onde a utopia e o mito do eterno      Arrotim, o quixotesco mas também ulissia-               retamente dos lábios de Sherazade (das
o acompanhar nessa nova aventura. Este,          retorno se fundem (e se confundem) para       no herói desta potente e “sôfrega” narrativa            Mil e Uma Noite) ou da boca do astuto
não sendo “homem de sossegar”, aceita            nos fazer refletir sobre a fragilidade e a    de Mário Escoto, é ainda um mitológico                  Ulisses (contando à fiel Penélope as suas
o desafio, ciente de que só assim poderá          complexidade das relações humanas, sobre      Sísifo que leva “o amor às costas”, pesadís-            aventuras na ilha de Eana...).
“resgatar-se” de si, da hipocrisia da capital    a irracionalidade das paixões e, sobretudo,   simo fardo da condição humana (no que
e do frustrado amor de Anna Godim.               sobre a impossibilidade de se vivenciar o     à paixão diz respeito) – e que, chegado ao                                                     Miguel de Mello




 Diário do Minho                                        N.º 693
                                                                                          Envio de trabalhos para publicação neste suplemento
 Cultura                                                10.Abril.
                                                         2013
                                                                                                                                                              Diário do Minho / Secção Cultural
                                                                                                                       Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 Braga; Fax: 253609469. E-mail: cultura@diariodominho.pt
Diário do Minho              QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013                                                                                                 Cultura         III




A fulguração da morte                                                                                                                                      10.04.1971
                                                                                                                                                                *
na obra literária de                                                                                                                                       09.06.1999




                                  Daniel Faria
                                       Completa-se hoje (10 de Abril) mais um aniversário do nascimento de Daniel Faria – um noviço
                                       beneditino do Mosteiro de Singeverga (Santo Tirso) que nos deixou uma obra poética ímpar.
              POR
      PROF. DOUTOR
                                       Falecido prematuramente (aos 28 anos de idade), a sua obra tem sido objecto de vários estudos.
     MÁRIO GARCIA, SJ                  O Prof. Doutor Mário Garcia, da Universidade Católica, tem sido um dos investigadores que lhe
     FACULDADE DE FILOSOFIA
                                       têm dedicado especial atenção. Publicamos hoje, por isso, com a devida vénia, um texto da
 UNIVERSIDADE CATÓLICA – BRAGA
      MGARCIA@BRAGA.UCP.PT
                                       autoria deste Professor – texto esse que apresentou no Congresso Internacional “Do Reino das
                                       Sombras. Fulgurações da Morte”, realizado na Faculdade de Filosofia de Braga em 25 de Outubro
                                       de 2012 (e que foi publicado, em primeira instância, na revista “Brotéria” de Janeiro deste ano).


                                                                 Resumo: Esta comunicação inten-       desconhecido. Publicara cinco           Como tentar “explicar” o seu “tra-
                                                                 de mostrar, em toda a sua amplitu-    livros de poesia e deixara outro, na    balho” de poeta: “O meu projecto
                                                                 de, a “explicação” do verso: O meu    sua cela, quase pronto. Ganhara         de morrer é o meu ofício” (E, 85)?
                                                                 projecto de morrer é o meu ofício.    prémios em concursos poéticos           “Explicação” é uma palavra cara
                                                                 Usando a palavra lâmina, como         (de muito limitada notoriedade,         a Daniel Faria, mas não significa
                                                                 tópico de leitura, fixamo-nos          no entanto); o seu estilo de ser e      esclarecer racionalmente. Etimo-
                                                                 na Trilogia poética: “Explicação      de escrever a ninguém deixava           logicamente, “explicar” significa
                                                                 das árvores e de outros animais”      insensível; acreditava-se, depois da    “estender”, como se estende, por
                                                                 (1998), “Homens que são como          publicação dos seus dois últimos        exemplo, uma toalha sobre a
                                                                 lugares mal situados” (1998) e “Dos   livros, ambos de 1998, que era          mesa. Mas porque se trata de uma
                                                                 líquidos” (2000); e em “O livro do    uma voz inovadora da poesia por-        “iluminação”, inesperada e surpre-
                                                                 Joaquim” (2007). A morte é lumi-      tuguesa. E a sua projecção tornou-      endente, como um relâmpago,
                                                                 nosa e polémica, como a lâmina;       -se universal, quando veio à luz,       “rigor explosivo” (H, 172), “círculo
                                                                 pronuncia o nome de “uma pes-         no ano 2000, o volume Dos líqui-        que resiste à forma da palavra” (E,
                                                                 soa” que se vai descortinando. Não    dos; em 2003, Poesia, reunida e         67), uso a palavra fulguração. Ful-
                                                                 deparamos com um significado           completa, com alguns inéditos, a        guração tem a ver com o fulgor de
                                                                 doloroso, ou mesmo sacrificial, da     cargo de Vera Vouga e, em 2007, O       Maria Gabriela Llansol? Gostaria,
                                                                 morte, ou do “sangue”, mas, pelo      livro do Joaquim, redigido numa         um dia, de compreender melhor
                                                                 contrário, de comunhão jubilosa,      escrita “nas suas mais diversas         esta “aproximação” que, por ago-
                                                                 de vida, de encontro definitivo        vertentes”, como afirma o editor e       ra, fica em suspenso. Tem a ver,
                                                                 com Cristo, o “Verbo / Tão inteiro    prefaciador Francisco Saraiva Fino.     sobretudo, com o sentido bíbli-
                                                                 que se fez espelho”. A morte, em      Actualmente, dispomos de uma            co de “revelação”, “glória”, “peso”,
                                                                 última análise, “abre passagem”, é    publicação, Poesia, saída em 2012,      “nome”. Fulguração torna presente
                                                                 sinónimo de “páscoa”. A fulguração    exactamente igual ao volume,            “uma palavra pessoa / Uma pala-
                                                                 da morte é a Ressurreição.            Poesia, de 2003. Espera-se que a        vra pregada ao silêncio de dizer-se
                                                                                   *                   Comissão de Edição de Daniel Fa-        como nunca fora ouvida“ (H, 191), “a
                                                                  Ao morrer, noviço beneditino do      ria, lance, com rigor e celeridade, o   palavra / Em carne viva. Verbo / Tão
                                                                 Mosteiro de Singeverga, aos 28        que falta conhecer da herança do        inteiro que se fez espelho” (H, 194).
                                                                 anos de idade, em 1999, Daniel        Poeta, “tão fabulosa quão delicada      Pretendo, em três focos de “lei-
                                                                 Faria não era, propriamente, um       de gerir” (Vera Vouga, 9).              tura” da Obra de Daniel Faria, dar
IV     Cultura                                                                                                                QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013       Diário do Minho




a ver o seu “projecto de morrer”,     a morte, porque a ela se entrega,      com a vida futura; faz equivaler a     Preparou a refeição com a lenha        trazida na palavra para dentro /
servindo-me da palavra lâmina. A      sem descanso:                          morte, triste, ao cumprimento do                [do arado                     Do poema – e havia uma força
Trilogia: Explicação das árvores e                                           que já se conquistou. A boca não       Porque tinha fome e o coração          cega / No poema: / Era um verbo
de outros animais (E), Homens que     Ele que é agora o que nunca            cessa de caminhar: “Depois da                   [em chamas                    de sangue para o silêncio arder”
são como lugares mal situados (H)              [repousou                     fome o sabor do pão / Depois da                                               (H, 177), sustenta todo o percurso
e Dos Líquidos (D), bem como O        O que nunca encontrará                 sede o correr da água” (E, 114).       Preparou o coração com a lenha         “narrativo”. Da explicação, passa-
livro do Joaquim (L), constituem               [o sítio do sossego                                                          [do arado                      -se para a salvação; do “examinar”
o “lugar”em que, particularmente,     A não ser que haja o equilíbrio        O livro de Daniel Faria, Explicação                                           para o “incorporar”; dos “lugares
irei situar-me. Os três focos de               [na vertigem                  das árvores e de outros animais,       Para ser a lâmina do arado             mal situados” para o único Lugar
leitura são versos de Daniel Faria.   Uma luz parada no meio                 poder-se-ia sintetizar nestas                   [e o arado                    que situa bem o Homem, porque
Pertencem ao livro Dos líquidos e              [da voragem. (E, 76)          palavras sublimes do Cântico das       A palavra em seu gume                  o identifica com o Verbo, “palavra
os dois primeiros estão no mesmo                                             criaturas de S. Francisco de Assis:             [a ferir e a gerar (H, 154)   pessoa” (H, 191). Sem Cristo, sem a
poema.                                Ao falar do “nome” como “arma” –       “Louvado sejas, meu Senhor, pela                                              narrativa bíblica que n’Ele culmi-
                                      “O nome é a arma contra mim. O         nossa irmã, a morte corporal”. Ou      O chamamento do Profeta implica        na, este livro não se compreende.
1. “Ainda não sei ouvir               maior perigo. / Com os teus lábios     no lema beneditino ora et labora:      despedida e seguimento de al-          Coloca, esta base, alguma que-
a lâmina” (D, 272)                    podes destruir-me” (E, 77) – o         a oração (abertura da boca Àquele      guém. Elias “lançou o seu manto”       bra à poesia? De modo nenhum.
                                      Poeta repete a situação da lâmina      que o nosso coração procura) e         sobre Eliseu, que imediatamente        Universaliza-a, humanizando-a,
A análise de uma palavra, no léxico   contra o cansaço, mas invertendo,      o trabalho (abertura da mão ao         deixou a junta de bois com que         sem nunca perder o mistério, “fon-
de um poeta, traz, em primeiro        neste caso, o sentido. Ao pronun-      mundo que Ele criou para continua-     estava a lavrar, correu a pedir-lhe    te contínua de deslumbramento”
lugar, à evidência, a sua situação    ciar-se pelo peso da enxada no         rmos a criá-lo). A esta luz, compre-   licença para se despedir da família,   (Vera Vouga, 9).
material, isto é, o lugar que ocupa   ombro, ou do punhal nas costas,        ende-se o verso: “Estranho é o sono    imolou a junta de bois, cozeu as
no interior da Obra. Lâmina com-      encontra uma luz que brilha como       que não te devolve” (E, 78).           carnes, deu de comer à sua gente,      Se “és agora uma máquina mon-
parece, sintomaticamente, em          lâmina, diz o seu “nome”, isto é, o                                           “e seguiu Elias para o servir” (1 Rs   tada para a morte” (H, 138), não
“Explicação do poeta”, o poema        seu trabalho de poeta. Ao afirmar       2. “A lâmina abre passagem”            19, 21). Daniel Faria imola o seu      é em virtude de qualquer pré-
central da última secção, “Últimas    “que nunca encontrará o sítio do       (D, 272)                               “coração em chamas”, juntamente        determinismo – “Há um cadáver
explicações”, de Explicação das       sossego” está a dizer o mesmo,                                                “com a lenha do arado”. A matéria      nos olhos do acaso” (H, 123)– mas
árvores e de outros animais, entre    desta vez contra a “luz parada” que    O ainda-não-saber explica, no          da imolação não é, propriamente,       em virtude de uma eleição de
“Explicação da gravidade” e “Expli-                                                                                                                        amor: “É um motor. E fico a traba-
cação da escuta”:                                                                                                                                          lhar no mecanismo secreto / Do
                                                                                                                                                           amor. // Sei que estou em viagem
Pousa devagar a enxada                                                                                                                                     na palavra que se move” (H, 132).
        [sobre o ombro                                                                                                                                     O centro de atracção do amor é
Já cavou muito silêncio                                                                                                                                    “uma pedra nupcial” (H, 171), “uma
                                                                                                                                                           ferida que se cura” (H, 172).
Como punhal brilha
         [em suas costas                                                                                                                                   A lâmina produz a ferida, porque
A lâmina contra o cansaço (E, 101)                                                                             Ao denominar-se                             gera; sulca, como o amor, ”pala-
                                                                                                                                                           vra que se move”, “à espera / De
No poema anterior, escreveu: “Só
                                                                                                             cavador de silêncio,                          um companheiro possível para
o pássaro vive para o voo. / Quan-                                                                                o Poeta está                             o diálogo interior” (H, 126) e “a
do pousa é igual ao homem que                                                                                “ligeiramente acima                           sua espera / É a fé inabalável no
se senta / Para pensar” (E, 100);                                                                                do que morre”                             mistério que inclina / Os homens
e no poema seguinte: “Escuto o                                                                                                                             para dentro” (H, 128). Principia um
calcanhar do pássaro / Sobre a                                                                                                                             regresso a casa, à casa verdadei-
flor / E não respondo” (E, 102). O                                                                                                                          ramente nossa, porque será “uma
pássaro e a enxada encontram-se,                                                                                                                           aliança / Com o que respira” (H, 173),
como a lâmina com o trabalho. As                                                                                                                           “uma mãe a chamar o filho” (H, 177).
dimensões de altura e profundi-                                                                                                                            Por isso, “fizeste-me passagem /
dade, voar/cavar, unificam-se. Não                                                                                                                          (…) / Para me encontrares” (H, 166).
se extrai, do punhal e da lâmina,                                                                                                                          Talvez nada melhor traduza esta
qualquer semântica dolorosa.                                                                                                                               lâmina que trespassa o coração, do
Antes, parece-me, o não saber                                                                                                                              que o poema “Charles de Foucauld”:
“responder” ao silêncio. Como se,
de repente, um relâmpago calasse      acabaria o caminho da procura,         Poeta, a procura de um signifi-         a “lenha”, mas ele mesmo, numa         Pensa que morrerás mártir.
fundo no interior da terra, e nos     o seu “ofício”, o seu “projecto de     cado universal. Há que abrir-se        espécie de prolepse do poema                 [Entre talhas
deixasse sem palavra.                 morrer” (E, 85).                       ao dom da palavra, na escuta do        “Do sacrifício de Isaac” em Dos        Ao cair ressoará o teu corpo
                                                                             seu silêncio fecundo. O sentido        líquidos: “Queimará o monte, o               [sobre o bojo.
Ao denominar-se cavador de            O primeiro livro da Trilogia aponta,   transfere-se, assim, para o objecto    filho, a lenha / A morte, as areias,
silêncio, o Poeta está “ligeiramen-   como seta de fogo, para a vida         procurado que “abre passagem”.         a viagem / O deserto, a túnica, as     Pensa que morrerás
te acima do que morre” (E, 39),       universal, escondida, que brota        No segundo livro da Trilogia, Ho-      estrelas // Nunca será bastante o      Esta tarde. Com o sangue no
recriando ou fazendo vir à super-     da terra; lava que explode, do         mens que são como lugares mal          incêndio” (D, 229). Aqui, na voca-            [peito a marcar o umbral
fície tudo quanto existe: “Anun-      interior da morte, como “as casas      situados, quase a meio da secção       ção de Eliseu, não se trata ainda      Da tua morada. Nu morrerás
cio e pereço. / Pedra redonda /       vomitam a luz pela janela” (E, 96),    central, “Se fores pelo centro de ti   de um holocausto. “A lâmina do         E desconhecido. Na terra
Removida e / Redonda / Semente        desvelamento fulgurante, activo.       mesmo”, encontramos o poema            arado e o arado / A palavra em                [só o adorno
após a morte. Depois da mão do        Talvez venha ao caso sublinhar         “Eliseu (1Rs 19, 19-21)”:              seu gume” continuam “a ferir e a       Possui o reconhecimento
homem” (E, 47). O seu instrumento     de O livro do Joaquim, estas duas                                             gerar”, abrindo passagem.
de trabalho também corta a água:      citações que resumem o “ofício” de     Preparou a refeição com a lenha                                               Pensa que morrerás
“Caminho como um remo que se          quem trabalha contra a morte: “A                 [do arado                    Neste segundo livro da Trilogia,       No chão
afunda” (E, 84); também abre para     minha poesia é um punhal contra        Para ser sulco na terra e resistir     inicia-se um acompanhamento de
dentro, porta de uma “casa mártir”    si mesma. Durará o tempo de um                                                Cristo que culmina na “Cruz, rosa /    À tua porta.
(E, 56), onde “a luz entra sempre     corpo ao derramar-se” (L, 67); “Não    Preparou a refeição com a lenha        Dos ventos sem direcção que não        E nunca mais acabarás
de noite” (E, 57). Não se trata de    cumpras todas as promessas / É                   [do arado                    seja o centro. Coluna / Sustenta-      De regressar (H, 167)
sofrimento, mas do testemunho         um modo muito triste de morrer”        Para ser fogo a propagar a luz         da pelos braços como um amigo
luminoso de quem trabalha contra      (L, 80). O Poeta identifica a poesia                                           que chega” (H, 194). “Alguma coisa     Quando, em O livro do Joaquim,
Diário do Minho            QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013                                                                                                               Cultura           V




Daniel Faria fala da morte, traduz,     Damasco golpeia. É circuncisão /                                               A Fulguração da Ressurreição de        Princípio até ao Fim, desde o Gé-
em termos mais analíticos, mas          Que abre, limpa” (D, 210). “Do Li-                                             Cristo e nossa?                        nesis ao Apocalipse, tudo se resu-
não menos expressivos, esta mes-        vro do Apocalipse”: “Ele sabe que                                                                                     me na Encarnação do Verbo. Não
ma experiência de “querer mor-          o cordeiro é uma pedra que está                                                O livro do Joaquim vai na mes-         insiste na “via dolorosa”, como se
rer”, mártir (“Agora, como nunca        ferida” (D, 211). “Das Instruções                                              ma linha, ao afirmar, com lugar         poderia pensar pela frequência
me aconteceu, sinto-me mártir”,         de São Columbano, Abade”, texto                                                e data, Porto, 27 de Novembro          da palavra “sangue”, interpretada
L, 80), perplexo, mas desprendido       inspirado no Ofício de Leitura da                                              de 1993: “Não recuses nenhum           como sinónimo de sofrimento.
e livre: “Se eu um dia me suicidar,     Liturgia das Horas: “Quem dera                                                 dos teus limites, só eles dizem a      “Sangue”, na Obra de Daniel Faria,
não há-de ser pela infelicidade da      que o lume / Descesse como a                                                   grandeza do que tens” (L, 78). O       como na Bíblia, significa “vida”.
minha vida, mas pela felicidade         candeia dos que recebem quem                                                   maior limite que nós temos, é a        Equivale mais à “via gloriosa”: a
da morte. Nada, como a morte            chega / O clarão mais cortante”                                                morte. Não recusar a morte é um        vida oferecida pela salvação do
às vezes, me é tão sedutor. Não         (D, 212).                                                                      sinal de amor. No diálogo poético      mundo, a plenitude da alegria e
é dor, nem medo, nem ausência,                                                                                         entre os Meninos e a Amada, “Bal-      do amor. Por isso, a palavra do
nem peso. É apenas essa estranha        Golpe, ferida, corte, “o interior da                                           tar, há bastante tempo”, o lugar da    Poeta pretende a fulguração de
leveza de não-ser e de tão pouco        lâmina” (D, 213), “clarão” (D, 212),                                           infância aparece numa antiquís-        Cristo, o Homem-Deus-crucifica-
ser isso. Se eu um dia me suicidar,     “chaga nupcial de dentro / E de                                                sima idade, antes de haver tem-        do-e-ressuscitado.
não o farei como quem nega, mas         fora / (…) / palavra / Trespassadora                                           po ou para além dele. A Amada
como quem confirma. Na sua               – mais do que toda a espada ta-                                                anseia pelo “vento” e pergunta aos     Daniel Faria fala com Ele e d’Ele,
aparente traição, será ainda gesto      lhante” (D, 213). Falamos do Amor,                                             Meninos se viram “Os ramos no          “na transumância dos animais que
infinitamente grato de quem nun-         “ – um imenso motor em chama                                                   seu agitar / E o galope de um ca-      buscam os pastos mesmo quan-
ca mereceu até o mínimo e mais          / Nos mecanismos da viagem                                                     valo branco / Uma sombra e seu         do morrem” (D, 301). A “transu-
desatento cuidado. Desprender-          ardente // A princípio não se sente                                            cavaleiro” (L, 82). “Morro de dor e    mância” é a páscoa de Cristo, a
-se – essa liberdade, não a maior…      / O amor – a humidade amanhe-                                                  saudade / E dentro dos meus ou-        Sua Ressurreição, “o relâmpago
embora! mas liberdade – para o          cendo / O coração ressequido”                                                  vidos / Estala um grito de sangue”;    / Rápido” (D, 307), “o clarão mais
nada, o absurdo, ou (se houver          (D, 221). Quando o Poeta escreve:                                              “Morro de dor e desgosto / Meu         cortante” (D, 212), a “diária lâmina”
perdão) para o mais além” (L, 73).      “Deus vem com o cinzel / Silen-                                                corpo trespassarei / No fio destas      (D, 307) que trespassa o “coração
                                        cioso” (D, 225) ou fala da “fenda /                                            ameias” (L, 83). Pede aos Meninos      paralítico” (D, 212). É Ele “a ferida
Não terá sido assim a morte de          Voluntária” (D, 227), inspirando-se                                            que peçam ao vento “Alento para        incendiária / (…) / a lâmpada /
Cristo na Cruz? “De anunciares          em textos de S. João da Cruz e         Porque trabalho com os dedos            esperar / (…) / Alento para morrer”    Sempre acesa para nunca se que-
em silêncio / O nada que salva          de Santa Teresa do Menino Je-                   [e as veias                    (L, 84). O Cântico dos Cânticos, na    brar. / (…) / A corrente // O amor
a minha mão perdida / Remo à            sus, não está a falar de si, mas       Abertas a lama onde sou terra           voz da Amada, entrara, fulgurante,     que as águas não podem apagar”
superfície teimando contra / O          d’Aquele de quem falam a Bíblia                 [e água                        em Dos Líquidos, secção terceira,      (D, 212):
peso âncora de fechar os olhos / E      e os Santos, “as nascentes / No                                                “Do inesgotável”:
inclinar / O corpo afogado” (H, 189).   rochedo liso, no deserto impre-        Começa nele a primeira fonte.
                                        visto” (D, 201), onde “É quente o               [Assim                         Enquanto tenho o lume corro            Amo-te na carne que tomaste
3. “Desatado                            silêncio. É quieto de uma clarida-     A pedra cresce                          Enquanto sou a labareda                       [do chão que aplaino
pela diária lâmina” (D, 307)            de / Atenta” (D, 201). O Espírito de   Com seu sangue derramado.                    [e a força de queimar             Com as mãos
                                        Deus é, por assim dizer, decifrado              [Lâmina que deixa                                                     Com as palavras que escrevo
Dos líquidos, a plenitude do cres-      no texto Dos líquidos, pelos textos    A sede em ambos os lábios.              Ao meio-dia – diz-me ó que vais               [e apago
cendo que é a Trilogia, constitui       sagrados. Como poderia não ser a                [Começa                              [descendo – onde                 Na areia, no cérebro.
um dos livros mais sedutores da         morte o princípio da Vida?             Assim leveda                            Te apascentas                          Amo-te com o cérebro em ferida
poesia portuguesa contemporâ-                                                  A meda de água. E o que escrevo         Para que também eu coma,               Pensando-te
nea. Não podemos desligá-lo dos         Com quem se fala? Na última                     [é a fonte                           [para que também eu corra        Remédio que derramas em mim
outros dois, mas, superando-os,         secção do livro, o Poeta convoca       Transformada (D, 270)                   Enquanto as folhas estão                      [a tua medicina, a morte
engloba-os, abrindo-os para o           o “leitor” para lhe “explicar” que a                                                 [orvalhadas                      No meu corpo. Até que repouse
Definitivo. A sua organização, em        verdade é “maior / E mais bonita       Se mais dúvidas houvesse em                                                           [como enfermo
sete secções, exprime, como os          do que a palavra” (D, 338), e para o   identificar “a fonte”, “o lugar do       Enquanto o sol marca                   No teu leito. Amo febrilmente
sete sacramentos, a plenitude da        convidar a aproximar-se d’Aquele       golpe” (D, 282) “a semente” que               [na sombra da hora                      [amo o dia
Vida Espiritual, a iniciação inces-     que é a Verdade: “aproxima / A tua     “está poisada no lugar de padecer”      A transumância. Enquanto               Em que disseres: Larga
sante para dentro de um universo        mão da paisagem que resta / Como       (D, 284), bastaria a clara alusão       A corrida me abrasa (D, 254)           A tua enxerga! – E ande (D, 246) ◗
sem fim.                                 se fora o lado do verbo que en-        que se segue, aos Evangelhos de
                                        carnou” (D, 344), numa alusão ao       S. João (Jo 10, 1-16; 19, 31-37) e de
Na primeira secção, “Das nas-           gesto de Cristo que incita Tomé        S. Lucas (Lc 15, 4-7), para vermos      Conclusão
centes”, no poema “Do Livro dos         a meter a mão no Seu Lado (Jo          que se trata de Cristo: “a dolorosa /                                          Referências:
Solilóquios 1”:                         20, 27); e também a contemplá-         / Chaga do pastor / Que abriu o redil   Alguns dos maiores poetas do
                                        l’O, na cena do perdão à mulher        no próprio corpo e sai / Ao encontro    Ocidente foram grandes “espiritu-      FARIA, Daniel, Poesia, edição de
                                                                                                                                                              Vera Vouga, Assírio & Alvim, docu-
Que eu oiça                             adúltera (Jo 8, 6-8): “Debruça-te      da ovelha separada” (D, 285).           ais”: Homero, Virgílio, Dante,
                                                                                                                                                              menta poetica/ 144, Porto Editora,
A tua voz desde o interior da           como ele quando escreveu no                                                    S. João da Cruz… E nem por isso,
                                                                                                                                                              2012.
       [lâmina – ó pastor               chão” (D, 345).                        Daí, a força que assume a expres-       ou talvez por causa disso, a sua       Esta edição integra todos os livros
Que escutas o meu balir                                                        são: “Desatado pela diária lâmina       Obra nunca cessou de fulgurar.         de poesia já publicados e alguns
       [no interior do rebanho.         Quem é, realmente, o interlocutor,     / Na condição da luz encarcerada        Daniel Faria pode colocar-se,          poemas inéditos.
Tu és fermento que engrandece           com quem se dialoga?                   no astro / Para ser nas viagens         pequenino, aos ombros desses           Cito a página, com a letra inicial
       [o meu pão                                                              sinal” (D, 307). No mesmo poe-          Gigantes, como o Menino Jesus          assinalada do livro:
Eu fui-te a esponja erguida             Começa no verbo o que escrevo.         ma, na mesma página, fala-se do         às cavalitas de S. Cristóvão...        E (Explicação das árvores e de ou-
       [de vinagre                              [A palavra                     “Gume / Invejando o relâmpago                                                  tros animais, 1ª ed. 1998);
E ardo vivo por ser-te                  Que deixo na pequena pedra             / Rápido” e “Do amor” “Que não          “A videira testamentária – mãe /       H (Homens que são como lugares
       [o alimento.                             [branca                        deixa o corpo por um pouco / De-        Bíblica no eixo da casa” (D, 339), é   mal situados, 1ª ed. 1998);
                                                                                                                                                              D (Dos líquidos, 1ª ed. 2000).
(D, 213-214)                            Do fermento. O pão que cresce          sejar // Qualquer coisa diferente       a chave de leitura da sua Obra. Os
                                                [ignorado                      de morrer” (D, 307). Que será esse      três últimos livros formam uma
                                                                                                                                                              Faria, Daniel, O livro do Joaquim,
“O interior da lâmina” explica-se                                              desejo de morrer, que o amor não        Trilogia, que não pode ser sepa-       edição e prefácio de Francisco
por várias ocorrências convergen-       Começo devagar a meda rítmica          só não suprime, mas impele e es-        rada. Uma Trindade indivisível. A      Saraiva Fino, 1ª ed., Vila Nova de
tes. Cito três, nos poemas imedia-      No eixo que corta dos dois lados       timula, senão já, em sacramento,        Economia da Salvação, ou, como         Famalicão, Quasi Edições, 2007.
tamente anteriores: “Do Livro dos       E fere – os pulsos primeiro            “a mesa da aliança” (D, 286), essa      diria Gil Vicente, um Breve Sumá-      Cito com a letra L, indicando a
Actos dos Apóstolos”: “A luz de                   [e a língua                  “diária lâmina” que nos desata?         rio da História de Deus. Desde o       respectiva página.
VI     Cultura                                                                                                               QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013     Diário do Minho




                 Rua Central
       – novo livro de José Bento Silva sobre a Póvoa de Lanhoso

                                       aparecem nos noticiários, que não      pela primeira vez, a oportunidade     José Bento Silva não esquece os       tinha feito o curso com uma tese
                                       têm biografias, mas apenas uma          de evocar os seus com tempo e         anónimos. Gente, todavia, com         sobre o Delírio das Perseguições.
                                       esquecediça passagem pelas ruas        orgulho.                              alma, escreve o autor. “Uma alma      Implantada a República, a Póvoa
                                       da vida”. A dúvida acabaria por se                                           tão grande que lá do alto da Bela     de Lanhoso exara “um voto de
                                       transformar numa evidência que         Em Rua Central, abundam pro-          abraçava a vila toda; zés-ninguéns    profundo sentimento pelo faleci-
                                       impôs ao escritor a necessidade        tagonistas, heróis e vítimas de       duma sociedade que a imprensa         mento do avalizado médico psi-
                                       de salvar do anonimato diversas        pequenas histórias de todo o          local destacava com os epítetos       quiatra Doutor Miguel Bombarda”
                                       pessoas, o que foi feito relatando     género, de casos de encontros e       de pés-descalços (os da patuleia),    e atribui-lhe o nome de uma rua.
                                       as suas histórias em As Rosas de       desencontros, de cenas de amo-        ralé, populares, descamisados”.       Outro chorado herói republicano,
                                       Atacama.                               res e desamores, de episódios de      Mas, como é de regra num livro        Cândido dos Reis, que se tinha
                                                                              pancadaria ou de generosidade. E      sobre ruas, evoca também os que       suicidado por julgar derrotado o
                                       Salvar os anónimos                     quantos deles com alcunhas que        tiveram nome e obra na Póvoa de       golpe para depor a monarquia,
                POR                    do esquecimento                        se revelam, por si só, como igni-     Lanhoso e fora dela.                  empresta o nome a um largo da
                                                                              ção suficiente da imaginação. “‘Ah,                                          vila, que também se afirma con-
        EDUARDO JORGE                  José Bento Silva faz exactamente       falta dizer que a alcunha ‘mordica’   Figuras da História de Portugal       doída com o desaparecimento do
        MADUREIRA LOPES                o mesmo. Impelido por razões           nos vem de um antepassado que,        nas ruas da Póvoa de Lanhoso          almirante.
                                       distintas, mas sob idêntico impera-    nas festas e romarias, gostava de                                           Quando o século XX se enca-
                                       tivo ético, salva do anonimato um      mordiscar as raparigas’”, revela      Por vezes, ao longo dos anos,         minhava para o fim, no dia 4 de
                                       incontável número de povoenses         João Mordica ao autor.                foi a comoção de um momento           Dezembro de 1980, um acidente
                                       e essa generosidade é um dos pri-      Em algumas ocasiões, José Bento       histórico que guiou as escolhas       de aviação, ainda hoje envolto
                                       meiros méritos do livro Rua Cen-       toma de empréstimo um proce-          toponímicas.                          em polémica, provoca a morte
Trazer uma inscrição dramática,        tral, que merece ser devidamente       dimento literário usado por José      Serpa Pinto teve direito a um         do primeiro-ministro Francisco Sá
visível num campo de concentra-        reconhecido. A tarefa impôs, como      Saramago e, aconselhado pelo          largo. Conta José Bento: “Deu-se o    Carneiro e do ministro da Defesa
ção nazi, para o início da apresen-    bem se compreenderá, um imenso         narrador de Memorial do Conven-       Ultimatum inglês de 11 de Janeiro     Adelino Amaro da Costa. Ambos
tação de um livro sobre as ruas        labor. Foi imprescindível percor-      to que diz: “Já que não podemos       de 1890 e Portugal levantou-se        serão, por essa outra trágica cir-
de um município português pode,        rer as ruas, claro. Andar e ver. Foi   falar-lhes das vidas, por tantas      patrioticamente contra “a infame      cunstância, nome de ruas.
talvez, parecer pouco propositado.     necessário ler muito. Foi preci-       serem, ao menos deixemos os no-       Inglaterra. E a vila da Póvoa não     Quem pretender estudar a re-
A verdade é que a recordação des-      so, por exemplo, folhear muitos        mes escritos, é essa a nossa obri-    ficou atrás nessa maré de indigna-     cepção que os grandes aconteci-
sas palavras, gravadas no campo        jornais para aí colher pequenas        gação, só para isso escrevemos,       ção e fervor patriótico”. Como Ser-   mentos históricos tiveram no que
de Bergen Belsen, na Alemanha,         notícias anódinas publicadas ao        torná-los imortais, pois aí ficam,     pa Pinto “era o herói do momento”,    ainda se continua a designar por
se foi impondo à medida em que         longo dos anos, conferindo-lhes        se de nós depende”, regista no-       por iniciativa da Liga Democrática    província, adianta muito trabalho
ia avançando a leitura desta Rua       uma segunda vida, uma inespe-          mes que lhe foram sendo falados.      da Póvoa de Lanhoso, o presidente     lendo este livro. Algumas pas-
Central, de José Bento Silva. Elas     rada actualidade. E foi igualmente     Deste modo, livra do esquecimen-      da Câmara propôs, um mês de-          sagens de Rua Central ajudam
encontram-se reproduzidas em           imperioso ouvir pessoas. Este livro    to tanta gente que, para, de novo,    pois, que o major desse o nome        a compreender certos períodos
As Rosas de Atacama, um livro de       testemunha, com eloquência, a          usar as palavras de Sepúlveda, não    ao Largo da Fonte.                    da História de Portugal, no que
Luis Sepúlveda. Conta o escritor       escuta de muita gente, de mulhe-       aparece nos noticiários, não tem      No início do século XX, mal co-       tiveram de mais mesquinho ou de
chileno que, numa extremidade          res e de homens que falam de si e      biografia, mas apenas uma rapida-      meçado o mês Outubro de 1910,         mais nobre.
do campo e muito próximo do            de quem os precedeu. E talvez não      mente esquecida passagem “pelas       um doente mental com a fobia          Como ainda há não muito tempo
lugar onde se erguiam os infames       seja ilegítimo imaginar que não        ruas da vida”. Pelas ruas da Póvoa    da perseguição assassinou o           se recordou na iniciativa “Póvoa
fornos crematórios, na superfície      faltarão os que talvez tenham tido,    de Lanhoso.                           psiquiatra Miguel Bombarda, que       de Lanhoso e a sua herança”, não
áspera de uma pedra, viu que
«alguém (quem?) gravou, talvez
com o auxílio de uma faca ou de
um prego, o mais dramático dos
apelos: ‘Eu estive aqui e ninguém
contará a minha história’».
Afirma Sepúlveda que terá lido uns
                                            “Outro opositor do sacerdote e político [padre José Dias], sendo, contudo, seu amigo, foi Adolfo João
mil livros, mas nunca um texto lhe
pareceu “tão duro, tão enigmático,          de Figueiredo, outro nome de rua. Em 1934, apresentou-se na pia do baptismo com quatro filhos para
tão belo e ao mesmo tempo tão               baptizar, duas meninas – a Liberdade Armanda e a República Isolina – e dois rapazes – o Armando
dilacerante como aquele escrito             Lenine e o Bento Staline. Armando Lenine contou a José Bento que, contra o que pode parecer ób-
sobre uma pedra”. O escritor diz
                                            vio, o pai tinha feito uma pequena cedência ao padre José Dias, ao escolher os segundos nomes das
não saber se a frase foi escrita
por quem pensava “na sua saga               raparigas – Armanda e Isolina – e os primeiros nomes dos rapazes – Armando e Bento.”
pessoal, única e irrepetível” ou “em
nome de todos aqueles que não
Diário do Minho          QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013                                                                                                          Cultura         VII




                                                     «Este livro, diz José Bento [na foto ao lado], “é uma deambulação, inte-
                                                     ressada e apaixonada, pelos caminhos da vila e freguesia da Póvoa de
                                                     Lanhoso”. Poder usufruir de uma visita guiada de um modo tão fascinante,
                                                     durante a qual nos são mostrados lugares encantadores e nos é apresen-
                                                     tada tanta gente inesquecível, é um privilégio para qualquer leitor.»



faltaram aqui figuras históricas e     contra o que pode parecer óbvio,        dicionário (“o sangue espadanou,     uma vez, quando escasseavam as       pode ocorrer a necessidade de
personalidades exemplares. José       o pai tinha feito uma pequena           o insulto referveu, as blasfémias    pistas para esclarecer o topónimo    lembrar o mais elementar. Citan-
Bento evoca-as com justeza, do-       cedência ao padre José Dias, ao         uivaram”).                           Alto da Bela ou Laje da Bela. Em     do Zilda Cardoso, autora de Rua
cumentando o essencial daquilo        escolher os segundos nomes das                                               outras ocasiões, impõe-se censu-     Paraíso, faz-se notar que “‘é essa
que fizeram para serem credoras        raparigas – Armanda e Isolina – e       As voltas e a lógica                 rar as inconstâncias toponímicas.    a lógica da toponímia… que a rua
da admiração e estima povoense.       os primeiros nomes dos rapazes –        da toponímia                         “À política toponímica da Póvoa      dos ferradores se chame Rua dos
                                      Armando e Bento.                                                             de Lanhoso bem pode aplicar-se       Ferradores’”.
Protagonistas de tensões                                                      Rua Central é um livro sobre to-     o velho ditado de ‘cada cabeça
e conflitos políticos                  Os protagonistas                        ponímia. José Bento verifica com      cada sentença’, variando os crité-   O povo num país rural
                                      que são vítimas                         rigor as explicações para certos     rios de comissão para comissão,
Mas a vila também teve prota-                                                 nomes. Por vezes, tem de as rejei-   ou de vereador para vereador”,       Como fez em outros livros,
gonistas de tensões e conflitos.       Rua Central permite traçar um           tar. “Fantasias românticas, etimo-   escreve José Bento sobre o facto     José Bento escolhe um tema e
Muitas vezes, por razões políticas.   mapa das zonas de risco. Os pro-        logias simplistas que não devem      de haver ruas de novas urbaniza-     ensina-nos muito, não só sobre a
Antes de 25 de Abril de 1974, não     tagonistas têm, aqui, o estatuto de     corresponder a nada”, escreve        ções sem nome próprio. Também        Póvoa de Lanhoso e o Minho, mas
se conseguia escapar à influência      vítimas. Entre os locais mais peri-
do padre José Dias, pároco da         gosos do século XIX, encontrava-
Póvoa de Lanhoso e presidente         -se a Rua do Castelo. Aí, no dia 9               «“Às vezes até penso que a vila da Póvoa era uma terra envergonhada da sua
da Câmara Municipal. Chegou à         de Julho de 1885, o marceneiro
                                                                                       própria condição e natureza. Os campos, as hortas e os quintais eram a sua
Póvoa de Lanhoso no dia 19 de         Joaquim António Ferraz ficou na
Março de 1925 e, passados alguns      penúria porque lhe arrombaram a                  essência, a sua retaguarda, o seu sustento. Os campos faziam parte da sua
anos, já era proprietário de uma      casa e roubaram os instrumentos                  identidade, do seu próprio nome (campo das Lourenças, campo do Lameirão,
parte substantiva dos campos de       de ofício. No dia 18 de Maio de                  campo Barbosa e Castro, campo do Amparo, campo da Feira). Mas detestava o
Valdemil. Comenta José Bento          1890, foi o caseiro de João Baptis-
                                                                                       povo, sacrificava-o no trabalho, explorava o seu suor, mantinha-o analfabeto,
que “é o que se chama a magia         ta Antunes Guimarães que viu a
da multiplicação dos campos”.         casa assaltada, tendo ficado sem                  desonrava as suas filhas, maltratava as criadas, humilhava-o nas repartições
Admirado e detestado, para usar       alguma roupa e lenços de lã e de                 públicas, embebedava-o nas tabernas escuras e mal cheirosas, mantinha-o
termos do autor, encontramo-lo        seda, no valor de 12 mil réis. Uma               a broa e a caldo de couves sem azeite, enfim, tinha nojo dele”.»
omnipresente neste livro, embora      outra notícia recolhida por José
não tenha o nome em qualquer          Bento informa-nos que, na mes-
rua, ao contrário de, por exemplo,    ma rua, no dia 29 de Janeiro de
João Augusto Ribeiro de Car-          1888, um rapaz, chamado António
valho, um dos que se lhe opôs.        Joaquim Cláudio, bateu na mãe,
O antagonismo era, aliás, de tal      Maria Cláudia.
monta que João Carvalho, res-         José Bento não se limita a trans-
ponsável, em 1901, pelo reinício      crever “faits divers” noticiados pela
da publicação do semanário Maria      imprensa. Interroga-os também,
da Fonte, deixou uma “Carta de        para mostrar a ideologia que
Consciência” para ser aberta após     através deles se transporta. Refe-
a sua morte. Nela, como conta         rindo que, em 1906, a imprensa
José Bento, impunha um enterro        local mostrava o lado mais per-
civil, por não querer, “por princí-   verso das peculiaridades da vida
pio algum”, que o cadáver fosse       no Lugar da Portela, num bairro
acompanhado ao cemitério pelo         dominado pela pobreza e pela
padre José Dias.                      marginalização social, o autor
Outro opositor do sacerdote e         desconstrói com ironia uma no-
político, sendo, contudo, seu ami-    tícia sobre uma cena de pugilato
go, foi Adolfo João de Figueiredo,    que ali tivera lugar, fazendo notar
outro nome de rua. Em 1934,           o exagero da comparação entre
apresentou-se na pia do baptismo      o Lugar da Portela povoense e a
com quatro filhos para baptizar,       Mouraria lisboeta; o delírio hiper-
duas meninas – a Liberdade            bólico na caracterização do lugar
Armanda e a República Isolina – e     (“ali, onde a devassidão campeia
dois rapazes – o Armando Leni-        infame, mais impudicamente que
ne e o Bento Staline. Armando         o vício nos bacanais da Roma
Lenine contou a José Bento que,       antiga”); ou o excesso de uso do                                   Castelo da Póvoa de Lanhoso e Capela de Nossa Senhora do Pilar
VIII   Cultura                                                                                                               QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013        Diário do Minho




também sobre Portugal. O povo e      exemplo que para aqui mais inte-      numa escola da Póvoa de La-              Milagres, clamores                    de aflição, doença ou calami-
o país rural dos séculos passados    ressa, pode-se reter que, em 1927,    nhoso a partir de 1984, ano em           e peregrinações                       dade. “Mas havia clamores que
e de até há pouco encontra-se        em testamento, “deixou duzentos       que começou a funcionar a                                                      eram obrigatórios e se realiza-
aqui muito bem retratado.            contos para construir um prédio       escola de instrução de condu-            A rotina povoense é, obviamente,      vam em dias calendarizados”. Na
Retratado, analisado e denuncia-     em condições modernas e higié-        ção automóvel “Maria da Fonte”.          quebrada em momentos espe-            Póvoa, em 1874, “‘era de anti-
do, como sucede neste extracto:      nicas, onde pudessem funcionar        A estupefacção é tanto maior             ciais. São de natureza religiosa      quíssimo e imemorial uso e cos-
“Às vezes até penso que a vila da    conjuntamente as escolas primá-       quanto sabemos que Amândio               algumas dessas ocasiões em que        tume efectuarem-se anualmente
Póvoa era uma terra envergo-         rias para rapazes e raparigas”.       de Oliveira foi um dos “pioneiros        o tempo entra numa medida             quatro clamores”, em honra da
nhada da sua própria condição e      Tendo, igualmente, enriquecido        do transporte público em Portu-          diferente da do quotidiano, tam-      Visitação de Nossa Senhora a
natureza. Os campos, as hortas e     no Brasil, e embora não sendo         gal”, ao apresentar, em 1926, no         bém ele muito impregnado de           Santa Isabel, em comemoração
os quintais eram a sua essência,     povoense, Joaquim Ferreira dos        dia 28 de Março, em Garfe, onde          religiosidade.                        do Anjo Custódio, em reverência
a sua retaguarda, o seu sustento.    Santos, o Conde de Ferreira,          nascera, o seu primeiro veículo          No dia 13 de Setembro de 1951, a      de S. Francisco de Borja, e em
Os campos faziam parte da sua        conhecido pelo hospital que           motorizado de transporte colec-          Póvoa de Lanhoso recebe a ima-        devoção do Patrocínio de Nossa
identidade, do seu próprio nome      ofereceu à cidade do Porto, legou,    tivo de passageiros.                     gem peregrina de Nossa Senhora        Senhora.
(campo das Lourenças, campo          em 1866, mil e duzentos réis para     Rua Central revela-nos anúncios          de Fátima. “Milhares de luzes bri-    Outras práticas devocionais,
do Lameirão, campo Barbosa e         a edificação de uma escola de          simples e, com certeza, eficazes.         lhavam na terra como as estrelas      associadas a outros lugares,
Castro, campo do Amparo, campo       instrução primaria na Póvoa de        Não abusavam, como agora, do             no céu”, diz o relato recuperado      podiam ser citadas, como, por
da Feira). Mas detestava o povo,     Lanhoso.                              vício parolo de os sobrecarregar         por José Bento. Na despedida, no      exemplo, as peregrinações à
sacrificava-o no trabalho, explora-   A vila fez-se ainda de comer-         com palavras e expressões de             dia seguinte, houve “lágrimas, pre-   Senhora do Pilar. E poderia
va o seu suor, mantinha-o anal-      ciantes. A vasta informação           língua inglesa. O Barateiro da           ces e aclamações”. E “milhares de     continuar-se o percurso que nos
fabeto, desonrava as suas filhas,     sobre a vida comercial povoense       Póvoa dizia ser “a casa que mais         lenços a acenar”. O protagonismo      leva dos hagiotopónimos, como
maltratava as criadas, humilhava-    suscita, aqui e ali, espanto. É       barato vendia e melhor sortido           é da multidão, mas, pouco tempo       o lugar de S. Brás, bispo e mártir
o nas repartições públicas, embe-    que, no século XIX, havia lojas       apresentava”; e a Casa das No-           depois, um novo relato tem um         em 316, que se celebra a 3 de
bedava-o nas tabernas escuras e      com produtos que apenas con-          vidades, “uma casa nova com              protagonista individual: “O meni-     Fevereiro, na “romaria dos poses”,
mal cheirosas, mantinha-o a broa     sultando o dicionário (ou nem         experiência antiga, para honrar o        no – António Martins dos Reis, de     até a ruas com nomes únicos,
e a caldo de couves sem azeite,      assim) se descobrirá o que são.       comércio da Póvoa”.                      8 anos de idade, filho de Bernardi-    como a Rua do Ferro de Engomar,
enfim, tinha nojo dele”.              Em 1897, no Largo do Amparo,          Alguns registos que José Bento           no dos Reis e de Maria Joaquina       assim designada por causa de um
                                     havia uma loja de fazendas e          reproduz evidenciam a existência         Martins, da Portela – depois da       edifício de 1902 que se assemelha
Os brasileiros e os comerciantes     mercearias. “Chamava-se a Loja        de actividades comerciais na Rua         Bênção dos Doentes, foi para          a um ferro de engomar. Podería-
da Póvoa de Lanhoso                  do Povo e era do comerciante          da Feira e Largo da Feira desde o        casa de seus pais, com muleta, e,     mos continuar, mas é tarefa im-
                                     José da Paixão Bastos”. Nela,         início do século XVIII. A importân-      passado pouco tempo, deixou-as        possível sinalizar tudo o que faz a
A Póvoa de Lanhoso foi também        havia “fazendas, casimiras [pano      cia de que a feira se revestia é tes-    em casa e foi passear pelo lugar      imensa variedade de Rua Central.
obra de quem do campo emi-           de lã fino e entrançado], chevio-      temunhada pela abundante docu-           e pela vila, causando admiração a
                                                                                                                                                          Este livro, diz José Bento, “é
grou. Para o Brasil, como António    tes [tecido inglês de lã], picoti-    mentação fotográfica apresentada          todos os que o conheciam, desde
                                                                                                                                                          uma deambulação, interessada
Ferreira Lopes, em 1857. Para        lhos [variedade de picote menos       (e sendo impossível referir tudo o       criança, agarrado às muletas. […]
                                                                                                                                                          e apaixonada, pelos caminhos
regressar benemérito. Afirma José     grosso. Picote – 1. pano gros-        que nesta obra é apreciá-                Toda a gente o viu, toda a gente
                                                                                                                                                          da vila e freguesia da Póvoa de
Bento que é consensual ter sido      seiro de lã ou burel; 2. ponto de     vel, aproveite-se o pretexto para        o vê”.
                                                                                                                                                          Lanhoso”. Poder usufruir de uma
ele “o grande impulsionador do       renda], mercearia e arroz”. Um        referir a mais-valia que representa      Momentos especiais eram,
                                                                                                                                                          visita guiada de um modo tão
urbanismo moderno da Póvoa de        dos produtos com o nome mais          a abundante inclusão de fotogra-         com certeza, os clamores, que
                                                                                                                                                          fascinante, durante a qual nos são
Lanhoso”.                            enigmático era o “caspolbento”,       fias do autor e de arquivos).             se realizavam muitas vezes na
                                                                                                                                                          mostrados lugares encantadores
Do generoso legado de António        um remédio santo contra a cas-        Em Rua Central – mais um mérito a        antiga capela do Amparo. Os
                                                                                                                                                          e nos é apresentada tanta gente
Ferreira Lopes, dá boa conta Rua     pa e a queda de cabelo, vendido       acrescentar à já longa lista – apren-    clamores, explica José Bento,
                                                                                                                                                          inesquecível, é um privilégio para
Central. “O hospital foi porven-     na Loja dos Tabelados, no Largo       de-se muito sobre, por exemplo,          eram orações, procissões ou
                                                                                                                                                          qualquer leitor. ◗
tura a obra mais importante para     de António Ferreira Lopes.            a arquitectura doméstica, o urba-        peregrinações que se realizavam
António Lopes, à qual ele devotou    Motivo de espanto é, igualmen-        nismo, os ofícios, o comércio, os        em honra de um santo ou santa,         [Este texto serviu para apresentação do
                                                                                                                                                             livro Rua Central, de José Bento Silva,
mais amor, mais entusiasmo e         te, saber que apenas se tornou        serviços, a vida quotidiana, as festas   ou como forma de penitência e               numa sessão realizada no dia 25 de
mais carinho”, mas, para usar o      possível aprender a conduzir          ou a religiosidade.                      para rogar ajuda em momentos                    Janeiro, na Póvoa de Lanhoso]




                                               Dois opúsculos de Maria Eugénia com fins solidários
                                     é composto por mais de meia           já estiveram expostos no edifício        duzem quadros da autora.
                                     centena de textos poéticos; o         do Turismo, em Braga, revertem a         Muito mais do que se tornar co-
                                     segundo, intitulado “Vamos con-       favor de instituições que apoiam         nhecida como escritora ou pin-
                                     seguir neste mundo insensível”,       doentes crónicos, nomeadamen-            tora, Maria Eugénia (a ausência
                                     foi escrito, segundo afirma a         te nas áreas da paramiloidose e          de sobrenomes é prova disto
                                     própria autora, para “mostrar os      da insuficiência renal (sujeitos a        mesmo...) pretende contribuir
                                     problemas que as mulheres têm         hemodiálise).                            para ajudar as pessoas que se
                                     para engravidar e durante o pe-       Apesar de ter uma profissão que          encontram em dificuldades, par-
                                     ríodo de gestação”. É composto        em nada se relaciona com a arte          ticularmente aquelas que, em
                                     por um conjunto de textos em          literária, Maria Eugénia tem-se de-      razão das doenças acima referidas,
                                     prosa poética, nos quais Maria Eu-    dicado à escrita e também à pintura      “sofrem caladas”.
    Maria Eugénia é autora de        génia explora, com grande realismo,   (neste última componente já expôs        Os textos destes dois volumes
    dois opúsculos cujas vendas      as dificuldades e as angústias – mas   no Turismo e na Biblioteca Lúcio         apresentam-se ao leitor como
    se destinam, parcialmente,       também as alegrias – de quem ota      Craveiro da Silva). O grande talento     uma torrente de sentimentos,                            Maria Eugénia,
    a finalidades solidárias. O      por ser mãe.                          que demonstra na pintura também          onde o quotidiano é presença per-     a autora dos opúsculos solidários
    primeiro volume intitula-         Uma parte substancial das re-        reverteu efeitos nos dois opúsculos,     manente e a esperança é caminho
    -se “Surpresa Silenciosa” e      ceitas destes dois volumes, que       já que as capas dos mesmos repro-        apontado ao futuro. M.M. ◗

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  • 1. Cultura QUARTA-FEIRA • 10 DE ABRIL DE 2013 Diário do Minho Este suplemento faz parte da edição n.º 29915 de 10 de abril de 2013, do jornal Diário do Minho, não podendo ser vendido separadamente > “Igreja de S. Julian” – Salamanca, Espanha, Agosto-2012 [Foto de V. B. de Vasconcellos]
  • 2. II Cultura QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Diário do Minho No próximo sábado, na Casa da Botica – Póvoa de Lanhoso Escritor bracarense Mário Escoto apresenta “Sonho de uma noite de lua cheia” O escritor bracarense Mário Escoto apresenta no próximo sábado, 13 de abril (21h00), na Casa da Botica, Póvoa de Lanhoso, a sua mais recente obra literária – “Sonho de uma noite de lua cheia” –, publicada em outubro passado pela editora “Apenas Livros”. “Lisbonna, anno da graça 1424”. Assim come- paradisíaco cume da plenitude amorosa se ça o mais recente livro do escritor bracarense vê projetado, de novo, no abismo do começo, Mário Escoto, simbolicamente intitulado encetando uma nova e dolorosa ascensão, “Sonho de uma noite de lua cheia”, editado pois sabe que a felicidade não se prolonga no pela Apenas Livros na coleção “Literatralhas isolamento, e menos ainda na quietude da NOBELizáveis”. Chegado aos escaparates existência, sob pena de se “morrer de melan- em outubro passado, vai o autor apresentá- colia”, como aliás acontecera a dois amantes lo agora, com a colaboração do jornalista ingleses que, em 1414, se haviam refugiado Pedro Antunes Vieira, ao público minhoto na ilha da Madeira para viverem felizes para no próximo sábado, 13 de abril, na Casa da sempre, e que depressa morreram por não Botica, Póvoa de Lanhoso. suportarem o isolamento... Em rigor, não se trata de um conto, de uma novela ou de um romance. Esta obra É breve esta narrativa de Mário Escoto é, antes, uma pequena mas sedutora nar- (tem apenas 26 págs), mas é também rativa de cordel, simultaneamente pícara tematicamente muito densa e demasiado e epopeica, a fazer lembrar as medievas profunda para ser encarada como uma aventuras de “cavalaria”, ainda que, proposi- singela “história de cordel”. Ela reflete (e tadamente, centrada num cenário tempo- faz refletir sobre) a complexidade das re- ral quinhentista: num século de aventuras lações amorosas e, particularmente, sobre marítimas e... amorosas! as antagónicas “forças” do destino que o Arrotim, personagem principal desta obra amor desencadeia no espírito humano – de Mário Escoto, aventureiro mestre-de- “forças” essas que enredam a alma numa -armas e quixotesco “pinga-amor”, tenta teia da qual é muito difícil libertarmo-nos afogar no álcool das tascas lisboetas a – porque desencadeia um rol de tensões, mágoa (e o remorso) provocada pelo sonhos, angústias e remorsos... –, da qual suicídio da sua amada Anna Godim, uma Mário Escoto (pseudónimo literário de Mário não é possível fugir (a não ser, porventura, bela jovem que não resistiu à desilusão das Joaquim Fernandes Malheiro) é licenciado regressando às origens da viagem...). incumpridas promessas do “herói” beirão. Acresce à densidade temática desta obra em Filosofia e pós-graduado em Arquivos uma escrita eivada de ímpar dinamismo Redime-o dessa mágoa o navegador João Gonçalves Zarco, que por volta de 1418 ha- e Bibliotecas. Atualmente, exerce funções (quase diríamos: cinematográfica!), que via descoberto a Madeira com Tristão Vaz de técnico bibliotecário na Faculdade de seduz o leitor do princípio ao fim. Tanto Teixeira. Agora, cinco anos após essa des- Teologia (Braga). Até hoje publicou as obras mais que o autor consegue, com ele- coberta de “Lenhame” (lenho, madeira...), vado índice de sucesso, “desmontar” as Zarco quer fugir do lamacento e corrupto O Batedor, O Corvo de Wotan, Vernária e, habituais categorias narrativas para lhes espetro social em que se move Lisboa, e agora, Sonho de uma noite de lua cheia. dar uma nova roupagem literária, bem pretende refugiar-se na Ilha, povoando-a patente na polifonia de vozes e nos re- e promovendo uma organização social as- gistos espácio-temporais – tudo isto sem, sente nos pilares da justiça, da responsabi- Partindo desde leitmotiv, a nova aventura amor em situações de solidão, de afasta- contudo, enfadar o leitor, que fica preso lidade e da igualdade. E como necessita de de Arrotim tranforma-se numa quixotesca mento absoluto da estrutura social. à estória como se estivesse a ouvi-la di- um mestre-de-armas, convida Arrotim para viagem, onde a utopia e o mito do eterno Arrotim, o quixotesco mas também ulissia- retamente dos lábios de Sherazade (das o acompanhar nessa nova aventura. Este, retorno se fundem (e se confundem) para no herói desta potente e “sôfrega” narrativa Mil e Uma Noite) ou da boca do astuto não sendo “homem de sossegar”, aceita nos fazer refletir sobre a fragilidade e a de Mário Escoto, é ainda um mitológico Ulisses (contando à fiel Penélope as suas o desafio, ciente de que só assim poderá complexidade das relações humanas, sobre Sísifo que leva “o amor às costas”, pesadís- aventuras na ilha de Eana...). “resgatar-se” de si, da hipocrisia da capital a irracionalidade das paixões e, sobretudo, simo fardo da condição humana (no que e do frustrado amor de Anna Godim. sobre a impossibilidade de se vivenciar o à paixão diz respeito) – e que, chegado ao Miguel de Mello Diário do Minho N.º 693 Envio de trabalhos para publicação neste suplemento Cultura 10.Abril. 2013 Diário do Minho / Secção Cultural Rua de S.ta Margarida, 4 - 4710-306 Braga; Fax: 253609469. E-mail: cultura@diariodominho.pt
  • 3. Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Cultura III A fulguração da morte 10.04.1971 * na obra literária de 09.06.1999 Daniel Faria Completa-se hoje (10 de Abril) mais um aniversário do nascimento de Daniel Faria – um noviço beneditino do Mosteiro de Singeverga (Santo Tirso) que nos deixou uma obra poética ímpar. POR PROF. DOUTOR Falecido prematuramente (aos 28 anos de idade), a sua obra tem sido objecto de vários estudos. MÁRIO GARCIA, SJ O Prof. Doutor Mário Garcia, da Universidade Católica, tem sido um dos investigadores que lhe FACULDADE DE FILOSOFIA têm dedicado especial atenção. Publicamos hoje, por isso, com a devida vénia, um texto da UNIVERSIDADE CATÓLICA – BRAGA MGARCIA@BRAGA.UCP.PT autoria deste Professor – texto esse que apresentou no Congresso Internacional “Do Reino das Sombras. Fulgurações da Morte”, realizado na Faculdade de Filosofia de Braga em 25 de Outubro de 2012 (e que foi publicado, em primeira instância, na revista “Brotéria” de Janeiro deste ano). Resumo: Esta comunicação inten- desconhecido. Publicara cinco Como tentar “explicar” o seu “tra- de mostrar, em toda a sua amplitu- livros de poesia e deixara outro, na balho” de poeta: “O meu projecto de, a “explicação” do verso: O meu sua cela, quase pronto. Ganhara de morrer é o meu ofício” (E, 85)? projecto de morrer é o meu ofício. prémios em concursos poéticos “Explicação” é uma palavra cara Usando a palavra lâmina, como (de muito limitada notoriedade, a Daniel Faria, mas não significa tópico de leitura, fixamo-nos no entanto); o seu estilo de ser e esclarecer racionalmente. Etimo- na Trilogia poética: “Explicação de escrever a ninguém deixava logicamente, “explicar” significa das árvores e de outros animais” insensível; acreditava-se, depois da “estender”, como se estende, por (1998), “Homens que são como publicação dos seus dois últimos exemplo, uma toalha sobre a lugares mal situados” (1998) e “Dos livros, ambos de 1998, que era mesa. Mas porque se trata de uma líquidos” (2000); e em “O livro do uma voz inovadora da poesia por- “iluminação”, inesperada e surpre- Joaquim” (2007). A morte é lumi- tuguesa. E a sua projecção tornou- endente, como um relâmpago, nosa e polémica, como a lâmina; -se universal, quando veio à luz, “rigor explosivo” (H, 172), “círculo pronuncia o nome de “uma pes- no ano 2000, o volume Dos líqui- que resiste à forma da palavra” (E, soa” que se vai descortinando. Não dos; em 2003, Poesia, reunida e 67), uso a palavra fulguração. Ful- deparamos com um significado completa, com alguns inéditos, a guração tem a ver com o fulgor de doloroso, ou mesmo sacrificial, da cargo de Vera Vouga e, em 2007, O Maria Gabriela Llansol? Gostaria, morte, ou do “sangue”, mas, pelo livro do Joaquim, redigido numa um dia, de compreender melhor contrário, de comunhão jubilosa, escrita “nas suas mais diversas esta “aproximação” que, por ago- de vida, de encontro definitivo vertentes”, como afirma o editor e ra, fica em suspenso. Tem a ver, com Cristo, o “Verbo / Tão inteiro prefaciador Francisco Saraiva Fino. sobretudo, com o sentido bíbli- que se fez espelho”. A morte, em Actualmente, dispomos de uma co de “revelação”, “glória”, “peso”, última análise, “abre passagem”, é publicação, Poesia, saída em 2012, “nome”. Fulguração torna presente sinónimo de “páscoa”. A fulguração exactamente igual ao volume, “uma palavra pessoa / Uma pala- da morte é a Ressurreição. Poesia, de 2003. Espera-se que a vra pregada ao silêncio de dizer-se * Comissão de Edição de Daniel Fa- como nunca fora ouvida“ (H, 191), “a Ao morrer, noviço beneditino do ria, lance, com rigor e celeridade, o palavra / Em carne viva. Verbo / Tão Mosteiro de Singeverga, aos 28 que falta conhecer da herança do inteiro que se fez espelho” (H, 194). anos de idade, em 1999, Daniel Poeta, “tão fabulosa quão delicada Pretendo, em três focos de “lei- Faria não era, propriamente, um de gerir” (Vera Vouga, 9). tura” da Obra de Daniel Faria, dar
  • 4. IV Cultura QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Diário do Minho a ver o seu “projecto de morrer”, a morte, porque a ela se entrega, com a vida futura; faz equivaler a Preparou a refeição com a lenha trazida na palavra para dentro / servindo-me da palavra lâmina. A sem descanso: morte, triste, ao cumprimento do [do arado Do poema – e havia uma força Trilogia: Explicação das árvores e que já se conquistou. A boca não Porque tinha fome e o coração cega / No poema: / Era um verbo de outros animais (E), Homens que Ele que é agora o que nunca cessa de caminhar: “Depois da [em chamas de sangue para o silêncio arder” são como lugares mal situados (H) [repousou fome o sabor do pão / Depois da (H, 177), sustenta todo o percurso e Dos Líquidos (D), bem como O O que nunca encontrará sede o correr da água” (E, 114). Preparou o coração com a lenha “narrativo”. Da explicação, passa- livro do Joaquim (L), constituem [o sítio do sossego [do arado -se para a salvação; do “examinar” o “lugar”em que, particularmente, A não ser que haja o equilíbrio O livro de Daniel Faria, Explicação para o “incorporar”; dos “lugares irei situar-me. Os três focos de [na vertigem das árvores e de outros animais, Para ser a lâmina do arado mal situados” para o único Lugar leitura são versos de Daniel Faria. Uma luz parada no meio poder-se-ia sintetizar nestas [e o arado que situa bem o Homem, porque Pertencem ao livro Dos líquidos e [da voragem. (E, 76) palavras sublimes do Cântico das A palavra em seu gume o identifica com o Verbo, “palavra os dois primeiros estão no mesmo criaturas de S. Francisco de Assis: [a ferir e a gerar (H, 154) pessoa” (H, 191). Sem Cristo, sem a poema. Ao falar do “nome” como “arma” – “Louvado sejas, meu Senhor, pela narrativa bíblica que n’Ele culmi- “O nome é a arma contra mim. O nossa irmã, a morte corporal”. Ou O chamamento do Profeta implica na, este livro não se compreende. 1. “Ainda não sei ouvir maior perigo. / Com os teus lábios no lema beneditino ora et labora: despedida e seguimento de al- Coloca, esta base, alguma que- a lâmina” (D, 272) podes destruir-me” (E, 77) – o a oração (abertura da boca Àquele guém. Elias “lançou o seu manto” bra à poesia? De modo nenhum. Poeta repete a situação da lâmina que o nosso coração procura) e sobre Eliseu, que imediatamente Universaliza-a, humanizando-a, A análise de uma palavra, no léxico contra o cansaço, mas invertendo, o trabalho (abertura da mão ao deixou a junta de bois com que sem nunca perder o mistério, “fon- de um poeta, traz, em primeiro neste caso, o sentido. Ao pronun- mundo que Ele criou para continua- estava a lavrar, correu a pedir-lhe te contínua de deslumbramento” lugar, à evidência, a sua situação ciar-se pelo peso da enxada no rmos a criá-lo). A esta luz, compre- licença para se despedir da família, (Vera Vouga, 9). material, isto é, o lugar que ocupa ombro, ou do punhal nas costas, ende-se o verso: “Estranho é o sono imolou a junta de bois, cozeu as no interior da Obra. Lâmina com- encontra uma luz que brilha como que não te devolve” (E, 78). carnes, deu de comer à sua gente, Se “és agora uma máquina mon- parece, sintomaticamente, em lâmina, diz o seu “nome”, isto é, o “e seguiu Elias para o servir” (1 Rs tada para a morte” (H, 138), não “Explicação do poeta”, o poema seu trabalho de poeta. Ao afirmar 2. “A lâmina abre passagem” 19, 21). Daniel Faria imola o seu é em virtude de qualquer pré- central da última secção, “Últimas “que nunca encontrará o sítio do (D, 272) “coração em chamas”, juntamente determinismo – “Há um cadáver explicações”, de Explicação das sossego” está a dizer o mesmo, “com a lenha do arado”. A matéria nos olhos do acaso” (H, 123)– mas árvores e de outros animais, entre desta vez contra a “luz parada” que O ainda-não-saber explica, no da imolação não é, propriamente, em virtude de uma eleição de “Explicação da gravidade” e “Expli- amor: “É um motor. E fico a traba- cação da escuta”: lhar no mecanismo secreto / Do amor. // Sei que estou em viagem Pousa devagar a enxada na palavra que se move” (H, 132). [sobre o ombro O centro de atracção do amor é Já cavou muito silêncio “uma pedra nupcial” (H, 171), “uma ferida que se cura” (H, 172). Como punhal brilha [em suas costas A lâmina produz a ferida, porque A lâmina contra o cansaço (E, 101) Ao denominar-se gera; sulca, como o amor, ”pala- vra que se move”, “à espera / De No poema anterior, escreveu: “Só cavador de silêncio, um companheiro possível para o pássaro vive para o voo. / Quan- o Poeta está o diálogo interior” (H, 126) e “a do pousa é igual ao homem que “ligeiramente acima sua espera / É a fé inabalável no se senta / Para pensar” (E, 100); do que morre” mistério que inclina / Os homens e no poema seguinte: “Escuto o para dentro” (H, 128). Principia um calcanhar do pássaro / Sobre a regresso a casa, à casa verdadei- flor / E não respondo” (E, 102). O ramente nossa, porque será “uma pássaro e a enxada encontram-se, aliança / Com o que respira” (H, 173), como a lâmina com o trabalho. As “uma mãe a chamar o filho” (H, 177). dimensões de altura e profundi- Por isso, “fizeste-me passagem / dade, voar/cavar, unificam-se. Não (…) / Para me encontrares” (H, 166). se extrai, do punhal e da lâmina, Talvez nada melhor traduza esta qualquer semântica dolorosa. lâmina que trespassa o coração, do Antes, parece-me, o não saber que o poema “Charles de Foucauld”: “responder” ao silêncio. Como se, de repente, um relâmpago calasse acabaria o caminho da procura, Poeta, a procura de um signifi- a “lenha”, mas ele mesmo, numa Pensa que morrerás mártir. fundo no interior da terra, e nos o seu “ofício”, o seu “projecto de cado universal. Há que abrir-se espécie de prolepse do poema [Entre talhas deixasse sem palavra. morrer” (E, 85). ao dom da palavra, na escuta do “Do sacrifício de Isaac” em Dos Ao cair ressoará o teu corpo seu silêncio fecundo. O sentido líquidos: “Queimará o monte, o [sobre o bojo. Ao denominar-se cavador de O primeiro livro da Trilogia aponta, transfere-se, assim, para o objecto filho, a lenha / A morte, as areias, silêncio, o Poeta está “ligeiramen- como seta de fogo, para a vida procurado que “abre passagem”. a viagem / O deserto, a túnica, as Pensa que morrerás te acima do que morre” (E, 39), universal, escondida, que brota No segundo livro da Trilogia, Ho- estrelas // Nunca será bastante o Esta tarde. Com o sangue no recriando ou fazendo vir à super- da terra; lava que explode, do mens que são como lugares mal incêndio” (D, 229). Aqui, na voca- [peito a marcar o umbral fície tudo quanto existe: “Anun- interior da morte, como “as casas situados, quase a meio da secção ção de Eliseu, não se trata ainda Da tua morada. Nu morrerás cio e pereço. / Pedra redonda / vomitam a luz pela janela” (E, 96), central, “Se fores pelo centro de ti de um holocausto. “A lâmina do E desconhecido. Na terra Removida e / Redonda / Semente desvelamento fulgurante, activo. mesmo”, encontramos o poema arado e o arado / A palavra em [só o adorno após a morte. Depois da mão do Talvez venha ao caso sublinhar “Eliseu (1Rs 19, 19-21)”: seu gume” continuam “a ferir e a Possui o reconhecimento homem” (E, 47). O seu instrumento de O livro do Joaquim, estas duas gerar”, abrindo passagem. de trabalho também corta a água: citações que resumem o “ofício” de Preparou a refeição com a lenha Pensa que morrerás “Caminho como um remo que se quem trabalha contra a morte: “A [do arado Neste segundo livro da Trilogia, No chão afunda” (E, 84); também abre para minha poesia é um punhal contra Para ser sulco na terra e resistir inicia-se um acompanhamento de dentro, porta de uma “casa mártir” si mesma. Durará o tempo de um Cristo que culmina na “Cruz, rosa / À tua porta. (E, 56), onde “a luz entra sempre corpo ao derramar-se” (L, 67); “Não Preparou a refeição com a lenha Dos ventos sem direcção que não E nunca mais acabarás de noite” (E, 57). Não se trata de cumpras todas as promessas / É [do arado seja o centro. Coluna / Sustenta- De regressar (H, 167) sofrimento, mas do testemunho um modo muito triste de morrer” Para ser fogo a propagar a luz da pelos braços como um amigo luminoso de quem trabalha contra (L, 80). O Poeta identifica a poesia que chega” (H, 194). “Alguma coisa Quando, em O livro do Joaquim,
  • 5. Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Cultura V Daniel Faria fala da morte, traduz, Damasco golpeia. É circuncisão / A Fulguração da Ressurreição de Princípio até ao Fim, desde o Gé- em termos mais analíticos, mas Que abre, limpa” (D, 210). “Do Li- Cristo e nossa? nesis ao Apocalipse, tudo se resu- não menos expressivos, esta mes- vro do Apocalipse”: “Ele sabe que me na Encarnação do Verbo. Não ma experiência de “querer mor- o cordeiro é uma pedra que está O livro do Joaquim vai na mes- insiste na “via dolorosa”, como se rer”, mártir (“Agora, como nunca ferida” (D, 211). “Das Instruções ma linha, ao afirmar, com lugar poderia pensar pela frequência me aconteceu, sinto-me mártir”, de São Columbano, Abade”, texto e data, Porto, 27 de Novembro da palavra “sangue”, interpretada L, 80), perplexo, mas desprendido inspirado no Ofício de Leitura da de 1993: “Não recuses nenhum como sinónimo de sofrimento. e livre: “Se eu um dia me suicidar, Liturgia das Horas: “Quem dera dos teus limites, só eles dizem a “Sangue”, na Obra de Daniel Faria, não há-de ser pela infelicidade da que o lume / Descesse como a grandeza do que tens” (L, 78). O como na Bíblia, significa “vida”. minha vida, mas pela felicidade candeia dos que recebem quem maior limite que nós temos, é a Equivale mais à “via gloriosa”: a da morte. Nada, como a morte chega / O clarão mais cortante” morte. Não recusar a morte é um vida oferecida pela salvação do às vezes, me é tão sedutor. Não (D, 212). sinal de amor. No diálogo poético mundo, a plenitude da alegria e é dor, nem medo, nem ausência, entre os Meninos e a Amada, “Bal- do amor. Por isso, a palavra do nem peso. É apenas essa estranha Golpe, ferida, corte, “o interior da tar, há bastante tempo”, o lugar da Poeta pretende a fulguração de leveza de não-ser e de tão pouco lâmina” (D, 213), “clarão” (D, 212), infância aparece numa antiquís- Cristo, o Homem-Deus-crucifica- ser isso. Se eu um dia me suicidar, “chaga nupcial de dentro / E de sima idade, antes de haver tem- do-e-ressuscitado. não o farei como quem nega, mas fora / (…) / palavra / Trespassadora po ou para além dele. A Amada como quem confirma. Na sua – mais do que toda a espada ta- anseia pelo “vento” e pergunta aos Daniel Faria fala com Ele e d’Ele, aparente traição, será ainda gesto lhante” (D, 213). Falamos do Amor, Meninos se viram “Os ramos no “na transumância dos animais que infinitamente grato de quem nun- “ – um imenso motor em chama seu agitar / E o galope de um ca- buscam os pastos mesmo quan- ca mereceu até o mínimo e mais / Nos mecanismos da viagem valo branco / Uma sombra e seu do morrem” (D, 301). A “transu- desatento cuidado. Desprender- ardente // A princípio não se sente cavaleiro” (L, 82). “Morro de dor e mância” é a páscoa de Cristo, a -se – essa liberdade, não a maior… / O amor – a humidade amanhe- saudade / E dentro dos meus ou- Sua Ressurreição, “o relâmpago embora! mas liberdade – para o cendo / O coração ressequido” vidos / Estala um grito de sangue”; / Rápido” (D, 307), “o clarão mais nada, o absurdo, ou (se houver (D, 221). Quando o Poeta escreve: “Morro de dor e desgosto / Meu cortante” (D, 212), a “diária lâmina” perdão) para o mais além” (L, 73). “Deus vem com o cinzel / Silen- corpo trespassarei / No fio destas (D, 307) que trespassa o “coração cioso” (D, 225) ou fala da “fenda / ameias” (L, 83). Pede aos Meninos paralítico” (D, 212). É Ele “a ferida Não terá sido assim a morte de Voluntária” (D, 227), inspirando-se que peçam ao vento “Alento para incendiária / (…) / a lâmpada / Cristo na Cruz? “De anunciares em textos de S. João da Cruz e Porque trabalho com os dedos esperar / (…) / Alento para morrer” Sempre acesa para nunca se que- em silêncio / O nada que salva de Santa Teresa do Menino Je- [e as veias (L, 84). O Cântico dos Cânticos, na brar. / (…) / A corrente // O amor a minha mão perdida / Remo à sus, não está a falar de si, mas Abertas a lama onde sou terra voz da Amada, entrara, fulgurante, que as águas não podem apagar” superfície teimando contra / O d’Aquele de quem falam a Bíblia [e água em Dos Líquidos, secção terceira, (D, 212): peso âncora de fechar os olhos / E e os Santos, “as nascentes / No “Do inesgotável”: inclinar / O corpo afogado” (H, 189). rochedo liso, no deserto impre- Começa nele a primeira fonte. visto” (D, 201), onde “É quente o [Assim Enquanto tenho o lume corro Amo-te na carne que tomaste 3. “Desatado silêncio. É quieto de uma clarida- A pedra cresce Enquanto sou a labareda [do chão que aplaino pela diária lâmina” (D, 307) de / Atenta” (D, 201). O Espírito de Com seu sangue derramado. [e a força de queimar Com as mãos Deus é, por assim dizer, decifrado [Lâmina que deixa Com as palavras que escrevo Dos líquidos, a plenitude do cres- no texto Dos líquidos, pelos textos A sede em ambos os lábios. Ao meio-dia – diz-me ó que vais [e apago cendo que é a Trilogia, constitui sagrados. Como poderia não ser a [Começa [descendo – onde Na areia, no cérebro. um dos livros mais sedutores da morte o princípio da Vida? Assim leveda Te apascentas Amo-te com o cérebro em ferida poesia portuguesa contemporâ- A meda de água. E o que escrevo Para que também eu coma, Pensando-te nea. Não podemos desligá-lo dos Com quem se fala? Na última [é a fonte [para que também eu corra Remédio que derramas em mim outros dois, mas, superando-os, secção do livro, o Poeta convoca Transformada (D, 270) Enquanto as folhas estão [a tua medicina, a morte engloba-os, abrindo-os para o o “leitor” para lhe “explicar” que a [orvalhadas No meu corpo. Até que repouse Definitivo. A sua organização, em verdade é “maior / E mais bonita Se mais dúvidas houvesse em [como enfermo sete secções, exprime, como os do que a palavra” (D, 338), e para o identificar “a fonte”, “o lugar do Enquanto o sol marca No teu leito. Amo febrilmente sete sacramentos, a plenitude da convidar a aproximar-se d’Aquele golpe” (D, 282) “a semente” que [na sombra da hora [amo o dia Vida Espiritual, a iniciação inces- que é a Verdade: “aproxima / A tua “está poisada no lugar de padecer” A transumância. Enquanto Em que disseres: Larga sante para dentro de um universo mão da paisagem que resta / Como (D, 284), bastaria a clara alusão A corrida me abrasa (D, 254) A tua enxerga! – E ande (D, 246) ◗ sem fim. se fora o lado do verbo que en- que se segue, aos Evangelhos de carnou” (D, 344), numa alusão ao S. João (Jo 10, 1-16; 19, 31-37) e de Na primeira secção, “Das nas- gesto de Cristo que incita Tomé S. Lucas (Lc 15, 4-7), para vermos Conclusão centes”, no poema “Do Livro dos a meter a mão no Seu Lado (Jo que se trata de Cristo: “a dolorosa / Referências: Solilóquios 1”: 20, 27); e também a contemplá- / Chaga do pastor / Que abriu o redil Alguns dos maiores poetas do l’O, na cena do perdão à mulher no próprio corpo e sai / Ao encontro Ocidente foram grandes “espiritu- FARIA, Daniel, Poesia, edição de Vera Vouga, Assírio & Alvim, docu- Que eu oiça adúltera (Jo 8, 6-8): “Debruça-te da ovelha separada” (D, 285). ais”: Homero, Virgílio, Dante, menta poetica/ 144, Porto Editora, A tua voz desde o interior da como ele quando escreveu no S. João da Cruz… E nem por isso, 2012. [lâmina – ó pastor chão” (D, 345). Daí, a força que assume a expres- ou talvez por causa disso, a sua Esta edição integra todos os livros Que escutas o meu balir são: “Desatado pela diária lâmina Obra nunca cessou de fulgurar. de poesia já publicados e alguns [no interior do rebanho. Quem é, realmente, o interlocutor, / Na condição da luz encarcerada Daniel Faria pode colocar-se, poemas inéditos. Tu és fermento que engrandece com quem se dialoga? no astro / Para ser nas viagens pequenino, aos ombros desses Cito a página, com a letra inicial [o meu pão sinal” (D, 307). No mesmo poe- Gigantes, como o Menino Jesus assinalada do livro: Eu fui-te a esponja erguida Começa no verbo o que escrevo. ma, na mesma página, fala-se do às cavalitas de S. Cristóvão... E (Explicação das árvores e de ou- [de vinagre [A palavra “Gume / Invejando o relâmpago tros animais, 1ª ed. 1998); E ardo vivo por ser-te Que deixo na pequena pedra / Rápido” e “Do amor” “Que não “A videira testamentária – mãe / H (Homens que são como lugares [o alimento. [branca deixa o corpo por um pouco / De- Bíblica no eixo da casa” (D, 339), é mal situados, 1ª ed. 1998); D (Dos líquidos, 1ª ed. 2000). (D, 213-214) Do fermento. O pão que cresce sejar // Qualquer coisa diferente a chave de leitura da sua Obra. Os [ignorado de morrer” (D, 307). Que será esse três últimos livros formam uma Faria, Daniel, O livro do Joaquim, “O interior da lâmina” explica-se desejo de morrer, que o amor não Trilogia, que não pode ser sepa- edição e prefácio de Francisco por várias ocorrências convergen- Começo devagar a meda rítmica só não suprime, mas impele e es- rada. Uma Trindade indivisível. A Saraiva Fino, 1ª ed., Vila Nova de tes. Cito três, nos poemas imedia- No eixo que corta dos dois lados timula, senão já, em sacramento, Economia da Salvação, ou, como Famalicão, Quasi Edições, 2007. tamente anteriores: “Do Livro dos E fere – os pulsos primeiro “a mesa da aliança” (D, 286), essa diria Gil Vicente, um Breve Sumá- Cito com a letra L, indicando a Actos dos Apóstolos”: “A luz de [e a língua “diária lâmina” que nos desata? rio da História de Deus. Desde o respectiva página.
  • 6. VI Cultura QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Diário do Minho Rua Central – novo livro de José Bento Silva sobre a Póvoa de Lanhoso aparecem nos noticiários, que não pela primeira vez, a oportunidade José Bento Silva não esquece os tinha feito o curso com uma tese têm biografias, mas apenas uma de evocar os seus com tempo e anónimos. Gente, todavia, com sobre o Delírio das Perseguições. esquecediça passagem pelas ruas orgulho. alma, escreve o autor. “Uma alma Implantada a República, a Póvoa da vida”. A dúvida acabaria por se tão grande que lá do alto da Bela de Lanhoso exara “um voto de transformar numa evidência que Em Rua Central, abundam pro- abraçava a vila toda; zés-ninguéns profundo sentimento pelo faleci- impôs ao escritor a necessidade tagonistas, heróis e vítimas de duma sociedade que a imprensa mento do avalizado médico psi- de salvar do anonimato diversas pequenas histórias de todo o local destacava com os epítetos quiatra Doutor Miguel Bombarda” pessoas, o que foi feito relatando género, de casos de encontros e de pés-descalços (os da patuleia), e atribui-lhe o nome de uma rua. as suas histórias em As Rosas de desencontros, de cenas de amo- ralé, populares, descamisados”. Outro chorado herói republicano, Atacama. res e desamores, de episódios de Mas, como é de regra num livro Cândido dos Reis, que se tinha pancadaria ou de generosidade. E sobre ruas, evoca também os que suicidado por julgar derrotado o Salvar os anónimos quantos deles com alcunhas que tiveram nome e obra na Póvoa de golpe para depor a monarquia, POR do esquecimento se revelam, por si só, como igni- Lanhoso e fora dela. empresta o nome a um largo da ção suficiente da imaginação. “‘Ah, vila, que também se afirma con- EDUARDO JORGE José Bento Silva faz exactamente falta dizer que a alcunha ‘mordica’ Figuras da História de Portugal doída com o desaparecimento do MADUREIRA LOPES o mesmo. Impelido por razões nos vem de um antepassado que, nas ruas da Póvoa de Lanhoso almirante. distintas, mas sob idêntico impera- nas festas e romarias, gostava de Quando o século XX se enca- tivo ético, salva do anonimato um mordiscar as raparigas’”, revela Por vezes, ao longo dos anos, minhava para o fim, no dia 4 de incontável número de povoenses João Mordica ao autor. foi a comoção de um momento Dezembro de 1980, um acidente e essa generosidade é um dos pri- Em algumas ocasiões, José Bento histórico que guiou as escolhas de aviação, ainda hoje envolto meiros méritos do livro Rua Cen- toma de empréstimo um proce- toponímicas. em polémica, provoca a morte Trazer uma inscrição dramática, tral, que merece ser devidamente dimento literário usado por José Serpa Pinto teve direito a um do primeiro-ministro Francisco Sá visível num campo de concentra- reconhecido. A tarefa impôs, como Saramago e, aconselhado pelo largo. Conta José Bento: “Deu-se o Carneiro e do ministro da Defesa ção nazi, para o início da apresen- bem se compreenderá, um imenso narrador de Memorial do Conven- Ultimatum inglês de 11 de Janeiro Adelino Amaro da Costa. Ambos tação de um livro sobre as ruas labor. Foi imprescindível percor- to que diz: “Já que não podemos de 1890 e Portugal levantou-se serão, por essa outra trágica cir- de um município português pode, rer as ruas, claro. Andar e ver. Foi falar-lhes das vidas, por tantas patrioticamente contra “a infame cunstância, nome de ruas. talvez, parecer pouco propositado. necessário ler muito. Foi preci- serem, ao menos deixemos os no- Inglaterra. E a vila da Póvoa não Quem pretender estudar a re- A verdade é que a recordação des- so, por exemplo, folhear muitos mes escritos, é essa a nossa obri- ficou atrás nessa maré de indigna- cepção que os grandes aconteci- sas palavras, gravadas no campo jornais para aí colher pequenas gação, só para isso escrevemos, ção e fervor patriótico”. Como Ser- mentos históricos tiveram no que de Bergen Belsen, na Alemanha, notícias anódinas publicadas ao torná-los imortais, pois aí ficam, pa Pinto “era o herói do momento”, ainda se continua a designar por se foi impondo à medida em que longo dos anos, conferindo-lhes se de nós depende”, regista no- por iniciativa da Liga Democrática província, adianta muito trabalho ia avançando a leitura desta Rua uma segunda vida, uma inespe- mes que lhe foram sendo falados. da Póvoa de Lanhoso, o presidente lendo este livro. Algumas pas- Central, de José Bento Silva. Elas rada actualidade. E foi igualmente Deste modo, livra do esquecimen- da Câmara propôs, um mês de- sagens de Rua Central ajudam encontram-se reproduzidas em imperioso ouvir pessoas. Este livro to tanta gente que, para, de novo, pois, que o major desse o nome a compreender certos períodos As Rosas de Atacama, um livro de testemunha, com eloquência, a usar as palavras de Sepúlveda, não ao Largo da Fonte. da História de Portugal, no que Luis Sepúlveda. Conta o escritor escuta de muita gente, de mulhe- aparece nos noticiários, não tem No início do século XX, mal co- tiveram de mais mesquinho ou de chileno que, numa extremidade res e de homens que falam de si e biografia, mas apenas uma rapida- meçado o mês Outubro de 1910, mais nobre. do campo e muito próximo do de quem os precedeu. E talvez não mente esquecida passagem “pelas um doente mental com a fobia Como ainda há não muito tempo lugar onde se erguiam os infames seja ilegítimo imaginar que não ruas da vida”. Pelas ruas da Póvoa da perseguição assassinou o se recordou na iniciativa “Póvoa fornos crematórios, na superfície faltarão os que talvez tenham tido, de Lanhoso. psiquiatra Miguel Bombarda, que de Lanhoso e a sua herança”, não áspera de uma pedra, viu que «alguém (quem?) gravou, talvez com o auxílio de uma faca ou de um prego, o mais dramático dos apelos: ‘Eu estive aqui e ninguém contará a minha história’». Afirma Sepúlveda que terá lido uns “Outro opositor do sacerdote e político [padre José Dias], sendo, contudo, seu amigo, foi Adolfo João mil livros, mas nunca um texto lhe pareceu “tão duro, tão enigmático, de Figueiredo, outro nome de rua. Em 1934, apresentou-se na pia do baptismo com quatro filhos para tão belo e ao mesmo tempo tão baptizar, duas meninas – a Liberdade Armanda e a República Isolina – e dois rapazes – o Armando dilacerante como aquele escrito Lenine e o Bento Staline. Armando Lenine contou a José Bento que, contra o que pode parecer ób- sobre uma pedra”. O escritor diz vio, o pai tinha feito uma pequena cedência ao padre José Dias, ao escolher os segundos nomes das não saber se a frase foi escrita por quem pensava “na sua saga raparigas – Armanda e Isolina – e os primeiros nomes dos rapazes – Armando e Bento.” pessoal, única e irrepetível” ou “em nome de todos aqueles que não
  • 7. Diário do Minho QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Cultura VII «Este livro, diz José Bento [na foto ao lado], “é uma deambulação, inte- ressada e apaixonada, pelos caminhos da vila e freguesia da Póvoa de Lanhoso”. Poder usufruir de uma visita guiada de um modo tão fascinante, durante a qual nos são mostrados lugares encantadores e nos é apresen- tada tanta gente inesquecível, é um privilégio para qualquer leitor.» faltaram aqui figuras históricas e contra o que pode parecer óbvio, dicionário (“o sangue espadanou, uma vez, quando escasseavam as pode ocorrer a necessidade de personalidades exemplares. José o pai tinha feito uma pequena o insulto referveu, as blasfémias pistas para esclarecer o topónimo lembrar o mais elementar. Citan- Bento evoca-as com justeza, do- cedência ao padre José Dias, ao uivaram”). Alto da Bela ou Laje da Bela. Em do Zilda Cardoso, autora de Rua cumentando o essencial daquilo escolher os segundos nomes das outras ocasiões, impõe-se censu- Paraíso, faz-se notar que “‘é essa que fizeram para serem credoras raparigas – Armanda e Isolina – e As voltas e a lógica rar as inconstâncias toponímicas. a lógica da toponímia… que a rua da admiração e estima povoense. os primeiros nomes dos rapazes – da toponímia “À política toponímica da Póvoa dos ferradores se chame Rua dos Armando e Bento. de Lanhoso bem pode aplicar-se Ferradores’”. Protagonistas de tensões Rua Central é um livro sobre to- o velho ditado de ‘cada cabeça e conflitos políticos Os protagonistas ponímia. José Bento verifica com cada sentença’, variando os crité- O povo num país rural que são vítimas rigor as explicações para certos rios de comissão para comissão, Mas a vila também teve prota- nomes. Por vezes, tem de as rejei- ou de vereador para vereador”, Como fez em outros livros, gonistas de tensões e conflitos. Rua Central permite traçar um tar. “Fantasias românticas, etimo- escreve José Bento sobre o facto José Bento escolhe um tema e Muitas vezes, por razões políticas. mapa das zonas de risco. Os pro- logias simplistas que não devem de haver ruas de novas urbaniza- ensina-nos muito, não só sobre a Antes de 25 de Abril de 1974, não tagonistas têm, aqui, o estatuto de corresponder a nada”, escreve ções sem nome próprio. Também Póvoa de Lanhoso e o Minho, mas se conseguia escapar à influência vítimas. Entre os locais mais peri- do padre José Dias, pároco da gosos do século XIX, encontrava- Póvoa de Lanhoso e presidente -se a Rua do Castelo. Aí, no dia 9 «“Às vezes até penso que a vila da Póvoa era uma terra envergonhada da sua da Câmara Municipal. Chegou à de Julho de 1885, o marceneiro própria condição e natureza. Os campos, as hortas e os quintais eram a sua Póvoa de Lanhoso no dia 19 de Joaquim António Ferraz ficou na Março de 1925 e, passados alguns penúria porque lhe arrombaram a essência, a sua retaguarda, o seu sustento. Os campos faziam parte da sua anos, já era proprietário de uma casa e roubaram os instrumentos identidade, do seu próprio nome (campo das Lourenças, campo do Lameirão, parte substantiva dos campos de de ofício. No dia 18 de Maio de campo Barbosa e Castro, campo do Amparo, campo da Feira). Mas detestava o Valdemil. Comenta José Bento 1890, foi o caseiro de João Baptis- povo, sacrificava-o no trabalho, explorava o seu suor, mantinha-o analfabeto, que “é o que se chama a magia ta Antunes Guimarães que viu a da multiplicação dos campos”. casa assaltada, tendo ficado sem desonrava as suas filhas, maltratava as criadas, humilhava-o nas repartições Admirado e detestado, para usar alguma roupa e lenços de lã e de públicas, embebedava-o nas tabernas escuras e mal cheirosas, mantinha-o termos do autor, encontramo-lo seda, no valor de 12 mil réis. Uma a broa e a caldo de couves sem azeite, enfim, tinha nojo dele”.» omnipresente neste livro, embora outra notícia recolhida por José não tenha o nome em qualquer Bento informa-nos que, na mes- rua, ao contrário de, por exemplo, ma rua, no dia 29 de Janeiro de João Augusto Ribeiro de Car- 1888, um rapaz, chamado António valho, um dos que se lhe opôs. Joaquim Cláudio, bateu na mãe, O antagonismo era, aliás, de tal Maria Cláudia. monta que João Carvalho, res- José Bento não se limita a trans- ponsável, em 1901, pelo reinício crever “faits divers” noticiados pela da publicação do semanário Maria imprensa. Interroga-os também, da Fonte, deixou uma “Carta de para mostrar a ideologia que Consciência” para ser aberta após através deles se transporta. Refe- a sua morte. Nela, como conta rindo que, em 1906, a imprensa José Bento, impunha um enterro local mostrava o lado mais per- civil, por não querer, “por princí- verso das peculiaridades da vida pio algum”, que o cadáver fosse no Lugar da Portela, num bairro acompanhado ao cemitério pelo dominado pela pobreza e pela padre José Dias. marginalização social, o autor Outro opositor do sacerdote e desconstrói com ironia uma no- político, sendo, contudo, seu ami- tícia sobre uma cena de pugilato go, foi Adolfo João de Figueiredo, que ali tivera lugar, fazendo notar outro nome de rua. Em 1934, o exagero da comparação entre apresentou-se na pia do baptismo o Lugar da Portela povoense e a com quatro filhos para baptizar, Mouraria lisboeta; o delírio hiper- duas meninas – a Liberdade bólico na caracterização do lugar Armanda e a República Isolina – e (“ali, onde a devassidão campeia dois rapazes – o Armando Leni- infame, mais impudicamente que ne e o Bento Staline. Armando o vício nos bacanais da Roma Lenine contou a José Bento que, antiga”); ou o excesso de uso do Castelo da Póvoa de Lanhoso e Capela de Nossa Senhora do Pilar
  • 8. VIII Cultura QUARTA-FEIRA, 10 de abril de 2013 Diário do Minho também sobre Portugal. O povo e exemplo que para aqui mais inte- numa escola da Póvoa de La- Milagres, clamores de aflição, doença ou calami- o país rural dos séculos passados ressa, pode-se reter que, em 1927, nhoso a partir de 1984, ano em e peregrinações dade. “Mas havia clamores que e de até há pouco encontra-se em testamento, “deixou duzentos que começou a funcionar a eram obrigatórios e se realiza- aqui muito bem retratado. contos para construir um prédio escola de instrução de condu- A rotina povoense é, obviamente, vam em dias calendarizados”. Na Retratado, analisado e denuncia- em condições modernas e higié- ção automóvel “Maria da Fonte”. quebrada em momentos espe- Póvoa, em 1874, “‘era de anti- do, como sucede neste extracto: nicas, onde pudessem funcionar A estupefacção é tanto maior ciais. São de natureza religiosa quíssimo e imemorial uso e cos- “Às vezes até penso que a vila da conjuntamente as escolas primá- quanto sabemos que Amândio algumas dessas ocasiões em que tume efectuarem-se anualmente Póvoa era uma terra envergo- rias para rapazes e raparigas”. de Oliveira foi um dos “pioneiros o tempo entra numa medida quatro clamores”, em honra da nhada da sua própria condição e Tendo, igualmente, enriquecido do transporte público em Portu- diferente da do quotidiano, tam- Visitação de Nossa Senhora a natureza. Os campos, as hortas e no Brasil, e embora não sendo gal”, ao apresentar, em 1926, no bém ele muito impregnado de Santa Isabel, em comemoração os quintais eram a sua essência, povoense, Joaquim Ferreira dos dia 28 de Março, em Garfe, onde religiosidade. do Anjo Custódio, em reverência a sua retaguarda, o seu sustento. Santos, o Conde de Ferreira, nascera, o seu primeiro veículo No dia 13 de Setembro de 1951, a de S. Francisco de Borja, e em Os campos faziam parte da sua conhecido pelo hospital que motorizado de transporte colec- Póvoa de Lanhoso recebe a ima- devoção do Patrocínio de Nossa identidade, do seu próprio nome ofereceu à cidade do Porto, legou, tivo de passageiros. gem peregrina de Nossa Senhora Senhora. (campo das Lourenças, campo em 1866, mil e duzentos réis para Rua Central revela-nos anúncios de Fátima. “Milhares de luzes bri- Outras práticas devocionais, do Lameirão, campo Barbosa e a edificação de uma escola de simples e, com certeza, eficazes. lhavam na terra como as estrelas associadas a outros lugares, Castro, campo do Amparo, campo instrução primaria na Póvoa de Não abusavam, como agora, do no céu”, diz o relato recuperado podiam ser citadas, como, por da Feira). Mas detestava o povo, Lanhoso. vício parolo de os sobrecarregar por José Bento. Na despedida, no exemplo, as peregrinações à sacrificava-o no trabalho, explora- A vila fez-se ainda de comer- com palavras e expressões de dia seguinte, houve “lágrimas, pre- Senhora do Pilar. E poderia va o seu suor, mantinha-o anal- ciantes. A vasta informação língua inglesa. O Barateiro da ces e aclamações”. E “milhares de continuar-se o percurso que nos fabeto, desonrava as suas filhas, sobre a vida comercial povoense Póvoa dizia ser “a casa que mais lenços a acenar”. O protagonismo leva dos hagiotopónimos, como maltratava as criadas, humilhava- suscita, aqui e ali, espanto. É barato vendia e melhor sortido é da multidão, mas, pouco tempo o lugar de S. Brás, bispo e mártir o nas repartições públicas, embe- que, no século XIX, havia lojas apresentava”; e a Casa das No- depois, um novo relato tem um em 316, que se celebra a 3 de bedava-o nas tabernas escuras e com produtos que apenas con- vidades, “uma casa nova com protagonista individual: “O meni- Fevereiro, na “romaria dos poses”, mal cheirosas, mantinha-o a broa sultando o dicionário (ou nem experiência antiga, para honrar o no – António Martins dos Reis, de até a ruas com nomes únicos, e a caldo de couves sem azeite, assim) se descobrirá o que são. comércio da Póvoa”. 8 anos de idade, filho de Bernardi- como a Rua do Ferro de Engomar, enfim, tinha nojo dele”. Em 1897, no Largo do Amparo, Alguns registos que José Bento no dos Reis e de Maria Joaquina assim designada por causa de um havia uma loja de fazendas e reproduz evidenciam a existência Martins, da Portela – depois da edifício de 1902 que se assemelha Os brasileiros e os comerciantes mercearias. “Chamava-se a Loja de actividades comerciais na Rua Bênção dos Doentes, foi para a um ferro de engomar. Podería- da Póvoa de Lanhoso do Povo e era do comerciante da Feira e Largo da Feira desde o casa de seus pais, com muleta, e, mos continuar, mas é tarefa im- José da Paixão Bastos”. Nela, início do século XVIII. A importân- passado pouco tempo, deixou-as possível sinalizar tudo o que faz a A Póvoa de Lanhoso foi também havia “fazendas, casimiras [pano cia de que a feira se revestia é tes- em casa e foi passear pelo lugar imensa variedade de Rua Central. obra de quem do campo emi- de lã fino e entrançado], chevio- temunhada pela abundante docu- e pela vila, causando admiração a Este livro, diz José Bento, “é grou. Para o Brasil, como António tes [tecido inglês de lã], picoti- mentação fotográfica apresentada todos os que o conheciam, desde uma deambulação, interessada Ferreira Lopes, em 1857. Para lhos [variedade de picote menos (e sendo impossível referir tudo o criança, agarrado às muletas. […] e apaixonada, pelos caminhos regressar benemérito. Afirma José grosso. Picote – 1. pano gros- que nesta obra é apreciá- Toda a gente o viu, toda a gente da vila e freguesia da Póvoa de Bento que é consensual ter sido seiro de lã ou burel; 2. ponto de vel, aproveite-se o pretexto para o vê”. Lanhoso”. Poder usufruir de uma ele “o grande impulsionador do renda], mercearia e arroz”. Um referir a mais-valia que representa Momentos especiais eram, visita guiada de um modo tão urbanismo moderno da Póvoa de dos produtos com o nome mais a abundante inclusão de fotogra- com certeza, os clamores, que fascinante, durante a qual nos são Lanhoso”. enigmático era o “caspolbento”, fias do autor e de arquivos). se realizavam muitas vezes na mostrados lugares encantadores Do generoso legado de António um remédio santo contra a cas- Em Rua Central – mais um mérito a antiga capela do Amparo. Os e nos é apresentada tanta gente Ferreira Lopes, dá boa conta Rua pa e a queda de cabelo, vendido acrescentar à já longa lista – apren- clamores, explica José Bento, inesquecível, é um privilégio para Central. “O hospital foi porven- na Loja dos Tabelados, no Largo de-se muito sobre, por exemplo, eram orações, procissões ou qualquer leitor. ◗ tura a obra mais importante para de António Ferreira Lopes. a arquitectura doméstica, o urba- peregrinações que se realizavam António Lopes, à qual ele devotou Motivo de espanto é, igualmen- nismo, os ofícios, o comércio, os em honra de um santo ou santa, [Este texto serviu para apresentação do livro Rua Central, de José Bento Silva, mais amor, mais entusiasmo e te, saber que apenas se tornou serviços, a vida quotidiana, as festas ou como forma de penitência e numa sessão realizada no dia 25 de mais carinho”, mas, para usar o possível aprender a conduzir ou a religiosidade. para rogar ajuda em momentos Janeiro, na Póvoa de Lanhoso] Dois opúsculos de Maria Eugénia com fins solidários é composto por mais de meia já estiveram expostos no edifício duzem quadros da autora. centena de textos poéticos; o do Turismo, em Braga, revertem a Muito mais do que se tornar co- segundo, intitulado “Vamos con- favor de instituições que apoiam nhecida como escritora ou pin- seguir neste mundo insensível”, doentes crónicos, nomeadamen- tora, Maria Eugénia (a ausência foi escrito, segundo afirma a te nas áreas da paramiloidose e de sobrenomes é prova disto própria autora, para “mostrar os da insuficiência renal (sujeitos a mesmo...) pretende contribuir problemas que as mulheres têm hemodiálise). para ajudar as pessoas que se para engravidar e durante o pe- Apesar de ter uma profissão que encontram em dificuldades, par- ríodo de gestação”. É composto em nada se relaciona com a arte ticularmente aquelas que, em por um conjunto de textos em literária, Maria Eugénia tem-se de- razão das doenças acima referidas, prosa poética, nos quais Maria Eu- dicado à escrita e também à pintura “sofrem caladas”. Maria Eugénia é autora de génia explora, com grande realismo, (neste última componente já expôs Os textos destes dois volumes dois opúsculos cujas vendas as dificuldades e as angústias – mas no Turismo e na Biblioteca Lúcio apresentam-se ao leitor como se destinam, parcialmente, também as alegrias – de quem ota Craveiro da Silva). O grande talento uma torrente de sentimentos, Maria Eugénia, a finalidades solidárias. O por ser mãe. que demonstra na pintura também onde o quotidiano é presença per- a autora dos opúsculos solidários primeiro volume intitula- Uma parte substancial das re- reverteu efeitos nos dois opúsculos, manente e a esperança é caminho -se “Surpresa Silenciosa” e ceitas destes dois volumes, que já que as capas dos mesmos repro- apontado ao futuro. M.M. ◗